Superação da Forma
Entrevista de Wilhelm Beermann
Em seu livro "O Colapso da Modernização" (1) você se opõe, como diz, aos revisores da história de esquerda e democratas-radicais, ao iluminismo filantrópico e à boa vontade reformista do sistema. Em sua opinião, essas posições continuam agarradas à posição de autonomia do sujeito burguês, à ilusão subjectiva típica dela. Essa ilusão inclui, em particular, o que você chama o evergreen da igualdade e da liberdade. No entanto, você limita sua rejeição às posições que defendem ideias como igualdade e liberdade sem tocar na estrutura básica do sistema de produção de mercadorias, nem sequer conceitualmente.
Gostaria de lhe fazer umas perguntas sobre algumas das posições que critica neste sentido. Michael Theunissen, por exemplo, diz que uma ideia de universalidade pertence especialmente à sociedade burguesa, na medida em que ela pretende ser a sociedade humana abrangente. "Com tal pretensão estava associado o autocompromisso de certas sociedades de tomar dentro de si tudo o que tem rosto humano”. (2) Theunissen apresenta agora uma tese sobre universalidade e sociedade burguesa. Segundo esta tese, "a sociedade burguesa, de acordo com a sua ideia, é baseada na universalidade, uma vez que pretende ser uma sociedade humana que não exclui ninguém. No entanto, o conceito de sociedade burguesa é contraditado (...) pela sua realidade. Em termos reais, esta sociedade baseia-se numa ordem económica que impede a universalidade, porque separa os proprietários dos meios de produção daqueles que não têm nada além da sua força de trabalho. Por causa da contradição entre conceito e realidade, a sociedade burguesa torna-se autocontraditória, na medida em que inclui em si os produtores directos e, ao mesmo tempo, os exclui de si mesma. Essa contradição sempre foi, nas condições do capitalismo, também a do Estado". (3) A posição de Theunissen, como se pode ver no final, é aquela que de facto aborda a produção de mercadorias, mas por outro lado, ao se referir a essa universalidade, expressa um – digo eu agora – valor burguês, uma ideia de subjectividade. Esta posição usa então a ideia de universalidade para formular essa contradição, ou seja, para estabelecer uma distância crítica relativamente à produção de mercadorias.
Acho que há aqui um mal-entendido. A crítica do capital não é automaticamente uma crítica da forma social, da própria forma da mercadoria. Esse é o problema central. Referir-se à forma da universalidade, no sentido em que se diz que há aqui uma autocontradição, isto é, que a forma da universalidade não é tão universal como diz – isso é um mal-entendido para mim. Pois a forma que está aqui em questão, a conotação que ressoa aqui, é naturalmente a universalidade de tudo o que tem o rosto humano, num sentido positivo. Mas se a virarmos e dissermos que esta universalidade, esta abstração da forma, é que é em si negativa, então também podemos identificá-la com a forma da mercadoria, sendo que todos estamos entretanto na forma da mercadoria, e também na subjectividade. E agora, na medida em que elas hoje se tornam assim, ou se tornaram reais, a negatividade dessa universalidade também emerge, e terá de ser criticada como tal. Assim, não mais em sua autocontradição, onde a universalidade ainda teria de ser redimida, mas na superação dessa universalidade abstracta em si e, portanto, na superação da liberdade e da igualdade, que como abstrações puras que são nada mais reflectem do que a liberdade e a igualdade da própria forma. Isso – penso eu – é uma diferença decisiva relativamente a Theunissen. O que ele refere, na verdade, é apenas a história da imposição, na qual ainda fazia sentido a queixa em relação às massas de trabalhadores, aos povos coloniais, etc., que ainda não estavam na forma da mercadoria; pois, naturalmente, não pode haver retorno para trás dessa modernidade. E os conteúdos de emancipação que estão nessa modernidade foram reclamados também por aqueles que estavam fora. Mas este é o problema da história da imposição da própria forma da mercadoria, que as massas subordinadas, os povos coloniais, e, não menos importante, as mulheres, reclamaram para entrar nesta universalidade da forma da mercadoria como sujeitos plenamente válidos, e só neste contexto se encontra a referência central da autocontradição. Mas, na medida em que isso se concretizou, a própria forma se torna o problema.
Então não há a questão ou o ponto de vista de que, embora todos estejam socializados de acordo com a forma da mercadoria, ainda assim se diz que o que ainda está pendente é a desigualdade, no ponto em que uns possuem a força de trabalho e outros o resto? É sobre isso que Theunissen chama a atenção, e talvez seja por isso que ele contrapõe: sim, estamos todos na forma da mercadoria, é claro, mas ainda há algo que ficou. E a fórmula da universalidade, ou fórmula da igualdade, tem pelo menos uma certa força contra essa relação de exclusão ou desigualdade.
Mas é precisamente aqui que reside o problema da ilusão do sujeito, e esta ilusão do sujeito no sentido tradicional marxista também tem um nome, nomeadamente ao tomar o conceito de propriedade como central – é a questão de ter ou não ter. Há aqui um mal-entendido, porque o problema não é ter ou não ter, mas sim a própria forma e as suas leis de movimento. Enquanto eu tomar o conceito de propriedade como referência central, e não vir que esta propriedade é apenas um mecanismo funcional de algo mais, nomeadamente deste movimento da própria forma (a universalidade abstracta da forma da mercadoria), tenho a ilusão do sujeito, a ilusão de dizer que há sujeitos que têm e querem ter, e defendem o seu ter contra outros que não têm e também querem ter mas não conseguem. Essa é precisamente a ilusão do sujeito, ou seja, por assim dizer, levar o trabalhador a sério como sujeito burguês, e dizer que todos devem se tornar proprietários. Mas isto conduz a própria relação ad absurdum.
O problema central, que só hoje vem à tona, neste one world, nesta sociedade total na forma da mercadoria, é a própria lei do movimento. E isso é indiferente à forma de propriedade em detalhe. Ou seja, se é uma propriedade privada individual, uma sociedade anónima, uma propriedade estatal, uma propriedade cooperativa, isso é indiferente para esta forma de movimento. A este respeito, todas as formas de propriedade, incluindo a propriedade estatal, podem na verdade ser identificadas com base na valorização do valor como diferentes formas de propriedade privada, em parte historicamente diferentes e diferenciadas. E é essa ideia de que a propriedade privada está ligada a uma forma distintiva especial, e outras, como a propriedade estatal ou a propriedade cooperativa, são o contrário dela, que novamente transporta essa mesma ilusão, que não compreende a própria forma.
Agora, a partir dos manuscritos de Paris de Marx, tem-se em mente a "propriedade verdadeiramente social" (4). Deve haver algo assim, segundo Marx.
A propriedade, entendida assim como apropriação, apropriação da riqueza real, da riqueza do mundo sensível e, simultaneamente, da riqueza do tempo, esta apropriação da riqueza também pode ser chamada de propriedade. Só que isso então não seria mais propriedade privada, mas somente existiria quando se tivesse rompido com esta forma em si, esta forma de universalidade abstracta no sentido da forma da mercadoria.
O problema é que estamos a falar de um terceiro (Marx), e ele não se pode defender. Podemos considerar que ele tinha algo assim em mente.
Sim, mas no seu caso a coisa ainda não está separada analiticamente; confunde constantemente este problema da crítica da própria forma com os problemas internos que constituem a história de imposição dentro desta forma. Diferenciar isto e mostrar que há algo aqui que é internamente problemático, e que é o problema da própria forma – esse é o ponto.
