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5. O verdadeiro limite da produção capitalista é o próprio capital:
Mecanismos e tendência histórica das crises
Introdução
Quase nada é tão actual e fresco em Marx como a sua teoria da crise, e quase nada está tão longe das ciências sociais e económicas académicas, bem como dos marxistas que restam, como retomar ou mesmo aprofundar a teoria da crise de Marx. Isto tem naturalmente as suas razões. Marx é agora considerado no mundo académico como o grande perdedor, e não se consegue hoje obter um diploma universitário ou fazer carreira académica trabalhando em Marx, como era ainda o caso nos anos de 1970, quando os novos movimentos sociais da época tinham feito dele uma moda fugaz e superficial na universidade. Por outro lado, Marx está fora de moda como objecto de crítica. Com plena consciência da vitória supostamente definitiva do capitalismo, considera-se a teoria de Marx em geral e a sua teoria da crise em particular como já nem sequer merecedoras de crítica, embora os apologistas e apoiantes académicos do capitalismo corram o risco de eles mesmos se tornarem supérfluos e desempregados; pois onde é que eles vão encontrar, depois de Marx, um adversário com quem se medir para justificarem a sua razão de ser?
No entanto, com a sua arrogância pretensiosa de vencedores, estarão a renunciar inconscientemente a uma oportunidade de mercado significativa. Aborrecido de morte com o consenso económico global, o público não iria encontrar nada mais emocionante do que ser posto no comboio fantasma do grande romance da crise, e ser, de novo, dominado pela deliciosa emoção gerada pelo espectro decrépito de Marx, para depois, naturalmente, no inevitável happy end, poder gabar-se pela enésima vez do capitalismo saído gloriosamente da crise.
O pequeno grupo dos últimos marxistas do movimento operário, por sua vez, não dá a mínima impressão de querer ganhar novamente a ofensiva com a teoria da crise de Marx reformulada, pois, contrariamente aos rumores em contrário, a teoria da crise nunca desempenhou um papel importante na recepção de Marx no velho movimento operário. De facto, do ponto de vista do Marx exotérico, a crise é apenas um epifenómeno, um factor externo na luta de classes, quando não é – como aparece aqui e ali nos tratados marxistas – mera função dessa luta; a crise em sentido estrito seria afinal determinada pela acção da classe, não objectivamente, mas subjectivamente, através de meras relações de vontade. Neste caso, a crise só significaria que o capitalismo já não pode fazer o que quer, porque os trabalhadores assalariados já não querem fazer o que devem.
Aqui se vê mais uma vez a limitação do marxismo ao pensamento burguês moderno: quanto mais as categorias do capitalismo, na sua objectivação social, se solidificam como “condição muda”, tanto mais vivamente têm de ser invocados os sujeitos, determinados e penetrados precisamente por esta objectividade muda, como se eles ainda pudessem ser (e contra a sua própria constituição) senhores da acção, independentemente da sua forma.
Como a linha de argumentação do Marx exotérico apenas servia em última instância para legitimar a luta do movimento operário pelo seu reconhecimento no capitalismo, compreende-se facilmente que este marxismo no fundo não quisesse saber para nada de uma teoria da crise "forte" e objectiva, e, pelo contrário, dela tivesse medo, pois a noção de objectividade da crise pretende a obsolescência justamente das formas sociais categoriais em que se pensa continuar a viver por um período indefinido de tempo, e mesmo, pior ainda, a obsolescência de própria forma de sujeito. Assim não é milagre nem traição que a social-democracia ocidental se tenha transformado em "médico à cabeceira do capitalismo" enquanto ainda estava sob a bandeira da sua legitimação marxista, procurando assim recusar e banir a objectividade da crise, não só ideologicamente, mas também na prática.
Os regimes da modernização atrasada na periferia do capitalismo, pelo contrário, tinham interesse em sublinhar a crise do capitalismo. Mas, como esse interesse só servia para legitimar os retardatários da história, a acentuação da crise teve de assumir uma forma particularmente subjectiva (no sentido de uma orientação estratégica do marxismo mundial para as suas próprias necessidades), enquanto a objectividade do processo de crise, como mecanismo interno do próprio capital, foi tão recusada e escondida como no marxismo ocidental. A crise, portanto, deveria ser essencialmente uma crise de legitimidade, uma crise moral, cultural, etc., mas sobretudo a crise política do capitalismo, causada pela acção e pela aliança de movimento operário ocidental com os regimes do desenvolvimento do Leste e do Sul.
É evidente que a teoria da crise própria de Marx pertence muito mais ao Marx esotérico do que ao exotérico. Isto torna-se particularmente claro quando se percebe que o fundamento ou pressuposto da teoria da crise de Marx está na argumentação que apresenta o desaparecimento do próprio "trabalho". Como já vimos, é precisamente neste ponto que o Marx esotérico e o exotérico se opõem particularmente. Enquanto o "trabalho" é para este último uma necessidade natural supra-histórica, antropológica e ontológica, constitui para o primeiro a forma especificamente capitalista de actividade abstractificada – e simultaneamente a substância do capital.
A crise, no entanto, não é senão a perda de substância objectiva do capital, através do seu próprio mecanismo interno: o trabalho escapa-se, como a areia por um buraco no saco, ou como a água por uma fenda no tanque. O capital esvazia-se e enfraquece, a sua vida alimentada pelo trabalho paralisa. Se seca um dos estados de agregação do sujeito automático, o trabalho, tem de diminuir o outro, o dinheiro – que fica sem substância, e assim “sem validade” e ele próprio obsoleto. Paralisa a relação, ou forma de circulação social geral da tripla mediação através de trabalho abstracto, receita em dinheiro e consumo de mercadorias. Todo o modo de vida aparentemente natural com base nestas relações fetichistas é arruinado e tornado praticamente impossível. Vem então à luz do dia o absurdo de que todos os meios e capacidades de uma reprodução rica são abundantes, mas as pessoas, paralisadas pela "mão invisível" do capital, não podem accionar as suas próprias possibilidades, porque estas já não correspondem ao fim em si irracional do sujeito automático. Esta inquietante imobilização de todos os mecanismos, não pelo "braço forte" da classe operária, mas por uma espécie de gripagem da própria máquina do capital, leva a uma situação social parecida com o suplício da Tântalo: toda a riqueza do mundo está ao alcance, mas essa riqueza recua perante as pessoas com fome e com sede, banida pelo fetiche do capital.
Tendo Marx explicado claramente e sem ambiguidade este ponto final lógico da crise no contexto da sua crítica do trabalho, ele desenvolveu o mecanismo interno e contraditório do capital na sua verdadeira teoria da crise, mostrando o efeito concreto dessa contradição primeiramente formulada apenas na generalidade. Partindo dos conceitos da chamada mais-valia absoluta e relativa, ele constrói, de certo modo passo a passo, a lógica e a mecânica da crise capitalista: como da modificação da composição orgânica do capital resulta, pelo método da concorrência, a queda (relativa) da taxa de lucro e, finalmente, pelo menos como possibilidade abstracta, resulta a queda (absoluta) da massa de lucro, podendo assim a reprodução e acumulação capitalistas chegar à paralisação total.
Enquanto, na sua primeira formulação da crítica do trabalho, Marx refere claramente esta fase final absoluta, a limite interno absoluto do modo de produção capitalista, na sua análise posterior do mecanismo da crise ele deixa este problema mais em aberto. O carácter periódico das crises poderia realmente fazê-las surgir como uma pesada hipoteca do capitalismo, mas, ainda assim, simultaneamente como uma mera interrupção temporária da acumulação, e, portanto, como um limite interno apenas relativo do capital. Bem para além do período da vida de Marx, as crises ainda se apresentavam como uma espécie de "crises de imposição" do capitalismo, no seu ainda longo caminho de desenvolvimento. E, assim, como recessões mais ou menos desastrosas, quebras estruturais e erupções económicas violentas, mas não como limite interno absoluto. No entanto, mesmo na sua descrição do mecanismo de crise, Marx não deixa nenhuma dúvida de que a crise não se desenvolve de forma linear, mas progressiva, apresentando uma tendência histórica para aumentar. Portanto, a crise não é apenas um modo de restaurar a situação anterior, para que a acumulação possa recomeçar no mesmo nível. Tal como o capitalismo em si não é uma simples situação, nem uma simples estrutura, mas um processo histórico dinâmico, numa escala sempre crescente, assim também é, necessária e logicamente, a sua crise. Se a causa última da crise reside no facto de o desenvolvimento das forças produtivas, forçado pela concorrência, tornar o trabalho supérfluo, e, assim, fazer desaparecer a substância do capital, também é evidente que o nível sempre mais elevado das forças produtivas leva a crise a dimensões cada vez maiores. E, então, também é concebível que o capital atinja um limite interno absoluto, um nível de desenvolvimento em que não será possível reabsorver força de trabalho humana suficiente para pôr em marcha novamente a acumulação de capital como fim em si. Se o capital tem a tendência imanente para consumir o máximo possível de força de trabalho, ele não pode objectivamente fazê-lo senão no nível de produtividade que a si mesmo impôs. Na crise, ao suplício de Tântalo das pessoas, que já não podem pôr em marcha os seus próprios recursos materiais e técnicos, corresponde o suplício de Tântalo do "sujeito automático", que já não é capaz de absorver a força de trabalho humana maciçamente desaproveitada.
Se, na exposição do mecanismo interno objectivo da crise, se antevê a questão do limite absoluto do capital, mas que fica em aberto, isso poderá ser explicado em grande parte pelo facto de, mais uma vez, o Marx exotérico e o esotérico se meterem nos assuntos um do outro. Para o marxismo do movimento operário, a frase de Marx dizendo que “O verdadeiro limite do capital é o próprio capital” teria de parecer um anátema e uma insensatez, tanto como o sujeito automático. E sobretudo porque põe em questão a classe operária, como pretensa alavanca objectiva-subjectiva da revolução. Se o velho movimento operário ainda podia exultar com o Marx exotérico: "Somos cada vez mais", também tinha de ouvir do Marx esotérico: "Sereis cada vez menos."
