Robert Kurz
VENDEDORES DE
ALMAS
Como a crítica
da sociedade das mercadorias se torna ela própria uma mercadoria
"O Príncipe Belzebu assumiu pessoalmente um grande interesse por este tipo de
comércio e às vezes dignava-se ocupar-se de questões menores. Uma vez tive o
prazer de vê-lo negociando com um avarento a sua alma, a qual, depois de muito
engenhosas escaramuças de ambos os lados, Sua Alteza conseguiu obter pelo valor
de aproximadamente seis pence. O Príncipe comentou, com um sorriso, que ficava a
perder com o negócio."
Nathaniel Hawthorne,
The Celestial Railroad
[O Caminho de Ferro Celestial]
Nota Prévia: As disputas agudas no interior do campo designado com
optimismo "crítica do valor" só relutantemente são percebidas por muitos
receptores e receptoras. A consciência pós-modernamente contaminada evita
qualquer confronto aberto e desejaria não se comprometer mesmo com nada.
Gostar-se-ia sobretudo de, também no âmbito da pretensa teoria crítica, deixar
que o falso pluralismo não vinculativo, baseado por assim dizer numa dieta vegan
e que se tornou hegemónico na empresa de círculo de esquerda, pudesse continuar
tranquilamente, porque na verdade já há muito tempo não ser trata de outra
coisa. Mas a crítica categorial não pode por princípio ser pacífica. Não se
trata aqui de meras idiossincrasias pessoais. É essencial uma desavença
irreconciliável de conteúdo, que também se refere à metodologia. A discussão
aqui versará sobretudo sobre esta última.
Temos de lidar aqui, simultaneamente, com um problema social
geral, que tem o seu papel no conjunto da esquerda e também foi reproduzido de
um modo específico no contexto original da crítica do valor. A questão é a
forma de mercadoria da própria crítica da forma de mercadoria – e que
consequências se devem retirar deste paradoxo real. Se a revista vienense
Streifzüge se torna o objecto da polémica, este produto deve ser considerado
um mero exemplar do movimento interno da contradição entre forma e conteúdo da
crítica categorial. Essa dialéctica está também num contexto sociológico,
psico-social, epistémico e metodológico. Alguns momentos, já frequentemente
mencionados apenas de passagem em artigos anteriores (pois o conflito não é
inteiramente novo), sobre a qualidade de forma de mercadoria do publicismo da
crítica radical da dissociação-valor, sobre a forma da acção pública e sobre a
tipologia dos seus caracteres são aqui trazidos para um contexto sistemático
maior.
Sumário:
Empresário independente pós-moderno e empresa de crítica de esquerda / Crítica
do valor como oferta de mercadorias / O vendedor de bugigangas "de crítica do
valor" / Uso múltiplo / O conta-assinantes / Bonzinhos descarados /
Autopromotores mostrando a fraqueza humana / Também eu estou entre as
celebridades no panteão / O design é a mensagem / Política de slogans e
terapia ocupacional para a clientela / Lirismo da preocupação como literatura de
edificação / Para a metafísica de uma compreensibilidade comum / A síntese do
encadernador / O princípio do Karaoke /
"Apropriação"
como mania de originalidade e validade aparentemente autónomas / O clique dos
idiotas / O pequeno burguês "crítico do valor" como obra de arte total
Empresário independente pós-moderno e empresa de crítica de esquerda
Com os média de esquerda acontece o mesmo que com os
indivíduos de esquerda. De repente, a sua intenção outrora de crítica radical
parece-lhes uma espécie de loucura juvenil. A razão é sempre a mesma: o que foi
mal entendido em si mesmo como uma revolta contra o capitalismo muitas vezes era
apenas uma mistura de mau idealismo e militância adolescente. Ou seja, a loucura
juvenil nascida sem perspectivas, da qual secretamente já se sabia que mais
tarde isso seria certificado. Quando a fé de infância crescida acordou e se
começou possivelmente a pensar de forma independente, já houve uma
auto-orientação pela razão burguesa, ao invés de uma autofundamentação reflexiva
na crítica radical. Alguma vez se tem mesmo de constituir família, mudar para um
apartamento, pensar na reforma, e o passado de extrema-esquerda poder ser, por
exemplo, um belo rabo de cavalo de artista, que uma pessoa ainda se permite como
acessório de liberdade selvagem dum inconformismo encenado à medida dos
costumes. Nesta via, há muitas voltas e reviravoltas, mas elas são previsíveis e
a direcção tradicional conhecida: a saber, o regresso ao reino dos animais
empalhados, o ensino, escritórios de advocacia, festas de aniversários redondos,
exposições de arte e funerais respeitáveis. O que é de direita nas histórias de
vida individual da esquerda deve ser dado de barato nas metamorfoses das suas
publicações. Também elas são geralmente mais respeitáveis se não aparecem
pontualmente. E "respeitável" em tempos pós-modernos significa também:
suavemente tolerante das opiniões, sereno e sem ilusões na aceitação da
realidade.
No entanto, este percurso de vida de classe média de
esquerda, na normalidade burguesa sem graça, tem hoje algo de nostálgico. Se a
metamorfose até à inevitável revelação no caso das gerações mais velhas estava
ligada a determinadas fases da vida até bem recentemente, agora uma transição
bem sucedida e oportuna só existe em relativamente poucos segmentos das
profissões académicas. O que está em expansão, como é sabido, é a precariedade.
Para a "geração estágio" a tendência e desejo de estabelecimento já não ocorre
com o glorioso diploma, mas quase em simultâneo com a crise da meia idade.
Assume assim a forma de pânico, enquanto a situação dos filhos muitas vezes já
antes entrou em condições financeiramente impossíveis. Tanto mais violentamente
se impõe, nesta fase tardia, a imaginação de uma reputação recheada e de uma
história de sucesso; e nem que seja como pura ilusão patrocinada por pais e
mães, tão idosos como ansiosos, para certos descendentes. Quando já se perdeu o
comboio da carreira académica tradicional, a imaginação, muitas vezes tornada
ainda mais gananciosa precisamente por isso, já não conhece limites.
Naturalmente não é por acaso que esta sensibilidade surge
predominantemente como masculina. Agora já não são apenas os rapazes
habitualmente fanfarrões da Sturm und Drang [Tempestade e Ímpeto], (a)
que gostavam de se considerar génios, enquanto potenciais grandes literatos e
benfeitores da humanidade, mas são cada vez mais frequentemente até pais já um
pouco grisalhos de patchwork-families, que gostariam não de elaborar
criticamente a sua ausência de perspectivas, mas de reinterpretá-la
imediatamente como emancipatória e arvorá-la em princípio de uma vida melhor.
(1) No entanto, eles de facto já não conseguem socialmente o que Enzensberger
foi capaz de dizer da literatura como instituição, ou seja, que esta teria
conseguido, "fazer da própria crise o fundamento da sua existência" (Hans Magnus
Enzensberger, Gemeinplätze, die Neueste Literatur betreffend, [Lugares
comuns a respeito da novíssima literatura] in: Uber Literatur, Frankfurt/Main,
2009, 121).
Sob condições de crise entendidas de modo assim meramente
afirmativo, os média de esquerda, que na verdade já há muito tempo não têm nada
para dizer, mantêm-se por vezes para além do seu prazo de validade. Se o caminho
da carne capitalista de facto já foi percorrido, mas tal não é admitido, eles
parecem-se também com uma loucura juvenil envelhecida; e essa expressão de uma
pseudoboémia com olheiras é quase pior que a exposição de um professor do
secundário de sucesso com o cachimbo na boca. Para alguns jornalistas e
políticos de esquerda a autovalorização in spe já se tornou quase
equivalente ao conteúdo efectivo. Eles só estão aqui ainda porque não têm mais
nada para além da sua tasca intelectual, com que possam deitar a mão a algum
"capital cultural" (Bourdieu), se já não dá para pagar honorários. (2) Como
parte de um público auto-referencial que é o seu próprio produtor, eles têm de
agir tanto mais à maneira de caça-ratos no respectivo mercado de opinião.
Claro que existem diversas variantes de uma imprensa
sensacionalista de esquerda que se encena como subcultura. A
característica comum é geralmente a referência a paradigmas embonecados como
pós-modernos, mas substancialmente vazios e envelhecidos, dum pensamento tornado
inverdadeiro de constelações históricas do passado. Ao mesmo tempo, porém,
trata-se também de manifestações de um carácter social extremamente actual, que
entende os conteúdos em geral de modo meramente instrumental e para quem a
auto-reflexão é tanto mais estranha quanto mais se passeia com este termo.
Portanto, também uma crítica radical ao nível do desenvolvimento não está livre
de ser tomada pelos vendedores de almas de um empresariado ansioso do eu e da
vida. (3) Foi precisamente este tipo de usurpação que actuou como fundo para a
cisão da antiga crítica do valor. Não se trata aqui, de modo nenhum, apenas de
conteúdos teóricos cognitivos, que deslizam e se viram em construções
ideológicas oportunistas e francamente reaccionárias, mas também da forma de
apresentação, como conteúdo sui generis. A revista vienense Streifzüge,
que até agora de algum modo se tem apresentado sob o rótulo de "crítica do
valor", mesmo que apenas de forma vaga e indecisa, oferece material ilustrativo
diverso para submeter a uma análise crítica este fenómeno mais geral na floresta
mediática de esquerda. (4)
Crítica do valor como oferta de mercadorias
A crítica categorial do trabalho abstracto, da forma da
mercadoria, do sujeito automático da valorização e da relação de dissociação
sexual vê-se perante um problema que a distingue fundamentalmente do marxismo
tradicional. Este último, uma vez que em toda a sua vida ignorou ou excluiu como
objecto da crítica as categorias de base capitalistas, pôde nomeadamente
formular a pretensa emancipação socialista convenientemente nas formas do
próprio contexto formal capitalista e fazer-se passar como sua extensão apenas
diferentemente moderada ("esquerda da modernização"). Este impulso teve a sua
eficácia histórica sob condições que já ultrapassaram a data de validade. Para a
crítica da dissociação-valor, no entanto, existe hoje, entre as "formas
objectivas de existência" dominantes e a socialidade socialmente emancipada,
justamente aquela "ruptura categorial", que apenas pode começar por ser
formulada negativamente e em termos de conteúdo teórico, mas só pode ser
construída praticamente através de um "processo de mediação" complexo e do
conjunto da sociedade, de modo nenhum "derivável" dedutivamente. Para a "falsa
imediatidade" da consciência de esquerda, que pretende ver "valor alimentar"
prático imediato, este problema da mediação torna-se uma pedra no caminho.
Nas publicações da crítica da dissociação-valor como tais o
problema aparece na contradição inevitável entre a crítica categorial do
conteúdo, por um lado, e a forma de mercadoria ou mediação do mercado
(estruturalmente "masculina") da esfera pública teórica, por outro. O ponto de
partida necessariamente imanente obriga em toda a prática a fazer aparecer o
conteúdo crítico na forma social externa da própria relação criticada, isto é,
por meio de uma editora, com a correspondente produção de livros e revistas. Não
há outra possibilidade senão a esfera da circulação burguesa para pôr a circular
as ideias da crítica categorial. A contradição inerente a isto não pode ser
ignorada com um simples truque ou uma mera reinterpretação, enquanto um
movimento de transformação social global não começar a fazer explodir a relação
de capital como um todo. Portanto, não passa de um miserável moralismo, se se
recusa maliciosamente aos/às representantes da crítica categorial o estatuto de
"bens pagos" das suas publicações, jogando-o contra o conteúdo, como se esta
produção teórica particular (ou a publicação de livros e revistas em geral)
isoladamente transcendesse sozinha o contexto social dominante por força do
conteúdo e andasse imediatamente aqui e agora "no lado de lá", num além da
socialização do valor.
Nas publicações teóricas e analíticas da crítica radical é
preciso não só aguentar a contradição com a sua forma de mercadoria, inevitável
sob relações capitalistas, mas sobretudo imunizar o conteúdo, para que não seja
distorcido e absorvido por essa forma até se tornar irreconhecível. Conteúdos
teóricos e culturais em geral, se forem levadas a sério como tais, mantêm um
certo peso perante o seu estatuto formal como objectos de circulação burguesa.
Meio século atrás, o jovem Habermas, então aluno de Adorno e ainda não
totalmente transformado em filósofo do Estado democrático, chamou a atenção
neste contexto para o carácter original da esfera pública burguesa nascente,
uma vez que esta teve de se impor, também quanto ao conteúdo, contra a
esfera pública anterior de relações pessoais de representação social: "A
comercialização dos bens culturais era de facto outrora um pressuposto
para a argumentação; mas permaneceu fundamentalmente excluída das relações de
troca" (Jürgen Habermas, Strukturwandel der
Öffentlichkeit [Transformação estrutural da esfera pública],
Frankfurt/Main 1990, 1ª ed. 1962, p. 252, destaque de Habermas).
Nesta fase de constituição, portanto, a esfera pública
burguesa estava longe de estar desenvolvida até à sua posterior
reconhecibilidade plena: "Os valores de troca ainda não ganham qualquer
influência na qualidade dos bens em si: até hoje, liga-se ao negócio de bens
culturais algo de incompatibilidade deste tipo de produtos com a sua forma de
mercadoria" (Habermas, op cit, p. 253 s.). Como Adorno de outro modo, Habermas
também vê aqui a relação original entre o conteúdo e a forma da circulação das
ideias iluministas mais ou menos como um ideal positivo que ainda espera
"realização", porque estaria em contradição com a continuação do desenvolvimento
dialéctico da esfera pública burguesa. Mas, se este desenvolvimento constitui
uma necessidade imanente, então não há nada de positivo "a conservar". Pelo
contrário, já na própria lógica da argumentação "original" residia o facto de a
abstracção do valor e a relação de dissociação devorarem afinal o conteúdo
espiritual, porque e na medida em que este corresponde àquelas e, portanto,
apenas nos primeiros tempos tinha que ser explícito e problemático.
Este processo também poderia ser expresso na terminologia da
crítica da economia política de Marx: designadamente como passagem da "subsunção
formal" para a "subsunção real" ao capital, não só dos "bens" industriais, mas
também dos “bens” culturais e teóricos. Tal como a subsunção inicialmente
meramente formal não pode ser entendida como um objecto de superação positivo
idealizado contra os males da subsunção real, tão pouco o pode ser a esfera
pública do iluminismo burguês ainda não devorada pela abstracção androcêntrica
do valor contra o seu estado final trágico. Justamente o conteúdo essencial do
próprio pensamento iluminista não expressara filosoficamente senão o próprio
objectivo desta devoração. A não-absorção inicial deste conteúdo da razão
capitalista na sua própria forma social foi, portanto, ela própria determinada
apenas formalmente e um momento passageiro da sua imposição histórica.
Para a esfera pública das publicações da crítica categorial,
isto significa que uma subsunção formal conscientemente assumida dos seus
produtos (ou seja, a sua exterioridade na forma da mercadoria) não deve ser mal
entendida como o início de uma "superação" positiva, no sentido da "realização"
do conteúdo idealizado da ideologia do Iluminismo, mas sim entendida como mal
necessário de um ponto de partida da imanência negativa. Contra esta
inevitável imanência, no entanto, é afirmado um conteúdo completamente
diferente, que visa romper com a forma em geral e não se deixa esconjurar desta
determinação pela "compulsão muda" dessa mesma forma.
Justamente neste aspecto, pode-se observar na cisão da
antiga crítica do valor uma dialéctica dupla e contraditória. A teoria crítica
da dissociação-valor, representada actualmente pelas publicações dos autores da
EXIT, por um lado, recusa aquela falsa imediatidade que age como se os produtos
das publicações teóricas pudessem ser desprendidos de modo imediato e meramente
exterior da sua forma de mercadoria, independentemente da restante reprodução
social; portanto, muito abaixo do nível de um movimento de transformação social
global. Isso não significaria senão degradar a produção teórica a uma ocupação
de tempos livres, com uma argumentação amadora no mau sentido, porque o "sem
custos" sob condições quanto ao resto capitalistas não possibilita qualquer
fundo de recursos e de tempo como o que exige a elaboração séria da teoria e a
sua circulação. (5) Mas, por outro lado, esta crítica da falsa imediatidade
implica que o conteúdo radical da crítica da forma e da dissociação rejeite
fundamentalmente qualquer subsunção real. Isso significa que esse
conteúdo em caso nenhum pode ser subordinado aos "pontos de vista da estratégia
de vendas" (Habermas, ibid, 254), como se se estivesse a gerir uma marca. Ele
tem de impedir qualquer "apresentação" sua como mercadoria que simplesmente é
preciso despachar.
Exactamente ao contrário se passam as coisas no caso do
"prazer de transformação em magazine", como assinalam clownescamente no
subtítulo os da Strefzüge o seu próprio ímpeto. Por um lado, elogia-se
aqui justamente aquela falsa imediatidade que é fundamentalmente criticada pela
EXIT. A "transformação" deve ter lugar nas relações de círculo limitado a quatro
paredes, por assim dizer ao nível da sala com kitchnette (e, claro, na
Internet). A teoria não é medida pelo poder explicativo do seu conteúdo, pelo
contrário, segundo o pregador das Streifzüge Lorenz Glatz, é medida pela
compatibilidade pessoal dos seus portadores com as convulsões do "senso comum
social" ( What we do matters,
Streifzüge 47/2009) e pela vontade humilde de o "influenciar
participando" (ibid.), em vez de marcar distância com a crítica da ideologia.
Invocando a ideóloga da alternativa Friederike Habermann, Glatz coloca esta
perspectiva de imediatidade expressamente em contraste com a orientação para um
"movimento de resistência social" de toda a sociedade armado com a "inovação
teórica" (e, portanto, para uma "influência participativa" completamente
diferente), orientação que ele pretende que seja considerada como mera expressão
de "desespero" no Schwarzbuch Kapitalismus
[Livro negro do capitalismo] de Kurz" (ibid.).
Nesse sentido, os das
Streifzüge gostariam de se sentir atraídos
a encarnar já o "Outro", mesmo sob a forma do próprio órgão jornalístico. Eles
vêem-se já imediatamente para além da forma da mercadoria "um pouco mais" (esta
a formulação, notoriamente estúpida ao máximo, de uma alternativa tacanha ao
único verdadeiro "tudo ou nada"); não só pela disseminação de um intenso cheiro
a estábulo ideológico, que por natureza não passa de simples técnica teatral,
mas também directamente em termos económicos, com a "ausência de custos" de uma
edição completamente electrónica, a ser gradualmente colocada em rede em
paralelo com o "produto pago" da edição impressa. Esta dúplice estratégia
hipócrita gostaria de embolsar o bónus de um "além" supostamente bem-sucedido,
mas precisamente criando uma espécie de pressão moral para pagar um tributo ao
"aquém" muito na forma da mercadoria. Basicamente, a edição gratuita na rede
constitui uma espécie de brinde promocional que o lorpa do utilizador depois
deve afinal comprar como agradecimento pela oferta "do além". (6)
Na realidade, justamente este postulado de imediatidade
pseudotransformadora vai em contrapartida de par com elementos de uma subsunção
já não meramente formal, mas também real do conteúdo "crítico" na forma
de mercadoria. Tanto a "colocação e selecção, feitura e apresentação das obras"
como também "a sua produção como tal" (Habermas, ibid, 254) seguem os ditames da
cultura de consumo: "as leis do mercado (já) estão inseridas na substância das
obras, tornaram-se-lhe imanentes como leis da configuração" (ibidem).
De modo involuntário e aparentemente inconsciente, a
produção jornalística assume uma fachada para a qual, nos tempos melhores
da antiga Nova Esquerda, fora encontrada a expressão "estética da mercadoria"
(ver Wolfgang Fritz Haug, Kritik der Warenästhetik
[Crítica
da estética da mercadoria], Frankfurt/Main, 1972). (7) Até a "crítica da forma
da mercadoria", mesmo não penetrada conceptualmente mas sim moralizadora, é num
sentido muito amplo tratada na forma da mercadoria como "abstracção estética" e
"tecnocracia da sensualidade" (Haug, ibid, p. 9). Esta assume o princípio da
configuração de uma "objectualidade da opinão" (8) que, com o recurso a uma
sociologia da "apresentação", já nos anos de 1960 poderia referir-se a "um
partido político, uma estrela de cinema ou um sabonete" (Haug, op. cit., 37) e
se torna imagem de uma "factualidade psicológica" (ibid., 35). É nesta
"aparência" (ibid., 37) que a forma do valor começa a devorar o conteúdo e, por
maioria da razão, a crítica da dissociação que mais uma vez lhe está
particularmente atravessada.
O vendedor de bugigangas "de crítica do valor"
É claro que a elaboração teórica da teoria da
dissociação-valor também quer pôr os seus conteúdos a circular, mas não à custa
da sua apresentação na estética das mercadorias. Isso já começa com o facto de
que o conteúdo como tal já tem de ser a sua própria apresentação, e não embalado
como uma "beldade mercantil" (Haug, op cit, p. 11), nem promovido externamente
numa linguagem de insinuação, como se não pudesse falar por si, por ser
apenas um "sabonete". Como se sabe, essa lógica do mercado há muito tempo que
atingiu a política. Analogamente ao objecto mercantil, "o político" figura "como
fornecedor de si mesmo" (Haug, op cit, 38) e não como representante de um
conteúdo, porque o conteúdo em qualquer caso já foi pré-determinado pela máquina
da valorização. É exactamente destas "técnicas de 'aproximação'" (ibid., 38) e
do correspondente "tornar-se simpático" (ibid., 38) que a teoria crítica tem de
se livrar, já na sua forma exterior mercantil. Aqui só pode tratar-se de pôr à
discussão, com argumentos, a pretensão de verdade histórica da crítica
categorial e de fazê-la valer na polémica contra o pensamento afirmativo,
orientado pelos paradigmas obsoletos da "luta pelo reconhecimento (burguês)";
não, porém, de assumir "funções de publicidade… com objectivos de public
relations" (Habermas, ibid, 267).
A Streifzüge, pelo contrário, segue explicitamente a
técnica "da aproximação e do tornar-se simpático" já no respectivo
anúncio-proclamação: "Esforçámo-nos, como sempre, por criar um número apelativo.
Queremo-nos expandir e disseminar em todos os sentidos" (Franz Schandl,
EINlauf Wohnen [Hall de entrada], editorial
Streifzüge 47/2009). Mais valia ficarmos paralisados do que tentar tornar
mais saborosa a produção de teoria e de análise críticas, com a promessa de uma
"forma apelativa" a um público já por isso tomado por estúpido. Como se poderia,
por exemplo, estetizar a análise e crítica de um interesse de classe média
auto-afirmativo, ou as formações ideológicas em geral, de tal modo que o produto
se tornasse uma mercadoria "bonitinha", em vez de exprimir um confronto negador?
Pretender ser "apelativo" significa oferecer a "amabilidade"
da "apresentação", o que quer dizer retirar do conteúdo qualquer inconveniência,
com o objectivo de caçar clientes e torná-lo mesmo diretamente compatível com o
senso comum irreflectido. Tal como acontece com as empresas do mercado e os
partidos políticos, a "venda" e a obtenção fraudulenta de "aceitação" torna-se o
verdadeiro fim (em si) e o conteúdo é degradado a algo secundário e acidental,
não essencial perante a apresentação. Tradicionalmente o mercado publicitário e
a agitprop politicista já têm por objectivo "expandir-se e disseminar-se em
todos os sentidos", independentemente do seu objecto original. A passagem da
(falsa) "promessa de valor de uso" para o "nome da marca" separado "do corpo da
mercadoria" (Haug, op cit, 26 e segs), bem como dos programas políticos da
história da imposição do capitalismo para a "tecnologia das marcas" das
sondagens de opinião (ibid., 39) da miséria dos partidos consumou-se na história
do pós-guerra e já há muito que atingiu também a produção teórica.
É esta "queda tendencial da esfera pública literária" (Habermas,
ibid, 257) que se reproduz inconscientemente com a ânsia de Schandl de "expandir
em todos os sentidos" a reflexão crítica, independentemente do potencial de
conflito. A expressão, no entanto, também tem algo de involuntariamente cómico e
mais lembra uma personagem de banda desenhada, já pedrada, que atesta no balão
que agora está de novo bastante "grande". O anúncio explícito de pretender
apresentar-se "apelativo" segue, na verdade, o impulso de estética da mercadoria
da estratégia de vendas para a "objectualidade da opinião"; mas não tem a
sofisticação refinada, ainda que há muito utilizada, da indústria da
publicidade. Uma agência que tem para oferecer o último modelo da BMW como uma
bela mercadoria, ou de elaborar uma campanha eleitoral para uma personagem
política, não vai pôr-se a dizer: Olá, esforçámo-nos por uma "apresentação
apelativa" porque nos queremos "expandir". Não iria esfregar repetidamente no
nariz do potencial consumidor este plano, que naturalmente é como tal
pressuposto e conhecido, mas tentar impingir-lho indirecta e discretamente, como
se fosse o próprio plano e intenção dele.
Mas tanto esforço na "técnica de aproximação" é coisa que os
da Streifzüge não conseguem despender. A sua auto-apresentação mais faz
lembrar os apelos de um vendedor ambulante, ou do folheto publicitário de uma
loja da tia, por exemplo, segundo o lema: "No pequeno comércio compra-se bom e
barato". (9) Já há cinco anos, quando a tendência para "tornar-se simpático" foi
identificada, Roswitha Scholz tinha definido o que isso significa quando "se
procura ligação… à consciência imediata..." (Roswitha Scholz,
Der Mai ist gekommen [Maio chegou], in:
Exit 2/2005, 107 ). Pode então acontecer, nomeadamente, que "uma 'crítica do
valor' reducionista seja vendida ao desbarato pelo vendedor de bugigangas
pós-moderno, como quem vende sabonetes ou aspiradores" (ibid.).
Na verdade, a imagem do vendedor de bugigangas "de crítica
do valor" corresponde da melhor maneira à realidade dos factos. A deturpação e
prostituição do conteúdo crítico tem algo da aparência psico-social de um
sujeito da mercadoria depravado, que tem de vender na rua café ou o próprio
rabo. Tão pouco, porém, o verdadeiro vendedor de bugigangas ou as situações
difíceis deste tipo em geral, em que as pessoas têm de ganhar a vida de modo
degradante, devem dar ocasião à sua denúncia, como é também inaceitável que a
teoria crítica "também deva ser arvorada em mercadoria aos berros, de acordo com
o intento dos actores, quando a própria existência se torna precária e uma
pessoa se ilude com a sua vantagem no mercado" (Scholz, ibidem, 107). Isto é
especialmente verdade quando uma "crítica do valor" usurpada também aparece
ainda com a falsa pretensão de transcendência imediata, enquanto ao mesmo tempo
orienta este conteúdo em termos de estética da mercadoria no nível mais baixo.
Isso começa já com a "diversidade" puramente formal das contribuições ou do seu
modo de apresentação.
Uso múltiplo
Há muito se sabe que na
scientific community a máxima compulsiva que vigora é:
publish or perish. Quem pretende afirmar-se
no mercado científico tem de manter-se constantemente em acção e chamar a
atenção para si com publicações. À mesma pressão estão expostos/as os
produtores/as "livres" de conteúdos, no mercado da literatura, da cultura e da
opinião. Se não quiserem cair rapidamente no esquecimento, têm de passar
necessidades para se manterem na "economia da atenção" (Georg Franck) da
indústria cultural. Aqui a velocidade de fluxo aumentou significativamente na
últimas décadas . Também as modas do espírito do tempo se mudam com uma
velocidade crescente, na "pausa frenética" (Paul Virilio) de um público que já
não existe mais. O actual "queridinho da estação" pode ser um cão morto já
amanhã. Livros de todos os tipos aterram cada vez mais rapidamente na mesa das
tralhas ou no mercado secundário da venda directa de livros em segunda mão;
enquanto se aguarda pelo próximo impulso de publicação. E, infelizmente, o
"novo" XY não surge com anúncio atempado do marketing literário.
É inquestionável que a qualidade sofre com isso. A questão
já não é um conteúdo prático ou artístico ser desenvolvido e depois publicado de
acordo com os seus próprios critérios, mas sim o contrário: a produção de
conteúdos orienta-se pelos critérios que lhe são alheios da empresa de
publicações, na sua própria dinâmica conforme ao mercado e respectivas leis.