Neste contexto, eu também abordaria o problema da ausência de sujeito, porque as leis do movimento da própria forma são sem sujeito. Os sujeitos agem como proprietários da mercadoria força de trabalho e dos meios de produção, esta é uma problemática interna; é aqui que se encontram os sujeitos. A lei da forma em si e o seu movimento são sem sujeito. Isso é exactamente o que Marx apresenta como o sistema operativo da sociedade burguesa, por assim dizer, mas que não tem nenhum sujeito, nem mesmo nenhum capitalista como sujeito.
O que naturalmente me levou à minha pergunta inicial foi a sua diferenciação – já formulada na pergunta inicial – entre aqueles que trazem ideias iluministas sem questionar a lógica da mercadoria e aqueles que estão preparados para o fazer. Ou seja, eu quis dizer que há para si um ter em conta de tais ideias que é aceitável, porque vai junto com uma crítica ao sistema mercantil. Considera assim a possibilidade de se ter as duas coisas juntas. Não tem de se dizer que alguém ou alguma instituição tenha reunido as duas coisas, mas você admite essa possibilidade.
Não sei se estou a perceber bem. O que me interessa é o problema da superação, a superação desta forma da mercadoria geral e abstracta em si mesma – mediada por processos de crise social real (mundial), ou seja, não apenas como uma ideia, mas também como um problema prático. E superação, no sentido hegeliano bem conhecido, não significa, naturalmente, de modo nenhum fazer tabula rasa. Enquanto ainda se tratava da história de imposição dessa forma geral e abstracta da mercadoria, a oposição poderia servir apenas para desenvolver ainda mais essa forma, como fez o movimento operário, por exemplo, ou então tornar-se completamente reaccionária, ou seja, querer voltar atrás da modernidade de modo irracional. Mas penso que é errado reabrir esta polarização hoje; ela pertence à história. Agora seria importante ir além deste pensamento iluminista e não continuar a reclamar eternamente as ideias da modernidade. Pois, se é este problema da própria forma que se torna a questão, então também tem de se ir além dele, e superação não significa simplesmente completar, também significa eliminar; algo deve ser eliminado e é esta própria forma, mas para a frente e não para trás.
A este respeito, eu diria que não se trata da ilusão do sujeito per se, mas da ilusão de que se pode mobilizar a subjectividade onde ela é hoje necessária – no nível da organização dos recursos e do fundo social de tempo – na forma em que ela se torna impossível. Já estou a assumir que é possível abolir a forma da mercadoria, especialmente porque se trata de uma questão prática para a sociedade mundial – da ONU ao regionalismo, podemos entrar aqui em pormenores. Parece-me que o cerne da questão reside no facto de, a partir dos problemas práticos, haver uma série de intervenções que abordam em pormenor este problema da superação, mas sem o saberem, porque, ao mesmo tempo, continuam a pensar inconscientemente na forma da mercadoria. E parece-me que este é menos um defeito dos práticos; não se pode esperar que eles o façam – o primeiro passo nesse sentido deve ser dado pela teoria.
Mas esta não o faz, porque todo este debate sobre o pós-modernismo já se instalou: ou o pensamento iluminista continua a ser propagado, ou seja, são feitas novas tentativas de redimir ideias do iluminismo, repetidamente; ou se capitula por completo e se diz que é apenas um sistema sem sujeito, e tem de se obedecer simplesmente às leis cegas, porque não se pode infringi-las de qualquer maneira. E aqui eu diria que seria eclético querer ter ambas as coisas, no sentido em que se diz que, por um lado, se quer completar o iluminismo, a era moderna, e, por outro lado, se quer superá-lo também. Nem é possível, teremos de tocar em algo que nunca foi tocado antes.
Talvez o que eu estava procurando antes esteja expresso já simplesmente na sua expressão de "razão prática". Você nunca diria que quando eu uso a palavra "razão" na minha boca, é uma criação privada absoluta de Robert Kurz, que não tem nada a ver com toda a história dessa palavra. Não faria sentido dizer tal coisa.
Falei de razão sensível em vez de razão prática. A expressão, a propósito, é uma expressão que está bem no ar, por assim dizer. Existe também no debate feminista e no debate ecológico. Então é obviamente o problema que esta abstração real, como Sohn-Rethel a chamou, da forma dinheiro-mercadoria, que se totalizou no sistema mundial, entra em confronto cada vez mais forte com o conteúdo sensível (incluindo as necessidades, possibilidades e potencialidades na relação com a natureza) que ela produziu simultaneamente ao longo da história, e a prática social na verdade clama para que a própria razão mude, para que deixe de medir tudo pela mesma bitola da lógica abstracta da forma da mercadoria e do valor.
A este respeito, pode haver também um interessante ponto de contacto com o pragmatismo. Porque eu não recusaria o pensamento pragmático. Só que o pragmatismo na sua forma actual – também nas suas expressões políticas – se refere cega e inconscientemente a algo que é, na realidade, a verdadeira base social do dogmatismo: aquilo a que eu gostaria de chamar o verdadeiro dogmatismo do dinheiro. Remover isto é, por um lado, muito radical e fundamental (é o problema da superação da forma); por outro lado, a nível da sociedade mundial alcançada significa agir razoavelmente de uma nova maneira, no sentido de um trato prático-pragmático das necessidades e recursos.
Há aqui um problema por resolver e, a este respeito, penso também que esta capitulação do pensamento crítico perante o Ocidente, perante si mesmo, de facto, está errada. Porque o conceito enfático da razão mundial tem algo de dogmático. Ora a ideia de uma sociedade razoável no sentido utópico, com esse dogmatismo da razão, que quer ter uma forma fixa de uma vez por todas, segundo a qual tudo deve finalmente correr sem contradição, essa exigência de absoluta liberdade de contradição – isso é em si um produto da história contraditória de desenvolvimento e imposição da relação dinheiro-mercadoria. E, agora, capitular e dizer: agora nós simplesmente deixamos ir, nos tornamos pequenos como teóricos, isso é errado. É imodesto. A modéstia residiria precisamente em atribuir à teoria o lugar para finalmente lidar com esse dogmatismo social real.
Gostaria de mencionar aqui uma proposta da Theunissen sobre o que se poderia entender por "razoável" hoje. A proposta surge na sequência de uma ideia de auto-realização, que Theunissen vê como uma alternativa à habitual auto-realização modernista. A auto-realização modernista é entendida como o desenvolvimento da própria individualidade, ou mesmo como a retirada e o desapego das relações interpessoais até ao ponto do isolamento. Theunissen coloca isto em oposição a uma auto-realização do ser humano como ser humano, no seu ser humano juntamente com os seus semelhantes. Ele chama essa auto-realização de "realização subjectiva da universalidade”, (5) que aponta para a universalidade da sociedade burguesa como uma sociedade humana abrangente. Agora, diz Theunissen, há coisas razoáveis em si mesmas, nomeadamente os problemas mundiais da exploração da natureza, da fome e da paz; e "razoável" aqui significa tanto quanto "relevante do ponto de vista da auto-realização dos sujeitos". Minha pergunta é: O que você acha de um tal sucessor da "razão" iluminista?
Antes de mais, ocorre-me perguntar: Por que é necessário realizar-se? De certa maneira – formulado nesta abstração – isto mesmo já é uma coerção de universalidade. E o que é que isso significa para nós, realizar-se a si mesmo? É basicamente uma ideia que vem do repertório do iluminismo do próprio pensamento burguês, e também transporta um problema. Na sua essência, seria o problema de que o homem burguês sempre se sente irreal,, ou não realizado, em alguma parte de si mesmo; que há sempre uma tensão que resulta da ruína da mónada da mercadoria perante mesma e perante os outros. Ser um indivíduo, mas não mediado com a sua própria socialidade, ou seja, ser um indivíduo abstracto – sobre o qual a individualidade neste sentido surgiu historicamente pela primeira vez – sempre tem o problema de ter que se distanciar.