Marx nunca mais conseguiu desenredar estas contradições. Mas o seu desenvolvimento da teoria da crise levou, tão claramente como a sua crítica do capitalismo como uma "sociedade de trabalho", a um paradigma para além do marxismo de modernização imanente. Não que a estrita objectividade da crise deva incluir algo como um automatismo objectivo da emancipação social. A crise torna o capitalismo obsoleto, mas sem criar outra ordem social. A qual os homens têm de fazer por si próprios. O marxismo não gostava da teoria da crise radical do Marx esotérico precisamente porque queria permanecer, juntamente com o actor subjectivo classe operária, no terreno da objectividade capitalista e, portanto, das formas do sistema produtor de mercadorias. A crise, por sua vez objectiva, desta "falsa" objectividade negativa não sugere porventura qualquer espera tranquila pela salvação (como poderia parecer na perspectiva do marxismo operário), mas, pelo contrário, uma crítica e actividade negadoras muito mais fundamentais, que, de resto, já não podem invocar a forma de actividade capitalista, que é o trabalho, como um direito humano, talvez ainda possível de reivindicar. Por outras palavras: quanto mais a crise entra no campo de visão como limite interno absoluto do capital, tanto mais a crítica do capitalismo se torna uma questão categorial e deixa de ser, justamente por isso, uma simples questão de classe, tonando-se, pelo contrário, uma questão que se coloca inevitavelmente de qualquer ponto de vista social.
Neste ponto, se nos atrevermos à conclusão inversa, o "fim da luta de classes" pode apontar, não para a vitória final e a perpetuação do capitalismo, como se entende geralmente hoje, mas sim para o culminar da sua crise objectiva. Talvez nos encontremos no centro do olho do furacão, e os defensores da democracia e da economia de mercado sejam loucos ao congratularem-se com a paz social. Após o fim da crítica do capitalismo assente nos seus velhos modelos imanentes, a situação mundial actual funciona como uma ilustração irónica da sentença de Marx de que o verdadeiro limite do capital é o próprio capital. O capitalismo ocidental conseguiu vencer as sociedades em ruínas da modernização atrasada fracassada, mas não consegue vencer a sua própria lógica interna. Pode adaptar-se a tudo, excepto a si mesmo. O paradoxo desta situação também se exprime no facto de que quanto mais a crítica se cala à escala mundial, mais duramente salta à vista a evidência das manifestações de crise à escala mundial. Que ridículo: depois de um século de terríveis lutas imanentes ter acabado por levar a humanidade a não gostar tanto de nada como deixar-se explorar sem limites pelo capital, esse deus secularizado perdeu a capacidade de explorar.
Não pode deixar de ser singularmente chocante que o conhecimento destes factos, ou mesmo o pressentimento deles, pouco pareça prejudicar a fé no capital e na capacidade de autoperpetuação do capitalismo, pela simples razão de que ele já não tem nenhum adversário externo.
É certo que vai ser preciso examinar mais detalhadamente como a terceira revolução industrial da microeletrónica levou realmente ao limite interno absoluto do capital. Mas é justamente esse exame que é recusado pelo corpo científico académico, tal como pelo patético resto da esquerda política. A crise é menos analisada do que recalcada e negada. O paradoxo continua no facto de a teoria económica se desmoronar tanto mais rapidamente quanto a crise das categorias económicas se manifesta mais claramente. Quanto mais o mundo se torna economia, mais é propenso a crises, e quanto mais propenso a crises, mais a consciência se torna económica, mas de uma forma completamente ateórica e acrítica. Nos tempos já distantes da prosperidade, a crítica da economia política era muito popular; na crise emergente do século XXI, a crítica da economia política está morta. Esquerda e direita, liberais e conservadores refugiaram-se no culturalismo pós-moderno. A crise está aí, mas só se fala de meteorologia.
É mais que tempo de voltar a dominar uma cultura teórica e crítica da economia política, contra a corrente do culturalismo superficial que parece virar histeria. Não é preciso ter dons proféticos para prever que a teoria da crise de Marx estará no centro de uma inevitável reformulação dessa crítica, tal como não é preciso ter capacidades proféticas para prever que a realidade da crise capitalista vai acompanhar e marcar o século XXI agora iniciado.
Como a lei da gravidade, quando a casa cai em cima da cabeça de alguém
É mister uma produção de mercadorias totalmente desenvolvida antes que da experiência mesma nasça o reconhecimento científico de que os trabalhos privados, empreendidos de forma independente uns dos outros, mas universalmente interdependentes como membros naturalmente desenvolvidos da divisão social do trabalho, são continuamente reduzidos à sua medida socialmente proporcional porque, nas relações casuais e sempre oscilantes de troca dos seus produtos, o tempo de trabalho socialmente necessário à sua produção se impõe com violência como lei natural reguladora, do mesmo modo que a lei da gravidade, quando a casa cai em cima da cabeça de alguém. A determinação da grandeza de valor pelo tempo de trabalho é, por isso, um segredo oculto sob os movimentos manifestos dos valores relativos das mercadorias. A sua descoberta afasta a aparência da determinação meramente casual das grandezas de valor dos produtos do trabalho, mas de modo nenhum a sua forma objectiva.
O Capital. Crítica da economia política, Livro primeiro, Quarta edição, 1890
A máquina aumenta o número de batidas do pistão: mais-valia absoluta e relativa
A massa da mais-valia produzida é ... igual à mais-valia que a jornada de trabalho do trabalhador individual fornece multiplicada pelo número de trabalhadores empregados. Mas como, além disso, dado o valor da força de trabalho, a massa de mais-valia produzida pelo trabalhador individual é determinada pela taxa de mais-valia, segue-se daí esta primeira lei: A massa da mais-valia produzida é igual à grandeza do capital variável adiantado multiplicada pela taxa de mais-valia, ou é determinada pela relação composta entre o número das forças de trabalho exploradas simultaneamente pelo mesmo capitalista e o grau de exploração da força de trabalho individual …
Na produção de determinada massa de mais-valia, o decréscimo de um factor pode ... ser compensado pelo acréscimo do outro. Se diminui o capital variável, aumentando ao mesmo tempo e na mesma proporção a taxa de mais-valia, a massa da mais-valia produzida permanece inalterada ... Uma diminuição do capital variável pode, portanto, ser compensada por um aumento proporcional no grau de exploração da força de trabalho, ou o decréscimo do número dos trabalhadores empregados, pelo prolongamento proporcional do dia de trabalho. Dentro de certos limites, a oferta de trabalho explorável pelo capital torna-se, portanto, independente da oferta de trabalhadores. Inversamente, um decréscimo na taxa de mais-valia deixa a massa da mais-valia produzida inalterada, se aumenta na mesma proporção a grandeza do capital variável ou o número dos trabalhadores ocupados.
Contudo, a compensação do número de trabalhadores ou da grandeza do capital variável pela elevação da taxa da mais-valia ou pelo prolongamento da jornada de trabalho tem limites intransponíveis. Qualquer que seja o valor da força de trabalho, quer chegue a 2 ou a 10 horas o tempo de trabalho necessário para sustentar o trabalhador, o valor total que um trabalhador pode produzir dia a dia é sempre menor do que o valor em que 24 horas de trabalho se objectivam …
O limite absoluto da jornada média de trabalho, que por natureza sempre é menor que 24 horas, forma um limite absoluto à compensação da diminuição do capital variável por aumento da taxa de mais-valia, ou de uma redução do número de trabalhadores explorados por um acréscimo do grau de exploração da força de trabalho. Essa segunda lei, mais palpável, é importante para explicar muitos fenómenos que surgem da tendência do capital, a ser desenvolvida mais tarde, de reduzir tanto quanto possível o número de trabalhadores por ele empregados, ou seja, o seu componente variável convertido em força de trabalho, em contradição com a sua outra tendência de produzir a maior massa possível de mais-valia. Inversamente, se a massa das forças de trabalho empregadas ou a grandeza do capital variável cresce, mas não na mesma proporção em que cai a taxa de mais-valia, diminui a massa da mais-valia produzida.