Mesmo a elaboração e análise da teoria crítica está submetida a este processo
até um certo grau, na medida em que deve ser injectada, se possível, na maior
abrangência da circulação burguesa. Ela tem então de se submeter aos
constrangimentos cíclicos da época de Primavera e de Outono, das feiras de
literatura, dos caixeiros viajantes, do comércio de livros etc, que estão
historicamente sobreaquecidos, justamente porque o empreendimento é vazio de
conteúdo e ameaça sufocar a inovação com o seu próprio peso. Mas, se não se pode
evitar completamente tais constrangimentos no espaço de publicações maiores,
seria adequado retirar pelo menos o órgão de publicação própria deste momento de
subsunção real na forma da mercadoria.
A antiga crítica do valor tinha sublinhado a independência
da teoria perante o "ciclo maníaco-depressivo" dos círculos do movimento, com as
suas campanhas conjunturais. A produção própria de conteúdos de crítica da
dissociação-valor da EXIT manteve-se fiel a este postulado. Embora a publicação
de livros em editoras exteriores e de comentários jornalísticos ou análises na
imprensa diária e semanal esteja necessariamente ligada ao respectivo horizonte
temporal e forma de apresentação, isso não é válido para a produção de teoria da
crítica da dissociação-valor em si. Justamente por isso é indispensável um órgão
de publicação próprio, porque ele pode ser orientado apenas por critérios de
desenvolvimento do conteúdo e não tem de oferecer os seus préstimos aos ciclos
erráticos do movimento, nem às conjunturas de mercado do espírito do tempo e da
indústria cultural. Nas condições actuais da elaboração teórica e da recepção, a
forma necessária do correspondente meio impresso da EXIT só pode aparecer como
uma revista relativamente extensa e numa periodicidade mais ou menos anual. Isso
não significa que uma maior frequência esteja excluída. Mas uma mudança da forma
de apresentação e possivelmente do formato teria de ser amadurecida a partir do
desenvolvimento da própria produção de conteúdos e exigiria uma maior cobertura
da equipe de autores/as e da redacção no terreno da crítica da dissociação-valor.
Mesmo com diferentes formatos de texto, de modo algum se pode aceitar uma
qualidade inferior, o que exige os correspondentes recursos de tempo.
É exactamente o contrário que se passa com a Streifzüge.
A pretensão de aparecer três vezes por ano em formato de magazine de modo
nenhum surgiu a partir de um desenvolvimento interno do conteúdo e da sua
recepção, mas unicamente a partir da oferta autonomizada do vendedor, que
pretende "expandir-se e disseminar-se em todos os sentidos". Este facto pode ser
lido no sentido de que não é uma produção de conteúdo que encontra uma forma, de
acordo com os seus próprios critérios, pelo contrário, é uma "forma vazia"
apriorística (aqui quase naturalmente: um formato jornalístico) que tem de ser
"enchida". É justamente nisso que consiste a característica mais geral da
subsunção real de tais produtos. (10) Para poder apresentar-se regularmente, a
Streifzüge tem de consumar uma reorientação para os ciclos do movimento e
do espírito do tempo, a fim de agarrar os respectivos "temas" amplamente, sem
confronto de conteúdos, mas não só. Trata-se também ainda de algo diferente.
Na actividade de publicação académica é notório o fenómeno
do "uso múltiplo". O postulado de publish or perish leva a que um único e
mesmo artigo seja publicado em diferentes sítios com pequenas variações e
alteração do título, para simular uma certa omnipresença e a produção científica
em linha de montagem. Também são populares os "blocos de texto", que são
constantemente reagrupados da mesma maneira e são fornecidos com pequenas
adições. De facto, pode fazer todo o sentido permitir a publicação de alguns
textos novos ou particularmente polémicos, que após uma primeira publicação são
solicitados por todos os média possíveis, necessariamente em versões diversas,
curtas ou longas, do texto original. Mas isso é apenas a excepção na publicação
em função do conteúdo. O caso é completamente diferente, pelo contrário, se esse
modo de proceder se torna sistemático, incluindo formatos de texto mesmo
secundários e qualquer conteúdo em geral, como há muito vem acontecendo. O facto
de isso se tornar uma redundância cansativa em diversas revistas especializadas
é aceite como condição do negócio e tornou-se um hábito. No entanto, os
periódicos têm de insistir, pelo menos formalmente, em artigos originais, que
não tenham sido já publicados iguais noutros sítios. Isto é particularmente
verdadeiro no caso das revistas para o grande público, no mercado de opinião
"livre", as quais não podem dar-se ao luxo de viver do "uso múltiplo" facilmente
reconhecível, que apenas afugentaria os consumidores.
A Streifzüge comporta-se agora, por um lado, como um
periódico "feito magazine" neste mercado; por outro lado, dificilmente está em
posição de "encher" o balde com contribuições realmente originais. Pretende-se
escamotear este dilema através da referência ao "além", na base da mentalidade
do gratuito dos utilizadores. Mas os artigos impressos não só aparecem
simultaneamente ou com atraso na sua homepage, como também já foram publicados
em partes significativas noutro lugar; em parte, na imprensa diária ou semanal
de esquerda, mas principalmente em vários blogs, listas de discussão etc. –
muitas vezes semanas ou mesmo meses antes, em versões mais longas. A
Streifzüge não passa assim do Readers Digest de um determinado
espectro de "objectualidade da opinião". Se eles, no conteúdo, tivessem a
honestidade de apresentar apenas artigos originais, salvo excepções
justificáveis, poderiam facilmente poupar um ou até mesmo dois dos três números
anuais. Imagine-se que a EXIT, no interesse de uma maior frequência da
publicação à maneira do mercado, publicava novamente, para "encher" páginas, a
maioria dos artigos, comentários, entrevistas etc. dos seus autores, já
publicados na homepage e/ou noutros meios impressos. (11) É justamente este
gozar com o público e com os assinantes que é promovido pela Streifzüge
sistematicamente. Por isso eles são ainda mais forçados a criar uma
identificação com a estética da mercadoria através da técnica da "aproximação",
para fazer esquecer o vazio da forma da publicação.
O conta-assinantes
Pertence à técnica elementar do marketing na esfera
jornalística não insistir na compreensão intelectual, na assimilação e na força
do esclarecimento, mas numa identificação psico-social com o produto, que
deve ser implantada no orçamento dos sentimentos dos potenciais consumidores,
independentemente de qualquer conteúdo e autonomizada perante ele. A forma mais
simples desta psicologia publicitária exprime-se na publicidade das assinaturas.
Naturalmente que a existência de um periódico de teoria crítica depende das
assinaturas pagas e é legítimo chamar a atenção para isso. Algo muito diferente,
no entanto, é não alegar justificadamente essa necessidade como tal, mas
encená-la como uma identificação teatral. A difícil compulsão económica é
assim projectada num plano completamente diferente e obscurecida. Aqui é preciso
voltar mais uma vez à problemática do consumo "gratuito" na Internet já referida
noutro lugar (Robert Kurz,
O desvalor do desconhecimento, in: EXIT 5/2008).
No campo académico, este modo funciona parcialmente, porque
a existência na forma da mercadoria é indirectamente assegurada. Os/as
autores/as não vivem de honorários cobrados pelos textos, mas do salário
financiado pelo Estado em função da sua posição académica (mesmo se também este
ameaça tornar-se precário, sobretudo para os assistentes); eles disponibilizam
os textos gratuitamente, esperando colher daí "capital cultural" para subir na
carreira académica. Por outro lado, os editores académicos recebem direitos das
universidades, se elas não colocam as suas publicações (muitas vezes não
impressas) à disposição para acesso electrónico gratuito (limitado à
universidade). A reprodução destas publicações na forma da mercadoria vive em
última análise da subvenção estatal, embora esta última possa ser reduzida no
decurso de uma crise agravada das finanças públicas. Comparado com o mercado
"livre" de livros e revistas, trata-se de um espaço de publicação relativamente
protegido, cujos actores naturalmente não arvoram a pretensão de transcender a
forma da mercadoria.
A auto-ilusão acima delineada da Streifzüge, ao
pretender oferecer a sua publicação como imediatamente "além" da forma da
mercadoria, disponibilizando-a gratuitamente na Net, esbarra obviamente na sua
existência incontornável no mercado "livre" de publicações. Essa contradição
aparece fundamentalmente como estratégia de duplicidade, ao tornar-se deste modo
"simpática" para a mentalidade do utilizador a fim de simultaneamente e apesar
disso o depenar, e não só. Mais que isso, o paradoxo do ambíguo comportamento de
mercado aumenta ainda mais quando a pressão moral, explorada discretamente nesse
sentido, se manifesta justamente como marketing da fanfarronice: "A
Streifzüge exige 300 assinantes" (o mesmo acontece diversas vezes com
variados números na capa da Streifzüge nos últimos anos) . De quem se
exige e por que motivos? Numa das suas banais charlas sobre "venda", escrevera o
editor da Streifzüge: "Vender também tem a ver com conseguir sacar. Se há
no mercado muitos a quererem conseguir sacar (leia-se também como salteadores),
a guerra contra eles é inevitável" (Franz Schandl,
Vom Verkaufen [Da venda], Streifzüge 38/2006). Com o seu
"exigir" não fundamentado, agora é a própria folha que assume ela mesma a pose
de salteador. Não é o conteúdo que fala, e não é aos leitores que é deixado o
julgamento sobre se vale a pena assinar. Em vez disso, o verbo "exigir" pretende
sugerir que aqui surge uma força musculada no palco do "assalto", à qual se faz
concessões e se paga um tributo, se não se quer cair na exclusão da comunidade
dos que têm capacidade reivindicativa.
É claro que esta é uma técnica de publicidade bastante
primitiva, a fim de criar identificação com o assaltante. Mais primitiva se
torna essa técnica quando a Streifzüge,
de tempos a tempos, apresenta a sua impressionante atitude reivindicativa como
uma espécie de velocímetro das assinaturas. As 300 ou 350 etc. ainda não foram
atingidas, mas o "conta-assinantes" já apresenta 279. Agora o público é suposto
torcer para que o objectivo seja alcançado num futuro próximo; mais ou menos
como no finish de um atleta ou piloto favorito, que gostaríamos de ver
ganhar – aqui justamente no finish agonal do "assalto". Assim se torna a
crítica radical, afinal em muitos aspectos há muito tempo reduzida a "objectualidade
da circulação", ela própria de imediato literalmente uma habilidosa "na
corrida", na arena da "objectualidade da opinião". A forma da "venda" desmente o
conteúdo (ou equivale à sua redução); e de repente o público é transferido para
a parte dos "fãs" que precisam apenas de preencher um formulário para ajudarem a
completar o objectivo exterior da venda. (12)
Bonzinhos descarados
Outro aspecto da publicidade da simpatia sem conteúdo
consiste em se apresentar, também relativamente a cada texto, na forma de
auto-empacotamento, o que mais uma vez deve estimular que "se partilhe a febre"
externamente. Na capa os textos são correspondentemente anunciados numa
linguagem de imprensa cor-de-rosa, com que se gostaria de sugerir a própria
irresistibilidade: "Werner Rätz realiza-se", "Erich Ribolits educa-se", "Lorenz
Glatz pensa-se", "Maria Wölflingseder critica-se" (Streifzüge 33/2005).
Esta auto-apresentação na estética da mercadoria, subordinando o conteúdo ao
show de uma personalidade, aumenta ainda mais, atingindo um tom de militância
artificial: "Exner bombardeia armazém", "Wölflingseder arruína hospício", "Schandl
liquida armazém de venda", "Meretz extermina o copyright", "Wendler pronto para
disparar" e, claro, "Streifzüge acima dos 300" (capa de Streifzüge
38/2006). Aqui ainda nos atinge mais estridentemente aquela agressividade verbal
calculada, embora a encenação funcione bastante forçada e na verdade um pouco
cansada. Para a pretensão de conteúdo da crítica da dissociação-valor,
naturalmente, seriam completamente impossíveis tais indicadores do conteúdo de
uma psique penosa. O artigo "Uma contradição entre matéria e forma" não poderia
ser apresentado como "Ortlieb bombardeia leituras de Marx", nem "O desvalor do
desconhecimento" como "Kurz extermina o copyleft" etc.
A Streifzüge, pelo contrário, tem de assumir na capa
tais poses (ou similares, o gesto pode variar), justamente porque ao exercício
simulado de músculo não se segue qualquer encaixe de conteúdo. A intenção é,
provavelmente, um tipo específico de identificação: o público deve vivenciar os
apresentadores-produtores de texto, apresentados por assim dizer como lutadores
de wrestling, como ídolos, ou, para usar outra imagem adequada, como a equipa
"própria" num jogo internacional; e, de facto, não simplesmente à maneira dos
fãs habituais, mas como claques verdadeiramente fanáticas, geralmente de
conotação feminina (por Frank Zappa designadas "cadelas da equipa").
Gostar-se-ia de formar uma aura de superioridade, optimismo e vivacidade com que
o público, como numa exibição, se tornasse num ajuntamento de grosseiras cadelas
da equipa, mesmo que apenas na própria imaginação. O pertencer a uma equipa
poderia significar a loja arruinada que é preciso valorizar e provocar o
correspondente sentimento de "nós", por exemplo, segundo o lema: "Nós somos
condutores de Opel Manta", "Nós os cérebros por trás do Frankfurter Allgemeine
Zeitung" ou no estilo da vulgaridade do mercado dos média ("Eu é que não sou
parvo! Esta é a minha loja!").
Naturalmente que o truque de camponês ou de criança, dada a
sua transparência, tem de vir com uma piscadela de olhos. Não queremos dizer
nada tão a sério com o que dizemos sem pensar. A tripulação da Streifzüge
é constituída em grande parte por bonzinhos esclarecidos, que normalmente gostam
mais de aparecer como incrivelmente femininos do que no look de
Schwarzenegger. Mas uma pessoa tem de poder ser um bocadinho "descarada". Assim,
tem de ser apresentada ao público uma imagem apropriada do falso super-bonzinho
Franz Schandl, "porque ele assim está habituado, nas suas maneiras
espirituosamente descaradas" (Lorenz Glatz, Editorial Streifzüge
38/2006). Apesar da habituação, há muito quem precise de ser habituado. A imagem
do "bonzinho descarado" levemente espirituoso faz lembrar a imagem, desde sempre
divulgada, da "mulher descarada". E as duas juntas, por sua vez, fazem lembrar
os miúdos "descarados" ao entrar na puberdade. Nos três casos, "descarado"
significa algo como "para não ser levado a sério", pseudo-rebelde no modo de um
espalhafato superficial, realmente não resistente e ao mesmo tempo
ornamentando-se formalmente como "resistente".
O bonzinho só se torna descarado em sentido literal quando
se vê obrigado a eriçar a sua supremacia masculina, na verdade repetidamente
afirmada, contra as exigências teóricas do lado feminino. A teoria da
dissociação sexual, como continuação do desenvolvimento da crítica do valor e
como ruptura com a dicção hegeliana no imperialismo do conceito, foi desde o
início insuportável para a tropa da Streifzüge mascarada de andrógina;
desde logo porque veio de uma mulher desagradável e pouco macia. Assim, no
espetáculo da capa, teve de ser lançado para o ringue um bonzinho
particularmente esperto: Bönold dehydriert
Wertabspaltung [Bönold desidrata a dissociação-valor] (Streifzüge
43/2008). O que se pode entender por esta metáfora meio marcial, meio da técnica
de canalização? Segundo a enciclopédia, desidratação é a perda de água de
compostos químicos. Pessoas desidratadas secaram por falta de abastecimento de
água. Fritjof Bönold, o autor assim presunçosamente apresentado com a sua
exigência impertinente, pretende portanto ter deixado impressionantemente
seca a teoria da dissociação sexual. Que esta intenção seja apresentada
ao mesmo tempo como "proposta para discussão" e se considere como pretensa
"crítica imanente" é, naturalmente, já por si um descaramento, embora não
particularmente "espirituoso". O conteúdo confirma a aparência, quando Bönold
depois pretende "descaradamente" submeter a teoria da dissociação, como
critério para a sua avaliação, justamente àqueles "critérios científicos"
positivistas, de lógica formal e androcentricamente universalistas, a partir de
cuja crítica ela justamente se formou; ou quando pretende colocá-la sob o jugo
do pensamento pós-modernista, do qual justamente ela se distanciou, consciente e
deliberadamente. (13) Para o montador de teoria bonzinho realmente nada é
demasiado difícil.
Autopromotores mostrando a fraqueza humana
Depois de tanto "descaramento" na publicidade e nas técnicas
de comunicação, é preciso naturalmente demonstrar, por outro lado, como se é
realmente benfeitor e se irradia ondas de calor. Por isso também pertence à
técnica de marketing tornar simpáticos ao pensamento positivo não só os textos
individuais, através duma exultante semântica da personalidade, mas também o
próprio órgão de publicação em si, e mesmo sobretudo com a apresentação de
máscaras pessoais. Os meios são variados e copiados do circo mediático geral.
Por exemplo, também na empresa mediática de esquerda está em grande parte
vulgarizado o mau hábito de antepor aos textos ou edições os retratos dos
autores, que depois lhes são exigidos como esforço adicional para o formato
electrónico. Também aqui se aplica que: se já não se pode recusar este pedido
sob o ditame da imagem de acordo com o espírito do tempo, não se devia imitá-lo
entre o próprio contrapúblico. Sem nenhuma consequência para a afirmação e mais
uma vez numa autonomização da "apresentação" face ao conteúdo, sugere a presença
de "personalidade humana", como se assim fosse imediatamente superada a
distância mediática, como se a autoria fosse agora algo quase familiar, que "se
pode tocar". A necessidade que com isto se serve é tudo menos crítica; e a
intenção calada não visa a reflexão, mas sim a identificação. Aqui são
todos mais que normais, com a cara à vista nas fotos tipo passe!
A autopromoção mostrando a fraqueza humana torna-se
naturalmente mais exuberante na rede, onde qualquer expressão cuspida por um
grupo electrónico de acesso reservado é enfatizada por força da imagem
fisionómica, como se assim pudesse ganhar peso. Já há muito foi discutido que,
além disso, o meio também propicia exibicionismo desinibido, expondo-se os
participantes em massa, mesmo em fotos nuas ou noutras exteriorizações que tais
da sua existência física (por exemplo, em estado de delírio), à comunidade
anónima mundial da web. Esta obsessiva auto-exposição é uma coisa triste; ela
lembra a miséria do indivíduo da crise pós-moderna, na sua existência
flexibilizada como átomo social. Isto não se liga, obviamente, a uma faísca de
resistência, mas à afirmação implacável. A auto-exposição universal é a forma
extrema de uma paradoxal autopublicitação de "empresários da própria vida", como
um desesperado "vender-se a si mesmo". O reverso é, naturalmente, a entrega
voyeurista: "Assim se agrava e torna habitual um voyeurismo geral..." (Haug, op
cit, 68). O que na década de 1970 ainda estava orientado estritamente para a
exploração da sexualidade, ampliou-se na Internet para um contexto universal de
exibicionismo e voyeurismo, que inclui a apresentação e apreciação de todas as
expressões "privadas" da vida.
É nesta situação mediática que medra a apresentação de
imagens inconscientemente tolas, mesmo na empresa de publicações "críticas"; e
isto poderá ser apenas o começo. Tais fenómenos seriam um campo para a análise
crítica de uma existência mediaticamente remodelada, não em último lugar no
domínio da própria esfera pública burguesa decadente. Mas pertence, por sua vez,
ao tratamento da sua metafísica do quotidiano e da imediatidade que a
Streifzüge use exactamente os mesmos meios para produzir essa sugestão de
autenticidade, que ajuda num assédio de psicologia publicitária "para além" do
conteúdo. A apresentação do retrato da redacção e dos autores numa rubrica
biográfica (faltam afinal as fotos nuas, que só elas provariam a completa
semelhança humana) não está simplesmente associada ao padrão de vida académico,
mas permite, com legendas divertidas de algumas exibições, a percepção profunda
das suas preferências ideológicas; como na seguinte autodescrição: "existência
aparente virtual... e farsa descarada por convicção, compromete-se com os seus
próprios desejos" (Homepage da Streifzüge). Uma avaliação provavelmente
adequada, mas não entendida como autocrítica, do seu próprio comportamento.
Também os relacionamentos íntimos são gostosamente
revelados. Para além de sensibilidades pessoais, a reprodução biológica parece
constituir aqui uma espécie de qualificação. Os actores jornalísticos são
apresentados com frequência com os atributos correspondentes: "dois filhos",
"dono da casa de uma esposa amorosa, avô praticante", "tem um filho adulto",
"pai 'a tempo inteiro' de um filho de 2 anos de idade", "pai de três filhos com
idades de 12, 13 e 21 anos", "quatro filhos, oito netos, duas avós" etc.
(Homepage da Streifzüge). A "expansão" de Schandl parece ter uma maneira
muito natural de prosseguir. Infelizmente, a elaboração teórica da crítica da
dissociação-valor não está inclinada para entrar em concorrência pública neste
campo. Marx, afinal, teria aqui tido chances, se tivesse tido esta ideia genial.
O que talvez se possa dizer na relação de proximidade de uma
conversa pessoal é aqui elevado a um "quebrar o gelo" proclamatório, na esfera
pública necessariamente anónima. Os criadores da Streifzüge imaginam
assim, possivelmente, transcender já "um pouco mais" a existência do jornalismo
crítico denunciada como "ultrapassada" e não defrontar já "externamente" o
objecto da forma social, expondo a sua individualidade biográfica "concreta" e
assim oferecendo ao público a sua privacidade familiar saudável. Na verdade,
esta intimidade tornada pública é por si mesma uma abstracção, porque não pode
ser mediada com o mundo da vida. É o pensamento abstracto espontâneo do senso
comum caricaturado por Hegel.
O deixar espalhar mediaticamente o status familiar, segredos
de cozinha, peculiaridades e destinos privados de pessoas publicamente activas
pertencia originalmente aos temas da imprensa sensacionalista; o tráfego na web
tornou isso um fenómeno inflacionário do paranóico automarketing, nas relações
de concorrência da "economia da atenção". Na plataforma do órgão de uma
publicação é claramente uma faceta da técnica de "aproximação", a fim de
produzir a identificação com a mercadoria como sendo próxima do mundo da vida,
como há muito é prática comum também na televisão comercial ("O tempo" é
"apresentado" pela seguradora
Karstadt-Quelle-Versicherungen, na pronúncia e no dialecto de pessoas
comuns "concretas", como você e eu; neste caso, no entanto, já era a expressão
da falência). Provavelmente os/as autores/as assim apresentados/as nem sequer
percebem que deste modo são instrumentalizados na estética da mercadoria; mas
talvez isso também não lhes interesse, porque eles mesmos pensam assim. Os
criadores da Streifzüge são humanos duma maneira em que já nada funciona
como humano; humanos já quase desumanos.
O truque, no entanto, poderá ser ainda maior. Recomenda-se à
folha a apresentação de uma home story periódica, tornada habitual
também nos média comerciais de esquerda, como exercício de relaxamento da vida
quotidiana. Mereceria ser contado, por exemplo, como foi saboreada uma pizza no
fecho da revista ou a forma como o ambiente de trabalho mais uma vez se tornou
enormemente caloroso. Mesmo os detalhes biográficos poderiam ser mais tidos em
conta. Os hobbies, humanamente, ficam sempre bem: "gosta de brincar com
comboios", "colecciona caricas". Já nada pode danificar a honestidade da
família: "vive em concubinato" ou "cultiva desde a juventude a monogamia
serial". E por que não divulgar também as preferências sexuais com verve "quebradora
de tabus": "gosta à francesa", "procura dominadora" ou "hoje já não acredita na
sua bissexualidade". Um amplo campo tradicional para a empatia na aceitação
constituem, finalmente, as doenças e enfermidades, de que uma pessoa se pode
vangloriar: "sofre de azia crónica", "acaba de fazer uma colonoscopia" etc. (14)
Se grupos inteiros da população se puderem identificar com os da Streifzüge
na sua sensibilidade quotidiana a "expansão" já não ficará pelo caminho.
Também eu estou entre as celebridades no panteão
A apresentação de máscaras pessoais leva não só às
sensibilidades subterrâneas da família Streifzüge, mas também
directamente ao céu das celebridades históricas. Pois com a imagem são
apresentados também, como "colaboradores" regulares, grandes literatos e
teóricos de renome mundial, dum passado mais recente ou mais distante, que já
não se podem virar contra a sua incorporação no tabuleiro destes vendedores
ambulantes, porque já morreram. Assim se diz, por exemplo, numa Streifzüge:
"Escrevem: Gunther Anders, ... Lorenz Glatz,... Franz Schandl... e muitos
outros". Gunther Anders, portanto, tem a grande honra póstuma de poder
"escrever" ao lado de corifeus como Glatz e Schandl. E, naturalmente, a inversa
também é verdadeira: Glatz e Schandl escrevem em estreita associação e olhos nos
olhos com o seu bom amigo póstumo Anders.
Na mesma série de personagens ilustres encontramos também
Karl Marx, que mais uma vez é apresentado caprichosa e apenas meio ironicamente,
como "autor convidado do além", mas, inexplicavelmente, sem as suas
sensibilidades pessoais e qualificações familiares ("grande fumador e bebedor",
"três filhas" "um filho ilegítimo esquecido"). Tal omissão pode ser devida ao
facto de Marx, entretanto, ter sido descoberto pela Streifzüge também
como não-pessoa biográfica, protótipo de uma existência de teórico "alheado da
vida" (ver Franz Schandl, Zur Kritik des
Theoretikers [Para a crítica do
teórico], em: Streifzüge 43/2008). Assim também a orientação para o
"senso comum" tem a sua própria dialéctica. Mas ainda se pode usar a figura do
pai teórico morto, como cavalo célebre no estábulo dos "autores convidados"
célebres. Pois, apesar de toda a suposta ironia, para os fazedores da folha
trata-se, obviamente, de deixar cair sobre o seu próprio produto um reflexo de
fama e respeitabilidade, por muito ínvias e duvidosas que as referências do
conteúdo possam ser.
Particularmente pérfida é esta tentativa de incorporação no
caso de André Gorz. Esta celebridade da teoria e da análise social de esquerda
tinha-se aproximado nos seus últimos anos de vida do paradigma da crítica da
dissociação-valor. Infelizmente, isso aconteceu através da tomada de
conhecimento por Gorz justamente dos "muitos" livros e artigos daqueles/as
mesmos/as expoentes das publicações da crítica da dissociação-valor que foram
roubados por Schandl & Cª da sua base própria de publicação, através de um
"golpe" maquinado com intrigas com base no formalismo da associação (o que levou
à fundação da EXIT, como é sabido). Não foi apenas devido à sua situação pessoal
difícil que Gorz não tentou, depois, entrar em contacto directo com os autores
de uma elaboração teórica que, segundo as suas próprias palavras, lhe abriu um
campo completamente novo. Schandl conseguiu, antes que essa possibilidade se
tivesse sequer manifestado, "ocupar" o "contacto" e encenar uma troca de cartas
com Gorz, na qual ele obviamente entendeu fazer-se passar a si mesmo por
"verdadeiro" expoente e mediador. Gorz, certamente, não tinha qualquer ideia
sobre a natureza do conflito no interior da antiga crítica do valor, cujos
caminhos entretanto se dividiram. Assim lhe foi impingida a versão de Schandl.
É preciso tentar imaginar como uma pessoa idosa, cuidando da
sua esposa doente terminal, juntamente com a qual havia de abandonar a vida
pouco depois, terá digerido o seu interesse por uma nova teoria juntamente com a
denúncia pessoal dos seus autores mais conhecidos (que ele nunca tinha conhecido
pessoalmente) feita pelo "intermediário honesto". A incerteza vem do trecho de
uma carta que Schandl teve a desfaçatez de publicar na Streifzüge:
"Comecei finalmente a ler as mais recentes publicações de Robert Kurz e penso,
ainda que me tenha passado alguma coisa, que Der
Weltordnungskrieg [A guerra de ordenamento mundial]
inclui, particularmente no seu segundo capítulo, a
explicação absolutamente genial das relações que se mantiveram escondidas para
milhares de sociólogos, economistas, psicólogos sociais, políticos,
psicanalistas etc, etc, que em França se ocuparam com a 'revolta dos
subúrbios'... Depois comecei a ler Das Weltkapital
[O capital mundial] e encontro aí o
esclarecimento de algumas questões pendentes, que eu não me canso de
colocar nas minhas cartas. O homem (Kurz) é fantástico. Pena que tenha
enlouquecido" (Carta de 22 de Dezembro de 2005, em: Streifzüge 41/2007).