É possível, se o levarmos ao essencial, voltar a apontar para o problema da superação: havendo aqui algo essencial, então realizar-se seria tornar-se o que a sociedade como um todo – o género, por assim dizer – realmente já é, mas que ninguém tem para si; e isso seriam as potencialidades e possibilidades que foram postas de lado. Só que isso é impossível se os indivíduos não forem eles mesmos sociais, mas sim mónadas abstractas. Enquanto isto funcionar deste modo, ou já não funcionar, há sempre esta tensão de uma ética de auto-realização. Realizar-se a si mesmo como um ser-género significaria trazer essas potencialidades de volta para os indivíduos. Isso significaria, praticamente, que os taxistas não teriam mais interesses de taxistas, os trabalhadores siderúrgicos não teriam mais interesses de trabalhadores siderúrgicos, os produtores de carvão não teriam mais interesses de produtores de carvão, etc. A particularidade ou não-socialidade destes interesses não é apenas profissional ou sectorial, mas é também da própria forma, ligada à máquina de exploração empresarial: todos estão aqui num determinado ponto, impondo-se-lhes um interesse que não coincide com eles.
Isto deve ser superado, ou seja, os indivíduos devem ser socializados, e esta socialidade já existe, eles próprios a produziram ao longo da história desta socialização do valor nas suas próprias costas – é a famosa rede: todas as produções estão ligadas em rede, a nível mundial; entretanto, todas as produções têm atrás de si um agregado de cientificização da sociedade no seu conjunto, que excede largamente estas unidades económicas individuais e os interesses a elas associados.
É aqui que reside o problema, e é aqui que o podemos tornar prático. Novamente em termos gerais: Não é uma questão de produzir a universalidade abstracta da forma da mercadoria, mas de produzir a universalidade concreta do ser humano socializado, esse é o ponto; e neste modo de expressão hegeliano hoje isto também significa algo bastante prático.
Então você diria: A tentativa de encontrar uma saída, que Theunissen oferece na perspectiva de enfatizar o reconhecimento do outro ou dos outros como seres humanos, ameaça pelo menos permanecer dentro da abstração.
... sim, e tomar precisamente a saída aqui produzida, como tentativa, pela sociedade burguesa e pelo seu próprio pensamento, mas que não tem sucesso, ou seja, a ética, ou seja, tomar isso como uma exigência ética. Mas porque é que se deve cumprir esta exigência ética? É sempre uma imposição a si mesmo de algo que não se é, e tornar-se isso seria primeiro colocar essa exigência à própria forma social e dizer: não pode continuar assim. Também se pode dar a volta por cima, com uma pergunta: por que é que uma pessoa não aceita a outra? É um problema ontológico, é um problema antropológico, vem da biologia ou de qualquer outro lugar? Ou não será antes o problema da forma social em que as pessoas se encontram, e a história até à data como história de formas, como a história das formações sociais em que as contradições são sempre postas não a partir das pessoas individuais e indivíduos e sujeitos, mas a partir da própria forma em que se encontram?
Há, dentro da forma social, a expressão coloquial "Então vamos lá agora: de pessoa para pessoa" ...
... pode sempre falar-se de pessoa para pessoa depois, mas nunca antes...
.... isto é, abordar o trabalhador siderúrgico de forma diferente da de um trabalhador siderúrgico, existem muitas possibilidades, mas não é essa a questão; a questão é a forma social em que isto acontece.
Outro conceito à partida suspeito de iluminista é o de universalidade, como o encontramos em Marx. Nos manuscritos de Paris, Marx, como ele diz, parte do facto económico nacional do trabalho alienado e tira três consequências dele. A terceira consequência diz respeito ao ser humano como ser-género: "O ser humano é um ser-género, não apenas no sentido de que ele, na prática e na teoria, toma como objecto seu o género, tanto o próprio como o das outras coisas, mas também ... no sentido de relacionar-se consigo mesmo como um género presente e vivo, como um ser universal e consequentemente livre.” (6) Depois diz: "O trabalho alienado, ao mesmo tempo que aliena do ser humano 1) a natureza, 2) o próprio ser humano, a sua própria função activa, a sua actividade vital, assim também aliena dele o género humano, torna para ele a vida do género num meio da vida individual. Primeiro, ele aliena a vida do género e a vida individual, e, segundo, faz da última, na sua abstracção, a finalidade da primeira, também na sua forma abstracta e alienada.” (7) Acrescentaria ao anterior: aliena dele também a universalidade, o que decorre da frase sobre o ser-género na primeira citação; e, nesse sentido, aliena dele também o ser livre. Minha pergunta: Uma universalidade alienada é ainda uma universalidade tangível ou a perda definitiva da universalidade?
Sim, por princípio reajo negativamente ao conceito de universalidade no sentido do que se encontra na universalidade: ela existe, também como social, mas na forma de alienação, precisamente na forma da universalidade abstracta do dinheiro. Isso é algo bastante tangível e invasivo, quotidiano e universal. Não é algo que constitui o indivíduo, ou mesmo a sociedade, mas é um cego – Marx disse fetichista – médium, ou seja, a socialidade existe paradoxalmente numa coisa morta, mesmo que seja apenas um impulso eletrónico contabilístico – o que tem algo de louco em si. A propósito, isto também causa o problema da comunicação, porque comunicar com base numa coisa morta e no seu próprio movimento autónomo, que se tornou independente, não é, naturalmente, uma comunicação entre pessoas, sendo, no entanto, algo produzido pelas pessoas.
O problema reside, na verdade, neste paradoxo, e torna-se um problema prático na medida em que atinge os seus limites como uma contradição social mundial e também se apresenta nas questões práticas. Evidentemente, a inversão desta universalidade não pode significar que cada ser humano faça agora tudo, ou seja imediatamente tudo aquilo que a sociedade como um todo poderia ser. Mas poderia significar a possibilidade de acção universal, ou a referência à universalidade que o ser-género assumiu – sem que, no entanto, nenhum indivíduo conseguisse lidar com ela – para retomar a capacidade de agir e a comunicação entre os seres humanos.
Fazendo agora um desvio: Esse é também o problema das mesas redondas na Europa Oriental. O ímpeto é que uma condição social suportável não deve ser criada pela guerra, pelo confronto, por formas cegas de conflito, mas sim pela comunicação consciente – e isto é novamente o pensamento iluminista –, a comunicação, a negociação, etc. Mas é exactamente isso que não é possível se nos referimos uns aos outros num mecanismo cego e o pressupomos; e foi essa universalidade abstracta do dinheiro fora dos seres humanos, como referência ao mercado mundial, como coerção da lei do dinheiro, que derrubou essas mesas redondas, e agora as pessoas estão bloqueadas, agora a guerra civil está ameaçando ou já se manifesta, e as pessoas não sabem como isso está acontecendo com elas; elas mesmas, apesar dessas tentativas de comunicação, não são os seres universais que poderiam se expressar em sua própria socialidade – estão relacionadas através desse meio cego e morto.