Uma terceira lei decorre da determinação da massa de mais-valia produzida pelos dois factores, taxa de mais-valia e grandeza do capital variável adiantado. Dados a taxa de mais-valia ou o grau de exploração da força de trabalho e o valor da força de trabalho ou a grandeza do tempo de trabalho necessário, é evidente que quanto maior o capital variável, tanto maior a massa de valor e de mais-valia produzida. Se o limite da jornada de trabalho é dado, assim como o limite de sua parte necessária, a massa de valor e de mais-valia que um capitalista individual produz depende, como é óbvio, exclusivamente da massa de trabalho que põe em movimento. Esta, por sua parte, depende, sob os pressupostos dados, da massa de força de trabalho ou do número de trabalhadores que ele explora, e esse número por sua vez é determinado pela grandeza do capital variável por ele adiantado. Dados a taxa de mais-valia e o valor da força de trabalho, as massas de mais-valia produzidas estarão, assim, em razão directa às grandezas dos capitais variáveis adiantados. Pois bem, sabe-se que o capitalista divide o seu capital em duas partes. Uma parte despende-a com meios de produção. Essa é a parte constante do seu capital. A outra parte converte-a em força de trabalho viva. Essa parte constitui o seu capital variável. Com base no mesmo modo de produção, difere a divisão do capital em seus componentes constante e variável nos diversos ramos de produção. Dentro do mesmo ramo de produção, essa proporção varia ao variar a base técnica e a combinação social do processo de produção. Mas como quer que um capital dado se decomponha em parte constante e variável, relacionando-se a última com a primeira como 1:2, 1:10, ou 1:x, a lei que acabamos de formular não é afectada, uma vez que, segundo nossa análise anterior, o valor do capital constante reaparece no valor do produto, mas não entra no novo produto-valor criado. Para utilizar 1 000 fiandeiros, são necessários naturalmente mais matérias-primas, fusos etc., do que para utilizar 100. O valor desses meios de produção a serem adicionados, porém, pode subir, cair, permanecer inalterado, ser grande ou pequeno, que permanece sem nenhuma influência sobre o processo de valorização das forças de trabalho que os põem em movimento. A lei constatada acima assume, portanto, a seguinte forma: as massas de valor e mais-valia produzidas por diferentes capitais estão, com dado valor da força de trabalho e igual grau de exploração da mesma, em razão directa com as grandezas dos componentes variáveis desses capitais, isto é, dos seus componentes transformados em força de trabalho viva …
O trabalho que o capital total de uma sociedade põe em movimento dia a dia pode ser considerado uma única jornada de trabalho. Se, por exemplo, o número de trabalhadores é de 1 milhão e a jornada de trabalho média de um trabalhador é de 10 horas, a jornada de trabalho social será de 10 milhões de horas. Dada a duração desta jornada de trabalho, a massa de mais-valia só pode ser aumentada por meio do aumento do número de trabalhadores, isto é, da população trabalhadora. O crescimento da população constitui aqui o limite matemático da produção de mais-valia pelo capital social total. Inversamente, com dada grandeza da população, esse limite será constituído pelo prolongamento possível da jornada de trabalho … A parte da jornada de trabalho que apenas produz um equivalente do valor da força de trabalho pago pelo capital foi até agora por nós considerada uma grandeza constante, o que ela realmente é sob condições de produção dadas, em dado grau de desenvolvimento económico da sociedade. Para além desse tempo de trabalho necessário, o trabalhador podia trabalhar 2, 3, 4, 6 horas etc. Da grandeza desse prolongamento dependiam a taxa de mais-valia e a duração da jornada de trabalho. Se o tempo de trabalho necessário era constante, a jornada de trabalho total, pelo contrário, era variável …
O valor da força de trabalho, isto é, o tempo de trabalho exigido para produzi-la, determina o tempo de trabalho necessário para reprodução do seu valor. Se 1 hora de trabalho se representa num quantum de ouro de 1/2 xelim ou 6 pence e o valor da força de trabalho ascende a 5 xelins, o trabalhador tem de trabalhar 10 horas por dia para repor o valor diário de sua força de trabalho pago pelo capital ou para produzir um equivalente do valor dos seus meios de subsistência diariamente necessários. Com o valor desses meios de subsistência é dado o valor da sua força de trabalho, com o valor da sua força de trabalho é dado o seu tempo de trabalho necessário. A grandeza do mais-trabalho obtém-se, porém, subtraindo da jornada de trabalho total o tempo de trabalho necessário. Subtraindo-se 10 horas de 12 ficam 2, e não se pode ver como, nas condições dadas, o mais-trabalho pode ser prolongado além de 2 horas ...
Dada a duração da jornada de trabalho, o prolongamento do mais-trabalho tem de decorrer da redução do trabalho necessário e não do contrário, ou seja, a redução do trabalho necessário do prolongamento do mais-trabalho. Em nosso exemplo, o valor da força de trabalho realmente tem de cair de 1/10 para que o tempo de trabalho necessário diminua de 1/10, de 10 horas para 9, e assim se prolongue o mais-trabalho de 2 horas para 3.
Porém, tal diminuição do valor da força de trabalho de 1/10 requer, por sua vez, que se produza em 9 horas a mesma quantidade de meios de subsistência que antes se produzia em 10. Mas isso é impossível sem aumentar a força produtiva do trabalho. Com os meios dados, um sapateiro pode, por exemplo, fazer um par de botas numa jornada de trabalho de 12 horas. Para fazer, no mesmo tempo, dois pares de botas, tem de duplicar-se a força produtiva do seu trabalho, e ela não pode duplicar-se sem alteração dos seus meios de trabalho ou do seu método de trabalho ou de ambos ao mesmo tempo. Por isso tem de ocorrer uma revolução nas condições de produção do seu trabalho, isto é, em seu modo de produção, e portanto no próprio processo de trabalho. Entendemos aqui por aumento da força produtiva do trabalho em geral uma alteração no processo de trabalho, pela qual se reduz o tempo de trabalho socialmente necessário para produzir uma mercadoria, que um menor quantum de trabalho adquira portanto a força para produzir um maior quantum de valor de uso. Enquanto pois na produção da mais-valia, na forma até aqui considerada, o modo de produção é suposto como dado, não basta de modo algum, para produzir mais-valia mediante a transformação do trabalho necessário em mais-trabalho, que o capital se apodere do processo de trabalho em sua forma historicamente herdada ou já existente, e apenas alongue sua duração. Tem de revolucionar as condições técnicas e sociais do processo de trabalho, portanto o próprio modo de produção a fim de aumentar a força produtiva do trabalho, mediante o aumento da força produtiva do trabalho reduzir o valor da força de trabalho, e assim encurtar a parte da jornada de trabalho necessária para a reprodução deste valor.
A mais-valia produzida pelo prolongamento da jornada de trabalho chamo de mais-valia absoluta; a mais-valia que, pelo contrário, decorre da redução do tempo de trabalho necessário e da correspondente mudança da proporção entre os dois componentes da jornada de trabalho chamo de mais-valia relativa.
Para que diminua o valor da força de trabalho, o aumento da força produtiva tem de atingir ramos industriais cujos produtos determinam o valor da força de trabalho, que, portanto, ou pertençam à esfera dos meios de subsistência habituais ou possam substituí-los. Mas o valor de uma mercadoria não é determinado apenas pelo quantum de trabalho que lhe dá sua forma definitiva, mas também pela massa de trabalho contida em seus meios de produção. O valor de uma bota, por exemplo, não se determina apenas pelo trabalho do sapateiro, mas também pelo valor do couro, do pez, do fio etc. O aumento da força produtiva e o correspondente barateamento das mercadorias nas indústrias que fornecem os elementos materiais do capital constante, os meios de trabalho e o material de trabalho para produzir os meios de subsistência necessários, do mesmo modo reduzem o valor da força de trabalho. Por outro lado, em ramos de produção que não fornecem nem meios de subsistência necessários nem meios de produção para fabricá-los, o aumento da força produtiva deixa o valor da força de trabalho igual ao que era.
A mercadoria mais barata diminui naturalmente o valor da força de trabalho apenas pro tanto, isto é, na proporção em que entra na reprodução da força de trabalho. Camisas, por exemplo, são meios de subsistência necessários, mas só um entre muitos. Seu barateamento diminui apenas a despesa do trabalhador com camisas. A totalidade dos meios de subsistência compõe-se, porém, de diferentes mercadorias, todos produtos de indústrias particulares, e o valor de cada uma dessas mercadorias constitui uma parte alíquota do valor da força de trabalho. Esse valor diminui com o tempo de trabalho necessário à sua reprodução, cuja redução total é igual à soma de suas reduções em todos aqueles ramos de produção particulares. Tratamos esse resultado geral aqui como se fosse resultado directo e fim directo em cada caso individual. Quando um capitalista individual mediante o aumento da força produtiva do trabalho barateia, por exemplo, camisas, não lhe aparece necessariamente como objectivo reduzir o valor da força de trabalho e, com isso, o tempo de trabalho necessário pro tanto, mas na medida em que, por fim, contribui para esse resultado, contribuirá para elevar a taxa geral de mais-valia. As tendências gerais e necessárias do capital devem ser diferenciadas de suas formas de manifestação.
O modo como as leis imanentes da produção capitalista aparecem no movimento externo dos capitais, como se impõem como leis coercivas da concorrência e assim surgem na consciência do capitalista individual como motivos impulsionadores não é para ser apreciado agora, mas esclareçamos de antemão: uma análise científica da concorrência só é possível depois de se compreender a natureza interna do capital, do mesmo modo que o movimento aparente dos corpos celestes somente é compreensível para quem conhece o seu movimento real, embora imperceptível aos sentidos. Não obstante, para compreender a produção da mais-valia relativa com base apenas nos resultados já obtidos, deve-se observar o seguinte.
Se 1 hora de trabalho se representa num quantum de ouro de 6 pence ou 1/2 xelim, numa jornada de trabalho de 12 horas se produzirá um valor de 6 xelins. Admita-se que, com a força produtiva de trabalho dada, se produzam 12 peças de mercadoria nestas 12 horas de trabalho. O valor dos meios de produção, matéria-prima etc., gastos em cada peça seja de 6 pence. Nessas circunstâncias, cada mercadoria custa 1 xelim, a saber, 6 pence pelo valor dos meios de produção e 6 pence pelo novo valor adicionado em sua elaboração. Que um capitalista consiga agora duplicar a força produtiva e produzir, portanto, durante a jornada de trabalho de 12 horas, 24 peças dessa espécie de mercadoria, em vez de 12. Permanecendo inalterado o valor dos meios de produção, o valor de cada mercadoria individual cai a 9 pence, a saber, 6 pence para o valor dos meios de produção e 3 pence para o novo valor adicionado pelo último trabalho. Apesar da força produtiva duplicada, a jornada de trabalho gera, depois como antes, apenas um novo valor de 6 xelins, que se distribui, entretanto, sobre duas vezes mais produtos. Sobre cada produto singular cai por isso apenas 1/24 em vez de 1/12 desse valor total, 3 pence em vez de 6 ou, o que é o mesmo, aos meios de produção em sua transformação em produto, contando-se cada peça, adiciona-se agora apenas 1/2 hora de trabalho em vez de 1 hora inteira, como antes. O valor individual dessa mercadoria fica agora abaixo do seu valor social, isto é, ela custa menos tempo de trabalho do que a grande massa dos mesmos artigos produzidos nas condições sociais médias ... O verdadeiro valor de uma mercadoria, porém, não é seu valor individual, mas sim seu valor social, isto é, não se mede pelo tempo de trabalho que custa realmente ao produtor, no caso individual, mas pelo tempo de trabalho socialmente exigido para sua produção. Portanto, se o capitalista que aplica o novo método vende sua mercadoria por seu valor social de 1 xelim, ele a venderá 3 pence acima do seu valor individual, realizando assim uma mais-valia extra de 3 pence. Mas, por outro lado, a jornada de trabalho de 12 horas representa-se para ele agora em 24 peças de mercadoria, em vez de 12, como antes. Para vender, portanto, o produto de uma jornada de trabalho, ele precisa de uma procura duplicada ou de um mercado duas vezes maior. Permanecendo iguais as demais circunstâncias, suas mercadorias só conquistarão maior espaço no mercado mediante contracção dos preços. Por isso, ele as venderá acima do seu valor individual, mas abaixo do seu valor social, digamos por 10 pence cada peça. Desse modo, ele obtém ainda de cada peça individual uma mais-valia extra de 1 péni. Essa elevação da mais-valia se realiza para ele, pertença ou não a sua mercadoria à esfera dos meios de subsistência necessários e que, por isso, entram na determinação do valor geral da força de trabalho. Abstraindo dessa última circunstância, existe, portanto, para cada capitalista individual, motivo para baratear a mercadoria mediante aumento da força produtiva do trabalho …
Mas, por outro lado, aquela mais-valia extra desaparece logo que se generaliza o novo modo de produção, pois com isso a diferença entre o valor individual das mercadorias produzidas mais baratas e seu valor social se desvanece. A mesma lei da determinação do valor pelo tempo de trabalho, que se fez sentir ao capitalista com o novo método na forma de ter que vender sua mercadoria abaixo do seu valor social, impele seus competidores, como lei coerciva da concorrência, a aplicar o novo modo de produção. Portanto, o processo inteiro só afecta finalmente a taxa geral de mais-valia se o aumento da força produtiva do trabalho atingiu ramos de produção, barateando mercadorias que entram no círculo dos meios de subsistência necessários e consequentemente constituem elementos do valor da força de trabalho.
