Robert Kurz

 

O Livro Negro do Capitalismo

 

O Sistema dos Impérios Nacionais

 

Quando o século XIX chegou ao fim, a segunda grande época da afirmação do capitalismo tinha mudado o mundo de alto a baixo. Após o longo período de objectivação da economia de mercado por regimes absolutistas, da ascensão do liberalismo e das campanhas de disciplinamento, agora a história sangrenta e catastrófica da Primeira Revolução Industrial tinha trazido à tona uma nova "ordem mundial" capitalista: o sistema de impérios de Estados-nação. No lugar de burocracias dinásticas baseadas em agro-capitalismo orientado para o mercado mundial, trabalho manual forçado e trabalho doméstico por empreitada na produção têxtil, tinham surgido os Estados-nação burgueses baseados num capitalismo industrial privado amplamente ramificado. Com a constituição do Império Alemão em 1871, após a guerra vitoriosa contra a França e a anexação da Alsácia-Lorena, este processo de formação do Estado-nação capitalista ficou concluído entre as "potências" decisivas da Europa.

Dentro desses Estados-nação burgueses, ocorreu um peculiar processo de homogeneização, que não deve ser confundido com assimilação social: não foi, naturalmente, o padrão de vida que foi alinhado, mas sim a referência de todos os grupos sociais a um sistema comum de "interesses" económicos abstractos, que já pressupunham as categorias capitalistas como base social natural, e agora eram completadas pelo igualmente abstracto sistema de referência de ordem superior da nação e do Estado-nação, para lá das antigas estruturas dinásticas. Esta evolução fez desaparecer por completo o contraste cada vez mais desvanecido e, de qualquer modo, nunca irreconciliável entre o empresariado liberal e os antigos aparelhos estatais absolutistas (que na Alemanha ainda eram, pelo menos pro forma, os mesmos):

"[...] por um lado, os mais importantes Estados industrializados alemães avançaram gradualmente para uma política económica liberal após 1849. Legal, política e administrativamente, as irritantes barreiras à livre iniciativa foram desmanteladas. As autoridades perderam cada vez mais a imagem do guardião arrogante. Em vez disso, cresceram numa atitude de vontade de cooperar, mesmo para promover directamente os interesses económicos modernos [...] Por outro lado, numerosos empresários tinham começado a apreciar o Estado forte durante os anos revolucionários. Suas instituições, da administração à justiça e ao exército, foram consideradas os pilares mais confiáveis no confronto com o proletariado [...] Esta viragem pró-estatal foi registada pelas velhas elites do poder como secreto triunfo [...]" (Wehler 1995, 120).

Mesmo antes da fundação do Reich, o Partido Liberal Alemão do Progresso tinha dado origem ao Partido dos Liberais Nacionais, que pretendia agir segundo a fórmula "Da Unidade à Liberdade": a unificação nacional sob liderança prussiana deveria ter prioridade, enquanto as "liberdades" cívicas e a limitação constitucional (parlamentar) do poder burocrático só deveriam ser alcançadas gradualmente através da formação do Estado-nação. Para os movimentos de protesto, os chamados "direitos" civis, como a liberdade de opinião, reunião e manifestação, poderiam ser quase o único progresso no desenvolvimento do sistema jurídico moderno (embora como faca de dois gumes, porque isso tornava o protesto desviável para formas inofensivas e ineficazes de envolvimento cívico), mas o liberalismo estava menos preocupado com esses direitos. Isso podia esperar até que a domesticação das massas estivesse mais avançada e a consciência nacional estivesse mais profundamente enraizada.

Ainda em 1892 o Kölnische Zeitung nacional-liberal se expressou neste sentido, em seu pesado balanço de 1848: "Muitos de nós éramos idealistas republicanos, ébrios da liberdade, e só fomos transformados em monárquicos racionais (!) por Bismarck e pelo grande e bom Imperador" (citado em Schulz 1976, 286s.). A única coisa que parecia importante no início era que a unificação nacional ocorresse num clima económico em que o aparelho de Estado adoptasse os princípios económicos liberais mais modernos. List já tinha mostrado que o liberalismo económico e a intervenção do Estado, por via da política tarifária protectora, no fundo não precisam de ser mutuamente excludentes.

Na mesma medida em que o absolutismo dinástico teve de capitular economicamente à realidade irreversível do novo capitalismo industrial, não só os velhos aparelhos e o empresariado industrial se aproximaram num sentido sociológico, mas também se desenvolveu uma relação capitalista alterada entre mercado e Estado, assim como nas relações sociais. A estrutura corporativa herdada do absolutismo, de um capitalismo ainda cru e indiferenciado, estava a desintegrar-se cada vez mais, para dar lugar a um espaço gravitacional social ou a um "equilíbrio de poder" de instituições e categorias sociais determinadas pelo capitalismo industrial.