Uma pergunta. Para Marx – nessas citações – essa universalidade aparece duas vezes. Primeiro, ele diz: Ao fazer disto e daquilo o seu objecto, o ser humano é um ser-género, e também se pode dizer imediatamente: comporta-se para consigo como um ser-género ou como um ser universal, e – exagero agora – é assim que ele produz. Isso é uma coisa. Então vem o trabalho alienado, que desencadeia as reversões descritas, também para si mesmo como ser-género. Gostaria de lhe perguntar – quase como uma pergunta televisiva – se se pode afirmar que o ser humano, ao produzir, se comporta como um ser-género e como um ser universal – independentemente do que se faça com esta ideia, das conclusões que se retire dela; posso aceitá-la como um axioma? Em particular, aceitar como axioma significaria fazer uma distinção entre o ser humano produtor e o ser humano produtor sob outras condições. – Ou você diria: Essas perguntas são enganosas, eu não respondo a isso, ou algo assim?
Para mim, a conexão não é muito clara, porque este problema do ser-género não é em si um problema antropológico, mas é ele mesmo um problema histórico. Pode-se aqui facilmente chegar a uma orientação – e talvez a interpretação desses primeiros escritos marxianos não seja inteiramente livre disso – em que se fale abstracta e a-historicamente do ser-género e não se imagine mais o que é o ser-género na Idade da Pedra, o que é por volta de 1200, o que é por volta de 1800, o que é hoje? Mas se se questionar isso, então a questão surge um pouco diferente. Depois há que dizer também que foi apenas este mesmo processo de alienação que produziu as potencialidades que agora, por assim dizer, definem a tarefa da sua superação como sendo a tarefa actual.
Mas o processo de alienação não foi apenas negativo, ao mesmo tempo produziu potencialidades e universalidade, inicialmente nessa forma fetichista geral e abstracta de Estado e dinheiro, que sempre continha momentos emancipatórios – ou seja, o que Marx chama de missão civilizadora do capital, a expansão das necessidades, a criação de um fundo de tempo, e também uma nova forma de universalidade, nomeadamente que a actividade do ser humano individual já não é uma actividade fixa, esta possibilidade de passar de uma actividade para outra (no caso de Marx esta possibilidade ainda está formulada em termos muito gerais, mas tornou-se hoje praticamente virulenta, por exemplo, tecnicamente, em ligação com a tecnologia de controlo, ou no caso dos próprios seres humanos, em que a actividade profissional fixa desaparece gradualmente, em que as pessoas podem ir para as mais diversas áreas ao longo da sua história de vida).
Mas esta universalidade, que aqui se indica, está numa forma que se torna incompatível consigo mesma. Pois os seres humanos não fazem isso como seres-género, mas como indivíduos abstractos, ou seja, como ganhadores de dinheiro, e, como ganhadores de dinheiro, eles entram em contradição consigo mesmos, uma contradição não mais apenas psicológica ou filosoficamente exprimível de qualquer modo, mas muito concretamente: por um lado, como sujeitos de interesse ou como ganhadores de dinheiro, eles produzem destruição, por outro lado, como humanos, eles têm um interesse num ambiente intacto; eles se tornam esquizofrénicos. A esquizofrenia dos interesses expressa, mostra, é uma indicação dessa universalidade externa abstracta, fetichista e tem de ser abolida por uma universalidade concreta, sensível – se se quiser – que reconcilie esse ser-género com o indivíduo.
A questão é apenas que Marx fala primeiro de uma relação consigo mesmo como ser-género e depois de uma reversão. Agora, pelo menos, podemos dizer: Algo que é revertido tem de estar já lá, senão não poderia ser revertido. E isso significa, pelo menos: o discurso da universalidade não revertida, como se encontra também em Marx, pode parecer não-histórico, e é preciso, em todo caso, ver que essa universalidade também está historicamente condicionada, e em particular também pelo crescente desenvolvimento da forma da mercadoria. Mas, no entanto, é pelo menos possível que algo como uma universalidade não revertida se forme neste processo de desenvolvimento. Ela deve existir num certo sentido para que possa ser revertida. Uma imagem dessas é legítima.
Essa imagem é legítima. Eu gostaria de dar uma olhada prática e empírica novamente – por exemplo, em povos primitivos, a partir de estados reconstruídos (são sempre problemáticas as reconstruções, mas talvez se possa pelo menos nomear algumas coisas, para as quais há pelo menos indicações). Num certo nível, onde há pouca divisão do trabalho, as pessoas parecem ser seres humanos mais plenos, porque podem cobrir uma tremenda gama de atividades, tanto sociais como pessoais, porque podem produzir tudo directamente por si mesmas, possuem muitas habilidades, e ainda introduziram poucos meios entre si e a natureza. É esta universalidade ainda crua, ligada à natureza, que é gradualmente diferenciada pela divisão do trabalho, pela especialização e também pelos meios que emergem dela como formas cegas (fetichistas). Trata-se, portanto, de um estreitamento do lado do ser humano individual, que corresponde a uma expansão do lado do género humano, mas que, portanto, faz com que o ser humano individual e o género se separem. Se agora se quisesse fazer essa construção histórico-filosófica (como em Marx), certamente se poderia dizer: trata-se da restauração da universalidade, mas que agora passou por todo esse enorme processo de civilização; o problema agora é deixar o ser-género como tal controlar e diferenciar novamente esses meios introduzidos entre si e a natureza.
Além de inovações importantes, há também um convite bem claro no seu livro. Diz: "Radicalizemo-nos contra a lógica do mercado". À semelhança deste apelo, fala-se também da abolição da relação dinheiro-mercadoria, ou da crítica do dinheiro. Primeiro: tanto quanto me é dado ver, não está a falar da abolição do dinheiro, mas apenas da abolição dos contextos, que, no entanto, são essencialmente encenados com a ajuda do dinheiro; por outras palavras, da abolição do dinheiro nestes contextos. Agora, parece-me óbvio que o dinheiro não pode ser abolido sem abolir o capital, porque o capital precisa do dinheiro. Mas, na minha opinião, o contrário não é verdade. Uma sociedade pode ter tráfego de dinheiro e de mercadorias, também – na sua maneira de expressão – o dinheiro/mercadoria pós-moderno, sem ser capitalista. Em primeiro lugar, gostaria de lhe perguntar como se sente em relação a esta afirmação ou possibilidade.
Sim, acho que é absurda. Esta é, naturalmente, uma de muitas, talvez até mesmo a figura básica do próprio pensamento marxista, e, ironicamente, uma figura de legitimação básica do socialismo real, que acaba de desaparecer em desonra. É óbvio que sempre ficou claro que aqui (no socialismo real) se tenta fazer uma crítica ao dinheiro sob a forma de dinheiro, o que só pode ser explicado pelo problema de uma modernização atrasada. E todo o potencial de crítica que havia aqui foi sempre devido ao problema do atraso, e nunca um poder de ir além disso.
Esse ponto faz sentido para mim.
Se agora deixarmos esta figura legitimadora que desapareceu, então esta questão também terá de ser reconduzida ao seu conteúdo teórico geral. E depois há aqui um mal-entendido fundamental, que consiste no facto de as mercadorias e o dinheiro voltarem a ser aqui colocados de modo a-histórico. Existe, por assim dizer, uma base ontológica de mercadoria e dinheiro, e existe uma superestrutura capitalista; e agora poderíamos remover da mercadoria e do dinheiro essa superestrutura capitalista e depois, por assim dizer, recuperar a base ontológica.
