QUEM
VIVE ACIMA DAS SUAS POSSIBILIDADES?
Primeiro
foram os mercados financeiros que, perante a crise, foram acusados de falta de
seriedade, em seguida, as finanças do Estado. Se os poderosos tornados
impotentes já não sabem nada de nada, só se lembram da sabedoria da avó. De
repente, em toda parte se fala dos males da dívida, como se tivesse havido uma
descoberta completamente nova. Diz-se que temos vivido acima das nossas
possibilidades. Mas o que significa isso? Se se tratasse de um mero
comportamento errado de pecadores do deficit, que tivessem violado o capitalismo
“correcto”, então simplesmente teriam de ir à falência todos aqueles que
não pudessem pagar as dívidas. Foi esse o caso do Lehman Brothers. Mas as
consequências revelaram-se tão devastadoras que, desde essa falência, têm
vindo a ser retardadas, com acções financeiras aventureiras. Em primeiro lugar
no sistema bancário, depois em grandes conglomerados empresariais, como a
General Motors, e finalmente em Estados, como a Grécia. Contra as leis do
mercado, os bancos centrais injectam cada vez mais liquidez nos mercados.
Perante isso, as poupanças anunciadas são uma gota de água no oceano.
Há
uma explicação simples para esta contradição inerente às medidas dos
governos. Devedores e credores já estão sempre numa relação de dependência
recíproca. A dívida de uns aparece como o crédito dos outros. Esta relação
assumiu hoje uma dimensão sem precedentes históricos. Como mostrou o colapso
do Lehman Brothers, qualquer grande falência ameaça arrastar atrás de si uma
reacção em cadeia global. Já não existe uma relação simples entre
devedores e credores, mas os activos tornados fictícios servem por sua vez de
pseudo-garantia na concessão de crédito. Todos os credores são também
devedores e vice-versa. A falência nacional grega teve de ser evitada, porque
importantes grandes bancos assentam em títulos de dívida pública duvidosos,
no montante de centenas de milhares de milhões de euros. O mesmo vale para os
créditos de cobrança duvidosa dos bancos entre si, das empresas do sector
produtivo e dos privados.
O
que ninguém quer reconhecer é que as capacidades de produção material
cresceram para além da forma social da valorização do capital. Portanto, também
não basta dizer que estamos perante uma socialização dos prejuízos à custa
dos contribuintes. Isso seria pressupor uma valorização real ainda intacta. Na
verdade, as bolhas do crédito, como antecipação de uma valorização futura
imaginária, tornaram-se uma base demasiado frágil para todo o sistema mundial.
Tomando como referência as forças produtivas sociais, então a maioria das
pessoas vive bem abaixo das suas possibilidades. Enquanto, de acordo com estatísticas
internacionais, a pobreza em massa global continua a aumentar, a existência da
muito invocada classe média, mesmo nos países emergentes, está dependente do
crédito insuflado, a nível nacional e transnacional. É desse crédito que se
alimenta, por exemplo, o saudado boom
de exportação da indústria automóvel. O adiamento da liquidação do
mercado, por meio de sucessivas garantias e consolidações da dívida, não
passa de uma tentativa de manter as forças produtivas prisioneiras da lógica
da valorização tornada insubstancial. Mas os buracos no sistema financeiro só
estão a ser tapados para se abrirem de novo. A próxima crise financeira está
a ser programada através das próprias medidas de adiamento, seja onde for que
ela vá começar. É o próprio modo de produção capitalista que há muito
tempo vive acima das suas possibilidades.
Original
WER
LEBT ÜBER SEINE VERHÄLTNISSE? in www.exit-online.org.
Publicado em Neues Deutschland,
25.06.2010