O valor das mercadorias está na razão inversa da força produtiva do trabalho. Do mesmo modo o valor da força de trabalho, por ser determinado por valores de mercadorias. A mais-valia relativa, pelo contrário, está na razão directa da força produtiva do trabalho. Sobe com força produtiva em aumento e cai com força produtiva em queda ... Por isso, é impulso imanente e tendência constante do capital aumentar a força produtiva do trabalho para baratear a mercadoria e, mediante o barateamento da mercadoria, baratear o próprio trabalhador.
O valor absoluto da mercadoria é, em princípio, indiferente ao capitalista que a produz. Só lhe interessa a mais-valia contida nela e realizável na venda. A realização da mais-valia implica, por si mesma, a reposição do valor adiantado. Uma vez que a mais-valia relativa cresce na razão directa do desenvolvimento da força produtiva do trabalho, enquanto o valor das mercadorias cai na razão inversa desse mesmo desenvolvimento, sendo, portanto, o mesmo processo idêntico que barateia as mercadorias e eleva a mais-valia contida nelas, fica solucionado o mistério de que o capitalista, para quem importa apenas a produção de valor de troca, tenta constantemente reduzir o valor de troca das mercadorias …
Economia de trabalho por meio do desenvolvimento da força produtiva do trabalho, portanto, não visa na produção capitalista a redução da jornada de trabalho. O seu objectivo é apenas reduzir o tempo de trabalho necessário para a produção de determinado quantum de mercadorias. O facto de o trabalhador com força produtiva aumentada do seu trabalho produzir em 1 hora, digamos, 10 vezes mais mercadorias que antes, precisando, portanto, 10 vezes menos tempo de trabalho para cada peça de mercadoria, não impede de modo nenhum de fazê-lo trabalhar, assim como antes, 12 horas e produzir nestas 12 horas 1 200 peças em vez de como antes 120. A sua jornada de trabalho até pode ser prolongada, ao mesmo tempo, de modo que produza agora, em 14 horas, 1 400 peças etc.
O Capital. Crítica da economia política, Livro primeiro, Quarta edição, 1890
A máquina produz mais-valia relativa não só ao desvalorizar directamente a força de trabalho e ao embaratecê-la indirectamente embaratecendo as mercadorias que entram na sua reprodução, mas também, no período das suas primeiras aplicações esporádicas, ao transformar o trabalho empregado pelo dono das máquinas em trabalho potenciado, cujo produto, dotado dum valor social superior ao seu valor individual, permite ao capitalista assim substituir o valor diário da força de trabalho com uma parcela menor de valor do produto diário. Durante esse período de transição, em que a produção mecanizada permanece uma espécie de monopólio, os lucros são por isso extraordinários e o capitalista procura explorar ao máximo essa “lua-de-mel” por meio do maior prolongamento possível da jornada de trabalho. A grandeza do ganho estimula a voracidade por mais ganho.
Com a generalização da maquinaria num mesmo ramo de produção, cai o valor social do produto da máquina para o seu valor individual e impõe-se a lei de que a mais-valia não se origina das forças de trabalho que o capitalista substituiu pela máquina, mas, pelo contrário, das forças de trabalho que ocupa com ela. A mais-valia só se origina da parte variável do capital e vimos que a massa da mais-valia é determinada por dois factores, a taxa de mais-valia e o número de trabalhadores simultaneamente ocupados. Dada a duração da jornada de trabalho, a taxa de mais-valia é determinada pela proporção em que a jornada se divide em trabalho necessário e mais-trabalho. O número de trabalhadores simultaneamente ocupados depende, por sua vez, da proporção entre a parte variável do capital e a constante. Agora, é claro que a produção mecanizada, como quer que expanda o mais-trabalho à custa do trabalho necessário mediante o aumento da força produtiva do trabalho, só alcança esse resultado ao diminuir o número de operários ocupados por dado capital. Ela transforma parte do capital, que antes era variável, isto é, que se convertia em força de trabalho viva, em maquinaria, portanto em capital constante, que não produz mais-valia. É impossível, por exemplo, espremer tanta mais-valia de 2 empregados como de 24. Se cada um dos 24 trabalhadores fornecer em cada 12 horas apenas 1 hora de mais-trabalho, juntos eles fornecem 24 horas de mais-trabalho, enquanto o trabalho global dos 2 trabalhadores só compreende 24 horas. Há, portanto, na aplicação da maquinaria à produção de mais-valia, uma contradição imanente, já que ela só aumenta um dos dois factores da mais-valia que um capital de dada grandeza fornece, a taxa de mais-valia, porque reduz o outro factor, o número de trabalhadores. Essa contradição imanente evidencia-se assim que, com a generalização da maquinaria num ramo da indústria, o valor da mercadoria produzida mecanicamente se torna o valor social que regula todas as mercadorias da mesma espécie, e é essa contradição que, por sua vez, impele o capital, sem que ele tenha consciência disso, ao prolongamento mais violento da jornada de trabalho, para compensar a redução do número relativo de trabalhadores explorados por meio do aumento do mais-trabalho não só relativo, mas também absoluto.
Se, portanto, a aplicação capitalista da maquinaria produz, por um lado, novos e poderosos motivos para o prolongamento desmedido da jornada de trabalho e revoluciona o próprio modo de trabalho, bem como o carácter do corpo social de trabalho, de maneira a quebrar a oposição a essa tendência, ela produz, por outro lado, em parte mediante a incorporação no capital de camadas da classe trabalhadora antes inacessíveis, em parte mediante a libertação de trabalhadores deslocados pela máquina, uma população operária excedente, compelida a aceitar a lei ditada pelo capital. Daí o notável fenómeno na história da indústria moderna de que a máquina joga por terra todos os limites morais e naturais da jornada de trabalho. Daí o paradoxo económico de que o meio mais poderoso para encurtar a jornada de trabalho se torna o meio infalível de transformar todo o tempo de vida do trabalhador e da sua família em tempo de trabalho disponível para a valorização do capital.
“Se”, sonhava Aristóteles, o maior pensador da Antiguidade,
“Se cada ferramenta, obedecendo às ordens ou mesmo pressentindo-as, pudesse realizar a obra que lhe coubesse, como os engenhos de Dédalo que se movimentavam por si mesmos, ou as tripeças de Hefesto que iam por sua iniciativa para o trabalho sagrado, se as lançadeiras tecessem por si mesmas, não seriam então necessários ajudantes para o mestre-artesão nem escravos para o senhor.” (BIESE, F. Die Philosophie des Aristoteles. Berlim, 1842, v. II)
E Antípatro, um poeta grego da época de Cícero, saudava a invenção do moinho hidráulico de moer cereal, essa forma elementar de toda maquinaria produtiva, como libertadora das escravas e criadora da idade do ouro! … Apresento aqui a tradução do poema por Stolberg porque … ele caracteriza a antítese entre a visão antiga e a moderna.
Poupai essa mão moedora, ó moleiras, e dormi em paz!
Que o galo anuncie a manhã em vão!
Deméter ordenou às ninfas o trabalho das moças,
e sobre as rodas elas saltam agora,
que os eixos sacudidos rodem com seus raios
e movam em círculo a carga da pedra giratória.
Deixem-nos viver a vida dos pais e gozar
sem trabalho a dádiva que a deusa nos deu.
(Poema traduzido do grego para o alemão por Christian, Conde de Stolberg. Hamburgo, 1782.)
“Os pagãos, sim, os pagãos!” Como descobriu o sagaz Bastiat e, antes dele, o ainda mais astuto MacCulloch, eles não entendiam nada de economia política nem de cristianismo. Não entendiam, entre outras coisas, que a máquina é o mais comprovado meio de prolongar a jornada de trabalho. Justificavam eventualmente a escravidão de uns como meio para o pleno desenvolvimento de outros. Mas pregar a escravidão das massas para transformar alguns arrivistas grosseiros ou semicultos em eminent spinners, extensive sausage makers e influential shoe black dealers (fiandeiros eminentes, grandes fabricantes de salsichas e influentes comerciantes de graxa para sapatos), para isso faltava-lhes o órgão especificamente cristão …
O prolongamento desmedido da jornada de trabalho, que a maquinaria produz na mão do capital, provoca mais tarde, como vimos, uma reação por parte da sociedade ameaçada na sua raiz vital, e com isso a instauração de uma jornada normal de trabalho legalmente limitada. Com base nesta última, desenvolve-se um fenómeno que já encontrámos antes de decisiva importância – ou seja, a intensificação do trabalho. Na análise da mais-valia absoluta, tratava-se inicialmente da grandeza extensiva do trabalho, enquanto o grau de sua intensidade era pressuposto como dado. Temos, agora, de examinar a conversão da grandeza extensiva em grandeza intensiva ou de grau.