As reservas e reivindicações institucionais do absolutismo dinástico e das suas figuras aristocráticas contra a economia capitalista que eles próprios produziram num processo cego tinham-se finalmente evaporado, ainda que a "arrogância de classe" e os velhos padrões socioculturais continuassem a viver durante algum tempo; não só no Império Alemão guilhermino, mas também nos Estados-nação ocidentais da Inglaterra e da França: Até hoje, é precisamente na Inglaterra que o momento da condição social está particularmente bem desenvolvido, e a aristocracia europeia continua a vegetar em roupagem apropriada ao capitalismo industrial e financeiro, a fim de fornecer alimento aos sonhos da dona de casa e à imprensa cor-de rosa que os acompanha, como uma paródia anacrónica. Sufocada em sangue foi a anti-modernidade emancipatória da velha revolta social, com as suas reivindicações de autonomia social; em seu lugar tinha surgido uma "classe operária", ela própria já pensando nas categorias capitalistas do ganho, representada pelo movimento operário social-democrata.

No entanto, a forma capitalista da sociedade ainda não era universal; na Alemanha guilhermina, como nos outros Estados-nação burgueses, ainda havia sectores económicos agrícolas e de subsistência (baseados na auto-suficiência parcial). E mesmo no caso das produções para o mercado, o capitalismo industrial de modo nenhum dominava a estrutura social, com excepção da Inglaterra:

 

Empregados por sector de actividade por volta de 1910 (em percentagem)

País

Agricultura

Indústria

Serviços

Inglaterra

9

54

37

França

30

43

27

EUA

32

41

27

Alemanha

34

38

28

Fonte: Handwörterbuch der Wirtschaftswissenschaften (HdWW) [Dicionário de bolso das ciências económicas], citado em: Schäfer 1989, 76.

 

A elevada percentagem de serviços fora da agricultura não deve ser confundida com a posterior expansão do "sector terciário" através de desenvolvimentos "pós-industriais". Até bem dentro do século XX, a espantosa extensão deste sector baseava-se antes no facto de grandes massas de pessoas, nas funções de criados pessoais, empregadas domésticas, cozinheiros, etc., serem abusados como domésticos dos de "mais altos rendimentos", e terem de se entregar a isso porque a sociedade não lhes oferecia outras possibilidades para além da fome. Em relação à população total, mesmo na Idade Média houve muito menos domésticos. Até os anos 20, em toda a Europa, uma empregada e/ou cozinheira, normalmente alojadas numa divisão mal cuidada da casa, era quase natural mesmo para as famílias dos funcionários e empregados de nível médio. No Terceiro Mundo e para a maioria da humanidade, este Estado de feudalismo burguês, bem como o trabalho infantil, não cessou até hoje e, entretanto, esta forma de humilhação humana está também a regressar ao Ocidente, embora ainda não na mesma medida.

No entanto, no início do século XX, o capitalismo industrial tinha-se tornado a força líder e dinâmica em toda a parte, o sector líder da sociedade que determinaria o seu desenvolvimento futuro. Depois de a resistência fundamental ter cessado ou ter sido abafada, os conflitos sociais continuaram, mas dentro do novo invólucro da sociedade, o que tornou compatível a luta de interesses das várias categorias de rendimento e ao mesmo tempo a limitou às formas internalizadas do modo de produção agora industrialmente objectivado. Numa palavra: todos os grupos sociais, partidos, ideologias, interesses, desejos e objectivos envolvidos se referiam agora a uma mesma estrutura geral de acumulação capitalista industrial. O facto de um sistema de referência comum, basicamente já não controverso, ter surgido secretamente, nomeadamente o sistema industrial de bola de neve e o seu terreno do Estado-nação, constituía a grande diferença relativamente à história constitucional anterior do capitalismo.

E assim como a estrutura de valorização do dinheiro como uma "máquina" social já se tinha tornado independente dos actores desta história, também a estrutura complementar da regulação estatal assumiu agora uma correspondente legalidade própria. A concorrência interna pela regulação dos conflitos de interesses provocados pelo capitalismo e a concorrência externa das nações estatalmente consolidadas deram ao Estado e aos seus aparelhos um novo significado, precisamente porque a economia de mercado capitalista industrializada se tinha expandido de forma tão dinâmica. Não foi apenas a ideologia nacionalista que abrangeu todas as classes sociais da industrialização e a aproximação mútua do liberalismo económico e do velho aparelho que deu ao Estado este novo peso. Os problemas económicos da própria expansão industrial, suas condições e processos subsequentes, tornaram até mesmo o liberalismo cada vez mais inclinado a admitir que o Estado, para além de sua função de terror como Leviatã, voltasse a intervir social e economicamente.