Por um lado, o elogio rasgado (o embaraço reside unicamente
no facto de a Streifzüge publicar uma carta pessoal) mostra como Gorz
estava impressionado em termos de conteúdo. Por outro lado,
aparentemente, ele teve de colocar essa impressão quanto ao conteúdo em relação
com a "ficha médica" do autor infelizmente "enlouquecido", preparada pelo Dr.
Schandl dos Alpes e apresentada a Gorz. É evidente, a partir da mesma carta, que
a coisa lhe era suspeita: "Qual a verdadeira razão da ruptura do grupo Krisis?
Que crítica, a qual das suas teorias, não podia Kurz suportar?" (Ibid.). Sim,
qual? Esta crítica de conteúdo e fundamentada nunca existiu, pelo contrário, a
denúncia pessoal e o "golpe" usurpatório e puramente formal, movidos por
sentimentos de concorrência edipiana, foram acompanhados por uma reorientação,
inicialmente furtiva, e não apenas da "crítica do valor", de Schandl: longe da
fundamentação e discussão teóricas, longe da necessária independência da
elaboração da teoria crítica; no sentido da "pseudo-actividade" (Adorno), da
política de seita do oportunismo em rede, da orientação superficial para a
ideologia da alternativa e para a "expansão" e o "enchimento" a qualquer preço,
promovidos na estética da mercadoria. (15) Em termos de conteúdo e ao
contrário das razões sugeridas a Gorz ("Kurz não pode suportar a crítica às suas
teses"), foram precisa e inversamente os começos de uma crítica do autor
"enlouquecido" a esta reorientação, entretanto amadurecida até à sua
reconhecibilidade, que constituíram (para além do debate, durante muito tempo
também implícito, sobre a teoria da dissociação) o pano de fundo para o
rompimento. Estas verdadeiras razões tinham de permanecer um mistério para Gorz,
porque lhe foram ocultadas.
Uma maior aproximação de Gorz à crítica da dissociação-valor
certamente que não se poderia desenvolver sem tensões, por causa dos diferentes
pontos de partida, tendo por fundo histórias completamente diferentes de vida e
de teoria. Mas não se chegou a uma discussão teórica potencialmente
interessante; novamente, não só devido à sua situação pessoal. Como decorre de
extractos da carta, Gorz foi bombardeado com elaborações cozinhadas na
Streifzüge; os pesados problemas teóricos tematizados pelos autores
da EXIT (que lhe interessavam e o tocavam, como decorre de passagens da carta)
só podiam aqui ser perturbadores. As contradições foram aplanadas porque não
houve um conflito mediado entre as ideias Gorz e a crítica da dissociação-valor,
mas sim, bem pelo contrário, ocorreu a dissolução da "crítica do valor" num
redutor artesanato social de reforma da vida e "praxeológico", para o qual Gorz
deveria ser agarrado como figura de proa. (16)
O seu trabalho com o novo paradigma teórico foi tapado por
essa instrumentalização; assim, tinha de lhe parecer que "pessoas jovens" se
aproximavam do seu antigo entendimento", o que naturalmente tornava mais
fácil canalizar as questões fundamentais em conformidade. Isso também aconteceu
porque Gorz saudou com entusiasmo a ideologia do open source com a marca
de Meretz e considerou-a, pelos vistos, não só plenamente compatível com a
crítica fundamental da forma, mas até mesmo como a sua abordagem autêntica. (17)
Decorre de uma das suas últimas expressões epistolares que ele já não conseguia
perceber as contradições: "Na época, eu nem sequer tinha energia suficiente para
ler o jornal diário" (Carta de 7 de Novembro de 2006, ibid.). O problema-chave,
entretanto tematizado na EXIT, da indivisibilidade da síntese social, que não
pode ser transformada particularmente, não veio a ser falado. Como se deduz dos
extractos da carta, Gorz continuava mais inclinado a contornar a questão da
forma de mercadoria e dinheiro da reprodução social de modo preferencialmente
pragmático e "orientado para domínios" particulares (até às "reformas
monetárias").
Se Gorz não pôde levar até ao fim o seu depoimento sobre a
nova teoria crítica da dissociação-valor, pode-se considerar o modo como ele foi
postumamente monopolizado por Schandl e Cª, não só para a deformação deste
paradigma, mas também para o infame tratamento do conflito, como uma espécie de
pilhagem de cadáver intelectual. Ele deve agora figurar como mais um "autor
convidado" morto, no projecto de tabuleiro de venda ambulante; e, com tanta
proeminência histórica, a folha já não pode estar errada. Na senda da
"expansão", cada um dos escritores mais ou menos pessoalmente satisfeito da
Streifzüge" poderá dizer: também eu estou entre as celebridades no panteão,
ou no Walhalla dos corifeus da mente. E por que não incorporar outros grandes
como colaboradores póstumos, com quem se "escreve"; quaisquer "passagens" dos
escritos da humanidade ficarão bem. A folha só se tornará plenamente respeitável
quando incluir os mais célebres autores de todos os tempos, de Aristóteles e
Goethe a Martin Luther King e Madre Teresa, o que depois também já não deixaria
parecer assim tão completamente mesquinhas as próprias insignificâncias.
O design é a mensagem
O "feitiço podre do carácter mercantil" (Walter Benjamin,
citado em: Haug, op. cit., 112) não se limita naturalmente às encenações, mas
tem de expressar-se também no próprio produto. A aura produz aparência
identificadora, mas a embalagem total tem muitas camadas, até mostrar um núcleo
que talvez também seja mera aparência. A falsidade da "promessa de valor de uso"
revela-se quando, após a compra e o desempacotamento, se agarra literalmente no
vazio. São conhecidas, por exemplo no caso de alimentos e cosméticos, as
chamadas embalagens enganadoras, que prometem muito mais produto do que
realmente contêm. Esse tipo de fraude é relativamente inofensivo em comparação
com as artes de embalagem de produtos intelectuais e culturais da indústria da
consciência. Aqui, o imperialismo da "forma vazia" desenvolveu-se até ao pleno
florescimento.
A autonomização e a hipóstase da forma da embalagem
experimenta um novo incremento na Internet. À medida que disparam as homepages,
blogs, plataformas etc. individuais, aumenta também a importância dos elementos
de representação gráfica, pictórica e virtualmente móvel. Quanto mais
desinteressante e mais pobre o conteúdo, tanto mais a encenação e a
auto-encenação são marcadas por eles e se armam com aperfeiçoamentos técnicos em
web design. O que caracteriza fundamentalmente a estética da mercadoria
continuou a desenvolver-se na apresentação da Web, no estádio final há muito
previsto e já inultrapassável: O design é a mensagem.
Aqui também o entendimento da "inovação" se desloca cada vez
mais para o lado formal da "aparência". Mais precisamente: trata-se de um certo
tipo de estetização do objecto, que degrada o conteúdo mais que nunca em
inautêntico, a priori secundário. A estetização anterior da mercadoria, que
torna insignificante o seu valor de uso, há muito se desenvolveu também, como é
sabido, numa específica "estetização da política", conforme demonstrado por
Walter Benjamin já no nacional-socialismo e na sua máquina de consciência. Após
1945, a estética da mercadoria e a estetização do político fundiram-se num
grande complexo, cuja expansão aos objectos culturais, literários, científicos e
teóricos também já é história, mas apenas experimentaram a sua apoteose no novo
espaço virtual. Nesta situação, declarações individuais e colectivas (apoiadas
por grupos ou posições) estão sujeitas na rede ao mesmo processo que décadas
antes apenas se podia encontrar nos mecanismos da indústria da publicidade em
sentido estrito: "De acordo com o seu impulso, a inovação estética é...
essencialmente obsolescência estética, o novo como tal não lhe interessa nada" (Haug,
op cit, 52). O novo como tal não interessa nada, porque não se trata de nenhum
conteúdo novo, mas apenas da obsolescência deliberada da "aparência" anterior.
Deste modo, "as inovações estéticas revolucionam regularmente o valor de uso de
cima a baixo", o que conduz a "uma incansável revolução estética" (ibid., 54).
Como mudança puramente externa, como mera modelação do design, a inovação
estética deve tornar-se "suporte funcional da regeneração da procura" (ibid).
A auto-apresentação na Net em grande parte não constitui
qualquer relação mercadoria-dinheiro directa, mas já é sempre parte da
autovalorização virtual, na luta concorrencial de uma "economia da atenção"
universal. Portanto, é o web design e não o conteúdo que constitui o essencial
para despertar atenção, não só para os fornecedores realmente comerciais no
sentido autêntico, mas também para os indivíduos e grupos com rótulos culturais,
políticos ou teóricos. A incansável "inovação estética", que revoluciona
repetidas vezes a mera aparência, significa aqui relaunch [relançamento].
O termo não por acaso vem do marketing. Literalmente, significa "relançamento".
Segundo a Wikipedia (onde se tem de saber isto) trata-se, em termos de
marketing, "da introdução de produtos de sucessão elaborados directamente sobre
os anteriores, que servirão principalmente para estabilizar… ou impedir o
enfraquecimento das vendas, na fase de maturidade do ciclo de vida do produto"
(http://de.wikipedia.org/wiki/Relaunch). Trata-se, como suspeitamente se dá a
entender, da "substituição com pouca inovação de um produto já existente" (ibid.).
Na Net o relaunch tornou-se inflacionário na
auto-apresentação. O foco é sempre "a orientação para novos aspectos
tecnológicos e organizacionais, bem como a remodelação basilar da apresentação
visual" (Wikipedia, ibid.). Muitos sites com conteúdo escasso, que não mereceria
qualquer apresentação extra, vivem da reformulação periódica do "Portal" neste
sentido. Mais um "relançamento", que encanta o utilizador com novas
configurações, barras de ferramentas ou possibilidades de clicar que, no seu
conjunto, não têm nada a ver com desenvolvimentos do conteúdo. Percebe-se por si
que a Streifzüge, com a "orientação para o cliente" ansiosa por atracção
e vendas, não só se envolva com entusiasmo na tolice do "relançamento", mas
também se ponha verdadeiramente a comemorar com toda a seriedade cada
"reformulação do Portal" formal, como se tivessem feito uma descoberta espantosa
na crítica social. É convidado para a relaunch party (Homepage da
Streifzüge, 24.03.2009) da folha, onde saltarão as rolhas do espumante,
porque a "homepage www.Streifzuege.org" foi reconfigurada "completamente" (ibid,
03.04.2009).
Mas o design também é a mensagem mesmo ao nível da
linguagem. É verdade, sem dúvida, que compete ao autor elaborar um estilo
pessoal de linguagem, que amadurece ao longo de muitos anos de trabalho a
publicar e é um elemento particular da apresentação do conteúdo. Mas também aqui
importa a relação entre forma e conteúdo. É o conteúdo que tem de encontrar uma
forma linguística e não o contrário. Isto também se aplica aos recursos
estilísticos de humor e ironia, ao agarrar da linguagem quotidiana, a expressões
da gíria, "à palavra-tabu do ano" etc, que não se deixam aprisionar esterilmente
numa forma clássica de expressão "de alto coturno" nem num jargão científico
árido e pseudo-objectivo. A língua modifica-se historicamente e esse facto deve
ser tido em conta e pode mesmo ser influenciado activamente. A inovação
linguística muitas vezes vem menos do mundo literário que "da sarjeta" de piadas
linguísticas anónimas da história do evento actual. É claro que também se pode
desafinar. Saladas de metáforas e imagens falsas devem ser corrigidas numa
revisão cuidadosa, ainda que a deadline nem sempre o possibilite e escape
uma ou outra fala estranha. (18) Alguns temas ou condutas, no quadro da tolice
dominante, só podem ser expostos com expressões suculentas e "obscenidades"; mas
também aqui é preciso desenvolver um sentido de precisão que não é
incondicional.
Marx usou muitas vezes jogos de palavra dialécticos, visando
a reversão dos conteúdos semânticos, para um exacerbamento da situação; como
quando criticou a Filosofia da miséria de Proudhon como Miséria da
filosofia, ou quando afirmou que "a arma da crítica" (a reflexão teórica)
não poderá substituir "a crítica das armas" (o levantamento revolucionário
prático e também violento). O jogo de palavras não é aqui vazio, mas põe em
movimento um confronto de conteúdo, muitas vezes polémico, que traz à luz a
contradição material e/ou argumentativa. Se, pelo contrário, o esforço
compulsivo para a originalidade "linguística" se torna o motivo, essa relação é
cada vez mais perdida. Também neste aspecto, o imperialismo da forma (na
estética da mercadoria) faz depois desaparecer o que deveria ser dito; ou
enfatiza declarações ocas de conteúdo e triviais, de modo meramente superficial,
com um gesto linguístico amaneirado, visando uma gravidez do significado que ele
não tem. Também a publicidade opera muitas vezes com jogos de palavras; mas aqui
menos que nunca se trata de uma agudização das contradições da questão em termos
de conteúdo, mas sim de uma configuração vazia de deslocamentos de sentido, cujo
único propósito é "chamar a atenção", para manter a respectiva mercadoria presa
na memória do observador com a brincadeira linguística, ligando-o a ela.
Na Streifzüge, o "estilo polémico", a ironia mordaz
(e não apenas autolegitimadora), a "obscenidade" etc. são estritamente
proibidos, porque qualquer exacerbação do conteúdo só pode fazer mal à
estratégia de vendas. Em vez disso, expande-se um gesto linguístico "de pendor
literário" (imitando o antigo "romance filosófico" ou mais ainda a "filosofia
como ajuda de vida" pós-moderna), que sugere uma originalidade vazia e
toxicodependente, mas assim amaciando a confrontação de conteúdo "com rodeios"
["breimäulig"] (uma expressão favorita de Marx)
e, portanto, tornando independente a afirmação do design. Em primeiro
lugar está o maneirismo linguístico do editor Franz Schandl, que sempre tem um
certo valor de entretenimento involuntariamente cómico. O design
linguístico lembra aqui os jogos de palavras dos redactores de publicidade, e
mais ainda um tipo de linguagem de pregador, que a partir de Billy Graham
sobreelevou e modelou elementos da linguagem publicitária de modo moralista ou
pseudo-existencialista.
Não é só em Schandl que declarações assim puramente nulas em
conteúdo factual, análise e crítica são providas com uma espécie de aura
heideggeriana de murmúrio, que pretende simular profundidade existencial; por
exemplo, sobre o tema "Habitar": "Se habitamos – o que fazemos, o que nos
acontece ? (Franz Schandl, Raum für die meiste Zeit
[Espaço para a maior parte do
tempo], em: Streifzüge 47/2009). Isso soa ameaçador, mas é uma introdução
mais à "palavra dominical" do que a um ensaio de crítica radical. E a coisa
empola-se ainda mais em passagens inteiras: "No habitar expressa-se um poderoso
onde que pretende sempre indicar no de onde o para onde" (ibid.,
destaque de Schandl) (b). Com tantas coisas significativas até se pode perder a
orientação. Esperamos conseguir voltar para casa após a leitura. Mas,
felizmente, é isso: "Morar é próximo, não longe" (ibid.). Bem, não é assim tão
difícil: "Morar tem algo de voltar e de vir a si" (ibid.). É claro que ainda não
estão resolvidos todos os problemas de orientação: "Quem não vem a si também não
se aproxima de outro" (Maria Wölflingseder, My Home
is my Aura, in: Streifzüge 47/2009). Talvez se devesse sondar
a dimensão existencial de um mapa da cidade. (19)
A metafísica da "sensibilidade da vida quotidiana", que se
pretende fazer "simpática" e aparentemente impor com tais bolhas linguísticas,
provavelmente tem na verdade algo da miséria de um doente mental
desamparadamente errante; só que a associação é, naturalmente, indesejada. Com
isto não se esclarece nada, nem mesmo no sentido de uma "ajuda de vida". O gesto
lembra mais a velha piada do trabalhador social que, perguntado sobre o caminho
para a estação, diz: eu também não sei, mas ainda bem que falámos sobre isso.
Jogos de palavras e elaborações, segundo o modelo de sermões confusos sobre a
humanidade, sermões dominicais de presídio e pseudoproblematizações de pedagogia
social, não têm nada a ver com a mordacidade do conteúdo da exposição; servem
apenas para espelhar no referido senso comum a sua falsa imediatidade de um modo
carregado ontológico-existencialmente, a fim de atrair a sua atenção. (20) Assim
estão "os quatro" [pés] guardados nas nossas quatro paredes pelo "abandono" ["Geworfenheit"] e podem abandonar-nos ao aprazível tremor sobre a
insondabilidade da nossa significativa existência.
Política de slogans e terapia ocupacional para a clientela
Um momento central da publicidade e da agitprop já é
comprimir sempre a mensagem supostamente com conteúdo em fórmulas curtas,
slogans fáceis ou até mesmo palavras-chave isoladas. Para isso contribui em
parte uma necessidade técnica, quando o texto tem de ser acomodado no pequeno
espaço de cartazes, autocolantes, folhetos etc., muitas vezes em conjunto com
elementos sugestivos de imagem. Por outro lado, é justamente o carácter de um
trabalho não-reflexivo com o público que precisa de tais meios em geral. Os
destinatários em nenhum caso devem ser confrontados com uma crítica perturbadora
da sua normalidade, nem possivelmente obrigados a um esforço de pensamento
complexo, bem pelo contrário, trata-se mais uma vez apenas do "facto
psicológico" de uma identificação, inconsciente ou semiconsciente, com o
produto, o rótulo, o partido etc. (21)
Não surpreende que a Streifzüge opere também com este
meio da psico-indústria da publicidade, cortado à medida da consciência da
mercadoria. Primeiro, afirmações isoladas da crítica categorial são arrancadas
do seu campo de referência, do contexto interno formal e funcional da reprodução
capitalista, para poderem ser reduzidas a slogans isolados. Central na
Streifzüge é a ominosa frase "Nenhuma política é possível", repetida
continuamente, sob a forma de um gráfico colocado numa janela ou numa barra
lateral. Por si só, esta afirmação sem fundamento é quase sem sentido, mas
simultaneamente também é inseparável de uma "antipolítica" reaccionária e
anti-emancipatória, que foi promovida justamente na Alemanha e na Áustria, a
partir do final do século XIX e até ao nacional-socialismo, por meio de uma
ideologia afectiva do sangue, contra o entendimento "ocidental" do Estado
burguês capitalista. Se deve ser clara a negação, completamente oposta a isso,
feita pela crítica da dissociação-valor da esfera funcional da política (como a
outra face do capital), tal negação só pode acontecer através do desenvolvimento
conceptual e analítico da crítica. Pois não é possível, nesta como em todas as
outras questões, a redução a um slogan aparentemente cativante para a
consciência imediata. Mas não se trata apenas desta redução da crítica
categorial, já antes referida ocasionalmente, que pode funcionar com uma
interpretação reaccionária. Mais ainda, com esta redução a uma frase de
agitação, a crítica categorial do político transforma-se ela mesma numa fórmula
politicista, ou seja, ela assume inconscientemente a forma do objecto
supostamente criticado. (22)
Ainda mais reduzido e distorcido se torna o conteúdo da
crítica categorial, quando ele mais uma vez já não vem sob a forma de um
predicado, mas (de novo segundo um padrão da indústria da publicidade) é
apresentado apenas em pedaços isolados de palavras: assim surgem a etiqueta
Streifzüge e o seu endereço na Internet em campos ou caixas gráficos com as
crípticas atribuições "além" e "sem valor". Aqui, definitivamente, já não se
pode reconhecer qualquer contexto; as palavras têm por assim dizer apenas a
função gráfica de chamar a atenção. O fenómeno faz lembrar as estampagens mais
ou menos engraçadas na frente das T-shirts, por exemplo, o particípio
"perdoado", ou a designação "bebedor lutador" em bonés de basebol, que os
desavisados turistas japoneses gostam de comprar em lojas de souvenirs. "Além" e
"sem valor", como autodesignações publicitárias, indicam obviamente, mais uma
vez, apenas uma comédia muito forçada. Em termos de conteúdo não há aqui
absolutamente nada mediado, nem sequer uma tentativa de determinação conceptual
separada de qualquer contexto de fundamentação. (23)
Pertence ao modo de proceder da estética da mercadoria
entregar em mão aos clientes rótulos e expressões gráficas de palavras
associadas em forma figurativa, para abusar deles de certa maneira como colunas
de publicidade vivas. Dessa forma ofereceu a Streifzüge ao seu público,
durante anos, as peças "Nenhuma política é possível" e "Streifzüge, além, sem
valor", como fita adesiva que se pode comprar a granel. Não é possível
reflectir sobre o estado mental de pessoas que colam tais panfletos em postes,
bocas de incêndio ou paredes de casas de banho e de algum modo consideram isso
possivelmente uma forma de "práxis crítica do valor". Aqui está excluído
qualquer contexto de mediação; trata-se apenas da proposta de venda abstracta, a
uma massa de público completamente anónimo, chamando simplesmente a atenção para
um qualquer tipo de "sabonete". Esta encenação de adesivos visa claramente a
terapia ocupacional duma gente comum imaginada, cujos instintos infantis se
pretende servir. (24)
A técnica de instrumentalização da terapia ocupacional tem a
sua origem, presumivelmente, na indústria devocional do catolicismo, a partir do
final da Idade Média, como ainda hoje floresce em lugares de peregrinação.
Também a velha social-democracia, como protótipo da miséria do partido moderno,
operou com tais meios de um estilo de agitprop objectivado, para fazer dos
seguidores apoiantes inconscientes de um imperativo de identificação. Apenas
secundariamente, mas logicamente, a adequada mobilização dos clientes foi desde
o final do século XIX penetrada pela estratégia
de vendas comercial. A revitalização de tais meios há muito esgotados pela
indústria da publicidade, cujo valor de atenção em campanhas eleitorais também
se tornou maçador, naturalmente também tem boas perspectivas justamente para uma
pseudocrítica do valor lisonjeadora do "senso comum". Seria de pensar, por exemplo, em camisas de
dormir, balões ou canecas de cerveja com a inscrição "Streifzüge, além, sem
valor". Mas, aparentemente, esta forma de estímulo da atenção e da identidade já
foi entretanto arrumada; e certamente não pelo reconhecimento do seu carácter,
mas por causa da simples ineficácia. Tão rápida e simplesmente não se segue do
abandono do raciocínio reflexivo qualquer consumo em massa imediato. Obviamente
que nem o público da Streifzüge se deixa tomar assim por parvo.
Lirismo da preocupação como literatura de edificação
"A conjura pelo positivo actua como a força da gravidade que tudo atrai para
baixo… Eles estão down to earth, como os antepassados zoológicos, antes
de se alçarem sobre as patas traseiras."
Theodor W. Adorno, Minima Moralia
Até agora lidámos com "técnicas de aproximação e de fazer-se
agradável" ainda relativamente superficiais, com encenações auráticas da venda,
com elementos de auto-empacotamento, de atracção do público, de "configuração
apelativa" etc. (na Streifzüge tudo isso num nível bastante baixo e por
vezes infantil). Mas é claro que também o verdadeiro conteúdo, anteriormente "de
crítica do valor" (embora já sempre reduzida), não escapa a este imperativo da
forma. O que resta depois de remover o papel de embrulho e deitar fora o folheto
publicitário? O conteúdo originalmente reflexivo de situações e relações
sociais é cada vez mais rebaixado e reduzido a exteriorizações de
preocupação pessoal (d). Esta é, obviamente, a consequência do imperativo de
tornar o conteúdo reflexivo imediatamente compatível com o "senso comum", dê por
onde der. Deste modo, no entanto, a experiência quotidiana não é elevada ao
nível da reflexão, pelo contrário, a reflexão crítica é que é rebaixada ao nível
do "senso comum" irreflectido.
Mesmo na Streifzüge, esta orientação não existiu
desde o início e até está em contraste com a antiga crítica do valor; ela
resulta da reorientação que foi estabelecida por ocasião da cisão e já há meia
década tinha sido definida por Roswitha Scholz como um retrocesso para o
"postulado da preocupação" "(Der Mai ist gekommen
[Maio chegou], em: EXIT 2/2005): "Especialmente na crise, pode-se recorrer por
meio da concorrência a pontos de vista particularistas, que numa determinada
situação objectiva tomam por critério a própria preocupação, de modo
pseudoconcreto e fetichista da imediatidade" (ibid.). "Por meio da concorrência"
significa que a situação subjectiva e a sua imediata auto-representação já estão
sempre mediadas pelas situações sociais de concorrência da síntese social. Essa
correlação, no entanto, é ocultada justamente pelo postulado de preocupação
pessoal, e tanto mais quanto mais a concorrência, como relação realmente
abstracta, já só aparece como uma denúncia exteriorizada como moral.
A reorientação e redução do conteúdo é acompanhada por uma
redução correspondente das situações sociais a "particularidades existenciais",
em que a mediação imanente com a lógica capitalista já apenas é tratada no
folheto de instruções, como mera garantia. De alguma forma tudo isto tem a ver a
ver com o capitalismo, isso é lembrado vagamente, mas já não é muito tratado. O
fundo é constituído por uma concentração jornalística em "números temáticos",
que foi iniciada com o tema "Habitar" (Streifzüge 47/2009). Claro que é
perfeitamente possível fazer de determinadas situações como tais o assunto,
incluindo o famoso "problema da habitação"; mas a crítica radical exige depois
desenvolver esses temas a partir do contexto interno da socialização negativa,
em vez de se fixar nos seus detalhes imediatos. (25) Se esse detalhe domina o
espaço da tematização das questões sociais, banaliza-se e enfraquece-se a
intenção crítica; já apenas se lamenta o ser-assim. (26)
No caso da Streifzüge, para além da apresentação das
máscaras pessoais, esta orientação leva ainda a virar-se, também quanto ao
conteúdo, para o plano da vida quotidiana em si, que depois exige um lugar
desproporcionado no tema da "habitação". Isso funciona segundo o mote "Como eu
me sinto em minha casa" (no capitalismo), em que o pôr entre parêntesis é feito
com método, podendo o conceito negativo do modo de produção e de vida social ser
realmente excluído. Espera-se assim poder nadar no mainstream do tráfego
na rede, onde as pessoas por todo o mundo partilham os seus beijos e desabafos
diários, a fim de atrair "atenção" para a sua "fantástica" vida particular.
Isso então é assim: "A meu ver, quem pertence à corporação
de pesquisar e escrever prefere em geral, enquanto artista, as suas próprias
quatro paredes como inspiração" (Maria Wöflingseder,
My Home is my Aura, in: Streifzüge
47/2009). O que ali ocorre é a "magia do momento" (ibid.). Não seria possível
expressar isto de modo mais original. Esta "magia" cria uma certa "desordem – em
minha casa" (ibid.). Mais ainda: "No meu caso ainda não acontece completamente
como na foto da grande dama da literatura austríaca Friederike Mayröcker, na sua
"Wiener Verzettelungswirtschaft" [confusão desordenada em Viena], em que ela
corre o risco de desaparecer entre montanhas de papel" (ibid.). Que bom para a
dama da preocupação da Streifzüge que a sua casa ainda não seja tão
confusa como a duma verdadeira escritora. Afinal tem de haver um mínimo de ordem
e limpeza, se se quiser ir para a "amplidão" do povo com a sua preocupação,
vendendo de porta em porta. Nesse sentido, também o spiritus rector de
toda a tagarelice pseudo-intelectual é um mãos largas: "Nós vivemos aqui, no
entanto, muito confortavelmente... O chão é de madeira, as paredes são altas, há
ainda dois fogões de sala em funcionamento" (Franz Schandl,
Living room, in: Streifzüge
47/2009). Perturbador, talvez só "o papel espalhado nas minhas três
secretárias..." (ibid.).