É evidente que, com o progresso da mecanização e com a experiência acumulada de uma classe própria de operadores de máquinas, aumenta naturalmente a velocidade e com ela a intensidade do trabalho. Assim, na Inglaterra o prolongamento da jornada de trabalho avançou durante meio século paralelamente com a crescente intensificação do trabalho na fábrica. No entanto torna-se compreensível que, num trabalho que não se caracteriza por paroxismos transitórios, mas por uma uniformidade regular, repetida a cada dia, tem que se alcançar um ponto nodal em que prolongamento da jornada de trabalho e intensidade do trabalho se excluem mutuamente, de modo que o prolongamento da jornada de trabalho só é compatível com um grau mais fraco de intensidade do trabalho e, inversamente, um grau mais elevado de intensidade com a redução da jornada de trabalho. Assim que a revolta cada vez maior da classe operária obrigou o Estado a reduzir à força a jornada de trabalho e a ditar, inicialmente às fábricas propriamente ditas, uma jornada normal de trabalho, a partir desse instante em que se impossibilitou de uma vez por todas a produção crescente de mais-valia mediante o prolongamento da jornada de trabalho, o capital lançou-se com toda a força e plena consciência na produção de mais-valia relativa por meio do desenvolvimento acelerado do sistema de máquinas. Ao mesmo tempo, ocorreu uma modificação no carácter da mais-valia relativa. Em geral, o método de produção da mais-valia relativa consiste em capacitar o trabalhador, mediante maior força produtiva do trabalho, a produzir mais com o mesmo dispêndio de trabalho no mesmo tempo. O mesmo tempo de trabalho continua a adicionar o mesmo valor ao produto global, embora esse valor de troca inalterado se apresente agora em mais valores de uso e, por isso, caia o valor da mercadoria individual. Outra coisa, porém, ocorre assim que a redução forçada da jornada de trabalho, com o prodigioso impulso que ela dá ao desenvolvimento da força produtiva e à economia das condições de produção, impõe maior dispêndio de trabalho no mesmo tempo, tensão mais elevada da força de trabalho, preenchimento mais denso dos poros da jornada de trabalho, isto é, impõe ao trabalhador uma condensação do trabalho num grau que só é atingível dentro duma jornada de trabalho mais curta. Essa compressão de maior massa de trabalho em dado período de tempo conta, agora, pelo que ela é: como maior quantum de trabalho. Ao lado da medida do tempo de trabalho como “grandeza extensiva”, surge agora a medida do seu grau de condensação. A hora mais intensa da jornada de trabalho de 10 horas contém, agora, tanto ou mais trabalho, isto é, força de trabalho despendida, do que a hora mais porosa da jornada de trabalho de 12 horas. Seu produto tem, por isso, tanto ou mais valor do que o da 1 1/5 hora mais porosa. Abstraindo da elevação da mais-valia relativa pela força produtiva acrescida do trabalho, agora, por exemplo, 3 1/3 horas de mais-trabalho fornecem ao capitalista, para 6 2/3 horas de trabalho necessário, a mesma massa de valor fornecida antes por 4 horas de mais-trabalho para 8 horas de trabalho necessário.
Pergunta-se, agora, como é intensificado o trabalho?
O primeiro efeito da jornada de trabalho reduzida decorre da lei evidente de que a eficiência da força de trabalho está na razão inversa do seu tempo de efectivação. Por isso, dentro de certos limites, ganha-se em grau de esforço o que se perde em duração …
Assim que a redução da jornada de trabalho, que cria de início a condição subjetiva para a condensação do trabalho, ou seja, a capacidade do trabalhador em libertar mais força num tempo dado, se torna obrigatória por lei, a máquina, na mão do capitalista, transforma-se no meio objectivo e sistematicamente aplicado de espremer mais trabalho no mesmo espaço de tempo. Isso ocorre de duas maneiras: mediante aceleração das máquinas e ampliação da maquinaria a ser supervisionada pelo mesmo operário ou do seu campo de trabalho. A construção mais aperfeiçoada da maquinaria é, em parte, necessária para exercer maior pressão sobre o trabalhador, em parte ela acompanha por si mesma a intensificação do trabalho, porque a limitação da jornada de trabalho obriga o capitalista a controlar mais rigorosamente os custos de produção. O aperfeiçoamento da máquina a vapor aumenta o número de batidas do pistão por minuto e permite, simultaneamente, por meio de maior economia de força, accionar com o mesmo motor um mecanismo mais volumoso, com um gasto de carvão constante ou até mesmo em diminuição …
Não há a menor dúvida de que a tendência do capital, uma vez que o prolongamento da jornada de trabalho lhe é definitivamente vedado por lei, é de ressarcir-se mediante sistemática elevação do grau de intensidade do trabalho e transformar todo o aperfeiçoamento da maquinaria num meio de exaurir ainda mais a força de trabalho, o que logo deve levar a novo ponto de reversão, em que será inevitável outra redução das horas de trabalho.
O Capital. Crítica da economia política, Livro primeiro, Quarta edição, 1890
A relação entre meios de produção e força de trabalho neles incorporada: a composição orgânica do capital modificada
A composição do capital tem de ser compreendida num duplo sentido. Na perspectiva do valor, ela é determinada pela proporção em que se reparte em capital constante ou valor dos meios de produção e capital variável ou valor da força de trabalho, soma global dos salários. Na perspectiva da matéria, como ela funciona no processo de produção, cada capital reparte-se em meios de produção e força de trabalho viva; essa composição é determinada pela proporção entre, por um lado, a massa dos meios de produção utilizados e, por outro, o montante de trabalho exigido para o seu emprego. Chamo à primeira composição-valor e à segunda composição técnica do capital. Entre ambas há estreita correlação. Para expressá-la, chamo à composição-valor do capital, à medida que é determinada pela sua composição técnica e espelha as suas modificações, composição orgânica do capital. Onde se fala simplesmente de composição do capital, deve-se entender sempre a sua composição orgânica.
Os numerosos capitais individuais aplicados em determinado ramo da produção têm entre si composição mais ou menos diferenciada. A média das suas composições individuais dá-nos a composição do capital global desse ramo da produção. Por fim, a média global das composições médias de todos os ramos da produção dá-nos a composição do capital social de um país, e apenas dessa é que, em última instância, se há-de falar em seguida.
Crescimento do capital implica crescimento da sua parcela variável ou convertida em força de trabalho. Uma parcela da mais-valia transformada em capital adicional precisa ser sempre retransformada em capital variável ou fundo adicional de trabalho. Suponhamos que, além de mantidas constantes as demais circunstâncias, a composição do capital permaneça inalterada, ou seja, que determinada massa de meios de produção ou de capital constante requeira sempre a mesma massa de força de trabalho para ser posta em movimento, então cresce evidentemente a procura de trabalho e o fundo de subsistência dos trabalhadores proporcionalmente ao capital, e tanto mais rapidamente quanto mais rapidamente cresce o capital … Acumulação do capital é, portanto, multiplicação do proletariado …
Abstraindo das condições naturais … o grau de produtividade social do trabalho expressa-se no volume relativo dos meios de produção que um trabalhador transforma em produto durante um tempo dado, com o mesmo dispêndio de força de trabalho. A massa dos meios de produção com que ele funciona cresce com a produtividade do seu trabalho. Esses meios de produção desempenham duplo papel. O seu crescimento é em parte causa e em parte consequência da crescente produtividade do trabalho. Por exemplo, com a divisão manufactureira do trabalho e a utilização da maquinaria, no mesmo espaço de tempo mais matéria-prima é processada, portanto uma massa maior de matéria-prima e de materiais auxiliares entra no processo de trabalho. Essa é a consequência da crescente produtividade do trabalho. Por outro lado, a massa da maquinaria utilizada, dos animais de trabalho, dos adubos minerais, das tubulações de drenagem etc., é condição da crescente produtividade do trabalho. Assim também a massa dos meios de produção concentrados em prédios, altos-fornos, dos meios de transporte etc. Mas, causa ou consequência, o volume crescente dos meios de produção, em comparação com a força de trabalho neles incorporada, expressa a crescente produtividade do trabalho. O acréscimo desta última aparece, portanto, no decréscimo da massa de trabalho proporcionalmente à massa de meios de produção movimentados por ela, ou no decréscimo da grandeza do factor subjetivo do processo de trabalho em comparação com os seus factores objectivos.
Essa mudança na composição técnica do capital, o crescimento da massa dos meios de produção comparada à massa da força de trabalho que os vivifica, reflecte-se na sua composição em valor, no acréscimo da componente constante do valor do capital à custa da sua componente variável. De um capital, por exemplo, são investidos originalmente 50% em meios de produção e 50% em força de trabalho; mais tarde, com o desenvolvimento da produtividade do trabalho, são investidos 80% em meios de produção e 20% em força de trabalho etc. ...
A acumulação de capital, que apareceu originalmente só como sua ampliação quantitativa, realiza-se, como vimos, numa alteração qualitativa contínua da sua composição, com acréscimo permanente do seu componente constante à custa do variável.
O modo de produção especificamente capitalista, o desenvolvimento da força produtiva do trabalho que lhe corresponde e a alteração assim causada na composição orgânica do capital não avançam somente passo a passo com o progresso da acumulação ou o crescimento da riqueza social. Avançam com rapidez incomparavelmente maior, porque tanto a acumulação simples ou expansão absoluta do capital global é acompanhada pela centralização dos seus elementos individuais, como a revolução técnica do capital adicional é acompanhada pela revolução técnica do capital original. Com o avanço da acumulação modifica-se, portanto, a proporção entre a parte constante e a parte variável do capital, originalmente de 1:1, para 2:1, 3:1, 4:1, 5:1, 7:1 etc., de modo que, ao crescer o capital, em vez de 1/2 do seu valor global, progressivamente apenas 1/3, 1/4, 1/5, 1/6, 1/8 etc. se convertem em força de trabalho, ao passo que 2/3, 3/4, 4/5, 5/6, 7/8 etc. se convertem em meios de produção. Como a procura de trabalho não é determinada pelo volume do capital global, mas pelo seu componente variável, ela cai progressivamente com o crescimento do capital global, em vez de crescer de modo proporcional com ele, como antes se pressupôs. Ela cai em relação à grandeza do capital global e em progressão acelerada com o crescimento dessa grandeza. Com o crescimento do capital global na verdade também cresce o seu componente variável, ou a força de trabalho nele incorporada, mas em proporção continuamente decrescente. Os períodos em que a acumulação actua como mera expansão da produção sobre uma base técnica dada tornam-se cada vez mais curtos. Requer-se uma acumulação acelerada do capital global em progressão crescente para absorver um número adicional de trabalhadores de certa grandeza, ou mesmo, por causa da constante metamorfose do capital antigo, para ocupar os já em funcionamento. Por sua vez, esta acumulação e centralização crescentes convertem-se numa fonte de nova mudança na composição do capital, ou reiterado decréscimo acelerado do seu componente variável em comparação com o constante. Esse decréscimo relativo do seu componente variável, acelerado pelo crescimento do capital total, e que é mais acelerado que o crescimento deste, por outro lado, aparece inversamente como crescimento absoluto da população trabalhadora sempre mais rápido que o do capital variável, ou seja, dos seus meios de ocupação. A acumulação capitalista produz constantemente, e isso em proporção à sua energia e às suas dimensões, uma população trabalhadora adicional relativa, isto é, excedentária relativamente às necessidades de aproveitamento por parte do capital, e, portanto, supérflua.