Mas se se historicizar a própria relação dinheiro-mercadoria, ou seja, se a virmos como um processo histórico, especialmente também antes do capitalismo, então acho que podemos reconhecer que a forma não-capitalista ou pré-moderna da mercadoria sempre esteve ligada a um certo nível de desenvolvimento das forças produtivas. Assim: uma relação dinheiro-mercadoria que não se torna capital só pode ser uma relação entre produtores de mercadorias que ainda não passaram pelo processo científico em termos de desenvolvimento das forças produtivas, que, portanto, ainda actuam como produtores separados uns dos outros – o padeiro, o talhante, o agricultor, que são realmente dependentes de um mercado para poderem entrar em contactos sociais, por outras palavras, que não estão ainda ligados em rede; ou o único fino fio da rede é efectivamente o mercado. O paradoxo do capital consiste precisamente no facto de que, por um lado, ele totaliza a forma dinheiro-mercadoria, transforma-a num mecanismo de automovimento, isto é, num processo de autovalorização, mas, ao mesmo tempo, em termos de conteúdo e materiais, produz pela primeira vez todo o processo de desenvolvimento científico que cria esta rede; isto, porém, está num nível completamente diferente do da rede monetária abstracta. A este respeito, a superação do capital significaria também a superação – se falarmos desta maneira – de todo o dinheiro, porque o processo de conteúdo e material, o processo de cientificização, não pode ser rejeitado.
Se se separa a relação dinheiro-mercadoria dos diferentes estados das forças produtivas em termos de conteúdo e materiais que podem ser observados historicamente, então não simplesmente se ontologiza uma certa forma de desenvolvimento das forças produtiva (que nem sequer se pensa), mas também se parte sempre de uma certa forma de sujeito que emergiu historicamente, nomeadamente este sujeito ganhador de dinheiro, que se pode organizar desta ou de outra maneira. Este modo de pensar esconde o facto de que este sujeito em si foi devindo historicamente e pode também ser superado como tal, superando-se a si mesmo em parte.
O problema que tenho com a tese em questão é que aqui esta história de dinheiro-mercadoria volta a ter um estatuto semelhante a uma coisa, que é de novo burguesa. Assim se diz: aqui temos a coisa, a objectivação coisificada da socialidade na forma de mercadoria e dinheiro, e em contraste com ela agora se comporta um sujeito positivista que pode agir de uma maneira ou de outra com um objecto externo – aqui estamos novamente na ilusão do sujeito do pensamento iluminista. A coisidade da socialização é ontologizada, assim como a referência ao sujeito – nós temos, por assim dizer, tudo isso de volta pela porta das traseiras. O verdadeiro problema, que reside na própria forma, nomeadamente a contradição entre as potencialidades da ciência feitas surgir pela própria forma e o sistema de redes globais, por um lado, e ela própria, enquanto esta mesma forma, por outro lado, está, por assim dizer, complacentemente encoberto de novo.
Eu suspeitava e esperava que não concordasse com a minha afirmação. No entanto, gostaria de salientar novamente que, na minha opinião, a questão da relação entre capital e dinheiro está no centro da problemática das suas ideias. Voltarei ao problema numa pergunta posterior, para que possamos apresentá-lo em parte. (8) Eu irei pelo menos mencionar uma associação que frequentemente me ocorreu durante a leitura do seu livro. Eu li repetidamente: "... Princípio do trabalho abstracto ... automovimento do dinheiro ..." e similares, e pensei para mim: Bem, uma coisa é clara, automovimento do capital, isso há, isso sabes tu. Mas o que é – digo eu – desviante, mesmo em relação a Marx, é que você fala de capital de vez em quando (uma vez há a formulação "... o processo do capital..."); mas o dinheiro está no centro, e a mercadoria e esta forma. Por isso, sempre me ajudou quando o li e disse: "Claro que ele também se refere à autovalorização do capital". Por outro lado, posso, naturalmente, ver muito claramente que também relativiza a chamada contradição entre trabalho e não-trabalho. Vejo isto como um problema a longo prazo, também relacionado com a questão dinheiro-capital.
Sim, e ambos estão ligados. Este ir além de Marx, além do que eu considero historicamente acabado, ou seja, a metafísica do trabalho, a eternização do produtor imediato como generalização, ou a autolibertação do trabalho como trabalho, e, por outro lado, a superação do próprio trabalho através do processo de cientificização – isso, eu acho, está intimamente ligado a uma visão análoga no nível da relação entre dinheiro e capital. Assim como o marxismo do movimento operário ontologizou o trabalho como uma eterna condição humana de existência, também ontologizou a mercadoria e o dinheiro, e assim como viu o trabalho como usurpado por um ser externo e estranho chamado capitalista ou proprietário dos meios de produção – nesse conceito redutor de propriedade privada – também viu o capital como uma relação do além, como algo destacável da existência ontológica da mercadoria e do dinheiro. E eu diria aqui, exactamente como no caso do próprio trabalho: é o problema da superação da própria forma da mercadoria. O dinheiro não é nada mais do que capital; o capital é dinheiro que se tornou um sistema.
Penso que aqui também se pode chegar ao ponto essencial com a teoria dos sistemas. A forma da mercadoria como pré-moderna não é uma forma de sistema, não é um sistema, mas é, como diz Marx, uma forma de nicho; e onde deixa de ser uma forma de nicho, onde o dinheiro se torna um sistema, é também capital. Porque o dinheiro só pode tornar-se sistema como dinheiro auto-reflexivo, ou seja, como um processo de valorização do valor, ou de valor auto-reflexivo, e isso é então capital. Não ser capaz de pensar ambos juntos, mas pensar o capital como esta subjectividade do proprietário privado externo e em contraste com a boa ontologia do trabalho, é exactamente isso que historicamente se esgotou.
A este respeito, gostaria agora de trazer outro ponto sobre pessoas como os teóricos da civilidade. Para mim, eles têm certamente um momento de justificação, a saber: eles demarcam-se desse conceito rude e ainda aglutinado de capital e ontologia do trabalho, sem, no entanto, reflectirem sobre ele exactamente; eles afastam-se do marxismo do movimento operário. Isso é também um progresso. O marxismo clássico, por outro lado, que tanto insiste no momento da luta de classes, no processo capitalista realmente interno de actuar esta constelação de conflitos (que permanece sempre uma constelação interna), traz em si, sem que os teóricos da civilidade pareçam sabê-lo, o germe para encontrar o problema central, nomeadamente a própria forma, e assim também para trazer de maneira nova e diferente o dinheiro para um discurso crítico, mas agora separado da metafísica da luta de classes.
Tal como o que se descobre sobre o dinheiro com estas pessoas também é bastante amargo.
Penso que é ingénuo, francamente ingénuo acreditar que a crítica ao dinheiro tenha passado à história com o marxismo do movimento operário. Na medida em que havia uma crítica ao dinheiro neste marxismo do movimento operário, na medida em que se imaginava – por exemplo, nos debates sobre socialização após a Primeira Guerra Mundial – uma chamada abolição do dinheiro, isso era algo concebido de modo completamente exterior. A forma de sujeito burguesa, a forma da mercadoria como tal, não foi tocada, mas o dinheiro foi imaginado como um mecanismo puramente externo, que agora era retirado, e então o processo da forma da mercadoria seria organizado, por assim dizer, consciente e politicamente. Era essa a ideia. E, a este respeito, os próprios teóricos da civilidade, com o seu – gostaria de o dizer – politicismo, levam a ilusão do antigo movimento operário ainda mais longe, numa fase de declínio. Eles continuam a tentar agir com o primado da política, mas agora afastados de qualquer reflexão sobre a relação dinheiro-mercadoria.