O que quer dizer tudo isto? O postulado da preocupação não
tem aqui qualquer potencial de crítica, nem sequer reduzido ao que é pessoal. A
mensagem, na verdade, quer dizer apenas: a coisa não está realmente assim tão
mal para "nós" no capitalismo. A não ser que se pretenda interpretar o facto de
um Schandl nada conseguir em termos teóricos, mesmo com "três secretárias", como
sendo o verdadeiro destino histórico-social, pelo qual o capitalismo é pelo
menos tão culpado como pelo empobrecimento em massa. Ingenuamente se faz valer
um conforto de classe média, baseado na esperança de que nada pode ser tão mau
para "nós"; é "assumido um interesse primário em relação à própria pessoa"
(Roswitha Scholz, Der Mai ist gekommen
[Maio chegou] em: EXIT 2/2005) e mostra-se a
"ficção e ilusão de uma existência pós-moderna no quotidiano normal" (ibid.). O
lirismo da preocupação da "Streifzüge assume todos os traços de uma
literatura edificante, para o auto-incensamento afirmativo justamente desta
existência normal.
Aqui a mediação social encolhe até uma pretensão
reconhecível já apenas implicitamente, que liga a crítica evaporada ao próprio
ser-assim: "Sim, quando reflectimos sobre a nossa preocupação muito própria com
a vida quotidiana, somos muito nobres e generosos para com 'os outros', nós não
os pomos sob tutela, não pretendemos ser os seus representantes e não abusamos
deles como fantasma do sujeito revolucionário – pois isso é o que nós próprios,
nomeadamente, somos agora em segredo, em silêncio e de novo, se é que é preciso
acrescentar" (Roswitha Scholz, ibid.). Um sujeito, porém, que gostaria sobretudo
de hibernar na sua caverna bolorenta juntamente com a "magia do momento" e de
deixar "o mal" lá fora.
Esse pensamento segue um impulso bem conhecido, que "tenta
jogar o aparente 'imediatamente-concreto' contra o 'abstracto'" (Roswitha
Scholz, ibid.), de resto identificado por Moishe Postone como pressuposto do
anti-semitismo (mesmo antes que este se manifeste explicitamente).
Epistemicamente, a fixação no detalhe
aparentemente "concreto" (aqui pessoal) e a "certeza sensível", no entanto, é
justamente a mais pobre de todas as abstracções, como Hegel mostra logo no
início da Fenomenologia. Pois esta particularidade "sensível" é então ela
própria apreendida de modo meramente abstracto, uma vez que a correspondente
consciência não sabe, e aqui já não quer saber, nada da mediação real pelo
universal. Se Hegel deve ser criticado, pois ele na e apesar da mediação
conceptual submete em última instância o particular ao ditame do universal,
dissolvendo-o aí numa falsa "reconciliação" (como Marx e Adorno expuseram
negativamente), tão pouco esta crítica é feita por uma simples inversão, pelo
contrário, com isso ela mesma fica fechada no ponto de vista da "existência"
isolada. O fosso que se abre entre a particularidade abstracta pessoal e a
universalidade abstracta negativa do social tem então de ser preenchido apenas
com aquele lixo conceptual existencial-ontológico de pregador: "Rico é quem tem
muito tempo, quem tem muitos amigos e prazeres, quem acima de tudo se tem a si
mesmo" (Franz Schandl, Reich und gut
[Rico e bom], em:
Die Brücke 153/2010). Além de "três
secretárias" Schandl também se tem ainda "a si mesmo"; o que é claramente muito.
Uma pessoa assim só pode ficar inspirada.
Essa redução, no entanto, também tem consequências fatais
para a perspectiva de revolucionamento social, que então também é encolhida ao
plano associal da particularidade pessoal e do "quotidiano" imediato. Como pano
de fundo serve aqui uma denúncia do "carácter abstracto da teoria", que se tenta
de duas maneiras. Por um lado, (como no pensamento pós-moderno), o totalitarismo
real da lógica da valorização é equiparado ao totalitarismo da teoria crítica
enquanto suposto "poder ideal do espírito" (Franz Schandl,
Zur Kritik des Theoretikers
[Crítica do teórico], em: Streifzüge
43/2008), ou seja, a crítica radical do totalitarismo real é posta como sendo o
mesmo que este. O "poder do espírito" crítico surge assim como o mero desaforo
de sacrificar de algum modo asceticamente a própria realidade da vida pessoal a
objectivos revolucionários distantes. Com esta grosseria, isto não está de
acordo nem sequer com o marxismo tradicional e os seus movimentos históricos,
mas apenas com o fascismo e o nacional-socialismo ou com os fundamentalismos
religiosos. Apesar da sua função de modernização, para a esquerda tradicional
tratou-se sempre sobretudo das necessidades vitais e justamente no plano social
total; a contradição estava no "reconhecimento" ideológico do trabalho abstracto
e da lógica da valorização. A atribuição unilateral desse "ditame de
auto-sacrifício" é apenas uma tentativa de justificação dos ideólogos da
Streifzüge para a sua própria salmoura de preocupação.
Por outro lado, é claro, a "pessoa do teórico", que
supostamente se "ausentou da sua sensualidade" (Schandl), tem de servir
imediatamente como pano de fundo negativo para o balido pela "sensualidade", ele
próprio abstracto. Procede-se como se "o teórico" per se se tornasse numa
existência não apenas "separada", mas francamente etérea, descarnada, assexuada
e no fundo irreal, que negaria a "vida quotidiana" (incluindo a própria). Como
"oposto" concreto invoca-se uma sensualidade exuberante da "vida real", que é
explicitamente reivindicada contra o famoso veredicto de Adorno. (27) Como se
Adorno tivesse querido dizer justamente que devíamos continuar a vegetar na
"vida falsa", constituída à maneira capitalista, conscientemente apenas tristes,
carrancudos e sempre de dentes cerrados, para não legitimar o capitalismo
através de "um pouco de felicidade pessoal." Assim se informa calorosamente,
contra a referida impossibilidade de permanecer intacto nestas condições, por
cima do filósofo negativo supostamente apanhado: "Adorno apesar disso habita" (Julian
Bierwirth, in: Streifzüge 47/2009). É provável que não tenha acampado na
floresta. Aqui estamos a lidar apenas com um erro elementar. Se as pessoas bebem
vinho, cozinham uma boa refeição, vão para a cama juntos, decoram o apartamento,
cultivam um jardim e amizades, fazem compras para a vizinha idosa e não agem em
todas as ocasiões como a última besta da concorrência, então não é preciso
invocar especialmente como "crítico social" tais evidências. Mesmo em tempos de
crise, nenhuma vida é por necessidade premente absolutamente sombria e
impiedosa. Só que tudo isto não é "já a revolução", nem mesmo "um primeiro
passo" da chamada crítica prática, nem certamente qualquer "resistência", mas
nada mais do que uma tentativa de aparecer no quotidiano de forma razoavelmente
"decente". A crítica radical não começa aí, mas apenas no limiar de um confronto
social na teoria e na prática.
Mas, se a análise da situação é cada vez mais reduzida ao
problema de saber como uma pessoa se sente e como vão as coisas para cada um,
então reduz-se em conformidade a perspectiva de movimento e transformação social
à questão: "Como farei eu as coisas, apesar de tudo, um pouco melhores (sob o
capitalismo)?", em que o pôr entre parênteses tem a mesma função que na
descrição da situação.
Uma verdadeira "crítica da vida quotidiana" (Lefèbvre),
sendo como é necessária, mas só podendo ser conseguida reflectidamente através
do desenvolvimento a partir do contexto social total, é justamente o que não
acontece. O postulado da Streifzüge também nesta matéria cai muito para
trás dos pontos de vista já há muito tempo alcançados até nas pesquisas críticas
anteriores; uma prova de incapacidade repetida para o vendedor de bugigangas
baratas "de crítica do valor". Decorreria da nossa experiência que "na situação
vigente... não há qualquer solução feliz. No entanto, há uma melhor do que a
proposta por Adorno... se não no todo, pelo menos no microcosmos" (Peter Pott,
Schöner Wohnen – in der Kommune
[Viver bem – no município], em: Streifzüge
47/2009). O título "Viver bem", posto em negrito com toda a seriedade, deixa
adivinhar o pior, o que infelizmente se confirma, como tantas vezes. Como
"coisas pequenas" engraçadas nós não encontramos coisas como Hartz IV, agitação
social e guerra civil, mas por exemplo "um sorriso inesquecível, um passo de
dança irrepetível" (Pott, ibid). O conforto de altar familiar da "magia do
momento" manda cumprimentos.
Assim preparados, podemos começar a agitar o capitalismo num
lago Königssee (e) ideal: "No ano passado eu tive finalmente quase realizado o
meu sonho de viver perto da natureza... Aí ... eu decidi construir uma
palhota... Continuo a trabalhar ainda mais na autonomia da minha habitação:
acabámos de construir um pequeno lavatório e o WC a seco com compostagem também
deve ficar pronto urgentemente... De vez em quando javalis, cervos ou o nosso
texugo cruzam o prado. Que o stress da civilização nunca chegue a penetrar na
minha casinha!" (Sara Kleyhons, Minimal Housing,
in: Streifzüge 47/2009). Se, depois, sobe maravilhosamente dos prados a
névoa branca e ao entardecer os pequenos cervos dobram os dedinhos, quando no
valado a raposa e a lebre ou no estábulo o boi e o burro trocam amorosamente
entre si um argumento como boa noite, então também nós, teóricos
dessensualizados, já só podemos ficar em silêncio reverente. E
de dia continua-se com a alegria e o convívio na exuberante sensualidade de boas
pessoas decentes, de modo que, "dependendo do tempo, da situação geral e do
requerido, cozinha-se, desfruta-se, faz-se música, repara-se o automóvel,
dança-se, festeja-se, constrói-se a casa... No época do ano mais contemplativa
(!) a vida interna concentra-se em torno do fogão na sala ... Cada vez se torna
mais claro que a minha sala de estar aumentada é realmente planetária –
maravilhoso!" (Severin Heilmann, Wundervoll
entwohnt [Maravilhosamente desabituados]
em: Streifzüge 47/2009). No museu virtual da pátria e dos pastores,
ergue-se uma pinturazinha de costumes do romantismo camponês pré-industrial
atrás da outra: "Eu moro com a minha família, os amigos e convidados em
aproveitamentos que são divididos em quartos, salas, gabinetes, galerias e onde
tudo é possível e tudo acontece. As árvores de Natal vagueiam pela casa e reúnem
em torno de si os que festejam nos mais diferentes ambientes. No Verão cada um
de nós vive tanto quanto possível fora. Tudo aqui é espaçoso. No Inverno uma
pessoa encolhe-se em pouco espaço, vive-se em torno do fogão de sala e da
multidão" (aramis, Ortsansässig? [Residentes?],
em: Streifzüge 47/2009). A maneira de escrever com minúscula da Fracção
do Exército Vermelho (f) pelo menos não se ocupava ainda com árvores de Natal
ambulantes. Naquela época, no entanto, o fogão de sala também ainda não era
muito conhecido como arma secreta emancipatória. Agora finalmente sabemos como é
tão fácil a vida crítica num ambiente natural e adequado à espécie. Mas também
no meio do Moloch da grande cidade é possível a pequena resistência heróica,
justamente porque não é notada por ninguém: "Sim, graças à minha querida,
conhecemos mesmo alguns vizinhos... há anos que ela simplesmente convida toda a
gente em Junho para uma festa de gala... Talvez seja difícil acreditar, mas
existem fissuras nas montanhas inóspitas da objectividade" (Lorenz Glatz,
Ich habe nie gewohnt
[Nunca
residi] em: Streifzüge 47/2009).
Tendo em conta esta utilização concentrada da magia do
quotidiano, a partir do arsenal dos romances de sabedoria popular e de
camponeses de montanha, nada mais resta ao capitalismo do que – não porventura o
colapso, mas simplesmente libertar o mundo para a música e a dança dos Alpes.
Maravilhoso! Por que pretendem "pessoas como nós", em face de uma assim
espantosamente "boa vida", desaparecer num bloco de apartamentos de vinte
andares com anonimato garantido – e com os bárbaros do simpático curral geral ao
pescoço? Talvez quem se masturba com a teoria, contaminado pelo capitalismo,
simplesmente não possa suportar tais paisagens maravilhosamente florescentes. O
instalar-se pessoalmente num cosmos de bela casa e de naturalidade e preocupação
pseudorousseaunianas transforma-se em pura ideologia da comunidade.
A socialização negativa globalizada é reduzida na imaginação a um pequeno espaço
bucólico; em alternativa, complementar ou simultaneamente, ao universo virtual
de downloaders e/ou em projectos de palhotas da economia de subsistência. Diz-se
que é possível opor-se ao ponto de vista de Adorno de que nenhum indivíduo
consegue seja o que for contra a violência da socialização fetichista: "Duas,
três, quatro pessoas que na conversa, na dança, ou sabe-se lá onde se
vivenciaram como 'veículo' para o 'ser movido pela beleza', são capazes de
qualquer coisa contra isso" (Pott, ibid). Justamente a afirmação de Marx e
Engels, de que o comunismo não é um projecto utópico, mas o movimento real que
abole o estado actual, é despojado da sua dimensão social global e voltado
contra o veredicto de Adorno: "Existe na vida falsa uma verdadeira que abole a
falsa" (Pott, ibid.) – a nível de "duas, três, quatro pessoas" que acreditam
organizar um 'ser movido pela beleza'.
As potências da socialização não são usadas
emancipatoriamente, mas afogadas ignorantemente na aparência da imediatidade. O
que não aparece nas pinturas bucólicas são as coerções económicas da
subsistência "ao lado" da síntese social real, nem o controle social do terror
da comunidade. A compulsão não admitida de uma pobreza de potências de
socialização revela-se imediatamente como a continuação da ontologia do trabalho
por outros meios (mais agravados), invocando-se a "força" que "o trabalho
significa, com a qual a comunidade se coloca como aparelho de produção" (Pott,
ibid ). (28) Um "ser movido pela beleza" só se pode aqui imaginar quando o todo,
como uma espécie de organização de tempos livres, é subsidiado por existências
de classe média de algum modo abonadas: "Para isso, no entanto, eles também
precisam de ter a casa... o dinheiro faz com que seja possível ... O dinheiro
não dá a felicidade! Mas onde ele governa nada se pode fazer sem dinheiro. É
preciso tê-lo" (Pott, ibid.). No que respeita ao bucolismo da "habitação", esta
perspectiva há-de alegrar particularmente, por exemplo, os imigrantes ilegais
nos seus questionamentos.
Assim nos entendemos bem: a cada um deve ser garantido o que
é para si financiável, porque não se trata da generalização da pobreza, mas da
libertação social da riqueza concreta. Só que tais pequenos prazeres, como
orientação para o quotidiano da vida bela, enquanto particularidade de jardim
cuidadosamente tratado, nada têm a ver com a crítica radical, nem com o
"movimento real que abole o estado actual". "Duas, três, quatro pessoas" podem
certamente constituir localmente um foco de teoria crítica e de intervenção; mas
apenas se a sua actividade estiver relacionada com o todo negativo da síntese
social. Porém, se capricharem num "comunismo" privado auto-referencial em
miniatura, caem inevitavelmente na ideologia reaccionária da comunidade, que
fica para trás do poder de socialização do capitalismo de crise e se mostra
ignorante ou apenas exteriormente moralizante das suas distorções sociais.
O "movimento real" só pode ser um movimento do conjunto da
sociedade e transnacional, que se desenvolve a partir da imanência do
"tratamento da contradição" capitalista, nas frentes sociais da gestão da crise,
até ao poder de intervenção real; apenas nessa base se pode ganhar um poder de
transcender, contra o todo indissociável da síntese social vigente. E somente em
conexão com tal movimento social global pode também ser revolucionada a
famigerada vida quotidiana, de outra forma que não por um romantismo do
aconchego mesquinho ou por relações contratuais falsamente "sem valor", como
mostra a história da resistência social. No contexto da Streifzüge, a
metáfora da "forma embrionária" revelou-se como uma recaída em fantasias de
dissocialização alternativa, que recorrem epistemicamente à "particularidade
existencial" abstracta e à suposta "certeza sensível". (29) Este reducionismo
dificilmente pode imaginar erguer-se, mesmo que apenas como movimento
monotemático. Assim se pergunta desamparadamente: "Será a iniciativa inquilino
tão absurda? Não se encaixará ela na questão da boa vida?" (Franz Schandl,
Sonderbare Sonderware
[Estranha mercadoria especial], in:
Streifzüge 47/2009). Em condições de crise, mesmo iniciativas monotemáticas
apenas poderiam ter poder de intervenção real através da incorporação numa
resistência organizada no conjunto da sociedade. Não há qualquer via de saída da
ideologia de classe média de uma "política na primeira pessoa", que lampeja
repetidamente desde os tempos de 1968 e é obviamente cultivada na Streifzüge,
apesar das críticas anteriores. Assim, mesmo a fantasia de um único ponto
tem de ser imediatamente rebaixada a um pequeno projecto de vida bela
alternativo: "Que tipos de habitação se deveriam inaugurar adicionalmente?" (Schandl,
ibid.). O que permanece como "perspectiva" é, mais uma vez, a frase
existencialista: "Não basta ocupar as casas, é necessário ocupar a própria vida"
(ibid.).
Não é o calor da polémica intelectual ou da luta de rua que
pode extasiar estes camponeses de brincar da esquerda pós-moderna, mas sim o
calor sonolento do fogão de sala ideal, em que se pode puxar a pala do boné para
os olhos, dar um traque com ar sisudo e empestar o ar da cabana com amoroso
fedor bombástico. Maravilhoso! Tais fantasias podem ser as mais apropriadas para
pôr em circulação o meio "meu belo jardim", por servirem os reflexos de fuga do
indivíduo abstracto a afundar-se na sua particularidade.
Para a metafísica da compreensibilidade comum
"O burguês não tolera nada incompreensível dentro de casa"
Karl Kraus, aforismos
"As pessoas falam da forma mais incompreensível porque a linguagem para elas não
serve senão para se fazerem entender"
Karl Kraus, aforismos
Infelizmente não é possível isolar por completo a pura
preocupação dos conceitos reflexivos da teoria crítica, porque o aparelho de
destilação para isso necessário ainda não foi inventado até agora. Portanto, a
contaminação da sensibilidade do quotidiano e do seu "entendimento"
conceptualmente reproduzidos por um resto de abstracções teóricas constitui um
grande perigo: a saber, que esse senso comum pareça apesar disso
"incompreensível". E assim fica novamente em águas de bacalhau o "expandir e
disseminar" tão rápido quanto possível. Daqui decorre o imperativo seguinte da
"compreensibilidade" imediata das afirmações críticas, entendimento que pode ser
apenas designado como literalmente "comum". O "esforço do conceito" e a
complexidade do contexto essencial da arquitetura teórica a definir, que não se
pode produzir nem assumir sem pressupostos, é denunciado como uma afronta contra
as "pessoas comuns", como "preciosismo" e "mania de saber melhor", quase como
"fantasmagoria" (Franz Schandl, Zur Kritik des
Theoretikers [Crítica do teórico],
em: Streifzüge 43/2008) de um enredar arrogante. Como teórico/a, uma
pessoa sente-se "como algo melhor, como aristocrata do espírito" (ibid.). Essa
tecelagem cerebral constituiria apenas "um 'outro mundo' do controlador" (Lorenz
Glatz, What we do matters, in:
Streifzüge 47/2009). O que o agricultor não conhece, ele não come; e o que
não é imediatamente claro para "religião do quotidiano" (Marx) grosseiramente
nebulosa, está no índex da sua polícia religiosa.
Esta manipulação de sentimentos hostis aos intelectuais e do
ressentimento de zelador e sargento da consciência, no interesse da "ampla
aproximação", segue mais uma vez cegamente a transformação estrutural da esfera
pública burguesa: "Na medida em que a cultura se torna uma mercadoria, não
apenas na forma mas também no conteúdo, ela despoja-se daqueles momentos cuja
recepção pressupõe uma certa escolaridade" (Habermas, ibid, 255). Tais
pressupostos não devem ser criados, mas sim negados e afastados, como mero
desaforo para o senso comum que persiste como é. É a teoria feita mercadoria
também no conteúdo, que já não é teoria nenhuma e, portanto, está sujeita ao
imperativo da compreensibilidade imediata, ou seja, "poder ser recebida sem
condições rigorosas e certamente também sem consequências perceptíveis" (Habermas,
ibid, 255). O resultado final é a "supressão de toda a transcendência e
crítica": a "eficácia" é comprada com uma redução do pensamento à auto-afirmação
do destinatário que gosta do seu ser-assim: "Uma vez que o espírito socialmente
interveniente se limita a pôr diante dos olhos das pessoas o que de qualquer
modo já constitui a condição da sua existência, mas simultaneamente proclama
esta existência como a sua própria norma, elas são consolidadas na fé descrente
na própria existência" (Adorno, citado em: Habermas, ibid, 319). Também aos
ideólogos da compreensibilidade anti-intelectual da Streifzüge se aplica
que: "Eles reduzem ... as 'condições de admissão' psicologicamente, de tal modo
que a própria literatura tem de ser talhada para conforto e prazer dessa
recepção em condições inferiores e com efeitos mais fracos" (ibid., 256 ).
Foi a "máscara de carácter do vendedor" (Haug, ibid., 73)
que desenvolveu as correspondentes técnicas de linguagem e de argumentação,
incentivando a "ignorância" do cliente do idiotismo do quotidiano e lisonjeando
a sua "crença nos próprios méritos" (ibid., 73). Esta técnica é "a do eco
reforçado", com que o vendedor lança ao cliente "de volta a sua imagem no
espelho reforçada" (ibid., 73), neste caso, o ressentimento anti-intelectual e a
vontade de poder confirmar a sua particularidade existencial sem as exigências
da reflexão. Interpelada não é uma consciência que se deixa fascinar pela teoria
crítica, de tal maneira que esta destrói a falsa compreensibilidade comum,
apresenta o desconhecido do aparentemente conhecido e o estranho do que é
próprio, mas sim, pelo contrário, é interpelada uma consciência que gostaria de
poder dizer: "Você exprime exactamente aquilo que eu também sempre pensei".
A imediatidade e a ausência de pressupostos exigidas do
pensamento e da compreensão movem-se no plano profundo da "objectualidade da
opinião", fracamente fundamentada ou completamente infundamentada, cujos
possuidores pretendem simplesmente ser alimentados sem fazerem o esforço do
conceito. O modo da linguagem teórica é considerado com olhares de soslaio; por
exemplo, já relativamente às célebres palavras estrangeiras, para o que existe
apenas uma resposta: compra um dicionário de palavras estrangeiras ou deixa a
leitura, se queres apenas consumir pré-digerido. Mas, na verdade, não se trata
tanto de uma incompreensibilidade semântica; as afirmações da crítica
categorial, possivelmente, são apenas demasiado compreensíveis, mas essa
compreensibilidade é experimentada como uma imposição. Gosta-se de brincar ao "Kannitverstan"
(g) e gostar-se-ia de conseguir receber a coisa tão cabalmente esclarecida que
se evitasse qualquer confronto e que, suspirando de alívio, se pudesse voltar a
aquecer o traseiro com prazer no fogão de sala.
Quando se trata da determinação conceptual da coisa,
aplica-se portanto o princípio pedagógico do marrão do romance
Feuerzangenbowle
[A taça para aquecer o ponche]: "Começamos por fazer de parvos" (h). É
assim que no caso do tema "Habitar" somos reconduzidos ao assunto pelo
antiteórico, à maneira da mais fácil compreensão: "Habitar podia começar por ser
descrito como a existência regular numa habitação" (Franz Schandl,
Raum für die meiste Zeit
[Espaço para a maior parte do tempo], in:
Streifzüge 47/2009). Esta ideia é tão maciçamente óbvia que temos de chegar
lá, antes de mais. Agora que a base conceptual está definida, a assistente da
compreensibilidade comum prossegue, perante o público surpreso e feliz, com as
determinações subsequentes mais precisas: "Onde e como morar, é uma pergunta
inevitável na história da humanidade. A forma de morar não é inata às pessoas...
Morar significa segurança e protecção do frio, do calor e de outras condições do
tempo…" (Maria Wölflingseder, Wohnung(slos)-Arbeit(slos)
[(Sem) habitação – (sem) trabalho],
in: Streifzüge 47/2009 ). Foi tudo escrito obedientemente em co-autoria?
Então o chefe antiteórico pode concluir a primeira hora de introdução ao curso
sobre o tema "Habitar": "No apartamento, tudo o que é necessário à imediatidade
da reprodução tem o seu lugar: sítio para cozinhar, locais de repouso, mesas de
jantar, retiros, lavatórios, sanitários…" (Franz Schandl, ibid.). Teremos
realmente um sanitário? É o que eu teria de verificar de vez sem hesitar, caso
não me perdesse no corredor; como teórico sem sensibilidade, uma pessoa tem
mesmo os seus problemas em matéria de habitação. A cultura da definição de
entendimento fácil da Streifzüge pode ser útil, embora – não faltará aqui
ainda alguma coisa? Certo, o espaço para as "três secretárias" desapareceu, mas
elas não pertencem realmente à "imediatidade da reprodução". Obrigado, está
percebido.
O postulado da preocupação e a redução à particularidade
abstracta e à "certeza sensível" são deste modo completados pela gritante
trivialidade de definições que já para a quarta classe seriam pouco
exigentes. Mas também com isto se podem escrever muitas linhas só para encher e,
uma vez que as linhas não podem defender-se do abuso, o "enchimento" do caderno
prossegue alegremente. Não importa que a única declaração sobre o "problema da
habitação" a ser levada a sério conceptualmente, em termos da crítica da
economia política, consista numa citação de Friedrich Engels já do ano de 1872.
Lirismo da preocupação e promoção da trivialidade são sim equipadas ao máximo
com retórica existencialista, e assim parece que zero mais zero mais zero de
algum modo dá mais que zero.
No entanto, mesmo após a dissolução do pensamento conceptual
e analítico na imediatidade e na trivialidade ainda resta um certo aguilhão a
que tem de se quebrar a ponta. É precisamente a autolegitimação através da
crítica das condições vigentes que não pode ser simplesmente eliminada sem
ser substituída, porque isso seria óbvio demais e não seria apreciado por um
público que ele próprio precisa de um resquício dessa legitimação. A mitigação
epistémica do conceito e da análise da socialização negativa tem, por isso, de
ser completada com a mitigação epistémica da crítica contida na exposição. No
entendimento da falsa imediatidade ocorre uma redução fenomenológica. Foi
justamente o pensamento pós-moderno que nivelou fundamentalmente a diferença
entre essência e aparência. Mas, se o conceito da coisa é epistemicamente
reduzido à particularidade abstracta imediata e à "certeza sensível", então a
crítica contida no conceito tem de ser epistemicamente reduzida aos meros
sintomas. A banalização dos temas é para isso um pressuposto funcional.
Tanto a trivialidade como a redução sintomática seguem o
imperativo da compreensibilidade comum. Pois meros sintomas da
objectividade negativa podem ser imediatamente reconhecidos sem pensar por todos
e cada um e integrados na consciência quotidiana. O "incompreensível", ou seja,
o que não se quer compreender consiste justamente na mediação das
aparências com a essência que não aparece e, portanto, dos sintomas com a sua
origem na totalidade concreta negativa, ou seja, na determinação do todo como
miséria [Unwesen]. É exactamente isso que o senso comum no seu
ser-assim não quer ouvir, porque então ele já não poderia sair facilmente daí.
Assim, a retórica existencialista completa-se lindamente sem consequências com a
enumeração dos sintomas, que devem ser sugeridos na sua particularidade como
administráveis ou modificáveis. No tema "habitação" os sintomas podem ser
listados facilmente: "Os apartamentos, nem poderia ser de outra forma no
capitalismo, têm um preço" (Franz Schandl,
Sonderbare Sonderware [Estranha
mercadoria especial], in: Streifzüge 47/2009). Com isso todos nós
sofremos naturalmente "de modo muito concreto". E dói ainda mais: "Outra coerção
são as horas diárias de ida e vinda para o trabalho, com consequências
desastrosas – da poluição ambiental ao stress e à morte por acidente; pois,
mesmo com as condições meteorológicas mais adversas, tem de se arriscar o corpo
e a vida na viagem pendular de automóvel para o trabalho" (Maria Wölflingseder,
Wohnung(slos)-Arbeit(slos)
[(Sem) habitação – (sem) trabalho], in:
Streifzüge 47/2009). O capitalismo é justamente homicídio, tal como o
desporto. Aí já só resta a afirmação ingénua: "Viver nas cidades nos dias de
hoje parece-me mais como uma espécie de pecuária intensiva e é realmente o
oposto da minha ideia de cultura habitacional" (Sara Kleyhons,
Minimal Housing, in: Streifzüge
47/2009). Os frangos criados ao ar livre também têm melhor sabor, e assim já
esclarecemos novamente uma série de questões críticas.