O Capital. Crítica da economia política, Livro primeiro, Quarta edição, 1890
O essencial invisível e a superfície dos fenómenos: taxa de mais-valia e taxa de lucro
Ao capitalista é indiferente considerar se adianta capital constante para extrair lucro do capital variável, ou se adianta capital variável para valorizar o capital constante; se gasta dinheiro em salários para dar um valor mais alto a máquinas e matérias-primas, ou se adianta dinheiro em maquinaria e matérias-primas para poder explorar o trabalho. Embora só a parte variável do capital produza mais-valia, só a produz se também forem adiantadas as outras partes, as condições de produção do trabalho. Como o capitalista só pode explorar o trabalho por meio de adiantamento do capital constante, e como ele só pode valorizar o capital constante mediante adiantamento do variável, ambos coincidem por igual na sua imaginação, e isso tanto mais quanto o verdadeiro grau do seu lucro não for determinado pela relação com o capital variável, mas com o capital global, não pela taxa de mais-valia, mas pela taxa de lucro …
A mais-valia, ou o lucro, consiste exactamente no excedente do valor da mercadoria sobre o seu preço de custo, isto é, no excedente da soma global de trabalho contido na mercadoria sobre a soma de trabalho pago contida nela. A mais-valia, qualquer que seja sua origem, é, de acordo com isso, um excedente sobre o capital global adiantado. Esse excedente está, portanto, numa relação com o capital global, que se expressa na fracção m/C, em que C representa o capital global. Obtemos assim a taxa de lucro m/C = m/(c+v), em contraste com a taxa de mais-valia m/v.
A taxa de mais-valia medida segundo o capital variável denomina-se taxa de mais-valia; a taxa de mais-valia medida segundo o capital global denomina-se taxa de lucro. São duas medições diferentes da mesma grandeza que, devido à diversidade das escalas, expressam ao mesmo tempo proporções ou relações diferentes da mesma grandeza.
Da transformação da taxa de mais-valia em taxa de lucro deve-se derivar a transformação da mais-valia em lucro, e não o contrário. E, de facto, a taxa de lucro é de onde historicamente se partiu. Mais-valia e taxa de mais-valia são, em termos relativos, o invisível e o essencial a ser pesquisado, enquanto a taxa de lucro e, portanto, a forma da mais-valia como lucro se mostram na superfície dos fenómenos.
No que toca ao capitalista individual, está claro que a única coisa que lhe interessa é a relação entre a mais-valia, ou o excedente do valor pelo qual ele vende as suas mercadorias, e o capital global adiantado para a produção das mercadorias; a relação determinada e a conexão intrínseca desse excedente com os componentes
específicos do capital não só não lhe interessam, mas é do seu interesse tornar nebulosa essa relação determinada e essa conexão interna …
Pelo facto de todas as partes do capital aparecerem igualmente como fontes de valor excedente (lucro), a relação de capital é mistificada.
A maneira pela qual, mediante a transição pela taxa de lucro, a mais-valia é transformada na forma de lucro é, no entanto, apenas o desenvolvimento ulterior da inversão que já ocorria durante o processo de produção, de sujeito e objecto. Já tínhamos visto aqui como todas as forças produtivas subjetivas do trabalho se apresentam como forças produtivas do capital. Por um lado, o valor, o trabalho passado que domina o trabalho vivo, é personificado no capitalista; por outro, o trabalhador aparece, inversamente, como mera força de trabalho objectiva, como mercadoria. Dessa relação às avessas se origina necessariamente, mesmo já na própria relação de produção simples, a correspondente concepção às avessas, uma consciência transposta, que é ainda mais desenvolvida pelas transformações e modificações do processo de circulação propriamente dito.
O Capital. Crítica da economia política, Livro terceiro, Primeira edição, editada por Friedrich Engels, 1894
O capital global absorve relativamente cada vez menos mais-trabalho: a queda tendencial da taxa de lucro
A mesma taxa de mais-valia com grau constante de exploração do trabalho expressar-se-ia assim … numa taxa decrescente de lucro, porque com o seu volume material cresce também, ainda que não na mesma proporção, o volume de valor do capital constante e, com isso, o do capital global.
Supondo-se agora, além disso, que essa mudança gradual na composição do capital não ocorra meramente em esferas isoladas da produção, mas mais ou menos em todas ou então nas esferas da produção decisivas, que ela implique assim modificações na composição orgânica média do capital global pertencente a determinada sociedade, então esse crescimento paulatino do capital constante em relação ao capital variável tem de ter necessariamente por resultado uma queda gradual na taxa de lucro geral, com taxa constante de mais-valia ou grau constante de exploração do trabalho pelo capital. Ora, mostrou-se entretanto como lei do modo de produção capitalista que com o seu desenvolvimento ocorre um decréscimo relativo do capital variável em relação ao capital constante e, assim, em relação ao capital global posto em movimento ... Esse progressivo decréscimo relativo do capital variável em relação ao capital constante, portanto em relação ao capital global, é idêntico à composição orgânica do capital social em média progressivamente mais elevada. E, igualmente, apenas outra expressão para o progressivo desenvolvimento da força produtiva social do trabalho, que se mostra exactamente no facto de que, graças ao crescente emprego de maquinaria e de capital fixo, de modo geral mais matérias-primas e auxiliares são transformadas em produtos pelo mesmo número de trabalhadores no mesmo tempo, ou seja, com menos trabalho. Corresponde a esse crescente volume de valor do capital constante – embora ele só de longe represente o crescimento da massa real dos valores de uso em que o capital constante consiste materialmente – um crescente barateamento do produto. Cada produto individual, considerado em si, contém uma soma menor de trabalho do que em estádios inferiores da produção, onde o capital desembolsado em trabalho está numa proporção incomparavelmente maior em relação ao desembolsado em meios de produção … A tendência progressiva da taxa geral de lucro para cair é, portanto, apenas uma expressão peculiar ao modo de produção capitalista para o desenvolvimento progressivo da força produtiva social do trabalho … Como a massa de trabalho vivo empregado diminui sempre em relação à massa de trabalho objectivado por ele posta em movimento, isto é, em relação aos meios de produção consumidos produtivamente, assim também a parte desse trabalho vivo ... que se objectiva em mais-valia tem de estar numa proporção sempre decrescente em relação ao volume de valor do capital global empregado. Essa relação da massa de mais-valia com o valor do capital global empregado constitui, no entanto, a taxa de lucro, que por isso tem de cair continuamente …
O lucro de que aqui falamos é apenas outro nome para a própria mais-valia, representada em relação ao capital global, em vez de sê-lo em relação ao capital variável do qual se origina. A queda da taxa de lucro exprime, portanto, a proporção decrescente da própria mais-valia em relação ao capital global adiantado …
A lei da taxa decrescente de lucro, em que se expressa uma taxa igual ou até mesmo ascendente de mais-valia, significa, por outras palavras: dado um quantum determinado do capital social médio, tomando-se por exemplo um capital de 100, representam-se numa parte sempre maior do mesmo os meios de trabalho e numa parte sempre menor o trabalho vivo. Como, portanto, a massa global de trabalho vivo agregado aos meios de produção cai em relação ao valor desses meios de produção, assim também caem o trabalho não pago e a parte do valor em que ela se representa em relação ao valor do capital global adiantado. Ou: uma parte alíquota cada vez menor do capital global despendido se converte em trabalho vivo, e esse capital global absorve portanto, em proporção à sua grandeza, sempre menos mais-valia, embora a proporção da parte não-paga do trabalho empregado, em relação à parte paga do mesmo, possa simultaneamente crescer …
A lei da queda progressiva da taxa de lucro ou da diminuição relativa do mais-trabalho apropriado em comparação com a massa de trabalho objectivado posta em movimento pelo trabalho vivo não exclui, de maneira nenhuma, que a massa absoluta de trabalho posto em movimento e explorado pelo capital social cresça, que, portanto, a massa absoluta de mais-trabalho por ele apropriado também cresça, nem tampouco que os capitais que se encontram sob o comando dos capitalistas individuais comandem uma massa crescente de trabalho, e portanto de mais-trabalho, este último mesmo se o número de trabalhadores comandados por eles não crescer.