Quanto à questão do "primado da política" e da "ilusão do velho movimento operário", gostaria de fazer uma citação de Marx sobre a "forma política de emancipação dos trabalhadores". Anteriormente você pôs em paralelo a chamada ontologização do trabalho com a ontologização da relação dinheiro-mercadoria; a citação novamente enfatiza que para Marx pelo menos a ontologização do trabalho é um assunto bastante relativo: "Da relação entre trabalho alienado e propriedade privada segue-se (...) que a emancipação da sociedade da propriedade privada etc.., da servidão, se expressa na forma política de emancipação do trabalhador, não como se fosse apenas a sua emancipação, mas porque na sua emancipação está contida a emancipação humana universal, sendo que esta está aí contida, porque toda a escravidão humana está envolvida na relação do trabalhador com a produção, e todas as relações de servidão são apenas modificações e consequências dessa relação." (9)
Vou repetir. Marx fala aqui da emancipação humana, que coincide com a emancipação dos trabalhadores como trabalhadores – mas isso tem de ser enfatizado. E esta diferença pode ser ainda mais precisa: A emancipação dos trabalhadores como trabalhadores ou emancipação dos trabalhadores do trabalho. Desta maneira, seria incluído o outro nível, nomeadamente a emancipação da sociedade da sua própria forma. Para Marx, ambos coincidem imediatamente. Ou seja, a contradição entre forma e conteúdo, entre a potencialidade de conteúdo material feita surgir, por um lado, e a forma de valor/dinheiro, por outro, ele ainda a apreende nas categorias dos sujeitos empíricos trabalhadores e capitalistas, como toscas personagens que também são devidas precisamente a uma fase histórica de desenvolvimento dessa contradição.
Na medida em que esta relação se tornou mais diferenciada desde Marx, torna-se evidente que estas são categorias puramente funcionais, e que tanto os trabalhadores como os gestores são confrontados com a sua própria forma. Em detalhe, a diferença (trabalhadores – gestores, etc.) ainda pode ser encontrada na micro-organização da reprodução capitalista, em suas formas económicas, mas agora está claro que não é o sujeito chamado capitalista que puxa os cordelinhos, mas é esse mecanismo anónimo; o portador da função, o gerente, também pode ser considerado como o que ele é, precisamente como o portador da função; ou seja, qualquer pessoa poderia fazer o mesmo se estivesse na função. Nesse sentido, essa ênfase subjectiva, mesmo na negação, não existe mais.
Ocorre-me como aditamento: Por outro lado, você enfatiza (no seu livro), com razão, que o louco sistema de perigo público que representa a forma abstracta tem de ser quebrado empiricamente. Neste contexto, estamos realmente a falar de um destinatário – o senhor chama-lhe o aparelho que está a tentar travar a crise – e da necessidade de recorrer à violência contra ele de uma maneira ou de outra. Ou seja, o anonimato da forma abstracta não é completo, mas há também o aspecto não anónimo de toda a coisa, que também é identificado e abordado.
Naturalmente, as pessoas, os titulares que actuam na esfera pública não são anónimos, mas o mecanismo que elas seguem é anónimo, objectivo. Ele é também a objectivação das relações no sentido de que agora também aparece como aquilo que é, na diferenciação de funcionários, e não mais como uma oposição subjectiva da classe trabalhadora contra o capital. Apenas não quero continuar a tratar o problema da superação da velha maneira, segundo a qual já temos um sujeito ontológico pré-fabricado, nomeadamente o produtor directo ou o bom sujeito do trabalho, que apenas tem de vir a si; e ele tem de vir a si no trabalho, que surge eterno como tal – embora nesta abstração ele sempre seja o trabalho abstracto da forma da mercadoria – e assim vir a si na sua pureza; só então ele redime a sociedade como um todo, como ser-género, mas na verdade novamente na forma de servidão, justamente do trabalho abstracto. É por isso que Adorno uma vez acusou Marx de querer transformar a sociedade como um todo numa penitenciária de trabalho. Ora essa é a metafísica do trabalhador, que também ressoa no próprio Marx. Ao mesmo tempo, porém, Marx tem um nível mais elevado de abstração, em que o carácter sem sujeito desse sistema, ou seja, o carácter sistémico, já está expresso.
Ora o problema – e agora chego à teoria dos sistemas – seria não querer determinar um vencedor numa luta de sujeitos ontológicos pressupostos, mas tornar-se, estabelecer-se como sujeito onde nunca antes houve sujeito; isto é, trazer para o sujeito aquilo que até agora foi substituído pela cega forma social. Aqui a teoria dos sistemas, ainda que involuntariamente, é bastante um elo intermediário na formação deste pensamento, e também o reflexo de uma prática correspondente. Pois a teoria dos sistemas, contra o pensamento iluminista, mesmo da esquerda, insiste justificadamente na percepção de que não há nenhum sujeito, pelo menos não no nível de que se trata constantemente. Ter reconhecido isto é um enorme progresso.
A única questão é que consequências retirar disto. Se se chegar à conclusão – também a partir dos fenómenos de crise observáveis – de que deve ser possível, a este nível, gerar subjectividade, então isso diferenciaria a sociedade de uma maneira nova, quase política, entre os defensores da forma da mercadoria e aqueles que vêem que a coisa já não funciona nesta forma, e que agem contra a própria forma da mercadoria. Esta última seria realmente apenas uma constituição subjectiva a partir das posições sociais do problema e não teria nada de ontológico prévio em si.
A este respeito, pode-se agora criticar a teoria dos sistemas, pois não é por acaso que o processo contra o sujeito, já iniciado pelo estruturalismo, foi também um processo contra a história. Nele as formas sistémicas do sistema produtor de mercadorias historicamente desenvolvidas são simplesmente ontologizadas, seu próprio carácter sistémico é ontologizado novamente, ao ponto de cruas comparações com a natureza morta ou viva, com sistemas biológicos; há uma descrição abstracta que já não chama nada pelo seu nome, que fala apenas do sistema, subsistema e ambiente dos sistemas, que ironicamente é então o próprio sujeito humano, que por sua vez é o ambiente do seu próprio sistema – nisto já está expresso o paradoxo.
É semelhante o que Luhmann diz: A racionalidade realmente exige que a sociedade ocorra na sociedade, o que por outro lado é excluído, porque a sociedade se diferencia apenas de acordo com funções individuais. Mas esse é precisamente o problema: que a sociedade como um todo, como ser-género, não ocorre de modo nenhum na sociedade. Se a sociedade ocorresse na sociedade e também no sujeito individual, então isso seria de facto a superação da forma social dominante e a constituição do sujeito num nível onde nenhum sujeito esteve anteriormente. Desta maneira, pode-se legitimamente remeter o julgamento contra o sujeito e contra a história, feito pelo estruturalismo e pela teoria dos sistemas, de volta ao acusador de uma maneira nova.
Apenas um comentário final a isso. A teoria dos sistemas chegou ao ponto de dizer: "Bem, se tudo é como o experimentamos na teoria nos últimos 20 anos, então digamos apenas: O ponto de partida da elaboração teórica e também o ponto de partida da sociedade real é um paradoxo. De resto, assim eles se encontram com pessoas como Castoriadis, que também partem da contradição fundamental; e se se lhes perguntar do que se trata, eles ficam em silêncio. Esse é então o ponto de partida e a base da sociedade no sentido mais verdadeiro da palavra. Acho que são estados relativamente loucos, que em parte predominam na teoria...