Uma ampla redução da crítica explícita aos sintomas, a fim
de satisfazer o postulado da compreensibildade comum, reduz assim também o
conceito e a compreensão da coisa em si; a crítica apenas sintomática e a
afirmação categorial misturam-se. Aqui "os adjectivos e formulações moralizantes
obscurecem a vista, sugerindo escândalo que, no entanto, vendo melhor, não
ocorre, pois o escândalo (no plano meramente empírico), visto assim, vira
desdramatização (no plano categorial)" (Roswitha Scholz,
Der Mai ist gekommen [Maio chegou], in:
EXIT 2/2005). Certamente que não é possível num texto jornalístico, numa glosa
etc, acomodar um desenvolvimento conceptual-analítico do todo o negativo. Mas é
justamente nestes formatos de texto que se consegue a arte nada fácil de
iluminar o contexto social, deixando a inadequação do meramente sintomático nas
mentes dos leitores, como um aguilhão. A redução obstinada e diligente ao
particular e ao sintomático, pelo contrário, fixa esta consciência francamente
na sua resistência à crítica categorial.
Só porque os sintomas são geralmente conhecidos e, portanto,
a sua mera descrição parece tão compreensível, não resulta daí qualquer
especificidade de crítica radical. Pelo contrário, estas simples manifestações
da miséria real são igualmente denunciadas por todas as posições ideológicas e
partidos políticos, desde os ultra-liberais até aos arqui-conservadores, do papa
aos neonazis etc. Não há ninguém "a favor" da pobreza em massa, tal como não há
ninguém "a favor" da falta de habitação. Todos querem só o melhor e, portanto,
"combater" os sintomas, mas apenas com medidas de acordo com a sua interpretação
ideológica e com os seus recursos. O publicista dos E.U.A. Kenneth Burke tentou,
em 1939, analisar a retórica de Hitler. Ele notou que Hitler, com o seu ataque,
visava "unilateralmente os sintomas" dos "conflitos económicos" e das
"dificuldades do capitalismo"; precisamente por isso a sua retórica se revelou
como a dum "astuto profissional de publicidade" (citado em: Gerhard Voigt,
Goebbels als Markentechnike
[Goebbels como técnico de uma marca],
in: Warenästhetik. Beiträge zur Diskussion...
[A estética da mercadoria. Contribuições para a discussão...], Frankfurt/Main
1975, 231). A adição de individualidade abstracta ou "certeza sensível",
preocupação, retórica existencial, trivialidade e sintomas, como faz
sistematicamente a Streifzüge, é realmente compatível com quaisquer
posições ideológicas, e não menos com as de direita.
A síntese do encadernador
Rebaixar o conteúdo da crítica categorial ao lirismo da
preocupação e à compreensibilidade comum do quotidiano naturalmente que ainda
não é suficiente para a venda de almas com sucesso. Falta ainda a "diversidade"
pós-moderna da oferta, de modo a poder haver livre escolha no tabuleiro do
vendedor ambulante. O último problema da "crítica do valor" conceptualmente
remendada é que ela já não consegue aparecer como posição autónoma, resultante
de um longo debate teórico e com pretensões de validade. Naturalmente que esta
validade tem de ser teoricamente fundada e historico-analiticamente comprovada;
mas foi justamente daí que se afastou muito a Streifzüge, para poder
soprar carinhosamente aos ouvidos do homem comum. Ora o cortejado senso comum
tende para "opiniões" que se têm assim mesmo porque se pensa o que se pensa
assim e pronto. E, felizmente, essas opiniões são tão maravilhosamente
diferentes, justamente porque no essencial (isto não vem à fala, ou vem apenas
sintomaticamente) se está tão maravilhosamente de acordo, mesmo que em silêncio.
Unidade silenciosa dos pressupostos subentendidos e diversidade tagarela do
fabrico de opiniões condicionam-se reciprocamente e dão pelo nome de
"pluralismo".
Certamente que existem sempre algumas diferenças, mesmo
entre amigos e no contexto de uma posição comum. Não obstante, ou talvez por
isso, é preciso saber distinguir entre diferentes graus de diferença, entre uma
diferença de pormenor ou de ênfase e uma diferença em relação ao todo, entre as
posições e atitudes toleráveis e intoleráveis, entre questões ou problemas
absolutamente susceptíveis de esclarecimento e aqueles que de momento têm de
ficar assim, por falta de conhecimento ou de capacidade de tratamento. O chamado
pluralismo, pelo contrário, já não tem absolutamente nenhum critério para o
alcance das diferenças em termos de conteúdo.
Esta aparente pluralidade é de resto o resultado da história
da imposição do capitalismo: nomeadamente, no plano político, desde o
desenvolvimento de partidos de classe e ideológicos, cada um dos quais assumiu
como absoluto um aspecto ou um momento da imposição da socialização do valor e
dele tomou "posse" como verdade, até aos "partido populares" após a Segunda
Guerra Mundial, que, perante a socialização do valor plenamente imposta, já não
reivindicam qualquer particular momento de verdade em termos de conteúdo, mas
são "plurais" tanto em si como entre si, na acepção de simples modos de
tratamento da contradição. No entanto, o reconhecimento da "comunidade dos
democratas" constitui o "silencioso a priori" da máquina da valorização. Podem
surgir à vontade muitas opiniões, essencial é que sejam subsumidas realmente na
forma da mercadoria. As modernas "visões do mundo", em analogia com a religião,
degeneraram como esta numa questão de "opinião pessoal", precisamente porque a
lógica subjacente do modo de reprodução se tornou a vida quotidiana, sendo assim
internalizada. Sem a mínima reflexão sobre o contexto sócio-histórico, agora
qualquer pensamento teórico, cultural ou até mesmo supostamente crítico, com
cada uma das suas expressões, já está incorporado neste pluralismo geral,
perante o fundo silencioso da unidimensionalidade da forma da mercadoria ou da
valorização, e submetido ao correspondente "mandamento de tolerância" geral e
abstracto. No virtualismo pós-moderno, este mandamento de tolerância das "objectualidades
de opinião" acentuou-se até à arbitrariedade explícita, como já foi indicado
inicialmente.
Não é aqui o lugar para uma investigação mais detalhada
deste contexto. Basta a referência à história da reivindicação do pluralismo e
da proibição com ele relacionada de qualquer formulação de conflito, discussão
e, sobretudo, exacerbamento do conteúdo; uma proibição que, por sua vez,
corresponde à "máscara de carácter do vendedor", que não quer perder qualquer
cliente potencial. (30) Publicística e mediaticamente isto aponta para o facto
de até a simples grosseria sem pretensões etc. ("trash") ser mais consentida do
que a confrontação real de conteúdo ou a luta pela verdade que, segundo o
pensamento pós-modernista, de qualquer modo já não existe, ou deve ser uma
simples questão de encenação e de negociação.
Nos tempos do começo da Nova Esquerda, o pluralismo
jornalístico, cheio de pressupostos mas inconsequente, ainda foi ridicularizado
como uma "síntese de encadernador": textos não só diferentes, mas diametralmente
opostos, irreconciliáveis e percorrendo ou ultrapassando todos os graus de
diferença podem e devem estar lado a lado, quase sem ligação, no quadro de uma
"tolerância de opinião" indeterminada; agrupados somente pela capa ou pela
encadernação. Para a consciência pós-moderna isto não surge como desvalorização
escandalosa do pensamento crítico, nem como indiferença, mas justamente como
aquela "livre escolha" que deve ser reivindicada permanentemente no supermercado
do pensamento, onde se pode meditar um pouco diante das prateleiras e encher
completamente o carrinho de compras.
O imperativo de vendedor de "expandir e disseminar"
encontrou na Streifzüge a sua última expressão, como pluralismo de
opinião no sentido da arbitrariedade pós-moderna, inicialmente furtiva e
finalmente aberta. Não se trata de discutir questões novas, nem de desenvolver o
pensamento crítico do valor ou da dissociação-valor, o que poderia levar a
diferentes opiniões ou ênfases. A luta do novo contra o velho também existe
certamente dentro de uma determinada posição de crítica social, como mostrou por
exemplo o desenvolvimento da crítica da dissociação-valor contra a crítica do
valor. Então chega-se a uma nova síntese ou vem a separação; também pode haver
casos em que duas linhas de argumentação se desenvolvem lado a lado, porque vêem
a mesma coisa sob diferentes aspectos e não se excluem necessariamente. Mas a
diferença tem de ser sempre identificada. O pluralismo é exactamente o oposto: a
sua natureza consiste precisamente em aceitar a priori e irreflectidamente
diferenças totalmente não comprovadas e considerar tudo compatível com tudo.
Este postulado expressa-se nas publicações como "síntese do encadernador" apenas
exterior.
A Streifzüge ensaiou o tolerancialismo da opinião
numa fase relativamente precoce e num tema especialmente "difícil", ou seja, a
relação entre o anti-semitismo e o conflito no Médio Oriente. Assim pôde um ódio
a Israel, pouco publicado e um pouco envergonhado, desabafar a correspondente
preocupação, projectando imediatamente sobre o Estado judaico determinados
enunciados da crítica do valor realmente relacionados com a forma social geral:
"Para as pessoas do Ocidente, o 'direito à existência' de Israel está em
consonância com o sistema do Estado de direito ao qual ele está adaptado e
também garante literalmente a sua própria existência. Aos seus olhos, o Ocidente
exigiu dos palestinianos (e dos países islâmicos) 'nada mais' que o cumprimento
das regras elementares de convivência talhadas à medida do indivíduo isolado"
(Peter Klein, Mentale Überlegenheit und
militärische Kraft. Anmerkungen zum Nahostkonflikt
[Superioridade mental e força militar. Notas
sobre o conflito no Médio Oriente], in: Streifzüge 37/2006). A crítica da
forma jurídica burguesa é posta aqui, de modo traiçoeiro, como uma e a mesma
coisa que a crítica de Israel, ou o Estado judaico torna-se por assim dizer a
representação da forma burguesa em geral, sendo assim o direito à existência de
Israel posto entre aspas. Pois se, nomeadamente, o Ocidente defende "o ponto de
vista jurídico de Israel" (ibid.), ele faz valer a forma capitalista como tal
contra o mundo islâmico (como se este estivesse fora dela).
Com isto, naturalmente, Israel também na superfície da
política mundial é subsumido "ao Ocidente", ou mesmo nomeado o representante
exemplar dos "princípios ocidentais", negando-se assim o duplo carácter do
Estado judaico e ignorando-se a relação da sua existência com o anti-semitismo
global. Portanto, para Klein, o conflito de Israel com o islamismo coincide
imediatamente com a posição do Ocidente na guerra de ordenamento mundial: "A
guerra de ordenamento mundial de Kurz parece ter realmente começado. No entanto,
isso não seria argumento para, na avaliação do posterior desenvolvimento, uma
pessoa ter de se orientar justamente pelas linhas de conflito alegadas pelos
actores estatais" (ibid.). Este ataque de flanco visa precisamente a
fundamentação feita no livro
A guerra de ordenamento mundial
das razões pelas quais a existência de Israel é transversal às frentes do
imperialismo de crise global. Para Klein, pelo contrário, qualquer defesa de
Israel deve representar uma "orientação pelas linhas de conflito alegadas pelos
actores estatais". Inversamente, os inimigos de Israel aparecem então sob uma
luz mais favorável; poderão agir de modo talvez um pouco irracional, mas já
estão de algum modo quase no caminho certo, porque eles supostamente "não se
entendem" com a forma capitalista do valor e do direito "ou até a rejeitam" (ibid.)
e, portanto, seria muito injusto apresentá-los como "de certo modo... maus ou
loucos..." (ibid.). O islamismo anti-semita já não é considerado como uma
ideologia de crise pós-moderna bárbara, no terreno do capital mundial, mas (com
uma aproximação visível ao "anti-imperialismo" tosco) enobrecida com um piscar
de olhos, como uma espécie de "resistência".
Em todo o inimigo islamista de Israel encontra-se um bom
coração; esta mensagem deve ser depois, duas edições da Streifzüge mais
tarde, novamente apresentada com pendor "existencialista". A "justificação
ideológica do terrorismo" (especialmente os atentados suicidas contra Israel)
não seria importante, e dar atenção a isso equivaleria a uma "eliminação da
dimensão existencial do problema" (Peter Klein,
Existenz und Terror [Existência e terror], em: Streifzüge
39/2007). "Campos de refugiados ou uma alta mortalidade infantil" (ibid.) são
assumidos como a base material desta "dimensão", como se proviesse daí a
ideologia anti-semita dos terroristas suicidas e dos seus responsáveis
endinheirados das elites muçulmanas, que se estão nas tintas para a pobreza e a
mortalidade infantil. Os "combatentes contra Israel" surgem quase como heróis
trágicos, que "já nenhum funcionalismo pode apreender" e "preferem fazer-se
explodir no ar a continuar a viver num estado de miséria, humilhação e
desespero" (ibid.). Como no pensamento pós-moderno contaminado por Heidegger,
deve ser eliminada a crítica da ideologia: "Trata-se de afastar a névoa
ideológica e trazer à fala a situação existencial" (ibid.). Que a "névoa
ideológica", como forma de tratamento consciente da contradição, pode
condensar-se num poder assassino, e que a crítica da ideologia em geral é parte
indispensável da crítica categorial do contexto da forma capitalista, isso é
esquecido com sucesso, ou nunca pertenceu a esta variedade de "crítica do
valor". (31) A crítica da ideologia, evidentemente, terá de ser tapada sobretudo
porque a viragem "existencialista", juntamente com a simpatia aberta ou
escondida para com o anti-semitismo e a hostilidade a Israel, é ela mesma
ideológica ao mais alto grau; e realmente de forma particularmente repugnante
(para uma crítica, ver Claus Peter Ortlieb,
Das Selbstmordattentat als emanzipatorischer Akt?
[O atentado suicida como acto emancipatório?].
Perante tal efusão de hostilidade a Israel, surge para a
Streifzüge uma certa necessidade de "equilíbrio" de opiniões, em nome do
pluralismo. Assim, em seguida, tornou-se necessário, no quadro da "síntese do
encadernador", trazer um amigo determinado de Israel a apresentar com toda a
modéstia a sua opinião contrária. Mesmo ao lado da tematização de Klein, cheia
de compreensão pela "situação existencial" dos terroristas inimigos de Israel,
disse-se aí: "É vivaça... a ideia de Israel mau, que – apesar de ser tão pequeno
– exerce uma influência enorme e incompreensível na política mundial,
influenciando mesmo fortemente a super-potência E.U.A., se não mesmo
controlando-a ... e instigando guerras" (Lothar Galow-Bergemann,
Wegsehen oder Solidarität mit Israel? Civilization of
Clash und antisemitischer Vernichtungswahn
[Desviar o olhar ou solidariedade com Israel? Civilização de choque e
delírio de extermínio anti-semita], em: Streifzüge 39/2007). É condenada
com razão uma posição anti-Israel que em geral não menciona "que o regime
iraniano nega o Holocausto, apela à destruição de Israel esforça-se por
conseguir armas nucleares" (ibid.).
Tomando em consideração a proximidade, no mesmo número da
Streifzüge", a polémica aparece a uma luz um tanto peculiar: "Não em último
lugar na política de esquerda, estão tradicionalmente baterias inteiras de
galinhas poedeiras ocupadas a pôr no mundo esses ovos podres" (ibid.).
Galow-Bergemann age como se não tivesse dado pelo ovo mais podre, que foi
colocado mesmo junto ao seu artigo e cheira mal até bem longe. Mas se ele se
vira contra que "se minimize os bombistas suicidas como... 'pobres pessoas
desesperadas'" (ibid.), então arregalamos os olhos, pois é exactamente isso que
é explicitamente proclamado apenas algumas páginas antes, sem que tal pareça
perturbá-lo. A questão, perante o "silêncio" em tais circunstâncias, é saber o
que diz verdadeiramente a seguinte conclusão: "Uma posição que não queira tomar
partido no 'Choque de civilizações', mas pretenda estar contra
ele, inclui necessariamente a crítica decidida ao anti-semitismo, ao
anti-sionismo e ao fundamentalismo islâmico, bem como a solidariedade com
Israel" (ibid., destaque de Galow-Bergemann). Esta afirmação é correcta, mas
torna-se completamente não-vinculativa e passa a não valer um chavo se é
colocada no contexto de um pluralismo que admite o exacto oposto. Em seguida, o
autor também poderia acomodar igualmente o seu texto na
Jungen Freiheit
(i).
Para o mandamento do vendedor, de servir o maior espectro de
opinião possível, o conteúdo é tão indiferente que mesmo uma oposição tão
flagrantemente hostil pode conviver pacificamente no mesmo ninho. (32)
Galow-Bergemann nem sequer percebe que com este contacto amoroso o seu próprio
ovo fica tão podre como o outro. A coincidência dos opostos poderá talvez ser
concedida como utopia de reconciliação geral. Não é comovente ver como, segundo
o modelo de paraíso das Testemunhas de Jeová, o lobo está junto do cordeiro com
toda a amabilidade e o inimigo de Israel junto do amigo de Israel, tal como a
"compreensão" existencial para com o anti-semitismo está em conformidade com a
"crítica decidida ao anti-semitismo"? Druzhba (j), alegria e panquecas por toda
a parte. Ama o teu próximo negador do Holocausto como a ti mesmo; "anything goes".
O mandamento da "livre escolha" não pode naturalmente
permanecer sempre no simples pluralismo de opinião em alguns temas sensíveis; à
pluralidade tem de ser também francamente conferida uma sagração epistémica.
Tanto quanto ainda se fala de algum modo de "crítica do valor" (e é cada vez
menos, ou menos claramente, se descontarmos o tolo papaguear "sem valor") com
isso já não deve estar ligada qualquer pretensão teórica distinta. Toda a
abordagem é despojada do seu conteúdo de transformação histórica do marxismo,
para poder oferecer apenas ainda algumas das cem flores que desabrocham, que se
reúnem no arranjo de flores da Streifzüge. No lugar da reflexão crítica
ocorre um pragmatismo do activismo alternativo do quotidiano, para o qual todas
as teorias são "de algum modo" igualmente um pouco certas e um pouco erradas.
Também a teoria como tal desaparece na mera "objectualidade da opinião".
Portanto, já não é necessário procurar a coerência pelo esforço do conceito, mas
supostamente pode-se comer um pouco de néctar de todas as flores.
Assim, o pregador do amor da Streifzüge, mais uma vez
invocando a ideóloga da alternativa Friederike Habermann, prefere uma "teoria
que, perante algumas abordagens em parte justamente incompatíveis de pessoas
como Gramsci, Althusser, Foucault, Derrida, Hall, Laclau, Mouffe, Butler e
muitos outros, se serve dos seus díspares rodeios (!)..." (Lorenz Glatz,
What we do matters, in: Streifzüge
47/2009). Incompatível para lá, díspar para cá, é tudo igual ao litro. Os/as
antiteóricos/as secundários/as fazem uma espécie de caldeirada para as suas
necessidades imediatas de legitimação, sem se preocuparem grandemente com a
conexão interna. Esta caldeirada barata deve então ser o "autêntico" e o "apto",
enquanto as teorias descaradamente usadas para o efeito têm apenas o valor de
ingredientes externos. O programa culmina com a afirmação de que "um eclectismo
crítico é perfeitamente adequado" (ibid.). Aqui está a palavra-chave. Onde o
eclectismo começa e até é deliberadamente propagado deixa de se ouvir
qualquer pensamento crítico.
O eclectismo não é uma teoria nem um método, mas um
simulacro da reflexão conceptual em geral. Na aversão a qualquer coerência
teórica e analítica que vá para além da imediatidade, ele gostaria de liquidar a
priori a disputa teórica e, portanto, a controvérsia intelectual, para a si
mesmo se colocar fora da linha de tiro, embora o fogo deva ser aberto contra ele
antes de mais, porque ele, ao negar o conteúdo oposto das posições da reflexão,
nega também a objectividade negativa do todo e das suas contradições internas. O
conflito teórico, se não serve apenas a construção da imagem, mas tem razões
objectivas, não é provocação de conflito, não é expressão de arrogância e
egomania nem um comportamento patológico, mas uma necessidade, enquanto a
sociedade se mover numa dialéctica sujeito-objecto. A controvérsia é
historicamente condicionada (por exemplo, em relação ao marxismo do movimento
operário ou ao pós-modernismo) e socialmente enraizada (por exemplo, em relação
aos interesses afirmativos da classe média), não sendo, portanto, arbitrária. O
eclectismo, pelo contrário, apaga o posicionamento histórico e social para tomar
as teorias como fenómenos mentais do mesmo nível, indiferentes e plurais, das
quais se pode cortar fatias à vontade.
Qualquer teoria digna desse nome e que ganhou ou começa a
ganhar influência histórica é, pela sua própria natureza, a tentativa de definir
para o seu tempo um todo histórico-social, uma totalidade concreta. Uma nova
teoria entra, por definição, na luta pela "hegemonia do discurso", caso
contrário nem precisaria de ser formulada; mesmo se a sua importância apenas
pode ser comprovada num processo histórico indisponível. Isto aplica-se também e
em especial quando ela está consciente da limitação e da relatividade histórica
de todo o pensamento (e, portanto, também do seu próprio). (33) Daqui não
decorre, porém, qualquer agnosticismo ecléctico, mas a reflexão ainda mais
consciente da totalidade concreta, na sua localização histórica. O pensamento
ecléctico, que já não é pensamento nenhum, nega o conceito e a reivindicação de
teoria em geral; ele menospreza e abusa de todas as teorias por igual,
olhando-as e farejando-as exteriormente do ponto de vista do tacanho prático do
quotidiano, da perspectiva da rã, para as examinar em nome de um utilitarismo
primitivo para a "utilidade" imediata dos seus objectivos. É a submissão
violenta da teoria a um ponto de vista não-teórico e antiteórico, ou seja, o seu
corte brutal, em vez de a mediar como tal com a práxis social. Isso é quase tão
sensato como pregar um prego na parede com um iPhone.
Com a viragem para um programa explícito de eclectismo, a
Streifzüge não apenas abandona qualquer pretensão teórica, mas também
abandona qualquer posição distinta que pudesse levar ao conflito. A "crítica do
valor" que historicamente ficou sem lugar e sem substância, seja o que for que
ela nunca entendeu sobre o seu nome, já não é por si uma posição que a si mesma
se represente, mas um chouriço entre muitos no balcão teórico, de onde se pode
cortar uma fatia. A luta teórica é enterrada, porque já não se trata da
transformação histórica da crítica radical, mas do seu adormecimento. Assim, a
autonomização da forma perante o conteúdo completou a autonomização da "venda"
perante a coisa. Para a Streifzüge já não se trata de "expandir e
disseminar algo" (uma determinada coisa, um conteúdo), mas apenas a "si mesma",
não importando o conteúdo, porque já se tem apenas a si mesma e nada mais. Quer
obviamente avançar para "Readers Digest" total ideal da esquerda desmontada;
provavelmente, é verdade, para a sua autodissolução, mais cedo ou mais tarde,
num adequado projecto de fusão do eclectismo sem garra nem futuro.
O princípio do Karaoke
Seria errado esconder ou mesmo negar que na Streifzüge
também aparecem de vez em quando artigos individuais que vale mesmo a pena ler.
Mas, com a descida epistémica para a falsa imediatidade, eles tornam-se cada vez
mais raros. Tanto quanto esses textos ainda aparecem, eles estão num contexto de
conteúdo e apresentação na estética da mercadoria que lhes é tão pouco adequado
como, por exemplo, na análise da "mobilização da aparência sexual atraente" (Haug.
Ibid., 67) pelo capitalismo, seria adequada a publicidade à lingerie
provocante. É certamente possível que autores/as críticos/as procurando
oportunidades de publicação vão dar a tal contexto enganados. Mas também se
poderia dizer que algumas pessoas se acham demasiado boas justamente para nada.
Por último, é possível uma pressão de jornalistas para aparecerem, de tal modo
que até mesmo à Bäckerblume
(k) ofereceriam para publicar algo como a
relação de Adorno com a música pop.
Mas artigos com alguma solidez, que mesmo em tamanhos
menores tenham um fundo na penetração no tema, são relativamente raros no
estado actual de elaboração e recepção da crítica do valor (na EXIT, crítica da
dissociação-valor). Só por isso, o "desejo de transformação em magazine" não
conseguiria o "preenchimento" nem a "disseminação". Assim, à superficialidade
sintomática e simplificação da oferta próprias teve de juntar-se um apelo ao
público auto-referencial, para participar directamente na feitura da folha com
elaborações próprias ainda mais superficiais.
Ao que parece está aqui em acção o eterno impulso da
esquerda para a democracia vulgar: bom é tudo o que de algum modo vem "de
baixo", aparenta "auto-actividade" e pode ser interpretado como "democracia de
base". Perde-se de vista que a auto-actividade emancipatória de modo nenhum se
consegue sem pressupostos e apenas através de mediação. (34) Acaba por nada ter
a ver com a emancipação o facto de o senso comum irreflectido, tal como ele se
levanta e anda, falar constantemente de si caseiramente, ou fazer valer mais ou
menos associativamente a sua "sensibilidade de opinião" imediata; a maior parte
das vezes saturada de ideologia até mais não.
Este estado banal da natureza dos blogger há muito aparece como apêndice
virtual, entretanto generalizado, dos média burgueses que querem angariar de
clientes e espaço publicitário na Net. O fenómeno é basicamente um elemento da "objectualidade
da opinião" na estética da mercadoria e constitui apenas o prolongamento da
pseudoparticipação correspondente nos média mais antigos, tal como o inquérito
telefónico de opinião no programa de rádio Dudelfunk.
A tendência para o lirismo da preocupação e para a episteme
da "compreensibilidade" já poderia ter deixado adivinhar que a trupe de circo
mediático da Streifzüge também se inscreveria neste navio. Assim o
público deve ser enganado com um "CALL FOR PAPERS" dirigido "a todos". Aí se diz
traiçoeiramente: "Naturalmente que não sabemos se podemos publicar todos os
textos enviados, mas se o artigo não for completamente desastrado (!) irá pelo
menos para a nossa homepage" (www.streifzuege.org/i_call_45-2009.html). Não se
pode chamá-lo de forma diferente: algo assim é simplesmente um insulto, tanto
para os potenciais autores como para o público. Quem tem alguma coisa para dizer
e sabe que isso é com condições prévias, quem não quer fazer de palhaço
mediático só pode sentir-se revoltado com tal apelo. (35) Já é preciso uma boa
dose de descaramento para querer motivar as pessoas desta forma. Uma redacção
que trata os autores com seriedade tem a tarefa de fiscalizar e mesmo redigir os
textos que, tal como os autores, não caem dos céus. É preciso um período de
aproximação e penetração na reflexão crítica, mas também no know-how técnico
para poder criar textos razoáveis. Certamente é possível que, por falta de
recursos de tempo, esta pretensão nem sempre se mantenha firme em todos os
aspectos; mas ela deve ser intentada. Entre a "síntese de encadernador", que
pretende servir-se a partir de todos os cantos ideológicos, e o postulado de
preocupação empirista vulgar, no âmbito do imperativo de "alargamento", não há à
partida espaço para isso.
O que a Streifzüge aqui faz, e que copiou da
pseudoparticipação imediata
no negócio burguês da opinião,
pode ser chamado "princípio do karaoke". Este fenómeno, surgido no Japão há
cerca de 40 anos, consiste, como é bem conhecido, em que são tocadas as versões
instrumentais de sucessos populares e todos os que nisso tiverem gosto podem
tentar cantar a canção correspondente. Não são só as crianças púberes que são
atraídas para ele, mas também todos os que sofrem de complexos de inferioridade
ou são impulsionados pelo despudor pós-moderno: pessoas de meia-idade, donas de
casa em embriaguez de café, comerciantes bem bebidos pela noite fora e
neuróticos em geral das categorias inferiores de todos os estratos da sociedade.
Os bares de Karaoke em Tóquio são tão comuns como casas de chá e salões de
massagens e há muito se espalharam por todo o mundo. O karaoke também é muito
apreciado pelos animadores de clubes de férias e foi um precursor da abjecta
inflação de auto-apresentação e auto-exposição no espaço virtual, onde continua.