Se se toma dada população trabalhadora de por exemplo 2 milhões, e se toma além disso como dadas duração e intensidade da jornada de trabalho média, bem como o salário, e com isso a relação entre trabalho necessário e mais-trabalho, então o trabalho global desses 2 milhões, assim como o seu mais-trabalho que se representa em mais-valia, produz sempre a mesma grandeza de valor. Mas, com a massa crescente de capital constante ... que põe esse trabalho em movimento cai a relação dessa grandeza de valor com o valor desse capital, que cresce com a sua massa, ainda que não na mesma proporção. Essa relação, e portanto a taxa de lucro, cai, embora depois como antes a mesma massa de trabalho vivo seja comandada e a mesma massa de mais-trabalho seja absorvida pelo capital. A relação modifica-se não porque a massa de trabalho vivo cai, mas porque a massa de trabalho já objectivado que ela põe em movimento sobe. A diminuição é relativa, não absoluta, e de facto nada tem a ver com a grandeza absoluta do trabalho e do mais-trabalho postos em movimento. A queda da taxa de lucro não nasce de uma diminuição absoluta, mas de uma diminuição relativa do componente variável do capital global, da sua diminuição comparada com o componente constante …
O número dos trabalhadores empregados pelo capital, portanto a massa absoluta de trabalho posta em movimento por ele, portanto a massa absoluta de mais-trabalho absorvida por ele, portanto a massa de mais-valia produzida por ele, portanto a massa absoluta de lucro produzida por ele pode, por conseguinte, crescer, e crescer progressivamente, apesar da progressiva queda da taxa de lucro. Isso não apenas pode ser o caso. Tem de ser o caso – descontadas oscilações transitórias – na base da produção capitalista …
Ora, sob que forma se há-de apresentar essa lei dúplice, oriunda das mesmas causas, da diminuição da taxa de lucro e do simultâneo aumento da massa absoluta de lucro? …
Tomemos a parte alíquota do capital sobre a qual calculamos a taxa de lucro como 100, por exemplo. Esses 100 representam a composição média do capital global, digamos 80 c, + 20 v … Com a diminuição relativa da parte variável em relação à parte constante, e por conseguinte em relação ao capital global de 100, a taxa de lucro cai com grau de exploração do trabalho constante e mesmo crescente, cai a grandeza relativa da mais-valia, isto é, a sua relação com o valor do capital global adiantado de 100. Mas não só essa grandeza relativa cai. A grandeza da mais-valia ou do lucro, absorvida pelo capital global de 100, cai de modo absoluto. Com taxa de mais-valia de 100 %, um capital de 60 c + 40 v, produz uma massa de mais-valia, e portanto uma massa de lucro, de 40; um capital de 70 c + 30 v produz uma massa de lucro de 30; com um capital de 80 c + 20 v, o lucro cai para 20. Essa queda refere-se à massa de mais-valia, e portanto do lucro, e, como o capital global de 100 põe em geral menos trabalho vivo em movimento, daí se segue que, com grau de exploração constante, também põe menos mais-trabalho em movimento, e portanto produz menos mais-valia. Tomando como unidade de medida qualquer parte alíquota do capital social, portanto do capital de composição social média, sobre a qual medimos a mais-valia – e isso ocorre em todos os cálculos de lucro –, o decréscimo relativo da mais-valia e o seu decréscimo absoluto são de modo geral idênticos. A taxa de lucro cai, nos casos acima, de 40 para 30% e para 20%, pois de facto a massa de mais-valia produzida pelo mesmo capital, por conseguinte o lucro, cai de modo absoluto de 40 para 30 e para 20. Como a grandeza de valor do capital sobre a qual a mais-valia é medida está dada = 100, uma queda da mais-valia como proporção dessa grandeza constante só pode ser outra expressão para a diminuição da grandeza absoluta da mais-valia e do lucro. Isso é, de facto, uma tautologia. Que, no entanto, essa diminuição ocorre, resulta, como foi demonstrado, da natureza do desenvolvimento do processo de produção capitalista.
Por outro lado, entretanto, as mesmas causas que produzem uma diminuição absoluta da mais-valia, e portanto do lucro sobre um capital dado, por conseguinte também da taxa de lucro calculada percentualmente, provocam um crescimento da massa absoluta de mais-valia, e portanto do lucro, apropriada pelo capital social (isto é, pela totalidade dos capitalistas). Como se tem de apresentar isso agora, como pode sequer apresentar-se ou que condições estão implícitas nessa contradição aparente?
Se cada parte alíquota = 100 do capital social, e portanto cada 100 de capital de composição social média é uma grandeza dada, e portanto para ela a diminuição da taxa de lucro coincide com a diminuição da grandeza absoluta do lucro, precisamente porque nesse caso o capital em relação ao qual ela se mede é uma grandeza constante, a grandeza do capital social global, assim como o capital que se encontra nas mãos de capitalistas individuais, é pelo contrário uma grandeza variável que, para corresponder às condições supostas, deve variar na proporção inversa à diminuição de sua parte variável …
Aqui se mostra a lei … segundo a qual, com o decréscimo relativo do capital variável, portanto com o desenvolvimento da força produtiva social do trabalho, é necessária uma massa cada vez maior do capital global para pôr a mesma quantidade de força de trabalho em movimento e absorver a mesma massa de mais-trabalho. Por isso, na mesma proporção em que se desenvolve a produção capitalista, desenvolve-se a possibilidade de uma população trabalhadora relativamente redundante, não porque a força produtiva de trabalho social diminui, mas porque ela aumenta, portanto não por uma desproporção absoluta entre trabalho e meios de subsistência ou meios para a produção de tais meios de subsistência, mas por uma desproporção que se origina da exploração capitalista do trabalho, pela desproporção entre o crescimento cada vez maior do capital e a sua necessidade relativamente decrescente de uma população crescente.
Se a taxa de lucro cai 50%, ela cai para metade. Se, por conseguinte, a massa de lucro deve permanecer a mesma, o capital tem de duplicar. Para que a massa de lucro permaneça a mesma com taxa decrescente de lucro, o multiplicador que indica o crescimento do capital global tem de ser igual ao divisor que indica a queda da taxa de lucro. Se a taxa de lucro cai de 40 para 20, o capital global precisa, inversamente, subir na proporção de 20:40 para que o resultado permaneça o mesmo. Se a taxa de lucro tivesse caído de 40 para 8, então o capital teria de crescer na proporção de 8:40, ou seja, quintuplicar. Um capital de 1 milhão a 40% produz 400 mil e um capital de 5 milhões a 8% produz igualmente 400 mil. Isso vale para que o resultado permaneça o mesmo. Mas se o resultado deve crescer, então o capital tem de crescer em proporção maior do que aquela em que cai a taxa de lucro. Por outras palavras: para que o componente variável do capital global não só permaneça o mesmo em termos absolutos, mas cresça absolutamente, embora a sua percentagem enquanto parte do capital global caia, o capital global tem de crescer em proporção maior do que aquela em que cai a percentagem do capital variável. Ele tem de crescer tanto que, em sua nova composição, necessite não só da antiga parte variável do capital, mas ainda mais do que esta para a aquisição de força de trabalho. Se a parte variável de um capital = 100 cai de 40 para 20, então o capital global tem de subir para mais de 200, a fim de poder empregar um capital variável maior do que 40 …
Daí se segue que, quanto mais o modo de produção capitalista se desenvolve, tanto maior a quantidade de capital necessária para empregar a mesma força de trabalho, e ainda maior para uma força de trabalho crescente …
Como o desenvolvimento da força produtiva e a composição mais elevada do capital que lhe corresponde põem um quantum cada vez maior de meios de produção em movimento com um quantum cada vez menor de trabalho, cada parte alíquota do produto global, cada mercadoria individual ou cada medida individual determinada de mercadoria da massa global produzida absorve menos trabalho vivo e, além disso, contém menos trabalho objectivado, tanto da depreciação do capital fixo empregado como das matérias-primas e auxiliares utilizadas. Cada mercadoria individual contém, portanto, uma soma menor de trabalho objectivado nos meios de produção e de trabalho novo agregado durante a produção. Por isso cai o preço da mercadoria individual. A massa de lucro que está contida na mercadoria individual pode, apesar disso, aumentar, se a taxa de mais-valia absoluta ou relativa crescer. Ela contém menos trabalho novo agregado, mas a parte não-paga do mesmo cresce em relação à parte paga. Mas esse é o caso apenas dentro de determinados limites. Com a diminuição absoluta enormemente incrementada da soma de trabalho vivo agregado de novo à mercadoria individual no curso do desenvolvimento da produção, também diminuirá absolutamente a massa de trabalho não pago nela contido, por mais que este tenha crescido relativamente, nomeadamente em relação à parte paga. A massa de lucro sobre cada mercadoria individual irá diminuir muito com o desenvolvimento da força produtiva de trabalho, apesar do crescimento da taxa de mais-valia; e essa diminuição, exactamente como a queda da taxa de lucro, só é retida pelo barateamento dos elementos do capital constante.
O Capital. Crítica da economia política, Livro terceiro, Primeira edição, editada por Friedrich Engels, 1894
O meio entra em conflito com o fim limitado: o mercado tem de ser constantemente alargado, as suas condições tornam-se cada vez mais incontroláveis
Assim que o quantum de mais-trabalho extraível está objectivado em mercadorias, a mais-valia está produzida. Mas com essa produção de mais-valia está concluído apenas o primeiro acto do processo de produção capitalista, o processo directo de produção ... Agora vem o segundo acto do processo. O conjunto da massa de mercadorias, o produto global, tanto a parte que substitui o capital constante e o variável como a que representa a mais-valia, tem de ser vendido. Se isso não acontece ou só acontece em parte ou só a preços que estão abaixo dos preços de produção, então o trabalhador é certamente explorado, mas a sua exploração não se realiza enquanto tal para o capitalista, podendo estar ligada a uma realização nula ou parcial da mais-valia extorquida, e mesmo a uma perda parcial ou total do seu capital. As condições da exploração directa e as da sua realização não são idênticas. Divergem não só no tempo e no espaço, mas também conceptualmente. Umas estão limitadas pela força produtiva da sociedade, outras pela proporcionalidade dos diferentes ramos da produção e pela capacidade de consumo da sociedade. Esta última, porém, não é determinada pela força absoluta de produção nem pela capacidade absoluta de consumo; mas pela capacidade de consumo com base nas relações antagónicas de distribuição, que reduzem o consumo da grande massa da sociedade a um mínimo só modificável dentro de limites mais ou menos estreitos. Além disso, ela está limitada pelo impulso à acumulação, pelo impulso à ampliação do capital e à produção de mais-valia numa escala mais ampla. Isso é lei para a produção capitalista, dada pelas contínuas revoluções nos próprios métodos de produção, pela desvalorização sempre vinculada a elas do capital existente, pela luta concorrencial geral e pela necessidade de melhorar a produção e de ampliar a sua escala, meramente como meio de manutenção e sob pena de ruína. Por isso, o mercado tem de ser constantemente ampliado, de modo que as suas conexões e as condições que as regulam assumem cada vez mais a figura de uma lei natural independente dos produtores, tornando-se sempre mais incontroláveis. A contradição interna procura compensar-se pela expansão do campo externo da produção. Mas quanto mais se desenvolve a força produtiva, tanto mais ela entra em conflito com a estreita base sobre a qual repousam as relações de consumo …
Essas influências distintas fazem-se notar ora justapostas no espaço, ora sucessivamente no tempo; periodicamente o conflito entre os agentes antagónicos vem à luz do dia em crises. As crises são sempre apenas soluções momentâneas violentas das contradições existentes, irrupções violentas que restabelecem momentaneamente o equilíbrio perturbado.