Sim, talvez a própria teoria dos sistemas chegue ao ponto de também dar o próximo passo ou estar envolvida nele – possivelmente também terá de haver um impulso de fora – que reconheça que não fala de sistemas per se, mas sempre de um certo sistema histórico, pois, de facto, o conceito de sistema só poderia surgir com base nesse sistema.
Mais um comentário final. Por um lado, eles dizem claramente que a ilusão do nosso sistema é a ilusão da própria forma abstracta. No entanto, há também o que você chama de rebelião – em parte também quebra violenta do sistema ilusório, e aqui tem de haver algo como um patrocínio, uma personificação ou como se quiser da ilusão, pois o sentido é claro: É os "aparelhos" existentes que é preciso quebrar ...
No entanto, gostaria de levantar aqui uma objecção, porque é que os patrocinadores – literalmente todos nós – o são. Porque, independentemente do que façamos, de algum modo estamos envolvidos em todo o processo da sociedade – como ganhadores de dinheiro, como pessoas com interesse no emprego. Por isso, gostaria de cortar a possibilidade de substituir, por assim dizer, o velho vilão da história, a classe capitalista, por um novo vilão chamado burocracia, aparelho ou gestão. Isso só reproduziria negativamente a velha ilusão do sujeito do pensamento iluminista...
Mas você formula a questão assim; no final do livro está...
Não – talvez eu também tenha formulado a coisa ambiguamente. Vou tentar resumir tudo outra vez. Na medida em que a própria forma se torna bastante prática e precária em suas manifestações, surge o problema da sua superação. Na sociedade como um todo e também no indivíduo, há agora um momento de inércia, porque primeiro se tenta sobreviver na forma em que se está. Agora já não temos um sujeito oposto – a classe trabalhadora revolucionária – agora temos de nos tornar para nós próprios de outra maneira, nomeadamente já sem podermos recuar a um “em si”. Isto é difícil; terá de reproduzir algo como a desintegração da sociedade em dois campos – é assim que eu imagino. As frentes são transversais às classes, instituições e aparelhos anteriores. Talvez haja também pessoas nos aparelhos que, precisamente devido à sua competência e discernimento, se voltam praticamente contra a forma da mercadoria ou, pelo menos, contra as suas consequências. Uma vez que haverá uma tentativa de manter violentamente a velha forma e activar os interesses nela, o potencial de conflito crescerá dentro das classes, aparelhos e instituições até hoje existentes.
Prefiro formular isto com cautela em relação à violência; não quero de modo nenhum ser levado a uma metafísica da violência. Assim como há uma metafísica da classe trabalhadora, há uma metafísica da violência – especialmente no caso dos autónomos. É importante ter presente isso. Se mencionei isto, foi apenas porque não quero estar comprometido com o pacifismo social. Se não for possível encontrar uma saída socio-ecológica da forma da mercadoria – o termo pode ser adoptado – então haverá confrontos, e isso pode ser observado, por exemplo, nas economias perdedoras. Então é ilusório dizer que isso pode acontecer com paz, alegria e panquecas.
Na minha última pergunta, gostaria de passar à teoria da crise. Nas páginas 226 e 227 do seu livro você resumiu a sua teoria da crise em alguns pontos, dos quais gostaria de citar os pontos a) a c): "(a) Tendencialmente, o capitalismo tornou-se ‘incapaz de explorar’, isto é, pela primeira vez na história capitalista está diminuindo também em termos absolutos – independentemente do movimento conjuntural – a massa global do trabalho abstracto produtivamente explorado, e isso em virtude da intensificação permanente da força produtiva. b) Uma vez que a rentabilidade das empresas somente pode ser estabelecida no nível até então alcançado da produtividade, e isso apenas de acordo com o padrão social mundial, e uma vez que esse nível, em virtude da crescente intensidade de capital, está se tornando inalcançável para cada vez mais empresas, ficam paralisados em um número crescente de países cada vez mais recursos materiais; desaparece a capacidade aquisitiva correspondente e os mercados que dela resultam, tirando-se assim dos homens as condições capitalistas da satisfação de suas necessidades. (c) A ‘força produtiva ciência’ gerada cegamente pelo próprio capitalismo criou assim no nível substancial-material potencialidades que já não são compatíveis com as formas básicas da reprodução capitalista, continuando-se não obstante a encaixá-las forçosamente nessas formas. A consequência é a transformação das forças produtivas em potenciais destrutivos, que provocam catástrofes ecológicas e sócio-económicas." Penso que as suas reflexões sobre o papel da intensidade do capital são essencialmente correctas, e as considero também como reflexões de acompanhamento da tese essencialmente correcta de Marx sobre a tendência de queda da taxa de lucro. Agora a minha pergunta. Se o que disse na alínea c) é conclusivo com base na alínea b), então surge a seguinte questão. Antes que os centros capitalistas se tornem cada vez mais destrutivos e catastróficos, poderão eles concordar com a ideia de criar zonas internacionais com diferentes níveis de rentabilidade para evitar o pior (comparar, por exemplo, décadas de experiência com a concorrência interna e os preços de compensação interna nas grandes empresas). Eles já têm o poder de instalação necessário, como eles assumem, quando consideram a possibilidade de que regiões inteiras do interior poderiam ser declaradas "casos sociais mundiais". Será concebível uma tal instituição de diferentes níveis de rendibilidade, o que seria uma forma de travar alguma coisa por enquanto? (Neste sentido, algumas propostas de esquerda para o – agora falhado – saneamento das empresas da RDA; por exemplo, Johan Galtung propôs garantir à fábrica de Trabant a aquisição de 200 000 Trabants tecnicamente melhorados até 1995, com a estimativa de uma procura muito boa).
Devo admitir que considero esta opção completamente ilusória. Penso que a comparação com métodos de gestão interna que simulam a concorrência não funciona neste caso de diferentes níveis de rentabilidade. A questão é remover certas partes do sistema mundial dos seus padrões. Essa seria, mais uma vez, uma decisão metapolítica; teria de haver algum decisor. Quem seria, afinal?
Presumi que houvesse tal coisa. Pois a sua tese do caso social mundial pressupõe que há, por assim dizer, uma super-autoridade ...
Pois, mas tudo o que Galtung, por exemplo, diz – isso são propostas no interior de uma economia ou de um Estado nacional, ou seja, propostas particulares. Isso é possível num determinado espaço se ele como um todo tem uma posição vencedora no mercado mundial, porque então ele pode financiar os seus próprios segmentos perdedores. Mas se agora tomarmos o sistema como um todo, então não há nenhuma meta-instância com essa competência redistributiva do Estado-nação, ou mesmo de um bloco de Estados. Ou seria o Estado mundial – por exemplo, a CE como Estado mundial; mas para onde deverão ser exportados os custos empresariais do sistema? Se depois se declarar que as regiões perdedoras a nível mundial são casos sociais, no sentido positivo de que se fazem concessões a elas (cf. os vários níveis de rentabilidade), então ter-se-ia que desactivar a lógica do sistema...
... parcialmente.
Sim.
Essa é precisamente a minha questão. Porque, tanto quanto sei, o mais importante é o mesmo nível de rentabilidade em todo o lado. É aqui que as economias falham.
Sim, mas o mesmo nível de rentabilidade resulta da globalização. Que teria de voltar atrás. Positivamente, não se poderia fazer isso. Pois isso seria basicamente uma tentativa de o capitalismo restabelecer o socialismo real para zonas seleccionadas, por assim dizer. Para colocá-lo em termos gerais, o socialismo real colapsado nada mais foi do que uma tentativa de manter por meios políticos um sistema parcial de loucura, operando abaixo do nível de rentabilidade do mercado mundial ...