A Internet é, sem dúvida, especialmente apropriada para performances a solo,
para o público mundial anónimo. Por muito tola que a coisa seja obviamente,
tanto mais irresistível é a tentação de se apresentar como uma "estrela" no
palco, ou pelo menos como um simulacro dela.
É muito duvidoso, perante a grande concorrência em todas as
esferas dos média, que a Streifzüge consiga desenvolver uma especial
força de atracção com a sua oferta especial de karaoke. O que talvez ainda falte
é a combinação com a publicidade das assinaturas, por exemplo, assim: quem
assinar a folha pode publicar, sem censura, um texto "não completamente
desastrado"; quem também pagar a assinatura, participa com dois desses produtos
de produção própria; e a quem angariar mais assinantes é-lhe atribuído o direito
de publicar sem restrições mesmo criações "completamente desastradas". Se nem
deste modo a caixa de esmolas ficar cheia, pode-se até mesmo, talvez como
práxis "emancipatória" de massas, deixar a coisa toda entregue a si mesma, como
um mictório público de opinião em self-service, sem ter de fazer mais nada do
que contar a massa. Que bênção se então, pelo menos, o crítico-chefe vienense
"do teórico" conseguir finalmente acabar com a dor de cabeça de "escrever" e
puder deitar o seu cérebro cansado da vida no merecido descanso eterno.
Baixinho, levanta-se a questão de saber a que tipo de
personalidade ou carácter social esta oferta de karaoke é realmente dirigida.
Também a isto a Streifzüge dá uma resposta tão clara como franca: "Se
você acredita que é um génio, ou pelo menos tem conhecimentos de hipertexto ou
de layout, é promotor de vendas, mostra ter talentos especiais, ou apenas pensa
possuir uma inteligência brilhante, escreva para
redaktion@streifzuege.org" (www.streifzuege.org/a_geniesuche.html). Não
admira que perante tal oferta se candidatam única e exclusivamente pessoas que
"se comprometem com os próprios desejos". Mais uma vez a meia ironia não pode
constituir álibi nenhum. Pois tais destinatários há muito exercem uma
auto-ironia que não é expressa ironicamente, mas constitui apenas a factualidade
do modelo de negócios em que não se pode levar a sério nada nem ninguém, nem
muito menos a si próprio, mas apesar disso, ou talvez por causa disso, se
pretende entrar no top da "economia da atenção". É perfeitamente claro o apelo à
consciência pós-moderna narcisista do sujeito decadente depravado das
classes médias, que predominantemente se manifesta nos homens habitualmente
"bonzinhos", porque eles nada têm para mostrar além do respectivo "desejo" (isto
é: ânsia de reconhecimento). Foi justamente sobre o carácter destas pessoas que
Adorno observou cedo, com razão, que era escandaloso dizerem "eu". (36) Nos
tempos pós-modernos essa atitude assumiu um carácter de massas.
O que o "desejo" poderia sobretudo despertar seria a
perspectiva de entrar em jogo, sem grande esforço de mediação, mesmo com
exteriorizações intelectuais que são um erro de gramática duma ponta à outra.
Além disso, poderia ser que secretamente não se julgasse o lugar meramente
virtual, apesar do seu carácter inflacionário, com plena capacidade de obter
reputação e se o vivenciasse como gana "de se ver impresso". A tipologia deste
desejo poderia ser dividida entre aspirantes e despedidos. Os
aspirantes vêm naturalmente do círculo de blogs e listas de discussão, cujos
manifestantes até agora se têm divertido nos correspondentes campos de karaoke;
não em último lugar nas edições online da imprensa burguesa e agora também da de
esquerda. A "busca de génios" da Streifzüge oferece-lhes uma oportunidade
adicional para falar à toa.
Os despedidos são mais as velhas vivências jornalísticas da
década de 1990, que se esgotaram juntamente com o espírito do tempo de então e
há muito ultrapassaram o pico da sua capacidade informativa. Seus temas mais
pós-modernos são repetidos em ponto morto; eles já não têm nada de novo para
oferecer. Por isso se tornaram um modelo descontinuado e têm cada vez mais
dificuldade em encontrar locais para publicar. Isso não significa que os média
se tenham aberto a novos horizontes; só que a concorrência aumentou e
apresenta-se em constelações modificadas de reciclagem cultural que fazem que o
fluxo de "crítica" superficial dos despedidos pareça de algum modo fora de moda.
Como cantores de sucesso envelhecidos que não conseguem abandonar a profissão,
eles acabam assim juntos com os jovens aspirantes virtualmente treinados no bar
de karaoke da Streifzüge e suportam aquela forma de apresentação na forma
da mercadoria que antes queriam criticar em parte, já menos do que reinterpretar
e remodelar. Não se deve ajudá-los mais.
"Apropriação"
como mania de originalidade e validade aparentemente autónomas
"Um plagiador deveria ter de copiar o autor cem vezes"
Karl Kraus, aforismos
"Quando li como um imitador elogia o original, pareceu-me como se uma alforreca
tivesse vindo a terra, para dar a sua opinião barata sobre a estadia no oceano"
Karl Kraus, aforismos
O problema básico com o qual temos de lidar, e que é um
problema social geral, consiste em que o sujeito de crise pós-moderno já não
consegue relacionar-se com nenhuma coisa em que pudesse suplantar a sua
mera individualidade, tornando-a justamente desse modo reflexivamente assertiva.
Em vez disso, as "coisas", neste caso, a crítica radical do contexto social
formal e o seu publicismo, tornam-se para o indivíduo atomizado, que permanece
enfeitiçado no seu abstraccionismo, um "tema" acidental, externo e arbitrário,
para a si próprio se encenar e "preencher" o seu vazio bocejante. Se se tratasse
da coisa, então aquele processo incontornável teria de ser desenvolvido, pois só
através dele é possível a aproximação ao novo paradigma da crítica categorial, o
debate com ele e a sua elaboração de forma independente. Se alguém fora dessa
elaboração gostasse de contribuir com algo, em qualquer aspecto, teria de
descobrir isso penosamente e desenvolvê-lo em temas, o que naturalmente exige o
seu tempo.
Isto aplica-se especialmente à posterior elaboração teórica
e às publicações. Não é apenas devido ao carácter específico da esfera pública
burguesa, mas está na coisa em si que o surgimento de autores/as da teoria,
análise e intervenção (incluindo o jornalismo) críticas não começa com uma
declaração abstracta de intenções de "titulares de opinião". Em vez disso, eles
só podem desenvolver-se por um processo de história de vida, em que a raiva
contra a situação e a participação em actividades de crítica social por si só
conduz, numa situação histórica determinada, à necessidade de elaboração teórica
e análise transformadoras, que aliás só podem surgir de um envolvimento com a
coisa, sem critérios exteriores de sucesso e de "realização pessoal". Mesmo no
trabalho académico institucional, com o seu inerente carreirismo, dificilmente
alguém conseguirá ter êxito simplesmente com bluff, sem adicionar um objecto de
conhecimento e, em certa medida, esquecer a pura vontade pessoal de vencer. Nada
disto é assunto para corredores de velocidade pós-modernos narcisistas. Para
eles, a crítica do valor (ou o que eles pensam que isso é) apresenta-se como um
"achado", que se pode usar como "start-up" de uma auto-encenação, porque aparece
como um tema ainda relativamente não utilizado. Então não se trata de uma
apropriação teórica, no sentido de envolvimento no tema, e por isso do seu apoio
e desenvolvimento, mas de "apropriação", apenas como uma espécie de usurpação,
como o agarrar de uma "objectualidade de opinião" em si indiferente.
Ligada a isto está uma mania de originalidade sem graça, com
a qual os "ocupantes" do objecto de opinião por si julgam os outros. Porém, a
crítica da dissociação-valor como novo paradigma não pôde resultar de uma busca
subjectiva de "originalidade", mas é o produto inacabado de um debater-se
durante muitos anos para sair do marxismo tradicional, no contexto da anterior
Nova Esquerda e do seu declínio, cujo critério só pôde ser a situação histórica
objectiva ou a sua mudança dramática. O facto de essa inovação ter portador
pessoal, nem deve ser apagado nem confundido com imperativo autoritário aos
seguidores. Não se trata de "pretensões de autoridade", para a qual de qualquer
modo não há um quadro institucional fora da academia, mas das inevitáveis
exigências de fundamentação. (37) Se o paradigma da crítica da
dissociação-valor tem uma importância histórica objectiva na transformação da
crítica social radical, então ele não pode ser sobreculminado e "sobrepujado"
por uma vontade externa de "originalidade", nem "esquartejado", mas apenas pode
continuar a ser desenvolvido.
Quem se envolver seriamente nisso e pretender contribuir
para tal desenvolvimento não utilizará o fundo já existente como uma mina para
projectos de auto-afirmação e de carreira, mas situar-se-á num campo da
confrontação. Pois, naturalmente, a nova elaboração teórica é controversa e tem
de se afirmar contra as posições do marxismo residual e pós-marxistas, que
continuam como resíduos ideais da época passada. A referência à teoria da
dissociação-valor deve ser divulgada no campo do debate de forma inequívoca; e é
preciso mostrar exactamente em que base se constrói, em que consiste o
alargamento do domínio do objecto e como se ordenam na "coisa" as abordagens de
uma elaboração conceptual continuada. Aqui se inclui que fazer as referências e
citações limpas deve ser óbvio; não se trata, de modo nenhum, de uma questão de
"relações de propriedade burguesas", mas de uma exigência da própria crítica, se
ela pretende apresentar coerência suficiente e ser compreensível. (38)
Há aqui uma dialéctica curiosa na recepção usurpadora. Por
um lado, o corpus teórico posto como set de "objectualidade de opinião"
não pode ser reconhecido na sua qualidade própria. Seus portadores originais não
são percebidos como representantes de um conteúdo, a que uma pessoa se possa
referir positivamente "como participante", mas sim, sob o ditame de um
imperativo de autonomia "vazia", mais ou menos conscientemente como
"concorrência", numa referência mais edipiana. O conceito de "autonomia" não se
alimenta aqui de um suposto "pensamento próprio", que teria de ser fundamentado
em termos de conteúdo, mas de uma emoção não fundamentada da "soberania pessoal"
pós-moderna perante qualquer conteúdo. A recepção dos/as autores/as,
portanto, já quase coincide com o ressentimento contra eles/elas. Esta
referência é pseudo-anti-autoritária porque não se dirige de facto contra
estruturas ou pretensões autoritárias, mas vive a especificação daquele corpus
teórico em si como posição "autoritária" e violação da sua própria "soberania
pessoal". (39)
Este lado pessoal só secundariamente é ocupado com conteúdo.
A aproximação é então idêntica à repulsa. Assim não trabalham na crítica da
dissociação-valor para contribuírem com alguma coisa de forma independente, mas
esforçam-se aí para encontrar algo que se possa apresentar contra ela,
ainda a meio caminho da recepção. Uma vez que a mania da originalidade
pseudo-autónoma passa ao lado da objectividade dos conteúdos e os ignora ou até
nega, mas estes ainda assim existem, só é possível encenar-se como "original"
assumindo do exterior da mesma maneira (na verdade, em última análise, de forma
dependente) elementos de outras elaborações teóricas conflituantes, para os
apresentar com gestos de crítica no corpus teórico superficialmente usurpado. O
"esforçar-se" funciona, assim, não a desenvolver a crítica da dissociação-valor
nas questões sociais no campo do debate, mas sim a amolecê-la e dissolvê-la,
para assim no entanto negar a inovação. (40)
Por outro lado, é precisamente este corpus teórico que
constitui o ponto de partida ou uma parte substancial da encenação. O carácter
usurpatório manifesta-se aqui na medida em que cada vez mais as referências não
são feitas e os conteúdos empregados não são citados, tratando-se muitas vezes
apenas de fragmentos. (41) Também aqui estamos lidando com um fenómeno social
geral. A pirataria desenfreada tornou-se moda. No quadro de uma economia de
pilhagem intelectual, mesmo o mais miserável trapalhão pode emproar-se com
plumas alheias, como se fosse um pensador e escritor original e reflectido. A
ideologia pós-moderna da "intertextualidade", em que supostamente "a autoria
desaparece", é apenas a última etapa da desintegração da esfera pública
burguesa. Esta dissolve-se, não apenas numa massa anónima de "objectualidades de
opinião" híbridas, mas os plagiadores, que de modo nenhum actuam "no além" da
subjectividade burguesa, querem encenar justamente o seu EGO perturbado com os
conteúdos roubados, para à custa de outros gamarem "fama" por assim dizer com
nome e endereço e, se for o caso, dinheiro.
O verdadeiros produtores individuais de conteúdos não
"desaparecem", mas pretende-se que sejam intelectualmente expropriados e
escorraçados, para dar lugar à semicelebridade dos plagiadores, que é promovida
por um negócio depravado da literatura e da cultura. Essa "liberdade" de
pilhagem cultural e intelectual dos conteúdos, que foram produzidos com esforço
intelectual real e custo de vida, não tem nada a ver com o pathos de
"colectividade" do antigo socialismo, tem mais a ver com o instinto colectivo de
sujeitos monadizados da autovalorização que, sem responsabilidade pelo conteúdo,
querem apenas pastar tudo aquilo que consideram servir de pasto. O único consolo
é que muitas vezes nem sequer conseguem copiar correctamente. Isso envolve não
apenas o desrespeito pela individualidade e personalidade, mas sobretudo a
destruição dos próprios conteúdos, que já não aparecem num contexto declarado,
mas são colhidos e despedaçados à vontade.
O princípio do karaoke da Streifzüge promete a
síntese completa, em termos de estética da mercadoria, desta síndrome
relativamente à "crítica do valor". Esta não só é banalizada e rebaixada à falsa
imediatidade do pseudomundo do dia-a-dia, mas também é transformada em eldorado
para os "plagiadores sem vergonha por convicção", como se diz de modo
francamente programático na visão da redacção. Procede-se como se o fundo
teórico surgisse da ténia associativa de um debate em mailing lists e pudesse
ser esquartejado à vontade, sem ter de se preocupar com a incontornável
fundamentação. Como pano de fundo temos a ideologia do open source,
também residente na Streifzüge, que presume que a elaboração teórica
poderia ser efectuada segundo o modelo de desenvolvimento de software. Esta
tentativa, há muito miseravelmente falhada, termina agora na propaganda do "copianço",
tão despudorado como desconexo, como "princípio da emancipação", que se legitima
apenas com uma referência formalista e sem conteúdo à "propriedade" jurídica (e,
portanto, partilha com o marxismo vulgar a redução da relação de capital às
relações de propriedade privada na circulação). Em termos de conteúdo, a síntese
de dissolução teórica e plagiadorismo apresenta-se justamente como aquela
episteme que é um eclectismo sem sentido, que a Streifzüge propaga
como modelo de salvação "teórico" para o seu activismo sem objectivo do
quotidiano. (42) O campo de debate do conteúdo é assim enevoado e transformado
num parque recreativo pelos autopromotores da sua falsa autonomia com a mania da
originalidade, que segregam uma repugnante mistela no seu conjunto gamada.
O clique dos idiotas
Foi apenas uma questão de tempo até a Streifzüge
trazer o princípio Karaoke ao nível da mais recente tecnologia para o tráfego de
rede. Fundamental para a natureza específica da Web 2.0 é, como se sabe, a
possibilidade de interacção imediata, a todos os níveis, de palavra, imagem e
som. O que, mesmo do ponto de vista técnico, é afinal apenas moderadamente
admirável, deve ser descrito como completamente estragado, se tivermos em conta
o estado geral da esfera pública e da subjectividade burguesas. Uma das ironias
da história é que o upgrade tecnológico sem precedentes e a imediatidade dos
potenciais de interação global (quase em tempo real) depara com a atomização
igualmente sem precedentes dos indivíduos incapacitados pelo capitalismo, que se
habituaram a pensar e a agir de modo tão desconexo como os seres humanos nunca
fizeram antes. Todos podem dirigir-se imediatamente a todos, mas quase ninguém
tem mais nada a dizer além de minúcias e trivialidades.
O controle técnico para o dilúvio de exteriorizações do
"senso comum" burguês na sua decadência é a chamada "caixa de comentários". Uma
vez instalada esta, podem todos e cada um intervir directamente na respectiva
plataforma de rede e dar a sua opinião não auditada sobre todos os textos
publicados. É a potencialização do princípio de karaoke e uma apoteose medonha
da democracia de base das "objectualidades de opinião". São magicamente atraídos
por esta possibilidade técnica palradores que nunca se calam, argumentadores de
café, presumidos, personagens neuróticos, descontentes e obscurantistas de todas
as cores. É verdade que já antes os havia, mas não sabiam nada uns dos outros
nem tinham a oportunidade de aparecerem assim massiva e permanentemente. Tendo
agora a Streifzüge instalado esta função de serviço permanente na sua
plataforma web, põe-na à disposição do arrazoado geral, sem qualquer pretensão
de conteúdo, a fim de alcançar o maior grau de auto-referencialidade: chouriços
feitos de chouriços para encher chouriços.
A natureza puramente associativa já referida com brevidade
destas exteriorizações gera cadeias de opinião irrelevantes quanto ao conteúdo,
como se pode facilmente constatar numa olhadela à monótona caixa de comentários
em qualquer texto, nas edições virtuais dos média burgueses e de esquerda. Com
razão se deve chamar à caixa de comentários "o clique dos idiotas" universal;
trata-se, por assim dizer, após a fase de decadência prolongada, da fase de
decomposição da esfera pública burguesa. Deste modo nenhum conteúdo específico é
discutido (o que se exigiria, para o seu conhecimento num contexto mais amplo),
e muito menos objecto de uma reflexão mais aprofundada, mas escrevinha-se
instintivamente com afirmações isoladas, como ponto de partida e ponto de
repulsão, o que vem à cabeça a cada um, de um ponto de vista completamente
externo. As cadeias de associação infundadas perdem geralmente a referência ao
texto original para chegarem a outro lugar completamente diferente, sem
coerência nem estrutura interna, até que o respectivo thread (l) se tenha
esgotado, após umas poucas ou mesmo 30 ou 40 ruinosas exteriorizações
espontâneas e em regra completamente toscas.
Enquanto o princípio do karaoke, na forma acima descrita do
"Call for papers", ainda implica de modo meramente formal um mínimo de
compromisso com um conteúdo, mesmo que superficialmente (afinal tem de se expor
um texto próprio acabado e submetê-lo a uma redacção), o formalismo vazio é
levado ao extremo na caixa de comentários: qualquer condição e responsabilidade
pelo conteúdo, mesmo mínima, é eliminada desde o início, abrindo-se assim de par
em par as portas à arbitrariedade absoluta. Deste modo, podem "preencher" o
espaço virtual até ao vómito não só vidas de surfista casual, reformadores e
fanfarrões por convicção, mas também titulares de opiniões reaccionárias,
populistas de direita, neo-liberais ou outras.
Nos média burgueses maiores a caixa de comentários constitui
o pátio de recreio para uma community de tagarelas notórios e
presunçosos, que aí saltam e brincam entusiasmados, mas na realidade não são
naturalmente levados a sério e no fundo também não querem sê-lo. Para manter os
piores excessos dentro de certos limites, dispõe-se de um cargo na redacção para
a "administração da comunidade", como é chamado de forma significativa. Usa-se
este pátio de recreio de uma pseudoparticipação na produção de opinião apenas
para alcançar os "níveis de audiência" que tornam o campo da community
interessante para a publicidade comercial. Pretende-se assim compensar a
diminuição do volume de anúncios e de suplementos publicitários na edição
impressa original.
Diferentemente se passam as coisas nos média de esquerda
quando se abrem à community do comentário. Aqui geralmente isso é já a
meia admissão de não se conseguir mais manter como periódico impresso. No caso
da Streifzüge, seria apenas lógico se a nível da edição impressa a
literatura edificante da ideologia da preocupação fosse completada por concursos
(naturalmente que não dará para um automóvel eléctrico com zero de emissões, mas
um quilo de números da Streifzüge também já seria um bom prémio),
palavras cruzadas "críticas" ou horóscopos, a fim de se tornar realmente
"simpática" para o "mais amplo" senso comum. Mais democrático não há. Mas não é
preciso ir tão longe, quando a instalação da caixa de comentários electrónica,
de qualquer maneira, abre o caminho para fazer desaparecer o projecto
completamente no espaço virtual, onde ele também pertence.
Como plataforma integrada de karaoke e community, que
abandonou jubilosa o universo Gutenberg, permite-se mesmo como que resolver as
questões de financiamento "do aquém" através duma publicidade das assinaturas
identificatória laboriosamente encenada. Seria possível, por um lado, colocar-se
inequivocamente no "além" sem custos e, por outro lado, "preencher" este "além"
com pequenos espaços publicitários a renderam meia dúzia de tostões; talvez não
propriamente para as agências publicitárias da VW ou da Siemens, mas pelo menos
para fornecedores de perfumes, promissores investimentos de casino no Quénia ou
o famigerado alongamento do pénis. E isto viria justamente ao encontro da
estrutura de necessidades do público pós-moderno de bonzinhos. Infelizmente, por
baixo de demasiados produtos da preocupação e do karaoke, salta à vista a
indicação "0 comentários". Oxalá se encontrem incentivos para formar uma "community"
de comentadores que alcance um volume gerador de publicidade.
O pequeno burguês "crítico do valor" como obra de arte total
A Streifzüge não desenvolveu a antiga crítica do
valor, mas tornou-a "barata" em todos os sentidos e acabou por desgraçá-la. A
sua falsa imediatidade não sabe que ela própria é mediada. Pois aquele activismo
do quotidiano imediato, integrado na forma da estética da mercadoria,
"proporciona uma espécie de experiência que não se acumula, mas regride" (Habermas,
ibid, 255). Mas esta regressão tem a sua origem no imperialismo fetichista da
"forma vazia" que faz do meio a mensagem. Se aqui se recua até ao jovem Habermas
e até ao jovem Haug, como referências da polémica com a Streifzüge, isso
não significa naturalmente que as suas investigações não tenham sido
deficitárias, do actual ponto de vista da crítica da dissociação-valor; para já
não falar do ponto onde eles chegaram agora, após mais de quarenta anos.
Significa apenas que justamente um publicismo que começou inicialmente com
"crítica do valor" (aparentemente apenas meio-digerida) caiu tão abaixo de
qualquer crítica que até a elaboração teórica dos anos de 1960 e 1970 está muito
acima desta "crítica do valor" de pé-descalço e ainda é bem capaz de denunciar
tal regressão penosa.
É justamente pelo facto de a Streifzüge ter afogado o
conteúdo na sua apresentação na estética da mercadoria, sob o ditame de
"expandir e disseminar" e numa episteme tão fetichista da imediatidade como
ecléctica, que a sua absorção na forma vazia da apresentação surge como
contravalor do "dinheiro do espírito"; embora na sua mais insignificante moeda
de um cêntimo. O Príncipe do Inferno não daria por estes "vendedores de almas"
ambulantes nem sequer seis pence. E, em qualquer agência de publicidade melhor,
esta equipa teria de ser demitida por recusa grave de criatividade. Este
contexto, finalmente, também pode levar a uma determinação mais precisa do
lugar social e ideológico onde se situa a síndrome aqui em discussão.
Como já indicou a metáfora da venda ambulante, na
Streifzüge temos de lidar com uma espécie de chafarica espiritual, que
gostaria de fazer da sua própria mentalidade de chafarica o tema da missionação.
(43) A preocupação "alternativa" de viver melhor também é enriquecida com
projectos de chafaricas que devem ser paridos no contexto de uma pretensa
"economia solidária" após a síntese social real, no pequeno espaço de simples
sub-rogações do "valor de troca", sem interferir com as condições sociais do
"modo de produção baseado no valor"; seja como economia de subsistência pobre ou
por meio de "relações contratuais" formais no plano virtual. Tal desejo pode ser
descrito como o mais profundamente pequeno-burguês em sentido clássico.
No entanto, a pequena burguesia também já não é o que era. A diferença entre o
marxismo do movimento operário e a ideologia dos pequenos produtores por conta
própria há muito se tornou historicamente irrelevante. Porém, com o
desenvolvimento capitalista, mantiveram-se e propagaram-se numa base social
diferente elementos essenciais da atitude e da formação ideológica
pequeno-burguesas, que constituem um bloqueio para o objectivo da crítica da
dissociação-valor de romper com a síntese capitalista socialmente abrangente.
Esta problemática pode ser abordada de duas maneiras. Por um
lado, com a crescente socialização e cientificização capitalistas, formaram-se
no século XX as chamadas novas classes médias, já não baseadas em meios
materiais de produção próprios, mas no "capital humano" de qualificações mais
elevadas (para mais detalhes, ver Roswitha Scholz,
O ser-se supérfluo e a "angústia da classe média",
in: Exit 5/2008 ). Uma grande parte das funções com ela relacionadas é
objectivamente necessária, mas improdutiva em termos capitalistas (no sentido de
produção de mais-valia real). Por isso, a expansão das novas classes médias, bem
como a expansão do capital constante (com a redução relativa e finalmente
absoluta do capital variável, produtor de mais-valia real) são acompanhadas por
uma correspondente expansão do sistema de crédito, que entretanto está a chegar
aos limites históricos, como se sabe.
Por outro lado, entretanto, no decorrer da crise histórica
com isso relacionada desenvolveu-se, de forma completamente independente da
situação específica ou da qualificação no processo de reprodução, uma
individualização abstracta socialmente abrangente num novo patamar, que
relaciona o átomo social com o "sujeito automático" directamente e já não
através do filtro do meio social ou das formas de organização. Isto dá origem a
uma mentalidade geral que poderia ser descrita como de pequena burguesia
virtual. Mesmo independentemente do capital humano específico das novas
classes médias qualificadas, os indivíduos são simplesmente colocados na
situação de "autovalorizadores" ou "empresários da vida", já com o seu corpo e
vida nus. Cada um é a sua própria chafarica com duas pernas. Isto é certamente,
por um lado, uma ideologia da administração do trabalho e da crise, ou do seu
pessoal de classe média; por outro lado, tal posição corresponde também à
experiência e ao pensamento das massas arrancadas de todas as garantias, até bem
dentro da nova camada inferior em crescimento.
Os dois momentos da nova pequena burguesia têm de ser
relacionados e vistos na sua dependência recíproca. As classes médias do capital
humano qualificado (especialmente do académico) estão ameaçadas de
desvalorização e queda, porque a sua alimentação a partir da massa de mais-valia
real em diminuição começa a cair a pique. Por conseguinte, todo o agregado
cultural e científico na sua dimensão social está entregue a uma depravação
crescente. Perante isto, grande parte das novas classes médias reage
espontaneamente de modo auto-afirmativo em termos capitalistas; ou seja, defende
a sua posição relativamente privilegiada como capital humano qualificado com
"reclamações" contra os caídos fora e as novas camadas inferiores etc. Mas este
discurso também se torna hegemónico porque pode simultaneamente estabelecer
ligação com a mentalidade atomizada da autovalorização em todos os estratos e
grupos.
A ideologia da exclusão social-darwinista é geral; trata-se
apenas de saber quem deve ser excluído individualmente e se o próprio como
indivíduo continua a ser poupado ou consegue safar-se contra os "outros". A
intelligentsia relativamente massificada do capital humano depravado fornece
os slogans e ideologias, diferentes e contraditórios, para as situações e formas
de desenvolvimento da concorrência de aniquilação social, em que ela mais uma
vez assume uma posição especial. (44)
Neste contexto, naturalmente, é perfeitamente claro que a "pequena-burguesia"
já não pode ser denunciada do "ponto de vista do proletariado", com o seu punho
calejado brandindo a foice e o martelo. Nem se podem fazer valer as principais
diferenças no que diz respeito às formas legais de propriedade, nem se pode
jogar o trabalho abstracto na sua forma bruta contra as funções qualificadas. As
novas classes médias são elas próprias agentes do trabalho abstracto, apenas de
uma maneira diferente, e pela sua forma são na maior parte assalariadas. Mas o
conceito de "pequeno-burguês", como palavrão, está quase extinto de modo
completamente errado. Pelo contrário, é preciso preencher esta denúncia com novo
conteúdo e ela é necessária como tal para poder levar por diante a crítica
radical das relações de dissociação-valor. O "ponto de vista" para isso não é o
de outro sujeito social, na estrutura da imanência capitalista, mas sim o ponto
de vista da crítica dessa estrutura funcional em si, cujo ponto de partida
imanente já não pode ser a afirmação de uma determinada posição nas "formas
objectivas de existência", mas sim a experiência da insuportabilidade e
inutilidade desse contexto formal e funcional como tal.