A contradição, expressa de forma bem genérica, consiste em que o modo de produção capitalista implica uma tendência para o desenvolvimento absoluto das forças produtivas, abstraindo do valor e da mais-valia nele incluídos, também abstraindo das relações sociais dentro das quais decorre a produção capitalista; enquanto, por outro lado, ela tem por meta a manutenção do valor-capital existente e a sua valorização no grau mais elevado (ou seja, crescimento sempre acelerado desse valor). O seu carácter específico está orientado para o valor-capital existente, como meio para a máxima valorização possível desse valor. Os métodos pelos quais ela alcança isso implicam: diminuição da taxa de lucro, desvalorização do capital existente e desenvolvimento das forças produtivas do trabalho à custa das forças produtivas já produzidas.
A desvalorização periódica do capital existente, que é um meio imanente ao modo de produção capitalista para conter a queda da taxa de lucro e acelerar a acumulação de valor-capital pela formação de novo capital, perturba as condições dadas em que se efectua o processo de circulação e de reprodução do capital, e, por isso, é acompanhada por paralisações súbitas e crises do processo de produção …
A produção capitalista procura constantemente ultrapassar esses limites que lhe são imanentes, mas só os ultrapassa por meios que lhe opõem novamente esses limites e numa escala mais poderosa.
O verdadeiro limite da produção capitalista é o próprio capital, isto é: que o capital e a sua autovalorização apareçam como ponto de partida e ponto de chegada, como motivo e finalidade da produção; que a produção seja apenas produção para o capital e não inversamente, que os meios de produção sejam meros meios para uma estruturação cada vez mais ampla do processo vital para a sociedade dos produtores. Os limites entre os quais unicamente se podem mover a manutenção e a valorização do valor-capital, que repousam sobre a expropriação e pauperização da grande massa dos produtores, esses limites entram portanto constantemente em contradição com os métodos de produção que o capital tem de empregar para o seu objectivo, e que caminham no sentido de um aumento ilimitado da produção, da produção como uma finalidade em si mesma, de um desenvolvimento incondicional das forças produtivas sociais do trabalho. O meio – desenvolvimento incondicional das forças produtivas sociais – entra em contínuo conflito com o objectivo limitado, a valorização do capital existente ...
Como a finalidade do capital não é a satisfação das necessidades, mas a produção de lucro, e como ele só atinge essa finalidade por métodos que organizam a massa da produção à escala da produção e não o inverso, então tem de surgir constantemente um conflito entre as dimensões limitadas do consumo em base capitalista e uma produção que tende constantemente a ultrapassar esse limite imanente.
O Capital. Crítica da economia política, Livro terceiro, Primeira edição, editada por Friedrich Engels, 1894
O fogo que dá vida à produção apaga-se, a produção paralisa
Periodicamente são produzidos meios de trabalho e meios de subsistência em demasia para ser possível fazê-los funcionar como meios de exploração dos trabalhadores com certa taxa de lucro. São produzidas mercadorias em demasia para poder realizar o valor nelas contido e a mais-valia aí incluída nas condições de distribuição e de consumo dadas pela produção capitalista, e poder retransformá-la em novo capital, isto é, levar por diante esse processo sem explosões recorrentes.
Não se produz demasiada riqueza. Mas periodicamente produz-se demasiada riqueza em suas formas capitalistas, contraditórias.
O limite do modo de produção capitalista manifesta-se:
1. No facto de o desenvolvimento da força produtiva do trabalho gerar, na queda da taxa de lucro, uma lei que em certo ponto se opõe com a maior hostilidade ao seu próprio desenvolvimento, tendo de ser portanto constantemente ultrapassada por meio de crises.
2. No facto de que é a apropriação de trabalho não pago, e a proporção entre esse trabalho não pago e o trabalho objectivado em geral, ou, expresso de forma capitalista, é o lucro e a proporção entre esse lucro e o capital aplicado, portanto certo nível da taxa de lucro, que decide sobre ampliação ou limitação da produção, em vez de ser a relação entre a produção e as necessidades sociais, as necessidades de seres humanos socialmente desenvolvidos. Por isso surgem limites para ela já num grau de ampliação da produção que, sob o outro pressuposto, pareceria pelo contrário sumamente insuficiente. Ela pára não onde a satisfação das necessidades a obriga, mas onde a produção e realização do lucro determina …
A taxa de lucro, ou seja, o acréscimo proporcional de capital, é sobretudo importante para todas as ramificações novas do capital que se agrupam de maneira autónoma. E se a formação de capital caísse exclusivamente nas mãos de alguns poucos grandes capitais amadurecidos, para os quais a massa de lucro compensasse a taxa, o fogo vivificador da produção extinguir-se-ia. Ela adormeceria. A taxa de lucro é a força impulsionadora da produção capitalista, e só se produz o que e à medida que pode ser produzido com lucro. Daí o temor dos economistas ingleses em relação à diminuição da taxa de lucro. Que a sua mera possibilidade inquiete Ricardo mostra exactamente o seu profundo entendimento das condições da produção capitalista ... O que inquieta Ricardo é que a taxa de lucro, o acicate da produção capitalista e condição, bem como impulsionador, da acumulação, venha a ser posta em perigo pelo próprio desenvolvimento da produção. E a relação quantitativa aqui é tudo. De facto há algo mais profundo na base, de que ele apenas suspeita. Verifica-se aqui, no plano puramente económico, isto é, do ponto de vista burguês, dentro dos limites do juízo capitalista, do ponto de vista da própria produção capitalista, a sua limitação, a sua relatividade, que ela não é nenhum modo de produção absoluto, mas apenas histórico, um modo de produção correspondente a certa época, limitada, de desenvolvimento das condições materiais de produção …
Além do mais, é apenas uma necessidade do modo de produção capitalista que o número de assalariados aumente de maneira absoluta, apesar de sua diminuição relativa ... Um desenvolvimento das forças produtivas que diminuísse o número absoluto dos trabalhadores, isto é, que capacitasse toda a nação a efectuar a sua produção global num período de tempo menor provocaria uma revolução, porque colocaria fora de circulação a maior parte da população. Aqui aparece novamente o limite específico da produção capitalista e vê-se que ela não é de modo nenhum uma forma absoluta do desenvolvimento das forças produtivas e da geração de riqueza, pelo contrário, em certo ponto entra em colisão com esse desenvolvimento. Essa colisão aparece parcialmente em crises periódicas, que decorrem da transformação em supérflua ora desta, ora daquela parte da população trabalhadora no seu antigo modo de ocupação. O seu limite é o tempo excedente dos trabalhadores. Mas o tempo excedente absoluto que a sociedade ganha não lhe interessa. O desenvolvimento da força produtiva só é importante para ela na medida em que aumenta o tempo de mais-trabalho da classe trabalhadora e não na medida em que diminui o tempo de trabalho para a produção material em geral; move-se assim na contradição.
O Capital. Crítica da economia política, Livro terceiro, Primeira edição, editada por Friedrich Engels, 1894
A modernidade assemelha-se ao feiticeiro que já não consegue dominar as forças subterrâneas que evocou
As relações burguesas de produção e de circulação, as relações burguesas de propriedade, a sociedade burguesa moderna, que fez surgir como por magia meios tão poderosos de produção e de circulação, assemelha-se ao feiticeiro que já não consegue dominar as forças subterrâneas que evocou. Há décadas que a história da indústria e do comércio é apenas a história da revolta das modernas forças produtivas contra as modernas relações de produção, contra as relações de propriedade, que são as condições de vida da burguesia e da sua dominação. Basta mencionar as crises comerciais que, na sua recorrência periódica, põem em questão, cada vez mais ameaçadoramente, a existência de toda a sociedade burguesa. Nas crises comerciais é regularmente aniquilada uma grande parte não só dos produtos fabricados mas também das forças produtivas já criadas. Nas crises irrompe uma epidemia social que teria parecido um contra-senso a todas as épocas anteriores – a epidemia da produção excessiva. A sociedade vê-se de repente regressada a um estado de momentânea barbárie; parece como se uma fome, uma guerra de aniquilaçãouniversal lhe tivessem cortado todos os meios de subsistência; a indústria, o comércio, parecem aniquilados. E porquê? Porque ela possui demasiada civilização, demasiados meios de vida, demasiada indústria, demasiado comércio. As forças produtivas que estão à sua disposição já não servem para promover as relações de propriedade burguesas; pelo contrário, tornaram-se demasiado poderosas para estas relações, são tolhidas por elas; e logo que superam este obstáculo lançam na desordem toda a sociedade burguesa, põem em perigo a existência da propriedade burguesa. As relações burguesas tornaram-se demasiado estreitas para conterem a riqueza por elas gerada. – E como ultrapassa a burguesia as crises? Por um lado, através da aniquilação forçada de uma massa de forças produtivas; por outro lado, pela conquista de novos mercados e pela exploração mais profunda dos antigos mercados. De que modo, portanto? Preparando crises mais gerais e mais poderosas, e diminuindo os meios de prevenir as crises.
Manifesto do Partido Comunista, 1848
Diz-se que a superprodução é apenas relativa, e isso está inteiramente certo; mas é justamente o modo de produção capitalista no seu conjunto que é apenas um modo de produção relativo, cujos limites não são absolutos, mas são absolutos para ele, na sua base.
O Capital. Crítica da economia política, Livro terceiro, Primeira edição, editada por Friedrich Engels, 1894