... mas sem a concorrência. O problema, com a minha proposta, seria tentar criar um tal sistema...
Bem, agora positivamente formulado, isso não seria nada mais do que alavancar parcialmente a lógica da mercadoria. A este respeito, não poderia, naturalmente, ter nada contra... se a própria NATO introduz o comunismo de certa maneira...
... como cercado, fechado...
... como um sistema confinado, que, assim, por causa da sobrevivência de uma parte da humanidade, a lógica da rentabilidade seria parcialmente retirada de lá...
... o nível de rentabilidade seria reduzido. Então, cerca de 200 mil Trabis, há uma demanda para eles, eles vão para a Índia ... em vez de fazer tabula rasa por todo o lado agora. Ou seja, todo o processo seria, naturalmente, apenas retardado.
No entanto, a questão reside em saber por que razão, para além de alguns – para o dizer ironicamente – benfeitores mundiais, ninguém da administração e das próprias instituições de suporte apresenta tal ideia.
Faz sentido.
Há uma razão para isso. O problema é que existe uma ligação entre a posição vencedora e a posição perdedora. Ou seja, num jogo baseado na externalização de custos dos vencedores para os perdedores, eu não posso dizer que os perdedores estão mal fora, que vou retirar o seu estatuto de perdedores agora, mas posso permanecer como vencedor. Essa é uma relação recíproca; o vencedor sempre pressupõe um perdedor e vice-versa. Então, de certo modo, equivale a fazer a quadratura do círculo...
O pano de fundo da minha pergunta foi, naturalmente, a suposição de que os centros capitalistas – como hei-de dizer – tinham lido o livro de Robert Kurz, e que tinham começado a compreender certas coisas, delas se tornando realmente conscientes. E depois há a questão: Como seriam as rotas de fuga...
Mas aqui estamos novamente, em termos gerais, no ponto da ilusão subjectiva. Pode haver tanta consciência sobre isso quanta se quiser, mas as leis do sistema não são minadas por ela – a menos que se ataque o próprio sistema. Duvido que a NATO ou os próprios EUA introduzam elementos de comunismo mundial – mesmo que lhe chamem outra coisa – porque o problema ganhador-perdedor não é subjectivo, mas sistémico. Na medida em que a externalização dos custos já não seja possível, porque toda a gente pode ver que já não é possível, haverá, naturalmente, um retrocesso. Isto significa que, se já não se pode exportar desemprego ou custos ecológicos para a região dos perdedores pouco competitivos, então também já não se pode ser ganhador. Teria de ser o próprio a suportar estes custos empresariais, e até mesmo a cofinanciar indirectamente a região perdedora, renunciando à vantagem competitiva de uma maior produtividade. Por outras palavras, já se trataria, então, do essencial; não se poderia mais lidar com isso de tal maneira que se dissesse: não agimos capitalistamente em partes da Terra, mas permanecemos um sistema capitalista. É também a ilusão que agora existe no Leste, em que o todo é visto como uma questão de modelo, como uma questão de medidas regulamentares. Também aqui, as propostas mencionadas exprimem ideias puramente regulamentares, não tendo em conta o facto de estarmos perante um processo histórico e substantivo que conduziu a esta globalização, sobretudo das empresas e do dinheiro. Quem é que vai voltar atrás? Teríamos então de construir uma nova cortina de ferro... Há economias perdedoras também já no Ocidente. Teríamos então que começar a alavancar a lógica da rentabilidade em mais e mais países, também no próprio Ocidente. Chegámos então agora ao ponto a que não se quer chegar: porque a salvação do sistema seria, então, a sua superação.
No entanto, diferentes níveis de rentabilidade ainda não significam a superação da lógica da rentabilidade, mas é apenas em virtude de um enorme poder de definição ...
Mas eles teriam de ser superados, porque os diferentes níveis de rentabilidade só podem ser alcançados através de uma intervenção política deliberada ...
Claro. Foi o que eu imaginei: O próximo estatismo, do qual fala...
... o que, naturalmente, traria regressões na própria posição, porque isso se baseia no facto de que se possa fazer essa exportação de custos, que os outros possam competir para baixo. Mas é claro que isto só é possível até certo ponto.
Acho que seus pensamentos sobre a situação geral estão, em geral, correctos – uma vez pensei para mim mesmo: não estamos mais no capitalismo galáctico, mas num capitalismo de buraco negro, para o qual o centro energético se arrasta a si mesmo e a todos os outros. Mas isso teria de ser separado da questão económica mais detalhada: Que vias e possibilidades ainda existem? E como é realmente com a massa de mais-valia e tudo isso?
Apesar disso, eu responderia então: O que se pode ver é exactamente o contrário. Por outras palavras, as economias perdedoras são impiedosamente forçadas a abrir-se; a chamada privatização das empresas estatais – em toda a América Latina, Europa Oriental, União Soviética – não significa nada mais do que o fecho de capacidades instaladas...
...isso mesmo.
Foi o que aconteceu nos anos 70 e 80 no Sul da Europa, na periferia da Europa...
... mas, por outro lado, no que se refere à introdução da moeda única da CE, é claro que lhes é dito: Não têm de participar, podem fazê-lo mais tarde. No entanto, continua a ser verdade que as coisas neste momento não estão a correr como as descrevi. Neste momento, o caminho é ao contrário. Estava só a imaginar: Então e depois?
Sim, o desconectar existe e existirá, mas não de uma forma positiva, como uma exclusão deliberada de partes do sistema mundial, deliberadamente levadas a um nível diferente de rentabilidade, para que possam sobreviver. É ao contrário. As estruturas de redistribuição ainda existentes dentro dos Estados e blocos se tornarão tão precárias que o próprio Ocidente começará a repelir regiões inteiras – isto é, não são outros níveis de rentabilidade, mas simplesmente zonas de pobreza absoluta que estão se expandindo. Estas já não podem continuar a ser apoiadas via redistribuição, mas diz-se-lhes que já não se consegue ganhar o dinheiro necessário para a redistribuição, de modo que regiões inteiras já não podem continuar a produzir com um nível de rentabilidade modificado, mas são encerradas no nível de rentabilidade dado.
(1) Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1992.
(2) Berlim 1980, p. 11
(3) ibd. p. 35.
(4) Karl Marx, Frühe Schriften, 1º volume, editado por H.-J. Lieber e P. Furth, Darmstadt 1971, p. 574.
(5) "Selbstverwirklichung und Allgemeinheit" [Auto-realização e universalidade], p. 6.
(6) Frühe Schriften, Volume 1, p. 566.
(7) ibd. p. 566-7.
(8) Infelizmente, não chegámos a esta questão na nossa conversa. (W.B.).
(9) Frühe Schriften, Volume 1, p. 573.
OriginalAufhebung der Form. Interview mit Robert Kurz von Wilhelm Beermann.Publicado pela primeira vez em: Merz-Akademie Stuttgart (Hg.): 5 Interviews zur Veränderung des Sozialen mit Robert Kurz, Ulrich K. Preuß, Richard Sennett, Paul Parin u. Diedrich Diederichsen [5 entrevistas sobre a transformação do social com Robert Kurz, Ulrich K. Preuß, Richard Sennett, Paul Parin e Diedrich Diederichsen], Stuttgart 1992, p. 57–89. Publicado novamente em 6.8.2019 na homepage da revista exit! que agradece à Merz Akademie, Hochschule für Gestaltung, Kunst und Medien, Stuttgart pela amável permissão de uma nova publicação. Tradução de Boaventura Antunes (10/2019)