Mas é justamente esta percepção que é bloqueada e soterrada
por uma dupla nova pequena burguesia, tanto no sentido estrito do capital humano
qualificado em risco de depravação e defendendo a sua forma de valor própria
(até à pantomina da burguesia culta), como no sentido mais amplo do sujeito da
autovalorização socialmente abrangente de todas as classes e camadas em geral. A
Streifzüge, tanto no seu modo de proceder e de apresentação formal como
na sua ideologia da imediatidade e da preocupação, oferece uma plataforma para
digerir regressivamente a experiência negativa da síntese capitalista e
da sua crise e para instrumentalizar os restos insignificantes de uma "crítica
do valor" redutora com vista à elaboração sem fundamento de projectos
neo-pequeno-burgueses de "autovalorizadores" inconfessados. Assim se desmente
naturalmente também a crítica do estado de autovalorização do sujeito de crise
pós-moderno, que pelo menos antes também na Streifzüge tinha sido
ocasionalmente formulada; no entanto já então de uma forma mais superficialmente
moralizadora, simplesmente enfeitada ao estilo dos suplementos literários. De
facto, na adaptação à estética da mercadoria, o interesse de classe média e a
atitude de classe média emparelham tão bem com a mentalidade de autovalorização
geral como o virtualismo pós-moderno com a auto-exploração na economia de
subsistência e a fantasia digital tecno-freak com o romantismo do
camponês que vai fazendo queijos na montanha. São apenas diferentes facetas e
formas de expressão, que se penetram mutuamente, do mesmo carácter social
neo-pequeno-burguês.
O pretenso "além", no meio do "quotidiano" capitalista
horroroso, e o "pensamento positivo", virado contra Adorno, de "abordagens" de
uma vida verdadeira na falsa revelam-se como imaginação de um verdadeiro idílio
pequeno-burguês. A concorrência de aniquilação social não deve ser contrariada
pelo confronto social com a administração da crise e pela crítica da ideologia
do senso comum com ela relacionado, pelo contrário, deve ser mantida,
simplesmente fora dos seus pavilhões próprios. O kitsch social da "economia da
dádiva", do "commons" etc., de momentos de reprodução pré-moderna idealizados
sem fundamento teórico e projectados sobre a situação do capitalismo de crise, é
amalgamado com a atitude e com as maneiras hipocritamente "boas" da socialização
de classe média (proibição da polémica, controle social como "mandamento de
calor humano", autopedagogização etc.). Tudo isto é apadrinhado por uma
ideologia da circulação burguesa geral, que se expressa não apenas na
tentativa de instalar a nível da relações imediatas subrogações da troca de
mercadorias alegadamente "sem valor", mas também na habituação compulsiva a
"relações de reconhecimento" recíprocas na circulação, cuja ausência de conteúdo
remete para o imperativo não ultrapassado do "sujeito automático" na síntese
social real.
Toda esta síndrome constitui uma variante específica das
reacções ideológicas das novas classes médias ao processo de crise.
Indirectamente, portanto, também funciona um impulso de exclusão social que
repele tudo o que não é absorvido nesta preparação de potencialidades de
pseudo-emancipação da nova pequena burguesia. Para a massa das novas camadas
inferiores, à partida incompatível com este constructo recorrente (sem por isso
serem pessoas melhores; a crítica da ideologia também visa esse "outro" senso
comum), perante o idílio pequeno-burguês imaginário de ideologia da alternativa
de vidas de classe média em queda, está a tabuleta à porta da loja: "Nós,
infelizmente, temos de ficar de fora" (45)
Não por acaso, nesta síndrome é precisamente a teoria da
dissociação sexual que não tem lugar. Na relação de dissociação-valor é
historicamente atribuída às mulheres uma parte que contém de certo modo os
ingredientes da ideologia da Streifzüge. O velho movimento operário, no
curso da sua luta pelo simples "reconhecimento" (em última análise também na
circulação) como sujeito funcional capitalista, tinha reproduzido a relação de
género burguesa. A "resistência" das mulheres, porém, apenas em parte se
referia a este "ponto cego" da percepção social, conceptualmente não apreendido.
Pelo contrário, as mulheres da classe trabalhadora, pelo próprio facto de
executarem em si a relação de dissociação, estavam sob suspeita de serem um
obstáculo na luta pelo reconhecimento social, porque de acordo com a sua
socialização pareciam dispostas a jogar a reprodução da família nuclear contra
as "grandes" questões do reconhecimento social. Porém, como o contexto real
continuava sem ser objecto de reflexão, a contradição aqui incluída não pôde ser
suplantada, mas reproduziu-se no desenvolvimento histórico do marxismo do
movimento operário.
Salta à vista que as atribuições à feminilidade na relação
de dissociação apresentam uma certa analogia estrutural com a posição social da
"pequena-burguesia", embora se trate de níveis completamente diferentes da
reprodução. A analogia está na fixação na imediatidade, na individualidade
existencial, na pequena escala dos relacionamentos de proximidade etc.; aqui com
referência à reprodução familiar, ali com referência à própria chafarica ou ao
pequeno capital humano. Enquanto a relação de dissociação não é reflectida e
criticada conscientemente como tal, a parte quase pequeno-burguesa e fixada na
imediatidade continua a ser atribuída às mulheres e reproduz-se através de todas
as classes e camadas, bem como através todas as fases de desenvolvimento e
modificações; mesmo depois de as mulheres estarem com a mesma qualificação e
serem consideradas formalmente "iguais". Como que por si, são-lhes impingidas as
respectivas posições, que também encontram sempre aceitação de certas mulheres
no dia-a-dia; daí a atitude de desconfiança contra a tematização do contexto
social geral e contra as abstracções conceptuais, de se instalar num aconchego
razoável e de tirar partido das funções da maternidade. Na reprodução social
real isto vai dar a uma aceitação positiva da "dupla socialização" (Regina
Becker-Schmidt) das mulheres, mesmo se elas, em situação de crise são postas na
situação de "pau para toda a obra", (m) responsáveis por todas as necessidades
da reprodução em sentido afirmativo. Enquanto o feminismo ainda mostrava os
dentes, essa posição, na elaboração teórica respectiva onde não se conseguiu
fazer penetrar o conceito de dissociação-valor, ainda foi denunciada com a noção
de "cúmplices". Desde que o feminismo perdeu o seu ímpeto, nas sensibilidades
pós-modernas supostamente igualitárias, o problema ficou por muito tempo fora do
foco da atenção e só recentemente voltou a ser reivindicado. Um reconhecimento
"superficial" da questão de género continua, no entanto, a ser inconsequente,
enquanto não se reflecte sobre os fundamentos sociais.
Perante este pano de fundo, ocorre no quadro dos projectos
de alternativa neo-pequeno-burgueses ao nível de chafarica uma singular
reconfiguração da relação de dissociação, em que a socialização de classe média
desempenha um papel tanto nos homens como nas mulheres. Por um lado, a
"feminilidade" dissociada volta a ser incorporada na utopia da falsa
imediatidade e nas completas deformações que lhe estão associadas da "economia
da dádiva", "commons", "naturalidade", lamechices amorosas e romantismo de fogão
de sala, para a partir daí construir artesanalmente uma "pátria" ideológica
justamente também para as mulheres. A relação de dissociação não é criticada,
mas reduzida a um "domínio" positivo idealizado, onde deve jogar-se a "vida
verdadeira". Nesse sentido, as mulheres devem procurar uma apreciação que as
fixa justamente no seu estatuto (à semelhança do que acontece no discurso
conservador na crise); e, na verdade, com exigências mais severas. Nem pode ser
de outra maneira, se a "alternativa" deve ser feita na prática à margem da
síntese social (que justamente também é preenchida androcentricamente), na
relação de proximidade "discreta".
Por outro lado, no entanto, esta "vida verdadeira na falsa"
já não deve ser reservada ao feminino. O "deste lado" da síntese capitalista
escondida, no mundo do quotidiano idealizado, é agora ocupado também por homens
bonzinhos da classe média "transformados em donas de casa", que gostariam de
sentir um calor do ninho ideológico no casulo de "crianças, cozinha e copyleft"
(Roswitha Scholz, Der Mai ist gekommen
[Maio chegou], ibid.). Especialmente neste casulo, é reproduzida em seguida a
relação de dissociação de uma maneira específica. Os homens alternativos da
lamechice amorosa reconstituem aqui imediatamente a sua supremacia de género,
pois tomam conta do "departamento criativo" e (se é que ainda se pode falar
nisso) da "definição conceptual teórica" de toda a actividade, enquanto as
mulheres nestes contextos mais uma vez são responsáveis sobretudo pelo "apenas
concretamente concreto". Mulheres com pretensões teóricas próprias e
particularmente teóricas com livros publicados ficam em regra de fora e só são
aceitáveis se parecerem legitimar o constructo. Neste idílio ideológico a teoria
e crítica da dissociação sexual é tão diferente como o vinho da água e tem de
ser de algum modo neutralizada. (46)
A síndrome global da nova pequena-burguesia de esquerda é
completada por um traje quase filosófico, que na Streifzüge já está em
vias de assumir o carácter de uma paródia. Como já mencionado, o conceito
abstracto de "vida" é significativamente gasto pelo murmúrio; uma análise
informática mostraria provavelmente que "vida" é um substantivo usado
inflacionariamente, como se pode ver entretanto em qualquer texto da
Streifzüge: "Nós não queremos prolongar a falta de vida, mas sim mudar o
mundo e inventar uma nova vida. Isto não deve ser separado de um certo cálculo
hedonista. Em qualquer altura é o momento de a paixão e o conhecimento de que
outro mundo é possível começar a crescer novamente. Não por causa da miséria dos
oprimidos, mas por causa da nossa ânsia irresistível de vida" (Ricky Trang,
Die Spezialisten des Überleben
[Os especialistas da sobrevivência], em: Streifzüge 47/2009). Tal como
acontece com Schandl, trata-se de uma retórica oca "que mergulha fundo". Mas,
por outro lado, esta inflação de "vida" tem bastante método (ver também o slogan
do movimento alternativo da ideologia da comunidade: "Já viveste hoje?"). Isto
também se aplica à correlativa fraseologia da "existência"
heideggerianizada.
Recorre-se assim àquela corrente designada como "vitalismo"
ou "filosofia de vida", que se tinha desenvolvido na segunda metade do século
XIX a partir do historicismo, tinha sido agarrada no início do século XX pela
sociologia do conhecimento (Mannheim, Scheler entre outros) e desembocou no
existencialismo de Heidegger. Trata-se de uma corrente que partiu de uma crítica
a Hegel diametralmente oposta à de Marx, mediada pela vulgarização do
pensamento de Schopenhauer, Kierkegaard e Nietzsche. Todas as ideias
reaccionárias, irracionalistas e ontologizantes, até ao nacional-socialismo,
foram tiradas dessa fonte. Para além das teorias pós-modernas, que se baseiam
centralmente em Nietzsche e Heidegger, não em Marx, este ideário profundamente
afirmativo e anti-emancipatório penetrou na esquerda. Não é aqui o lugar para
examinar essa relação mais de perto. (47) Mas salta aos olhos que a
Streifzüge pesca abundantemente em tais águas turvas. A referência
infiltrada, para além da mera retórica existencialista-vitalista, é obviamente
tão pouco comprovada como todos os outros ingredientes do programa ecléctico.
Também a este respeito os da Streifzüge não passaram por nada, eles
provavelmente sabem da história intelectual relevante apenas por ouvir dizer.
Mas pior ainda é que justamente uma pseudocrítica do valor em dissolução é que
está a marcar a moda da mistificação reaccionária e do "jargão da autenticidade"
de uma esquerda que cada vez mais se entende explicitamente como um movimento de
classe média e justamente por isso pode ser carregada com ideologemas vitalistas
e existencialistas.
Todo este complexo, do ponto de vista da "disseminação",
pode diferenciar-se em todas as direções e personagens possíveis, podendo cada
uma incorporar um aspecto da síndrome e conter elementos de todas as formas,
exteriorizações ou descargas do petit bourgeois dos últimos 200 anos.
Tomado e incorporado na estética da mercadoria, tudo fica assim sob a tutela
formal da síntese do encadernador; possíveis contradições são aplanadas e
amaciadas de acordo com o "mandamento do amor da economia da dádiva".
Finalmente, "nós basicamente queremos todos o mesmo", e de certa maneira isso
está certo para esta malta. O espectro dos amigos da Streifzüge vai do
sátiro alternativo na base da pilha de compostagem, passando por "pseudo-existências
virtuais" de empresários da vida produtores de literatura gritante, até ao
médico de província moderadamente anti-semita com ares de existencialista. Um
público e patrocínio que não queremos para nós de certeza. Se é isto que deve
ser a "crítica do valor", então nós somos inimigos da crítica do valor. A teoria
crítica tem de se afastar intransigentemente de todo o mau cheiro ideal da nova
pequena burguesia. (48) Com essa gente não há mais nada para "discutir".
Portanto, para concluir, uma proposta talvez surpreendente
de bondade. Pode ser que ainda haja algumas pessoas interessadas na "crítica do
valor" que não saibam muito bem onde realmente pertencem. Para a crítica da
dissociação-valor é uma perda por fricção quando lhe vêm bater à porta como
falso endereço e tem de lidar no seu próprio campo com as necessidades, as
expressões habituais e os ideologemas da nova pequena burguesia, que seriam
realmente melhor colocados na Streifzüge. Por outro lado, é evidente que
ao "prazer de transformação em magazine" escapa provavelmente uma parte do seu
público tradicional por entre os dedos, de modo que corre o risco de não ter
aquela "disseminação" que está perfeitamente encostada ao ser-assim social
preparado na estética da mercadoria dos autovendedores e dos seus apêndices da
ideologia da alternativa. Ficam portanto autorizados a Streifzüge e todos
os outros habitantes do espaço virtual a publicar este texto nos seus sites
(claro que apenas na sua totalidade e com indicação da fonte), de modo que fique
claro para todos o quão desumanos e impossíveis são os "controleiros inimigos da
vida" de uma elaboração teórica tão fora da realidade como pouco simpática.
Poderiam assim obter para si um enorme efeito publicitário. O reconhecimento da
própria identidade e a indignação assim provocada vão trazer-lhes seguramente a
respectiva gente em massa. Assim, ambos os lados beneficiarão, se crescer junto
o que pertence ao mesmo conjunto.
Notas
(1) Esta tendência não passou despercebida nas suas várias
formas de manifestação e pede crítica noutro lugar. "Os homens escapados da
geração estágio encenam-se", escreve Fiona Sara Schmidt na revista feminista
Anschläge, "(desde) que alguns já não ficam para trás com a Web 2.0, agora
de repente estão sentados por todo o lado especialistas dos tempos modernos ...
que inventaram profissões (enquanto as mulheres continuam preocupadas a
compatibilizar a gestão da família) ... A situação do precariado académico é
desdramatizada, sendo a autodeterminação celebrada... Para os porta-vozes
visíveis já não se trata de política ou de crítica social, mas da ocupação de
temas. Dizem eles: 'O meu estilo de vida é relevante para o público' ..."
(citado de: linksnet.de). A versão "crítica do valor" desta atitude será
discutida de seguida.
(2) Nisso seria de desejar a algumas figuras de veteranos
dos círculos de esquerda próximas da meia idade que consigam um empregozinho na
administração do trabalho ou nas equipes de trabalho científico do Partido de
Esquerda, dos Verdes ou da social-democracia, para poderem finalmente ser
ex-esquerdistas em paz, em vez de estarem no caminho do desenvolvimento da
crítica social emancipatória, com as suas poses e palhaçadas de uma
"movimentação" tornada uma grande ilusão e fracamente legitimada no conteúdo.
(3) Quanto mais elementos da "crítica do valor" são
infiltrados no panorama da crítica social, tanto mais eles são rebaixados nos
detalhes, sem serem compreendidos, para estabelecer compatibilidade com os
vendedores de almas. E tanto mais unidimensionalmente o paradigma também aí é
retomado como "assunto masculino". A monopolização é feita no horizonte
universalista androcêntrico. Em contrapartida, a teoria da "dissociação sexual"
(Roswitha Scholz) que lhe está associada é recebida na melhor das hipóteses
pro forma e como quem não quer a coisa, mas de facto largamente ignorada.
Por isso também o conceito crítico de "sujeito masculino e branco ocidental" (MBO),
após um curto boom noutros campos da crítica do valor, desapareceu
novamente de cena. São justamente os indivíduos masculinos da autovalorização
que se tornam o sujeito do valor como valor, enquanto o "inconsciente
androcêntrico" se bloqueia na sua dimensão profunda perante a crítica da
dissociação-valor. Provavelmente será preciso disparar ainda muitas flechas
envenenadas contra este complexo de miséria e inconsciência, até que ele entre
na consciência.
(4) Em sessões públicas muitas vezes surge a pergunta sobre
as razões para a separação que se tornou notória há seis anos. Essas razões
permaneceram obscuras para a opinião pública de esquerda porque foram amaciadas
"como personalistas", nunca foram tornadas públicas em toda a sua amplitude e
nunca foram explicitamente apresentadas pelos actores do outro lado. Entretanto,
justamente os da Streifzüge assumiram-se em vários aspectos.
(5) Apesar disso, naturalmente que a elaboração teórica da
crítica categorial está precarizada, porque o mercado para produtos teóricos em
sentido estrito é em geral muito limitado e ainda continua a diminuir. Sob o
capitalismo só dificilmente se pode viver deste "bem pago" formal ou apenas num
nível baixo. Ter necessariamente de conviver de algum modo com esta deficiência
não deve, no entanto, levar a fazer da necessidade uma virtude e a
"desvalorizar" voluntariamente a produção teórica (em ambos os sentidos),
proclamando as suas restrições capitalistas até mesmo como potência
transcendente.
(6) Trata-se aqui de uma variante de estratégias de
publicidade e de vendas usuais na Net, que pretendem arrancar com a venda de
mercadorias justamente através da "economia da dádiva", ou mesmo de acções
directamente fraudulentas, apresentando-se a pretensos vencedores dum concurso
uma conta simpática.
(7) São também relevantes os conceitos de "indústria
cultural" (Adorno) e, numa posição algo diferente, "indústria da consciência" (Enzensberger),
que então ganharam importância. Do ponto de vista de hoje, os modelos a isso
associados podem parecer insuficientes em alguns aspectos (e, no caso de
Enzensberger, virados afirmativos); mas são com certeza suficientes para
perceber uma obra como a Streifzüge.
(8) Já desde a filosofia antiga que a chamada "opinião" é
considerada inferior à reflexão consciente porque, ao contrário desta última,
não conhece critérios de verdade. Ter uma mera "opinião própria" já significa
fundamentar de modo insuficiente, erróneo, ou simplesmente não fundamentar as
respectivas afirmações, porque a reflexão conceptual ou simplesmente não tem
lugar ou, em todo o caso, não penetra a conexão interna do objecto, pelo
contrário, o "titular da opinião" satisfaz-se por definição com considerações de
plausibilidade superficialmente coligidas; na maior parte das vezes assumidas a
partir da experiência directa, ou a partir de outras "opiniões" (eventualmente
publicadas), sem nexo com a empiria. Como é sabido, este tipo de opinião
tornou-se inflacionário nos média modernos e (com um crescimento ainda maior)
nos pós-modernos. Devido à sua crescente incoerência e injustificação, as
"opiniões", tal como as mercadorias, são igualmente válidas; por isso são pouco
confiáveis e flutuam arbitrariamente. Crítica radical e algazarra de opiniões
excluem-se mutuamente. Por esta razão também crítica radical e pós-modernismo
são incompatíveis.
(9) Realmente diversas ofertas especiais de pacotes da
Streifzüge são promovidas neste estilo de venda de fim de estação na mesa da
tralha; poderão ser obtidas "por uns fantásticos 55 euros", "ao preço fenomenal
de 77 euros" e "pelos incríveis 99 euros" (www.streifzuege.org/sonderangebote).
Sobre isto um autocomentário involuntário: "Isto é então uma guerra de preços
e cada vez mais se fala também na publicidade de preços de guerra. E com
razão. Batalha publicitária e guerra de vendas são consequências obrigatórias" (Franz
Schandl, Vom Verkaufen [Da venda], Streifzüge 38/2006, realce de
Schandl).
(10) Por razões um pouco diferentes, colocou-se um problema
similar a alguns dissidentes da EXIT que se demitiram em 2006, mais por motivos
de necessidade de demarcação pessoal face aos/às expoentes da publicação, ao
tentarem abrir desesperadamente a sua loja própria na forma de uma homepage.
Porque o projecto não tinha cobertura autónoma em termos de conteúdo e de
pessoal, tiveram de pedir de imediato a "outras pessoas" à toa "para encher as
páginas desta homepage com as suas contribuições (!)" (Schwierigkeiten
mit der Gesellschaftskritik
[Dificuldade com a crítica social], http://theory-in-progress.Inxnt.org/intro.htm).
O grupo, de facto, já não existe, porque não tinha realmente nada digno de
menção para dizer e foi impulsionado principalmente por "sensibilidades" de egos
auto-referenciais. Mas o termo "encher" é para se lembrar. Ele expressa muito
vivamente que o lugar adequado desse jornalismo é um balde vazio que tem de ser
"enchido", dê por onde der, para garantir que é reconhecido no mercado de
opinião. O problema é agravado, naturalmente, quando já não se trata de um
projecto-hobby de filósofos amadores mais bem colocados, mas sim da obrigação de
venda real de uma mercadoria cultural, para a qual realmente não se tem conteúdo
suficiente.
(11) Na EXIT, além do Editorial e do Índice, é
disponibilizado na homepage apenas um texto de cada número (mas sempre na sua
totalidade e não em "resumo"). Esse procedimento, naturalmente, não tem nada a
ver com o modelo de negócio dum Readers Digest, nem com um "uso múltiplo"
generalizado.
(12) Involuntariamente revelou-se aqui também o carácter do
gesto falsamente anti-autoritário de Schandl, por ele várias vezes alegado, como
contexto de Fan und Führer
(in Krisis 28/2004 i. a.). Ao público
deve ser dado a entender que a recepção de um conteúdo elaborado e a orientação
para publicações de crítica da dissociação-valor tornadas relativamente
conhecidas teriam de constituir já per se uma relação de autoridade. Esta
invectiva dirigia-se naturalmente contra as publicações de teóricos/as que
escrevem "demasiados livros" e "textos muito longos" para a "disponibilidade de
recepção" do "senso comum" (na verdade, "demasiado" para o ponto de vista
concorrencial de Schandl & Cª). Com isto fez-se apelo apenas ao ressentimento de
tipos igualmente presunçosos do mesmo círculo e de utilizadores chafurdando no
pântano da própria opinião. Na realidade, é justamente a estratégia de venda da
própria Streifzüge que, com tal atitude, tem de visar simplesmente fãs
"para além" do conteúdo, a fim de alcançar viabilidade comercial.
(13) No quadro de uma discussão com várias acusações contra
a teoria da dissociação, em parte pós-modernas, em parte marxistas tradicionais
ou "anti-alemãs", Roswitha Scholz vai submeter a uma anticrítica detalhada
também os ataques de Bönold (incluindo os seus pressupostos metodológicos
irreflectidos) na EXIT nº 7. (n) Vale a pena lembrar ainda, talvez, que esta
tentativa de "pôr a secar" a teoria da dissociação tem a sua origem numa
dissertação tipicamente ecléctica e compilatória, com a qual Bönold pôs fim à
sua vida intelectual já há anos. Naquela época, tal tentativa foi considerada
como teoricamente não merecedora de discussão também pelos posteriores autores
da cisão. Bönold apenas se tornou satisfatório depois de, no quadro do
formalismo associativo, ter levantado a sua pata macia para a expulsão sem
fundamento, da antiga redacção da Krisis, da teórica Roswitha Scholz
feita uma não-pessoa. Portanto, foi-lhe permitido descarregar na Streifzüge
o que lhe veio à cabeça sobre a teoria da dissociação, sobretudo porque já
não tinha de ser temida uma resposta na mesma publicação. Há carreiras
estranhas, justamente também nos baixios da política dos círculos de esquerda.
(14) Os da Streifzüge não devem subestimar este tipo
de bónus se quiserem acumular "capital cultural". Para os que nasceram mais
tarde, filhos tão talentosos como pretensiosos da classe média, abrem-se aqui
possibilidades sem precedentes para um desenvolvimento pessoal acabado. O
escritor britânico conservador Saki, que poderá às vezes ser um pouco
mal-humorado, já sabia disso antes da Primeira Guerra Mundial: "Numa época em
que era cada vez mais difícil fazer algo de novo ou original, Bavton Bidderdale
tornou-se interessante para a sua geração por ter morrido de uma doença nova.
'Nós sempre soubemos que ele iria um dia fazer algo extraordinário', comentaram
as suas tias; 'a nossa fé nele era justificada'..." (Saki,
Das Höllenparlament
[O Parlamento do Inferno], em: Das
Friedensspielzeug und das eckige Ei [Os
brinquedos da paz e o ovo quadrado; Originais:
The Toys of Peace, 1919; The Square Egg and Other Sketches, 1924],
Zurique 1988, 396).
(15) Naturalmente que a elaboração teórica da crítica da
dissociação-valor se orienta, não em último lugar na esquerda, em prol de uma
transformação historicamente necessária da crítica radical; e naturalmente que
existe a disponibilidade para colocar à discussão os conteúdos apresentados e
levá-los a debate. Algo completamente diferente é uma diplomacia de encenação,
como se pode ver no turismo de congressos da esquerda e que determina os
"lugares". Aí acontece frequentemente não disputar as diferenças de conteúdo com
vista ao esclarecimento, mas confundi-las ainda mais e levá-las a uma
coexistência pacífica num pluralismo superficial, a fim de apenas fazer
desaparecer as principais questões de conteúdo (conceito de capital, teoria da
crise, relação de género, reformulação da perspectiva socialista etc.), enquanto
o campo é marcado por estratégias organizacionais de aliança e de encenação.
(16) Também aqui se mostra o verdadeiro carácter do gesto
pseudo-anti-autoritário de Schandl & Cª. Usaram Gorz justamente como
"autoridade" pessoal da história da teoria e como figura de culto, atrás da qual
se podem esconder, para conferir maior dignidade, apenas através da aura da
referência proeminente, à reorientação não estabelecida em termos de conteúdo
teórico. Aparentemente não se mostra particular confiança na capacidade de
fundamentação própria. A relação de autoridade e a referência à celebridade como
autolegitimação não foram ultrapassadas, mas simplesmente externalizadas.
(17) O ensaio Der Wert des
Wissens [O valor do conhecimento] de
Ernst Lohoff (Krisis 31) era pouco mais que uma paráfrase de escritos de
Gorz, enriquecidos com uma deturpação de enunciados básicos da crítica da
economia política de Marx, no sentido da "crítica do valor" redutora. A crítica
destas teses no texto Der Unwert des Unwissens
[O
desvalor do desconhecimento]
(EXIT 5),
publicado primeiramente por via electrónica
em 2007, já não chegou provavelmente ao conhecimento de Gorz.
(18) É parte do declínio do publicismo literário e teórico o
facto de a política empresarial de redução de custos a qualquer preço ter
atingido há muito também a indústria editorial e os média. Em toda a parte o
departamento editorial é reduzido, ou completamente eliminado, delegando-o em
outsourcing nos/as próprios/as autores/as "livres" ou nas agências. Muitas vezes
os produtos, mesmo de editoras e jornais de renome, estão cheios de erros de
impressão e incoerências gramaticais, que surgiram devido à pressão do tempo.
(19) O design da linguagem sussurrante de pregador
sem conteúdo já na década de 1980 estava debaixo de olho do comediante, aliás
moderadamente engraçado, Otto Waalkes, instalado num programa de êxito então
conhecido da Deutsche Welle: "Theo, vamos para Lodz! (c) Quem são estes
quatro que vão para Lodz? Serão os quatro mosqueteiros? Ou os quatro [pés] não
serão pouco? "(Citado de memória).
(20) Mais um vez o editor da Streifzüge fala contra
si mesmo, quando protesta contra "os/as teóricos/as", por desenvolverem um
estilo próprio de linguagem: "Como mágicos de palavras poderosas e ideias
brilhantes, tornam-se depois muitas vezes esses espíritos que gritam sem nada
acontecer. Os seguidores, degradados em tacanhos, são impressionados com a
acrobacia da linguagem, agarram-se mais a ela do que à substância das opiniões
expressas" (Franz Schandl, Zur Kritik des
Theoretikers [Crítica do teórico]
em: Streifzüge 43/2008). Esta atribuição denunciatória no mau sentido
passa deliberadamente por cima do critério da relação entre forma e conteúdo,
justamente porque não lhe agrada o exacerbar do conteúdo através da expressão
linguística. O veredicto de Schandl aplica-se muito mais à sua própria pretensão
vazia que, como caricatura involuntária de Heidegger, é obviamente tudo menos
"brilhante", ao pretender impressionar de um modo já quase ofegante.
(21) A redução das declarações a uma espécie de estilo
telegráfico é o que lembram não por acaso as limitações de alguns dos novos
media, como o SMS ou as actualizações "Twitter" (estas últimas ainda podem ter
um papel na disseminação de informações sobre eventos abafadas pela imprensa
oficial, mas pela sua forma não servem para fazer uma avaliação reflexiva, salvo
em recortes de opinião). Aqui, a redução já está inscrita nas condições
tecnológicas, que educam para uma atitude anti-reflexiva e para uma comunicação
balbuciada ao nível do slogan. Assim se realiza mais um passo na "subsunção
real", mesmo da psique humana, na relação de capital: a visão do mundo
esquemática e de fraca definição, nas formas da publicidade e da agitprop, é
internalizada e reproduzida como contribuição pessoal, assim se perdendo a
capacidade de distanciamento.
(22) Esta transformação prospera agora na Streifzüge,
até à reconhecibilidade de uma viragem politicista já mal escondida; uma recaída
que, tal como a apresentação na estética da mercadoria, já estava assumida no
imperativo autonomizado de "expandir e disseminar". A imersão na operação
política austríaca de esquerda, que desmente até ao ridículo a frase "Nenhuma
política é possível", já assumiu contornos que não podem ser abordados aqui, mas
ainda precisam de uma discussão em separado (cf. o projecto com o título absurdo
"Para uma esquerda com dimensão social", entre outros, na homepage da
Streifzüge).
(23) Também aqui um autocomentário involuntário: "Os membros
do grupo não precisam de comunicar muito, muitas vezes bastam pequenos...
significados. Olha para os rótulos e sabes o que tens à tua frente" (Franz
Schandl, Vom Verkaufen
[Da venda], em: Streifzüge 38/2006).
(24) Imediatamente após a ruptura do antigo contexto da
Krisis, encontrámos a campainha da casa em que vivemos cheia com as
palermices "Streifzüge, além, sem valor". Esta acção gloriosa sugere que o
infantilismo imputado à gente comum, que se espera que seja suporte de
autocolantes, é mais provável encontrar-se nos próprios autores. O sentimento
edipiano precisou, provavelmente, de escapar-se através dessa válvula. Um toque
de chocalho faria o mesmo, mas os "bonzinhos descarados espirituosos" precisam
de deixar a sua marca odorífica explícita. Eles já são sempre a sua própria
infantaria.
(25) O problema já surgiu nos chamados movimentos
monotemáticos da década de 1980. Por muito correcto que fosse, por exemplo,
criticar praticamente o perigo público da mobilização da energia nuclear como
desenvolvimento da base energética do capital, tanto mais insuficiente se
manteve a abordagem deste tema em larga medida isoladamente, sem transmitir ou
transmitindo apenas grosseiramente a sua conexão com a lógica da valorização
capitalista, ou seja, ficando-se apenas pelo potencial de risco imediato da
energia nuclear. Assim se viu simplesmente prolongado pela nova esquerda o
declínio do paradigma marxista da luta de classes, que não foi criticamente
transformado, mas apenas gradualmente abandonado, para depois se chegar aos
fenómenos individuais sem mediação. Mas os da Streifzüge caem ainda para
trás do potencial dos movimentos monotemáticos anteriores, pois reduzem a
tematização do objecto à sua particularidade "pessoal"; um reducionismo que o
"postulado da preocupação" já antes tinha assinalado (cf. o chamado "movimento
psico" dos anos 1970 e 1980 com a sua "ditadura da simpatia") e deixa assorear a
crítica nos baixios da vida quotidiana individual.
(26) Um caminho semelhante tomou também a revista
Kursbuch, como órgão de reflexão da Nova Esquerda inicial. Na via do
abandono da análise e da crítica social globais, também aí se passou aos temas
do indivíduo e do quotidiano, que depois foram tratados "existencialmente" com
um jornalismo da preocupação; por fim até "O Tempo". Assim acabou a Kursbuch
merecidamente pouco depois.
(27) A "vida real" dos novíssimos filósofos da vida
quotidiana é também neste aspecto sobretudo uma autonegação. Quem os ouve
poderia pensar que se regalam decididamente no deboche, na bebedeira e na orgia.
Com uma observação mais atenta, no entanto, tenderíamos mais a acreditar que
tenham sido submetidos a uma lavagem ao cérebro pelo último comissário da droga
alemão, para ficarem aptos para o programa Hartz IV. Os hedonistas pós-modernos
da folha de alface e da água mineral parecem despertar em si não o tigre, mas o
porquinho da Índia. Quase se preferiria beber cegamente aguardente de batata
feita em casa, só para não ter de continuar a contemplar a miséria sensorial
destes abstémios e fanáticos da saúde instrumental.
(28) Esta variante da ontologia do trabalho da economia de
subsistência é complementar à variante do "trabalho geral", no sentido da
tecnologia de comunicação e do espaço virtual, que Meretz e Lohoff esboçaram na
Krisis residual. Há de facto várias portas das traseiras, através das
quais o "santo trabalho" se arrasta de volta à "escrita" da "crítica do valor"
reduzida e desmente a crítica do trabalho fundamental ainda há pouco erguida.
Mas a reconstituição do "trabalho", seja qual for a maneira, tem de arrastar
consigo a reconstituição do "valor". A coisa já está então somente "além" – de
toda a crítica.
(29) Uma vez que o conceito de "forma embrionária" remonta
ao meu artigo
Anti-economia e antipolítica de 1997, 13 anos depois está atrasada uma autocrítica a
este respeito, uma vez que este texto alimentou tal interpretação
conceptualmente e em certas formulações. Essa autocrítica deve ser formulada
noutro lugar, no contexto da relação entre "crise e crítica". Quem lê o texto
novamente hoje, no entanto, também notará que já então a metáfora da "forma
embrionária" estava explicitamente ligada à perspectiva de uma resistência
social global contra a administração da crise e, já com pressentimentos, foi
demarcada dos pequenos projectos da ideologia da alternativa. Portanto, não é só
a autocrítica que é necessária, mas também a crítica à posterior recepção, que
deturpou até ao ridículo a linha de argumentação, contra a verdadeira intenção
do texto.
(30) A risível "proibição da polémica" em algumas partes do
cenário da esquerda, que acompanha as doces canções de amor da Streifzüge,
pertence a este contexto e exige também um tratamento separado; naturalmente e
por maioria de razão polémico. De resto, os falsos charmosos eles mesmos não
observam o seu mandamento ou proibição, quando se trata dos seus próprios
interesses e sensibilidades. Especialmente contra a crítica da dissociação-valor,
que não se enquadra no pluralismo hipócrita, precisam sempre de dar caneladas.
Em contrapartida, é claro, não é apropriada qualquer lamentação, mas sim a
polémica potenciada e portanto fulminante.
(31) Para a "crítica do valor" hegelianizante e objectivista
de Peter Klein, a crítica da ideologia foi desde o início tão pouco importante
porque para este entendimento a ideologia só pode ser o "reflexo" secundário e
inconsciente na e da correspondente "execução" das leis férreas do "espírito do
mundo" capitalista e do seu movimento determinado. Entretanto, seguindo as
pegadas de Kierkegaard, Nietzsche e Heidegger, Klein descobriu a dimensão
"existencial, a "qualidade sensível" etc. (como conceito ideológico abstracto, a
não confundir com um sentimento verdadeiro) contra a metafísica das leis
gerais; ora a crítica da ideologia não é importante para ele pela razão
precisamente oposta: a saber, porque ela esconderia a sensibilidade
"existencial" dos indivíduos. Klein não se apercebe de que reproduz a polaridade
do pensamento burguês, que constantemente oscila entre uma mediação abstracta
pelo imperialismo do geral (o valor), por um lado, e uma igualmente abstracta "imediatidade"
existencial, por outro. Anteriormente, Auschwitz era para Klein uma "nota de
rodapé" na história", agora é "névoa ideológica" que ocultou a "sensibilidade
existencial" dos alemães, tal como o islamismo anti-semita encobre os
correspondentes sentimentos existenciais dos seus portadores barbudos.
(32) Embaraçosamente há aqui mesmo uma razão não declarada
para esta espécie de coexistência, pois na dissolução do antigo contexto da
"Krisis" ambos os autores estiveram envolvidos na acção de força formal contra
os expoentes da publicação que não lhes agradavam e especialmente no bota-fora
da teórica da dissociação. Tal camaradagem de veteranos da dinâmica de grupo
cria, pois, mais comunhão do que uma pequena diferença insignificante de opinião
sobre Israel e o anti-semitismo poderia destruir .
(33) As teorias pós-modernas, como as enumeradas por Glatz
com referência a Habermann, surgiram em conflito e demarcando-se tanto do
marxismo de partido como entre si, e só por isso ganharam o seu conteúdo próprio
específico em geral (hoje criticável em momentos-chave). Os eclécticos não
tiveram de modo nenhum qualquer pretensa "livre escolha" para se "servirem",
tendo sido sempre este o seu modo de proceder. Eles, de resto, não são eles
próprios produtores, mas apenas esfoladores, ou ladrões de sepulturas de
teorias.
(34) Em princípio, toda a democracia é puramente formal: uma
síntese política meramente externa dos sujeitos da mercadoria, que pressupõe
sempre a formalidade de valor (estruturalmente masculina) do conteúdo e,
portanto, não pode ser alternativamente preenchida. Qualquer tentativa de
amaciar a forma de reprodução social não suplantada através da "democratização"
e de proclamar a autodeterminação "directa" ou "concreta" independentemente de
uma transformação social pertence à falsa imediatidade e cai na ilusão política,
sendo portanto ideológica. A crítica radical tem de estar ciente de que só pode
começar a afirmar-se quanto ao conteúdo com a reflexão negadora. Isto significa,
no entanto, processar as condições dessa reflexão. Seria elitista afirmar que a
priori só camadas privilegiadas ou visionários "natos" têm acesso. Próprio da
democracia vulgar é a alegação de que estas condições já estariam reunidas na
mera existência. Quem quer ter uma palavra a dizer a partir da sua sensibilidade
imediata, sem se esforçar grandemente quanto aos pressupostos, ou quem acredita
que seria suficiente um superficial passar lá para dentro, para se vangloriar
"de opiniões fortes", não tem nada a fazer no publicismo crítico. Não há dúvida
de que os autovalorizadores masculinos são especialmente propensos a tal gesto.
(35) Uma "Call for Papers" correspondente, sem destinatário
específico, também pode ser encontrada na homepage da Krisis residual,
aparentemente com os mesmos motivos baseados no lirismo da preocupação. Devem
ser examinados os "eventos" tal como aconteceram a alguém: "Na sociedade
selvagem do capitalismo de crise ocorrem diariamente coisas com as quais nenhum
crítico teria sonhado, (!) nem sequer nos seus piores pesadelos"
(Homepage da Krisis, rubrica "Call for Papers").
Um sinal de pobreza, tanto para os críticos, que se dão por "ingénuos" de forma
coquete, como para os destinatários indeterminados, que simplesmente devem
contar "coisas ruins" para que o órgão se possa "sentir" e apresentar "perto do
povo" e compatível com o "senso comum". Na Krisis residual o apelo parece
ter-se mantido bastante inconsequente. Pelos vistos há pouca gente com queda
para isso e que queira dedicar-se a uma espécie de "correspondência dos
trabalhadores" a partir da vida de miséria. O que apenas faria sentido
relativamente perante um movimento de massas emancipatório (e também aqui não à
velha maneira populista do marxismo de partido), não pode, no nível de uma
posição teórica pouco desenvolvida que apenas como tal tem de ganhar
publicidade, ser encenado como sugestão de "amplitude"; presumivelmente para se
iludir quanto à "ruptura" próxima com a tendência regressiva para a imediatidade.
(36) É um dos desideratos da análise social da crítica da
dissociação-valor esclarecer os gestos pseudo-anti-autoritários de carácter
pessoal e social, cultivados na Streifzüge e não só, na sua dimensão de
autovalorização. Estamos a lidar aqui com a continuação da apresentação da
estética da mercadoria como estética do capital, em que a mónada autista
se coloca sociopsiquicamente como "performer da soberania", em analogia
com o sujeito automático.
(37) Portanto, mesmo no contexto da crítica da
dissociação-valor nunca ninguém pode ser proibido, administrativa ou
informalmente, de se expressar criticamente sobre conteúdos ou de desenvolver
algo de forma independente. A exigência foi e é sempre a capacidade de
fundamentação que não pode ser obtida de improviso. Se o simples facto de, no
contexto da elaboração teórica da crítica da dissociação-valor, as pessoas
dizerem o que têm a dizer e apresentarem textos ou relatórios preparados é
sentido como "esmagador" e constrangedor, esses sentimentos apontam para uma
fixação ela própria autoritária, que não parte de uma reflexão própria
fundamentada sobre o conteúdo, mas sim de uma insatisfação "de dinâmica de
grupo" auto-referencial quanto à "importância", sem se esforçar de todo no
sentido de um desenvolvimento independente. É preciso ainda dizer que, na
história da elaboração teórica da crítica da dissociação-valor, sempre
prevaleceu uma enorme paciência perante as "entradas em cena" com essa motivação
pouco ou nada fundamentadas.
(38) É justo dizer-se que estas normas indispensáveis são
bem respeitadas em trabalhos académicos recentes que se referem à crítica da
dissociação-valor; e não apenas por razões de requisitos formais da vida
académica. Esses trabalhos estão em contraste com a proliferação selvagem de uma
recepção não declarada e arbitrariamente introduzida, que assombra os blogs e a
imprensa sensacionalista de esquerda.
(39) Isso também explica, talvez, a distribuição da
"simpatia" por partes do vasto público crítico do valor, depois da ruptura do
antigo contexto da Krisis. Mesmo as pessoas que declaradamente só tomaram
conhecimento da nova elaboração teórica e dela mais ou menos se aproximaram
através dos livros e textos de autores que agora publicam na EXIT puderam, no
conhecimento destes conteúdos tornados relativamente públicos, mas na ignorância
das relações de conflito internas, ainda assim inclinar-se espontaneamente mais
para os literatos secundários que agiram com base no formalismo e aceitar sem
provas a sua interpretação personalizante do conflito, porque reconheceram aí a
alma pós-moderna aparentada, que prometia servir o sentimento
pseudo-anti-autoritário.
(40) É realmente uma evidência que a crítica e a elaboração
usadas no quadro do novo paradigma teórico também têm de se mover no seu
terreno. Isto é assim para qualquer posição, que surgiu num processo demorado e
visa algo específico; em contraste com um pluralismo indefinido. A crítica da
dissociação-valor não é um campo para "opiniões" arbitrárias aquém do estado da
formulação alcançada, nem uma plataforma de propagação de posições completamente
contrárias. Quem representa algo de fundamentalmente diferente só tem de ir para
outro lado também. Pertence igualmente à esterilidade das meras lutas pelo
prestígio o facto de as pessoas quererem usar a estrutura organizacional para,
na ausência de uma capacidade de fundamentação própria, se imporem com "outras"
posições contraditórias, cuja crítica há muito integra o fundo da crítica da
dissociação-valor e não tem de ser repetida eternamente. Essa desconsideração do
processo de elaboração teórica já decorrido, que não traz novos argumentos, só
pode paralisar e não é aceitável.
(41) ´É justamente dessa maneira que é difundida a crítica
da dissociação-valor num amplo cenário da esquerda, pois, por exemplo, elementos
da crítica do trabalho e entretanto também e principalmente da teoria da crise,
são agarrados sem qualquer referência, para depois os misturar com as suas
respectivas identidades e preconceitos, que muitas vezes contêm simultaneamente
um sentimento contra toda a abordagem como tal.
(42) O eclectismo epistemológico, naturalmente, tem as suas
raízes no paradoxo do "relativismo absoluto" pós-moderno, que (como já foi dito
várias vezes) não vê a verdade como um objecto de debate, mas como massa de
negociação arbitrária. A Streifzüge cuida tão pouco das bases
metodológicas da sua vadiagem ideológica como da capacidade de fundamentação das
suas escassas declarações. Por exemplo, o autor da Streifzüge Andreas
Exner, nos seus tratados económicos, usa referências variadas que são devidas a
uma abordagem positivista e permanecem sem qualquer mediação com as categorias
da Crítica da Economia Política; é o caso de autores dos países anglo-saxónicos,
como Giovanni Arrighi ou Robert Brenner, cujo processamento de materiais deveria
ser separado da sua interpretação categorialmente obscura. Mas Exner não tem
qualquer critério para isso; ele põe em curto-circuito, por exemplo, dados
empíricos das estatísticas burguesas (para ele "constatações de factos" sem
qualquer reflexão) com as determinações categoriais de Marx ou da teoria da
crise da crítica da dissociação-valor e chega desta maneira a conclusões tão
aventureiras como afirmativas (para a crítica, por exemplo, da sua referência
ingénua às estatísticas do trabalho, ver Claus-Peter Ortlieb,
Absturz einer Debatte. Zu Andreas Exners Versuch einer Auseinandersetzung mit
der Krisentheorie
[A queda de um debate. Sobre a tentativa de Andreas Exner
discutir com a teoria da crise). A abordagem pós-moderna continua aí na verdade
implícita; Exner nem sequer se apercebe que assume o seu "alegre positivismo".
Também do ponto de vista metodológico uma pessoa tem de se defender dos/as
teóricos/as realmente pós-modernos/as, que merecem uma crítica diferente da que
é apropriada para a Streifzüge.
(43) Toda a abordagem tem algo de "artesanal", o que já no
auge do marxismo tradicional sempre foi criticado com razão. Mas isto não deve
ser entendido apenas em sentido figurado, mas também em sentido literal,
referindo-se à orientação para a economia de subsistência. Se o "projecto"
Streifzüge passa ocasionalmente pela autodenominação afectuosa de Werkl
[trabalhinho?] pelos seus protagonistas (Glatz), isso faz lembrar a mentalidade
tacanha dos artesãos do século XIX, que foram depreciativamente designados por
Marx e Engels no jargão da época por "atados" ou "Straubinger". (o)
(44) Um exame mais minucioso desses contextos, aqui tocados
somente de passagem, iria para além do âmbito da presente polémica específica;
ele deverá ser feito noutro lugar (em ligação com a investigação apresentada por
Roswitha Scholz) e em mediação com a crítica da economia política mais
desenvolvida. Já está suficientemente justificado, resultando do acima exposto
bem como da argumentação que se segue, por que tinha o problema de ser já aqui
tratado com brevidade.
(45) A correspondente redução e dissolução da "crítica do
valor" manifestou-se também no plano categorial da crítica da economia política
de um modo impossível de ignorar. Isso inclui (não só) a deturpação do conceito
de forma do valor num entendimento particularista de "desvalorização", que em
Lohoff e Meretz, contra o terceiro volume de O Capital, é reduzida aos
"bens de informação digital", que "em si" supostamente já não pertencem à forma
de mercadoria e que já apenas seriam "bens pagos" em sentido jurídico. Em
ligação com isto, na órbita desta elaboração ideológica da economia, também aí
estão uma anulação parcial da teoria radical da crise, uma interpretação
positivista do conceito de trabalho produtivo e improdutivo que já não se refere
ao capital total, assim como um reducionismo ecológico que hipostasia
unilateralmente a barreira externa natural e vai dar a uma "ideologia da
renúncia", tendo como pano de fundo o mesmo que o socialismo das hortas. O
empobrecimento em massa é aqui reinterpretado como projecto de emancipação, em
vez de reformular os interesses vitais contra a síntese capitalista vigente. A
crítica da economia política de Marx não é desenvolvida, mas rebaixada, descendo
a uma economia política utópica da vida de classe média. Nada disso pode ser
deixado sem resposta, ainda que o debate específico com isso tenha de ser
enquadrado na crítica das ideologias de crise em geral, burguesas e de esquerda.
(46) Assim se mostra que com a teoria da dissociação ocorreu
uma ruptura particularmente profunda no âmbito da antiga "crítica do valor",
justamente porque esta inovação teórica é totalmente incompatível com a
idealização em termos de ideologia da alternativa e com a ocupação masculina do
seu tema. Tanto os homens bonzinhos como algumas mulheres na órbita da
Streifzüge gostariam sobretudo de manter afastada de si a ruptura, como
assunto puramente "pessoal" ou "privado" da disputa entre os participantes.
Enquanto o novo feminismo ainda não tinha sido posto na linha pós-moderna,
porém, ele ainda tinha sabido que o privado é político! Não foi apenas a cisão
da antiga crítica do valor, com a visada orientação para o reformismo da vida
neo-pequeno-burguês, que teve um carácter claramente de política teórica.
Também e especialmente o abortar da teoria da dissociação e a expulsão da sua
criadora, que se pretendia que fosse completamente silenciada ou posta sob
curatela, devendo os seus textos ser "apresentados" a uma camarilha masculina
para obterem "autorização", não foi senão uma acção de política sexual
com botas da tropa. Entretanto nota-se também no jornalismo feminista já um
contramovimento, pois o assado começa a cheirar. O texto acima citado de Fiona
Sara Schmidt na revista feminista Anschläge
(Alles easy. Die der Generation Praktikum
entflohenen Männer inszenieren sich [Vá
com calma. Os homens escapados da geração estágio encenam-se]) começa com uma
referência a uma pertinente canção pop recente: … "...'A trabalheira em casa e
na rede rouba-te o teu belo tempo', assim canta o discurso da banda de rock
Tocotronic, no seu actual álbum. A canção diz 'Não faça você mesmo'..." (ibid.).
(47) Mas é também um dos desideratos da elaboração teórica
da crítica da dissociação-valor empreender a polémica contra esta mudança de via
enganosa e reaccionária. Um pensamento assim orientado fica aquém da crítica de
Marx a Hegel e salta abruptamente para a linha completamente diferente do
comboio existencialista-vitalista da história teórica moderna. Tanto quanto
pretende estar "para além de Marx" justamente desta maneira, a esquerda
prende-se na polaridade imanente do pensamento burguês, em vez de romper a razão
dominante.
(48) A Streifzüge (e igualmente a revista irmã, a
Krisis residual, que se vai tornando cada vez mais delgada e rara em todos
os aspectos e pretende representar a pretensão teórica) gostariam sobretudo de
permanecer imperturbadas e de escapar à crítica do conteúdo. O único confronto
directo da sua parte dirige-se significativamente contra a teoria da dissociação
sexual (ver o texto de Bönold de 2008). Fora disso, não se está obviamente em
posição de responder à crítica com base no próprio reducionismo e na própria
degradação teórica. O silêncio eloquente a este respeito, provavelmente, deve
ser interpretado como uma espécie de "soberania". Este encolher-se e
esquivar-se, como tentativa de exercer simplesmente sem debate uma "crítica do
valor" redutora, oportunista e pequeno-burguesa, é quase tão "soberano" como o
Chade é "solvente" para os mercados financeiros e o Afeganistão está
"democraticamente pacificado".
Notas do tradutor
(a) Sturm und Drang [Tempestade e Ímpeto]: Movimento
literário romântico
alemão, entre 1760 a
1780, onde
Herder postulou o conceito de génio como efeito e consequência da inspiração.
(b)
Jogo de palavras em alemão: Wohnen, Wo, Wohin, Woher; jogos similares nas
citações seguintes.
(c)
Theo, wir fahrn nach Lodz!
[Theo, vamos para Lodz!] - é o título de um canção de sucesso de 1974, que
remete para outra semelhante no contexto da Primeira Guerra Mundial,
Rosa,
wir fahrn nach Lodz!,
sendo Lodz uma cidade polaca que se destacou na indústria têxtil no século XIX.
(d)
Betroffenheit traduz-se aqui por preocupação, contra tentativas
anteriores de tradução por "consternação", "perturbação" ou "afectação". O
"postulado da preocupação" é abordado com mais detalhe no ensaio de Roswitha
Scholz
Der Mai ist gekommen [Maio chegou] na EXIT 2/2005, que aguarda
tradução para português. Trata-se de pôr em evidência como a esquerda residual
tenta fazer passar de contrabando os seus interesses de classe média como
interesse geral, insistindo no escândalo das situações imanentes às categorias e
assim impedindo que se veja escândalo das próprias categorias, cuja caducidade
começa a entrar no campo de visão. Vale a pena repetir aqui três citações desse
ensaio feitas no presente texto:
"Especialmente na crise, pode-se recorrer por meio da concorrência a pontos de
vista particularistas, que numa determinada situação objectiva tomam por
critério a própria preocupação, de modo pseudoconcreto e fetichista da
imediatidade".
"Sim, quando reflectimos sobre a nossa
preocupação muito própria com a vida quotidiana, somos muito nobres e generosos
para com 'os outros', nós não os pomos sob tutela, não pretendemos ser os seus
representantes e não abusamos deles como fantasma do sujeito revolucionário –
pois isso é o que nós próprios, nomeadamente, somos agora em segredo, em
silêncio e de novo, se é que é preciso acrescentar".
"Os adjectivos e formulações moralizantes obscurecem a
vista, sugerindo escândalo que, no entanto, vendo melhor, não ocorre, pois o
escândalo (no plano meramente empírico), visto assim, vira desdramatização (no
plano categorial)".
(e) Lago
nos Alpes, no extremo SE da Alemanha, imagem da natureza recatada e preservada.
(f) Grupo
armado alemão de extrema esquerda fundado em 1970.
(g) "Kannitverstan":
pequena história de Johann Peter Hebel, de 1808. O título transcreve a expressão
"não entendo" dita em Holandês. A narrativa gira em torno dos equívocos em que
cai o jovem alemão chegado a Amesterdão, quando pensa que as pessoas que
interpela se chamam todas Kannitverstan. Considera-se a obra como tendo
subjacente a mensagem de que cada um deveria conformar-se com a sua situação
social…
(h) Frase
do referido romance de 1933, de Heinrich Spoerl, com várias adaptações
cinematográficas, onde se conta a história de um escritor célebre que decide
fazer-se passar por aluno no liceu de uma pequena cidade, depois de lhe terem
feito notar que perdera o melhor da vida ao ter sido educado em casa…
(i)
Semanário alemão que se assume como porta-voz da nova
direita.
(j)
Druzhba: palavra eslava para amizade.
(k)
Bäckerblume:
"A
flor o padeiro", semanário alemão de distribuição gratuita entre padeiros, com
assuntos da especialidade.
(l)
Thread (em inglês no original):conjunto de mensagens sobre o mesmo tema.
(m)
A expressão idiomática alemã eierlegende
Wollmilchsau diz literalmente "a porca que põe ovos e também dá lã e leite".
Traduz-se aqui por "pau para toda obra" à falta de melhor, embora a expressão
idiomática portuguesa, na sua conotação sexualmente neutra ou mesmo
androcêntrica, não faça plena justiça ao original.
(n)
Anticrítica entretanto aí publicada com o título
Não
digo nada sem a minha Alltours.
(o)
Straubinger: Personagem da canção estudantil surgida no início do século XIX
- Gott grüß dich, Bruder Straubinger [Deus
te salve, irmão Straubinger] - que satiriza a mentalidade tacanha do artesão.
Original
SEELENVERKÄUFER. Wie die Kritik der Warengesellschaft selber zur Ware wird
in
http://www.exit-online.org
.Publicado na homepage da EXIT em 26.04.2010. Tradução de Boaventura Antunes
(10/2015)
http://obeco-online.org/
http://www.exit-online.org/