Em alguns aspectos, portanto, foram os empresários liberais, os responsáveis pela política económica e, em alguns casos, os próprios ideólogos, socioeconomicamente vitoriosos em toda a linha, que puderam ganhar um maior interesse pela actividade estatal. A que se juntaram os teóricos e políticos conservadores, que procuravam reformular a sua antiga atitude pró-estatal no terreno da jovem sociedade industrial e, neste contexto, foram novamente colocados em vantagem. Na medida em que o liberalismo e o conservadorismo se fundiram, a doutrina estrita dos mercados livres aplainou-se, até porque a anterior reivindicação absolutista de uma subordinação fundamental da economia capitalista aos propósitos estatais (dinásticos) não podia mais repetir-se. A era dos impérios industriais nacionais tornou-se também, durante um século inteiro, a época de um novo intervencionismo estatal relacionado com a concorrência industrial, que se iria erguer em várias ondas.

 

O Estado pai

Após o colapso económico ter sido evitado pelo desencadeamento do sistema industrial de bola de neve e os "trabalhadores pobres" terem sido finalmente disciplinados no domínio do "trabalho abstracto", as elites capitalistas puderam pensar novamente na "questão social". Afinal, as experiências do estado de necessidade geral e de empobrecimento em massa da primeira metade do século XIX tinham de ser tratadas de algum modo se não se quisesse voltar a entrar numa situação semelhante em possíveis crises futuras. Por esta razão, o conservadorismo liberal gradualmente estabelecido depois de 1850 estava muito mais inclinado a atribuir uma certa responsabilidade social ao Estado do que no período "clássico" de Adam Smith, Bentham, Malthus e Cª – naturalmente na sua qualidade de Leviatã, ou seja, inseparavelmente misturada e ligada à sua função repressiva.

O recasamento do liberalismo com o aparelho antes absolutista purificado pelo capitalismo liberal e seus representantes conservadores era ideal para repensar e reformular as funções do Estado após a grande crise de transformação. De uma maneira ou de outra, esta aproximação ou mesmo fusão do liberalismo e do conservadorismo tinha tido lugar em todos os países importantes da Europa, mas sobretudo na Alemanha, onde a constituição tardia do Estado-nação burguês tinha sido realizada "de cima", ou seja, formalmente pelo próprio poder dinástico antigo. O Império Alemão guilhermino tornou-se assim a vanguarda na nova visão capitalista do Estado. O Leviatã deveria evitar crises futuras e trazer alguma paz social aos hilotas do capital. A pura lei natural do mercado que, apesar da famosa "Lei de Say" da supostamente infinita expansibilidade inerente ao modo de produção capitalista, secretamente já não merecia plena confiança tinha de ser complementada, para além do velho sistema de casas de pobres e penitenciárias, por um sistema de bem-estar social gerido pelo Estado. Ideologicamente, aquele momento paternalista que tinha distinguido as teorias oficiais da legitimação do absolutismo foi trazido à tona novamente e com novas vestes neste contexto. Para compreender este renascimento na nova fase de desenvolvimento, é necessária uma breve recapitulação.

Na realidade, é claro, tinham sido as próprias burocracias absolutistas que tinham começado a transformar a população em material humano do dinheiro e a tornar a instrumentalização da força de trabalho directa e completa. Cada impulso independentista, cada rebelião foi impiedosamente reprimida. A perfídia do absolutismo, porém, tinha sido mascarar o poder de intervenção e a máquina social de opressão que tinha construído, maior que todas as relações de poder anteriores, como sendo a paternalista providência e solicitude do monarca. Os "súbditos" deveriam aparecer, por assim dizer, como crianças dependentes da superfigura paternalista que a princípio representava o sistema capitalista nascente a título pessoal, que de facto o encarnava (como "crianças", aliás, são na verdade frequentemente referidos, nos grandes romances russos, por exemplo, de Turgenev, os camponeses servos, no tratamento que lhes é dado pelos proprietários de terras).

O liberalismo, por outro lado, tinha produzido uma perfídia muito mais sofisticada, usando a objectivação cega sistémica da "valorização do valor" como uma oportunidade de submeter cada indivíduo a uma suposta "lei social natural" e fazendo passar isso como "liberdade". A tutela paternalista do absolutismo foi descartada em favor de um "autocontrole voluntário" dos indivíduos em nome do mesmo princípio fetichista, mas que tinha sido mais desenvolvido e se tinha tornado um fim em si mesmo. Cercados pela cortina de ferro dos critérios capitalistas e presos à máquina social produtora de mercadorias, os indivíduos deveriam "auto-responsabilizar-se" pelo "risco" de serem socialmente esmagados e triturados pela engrenagem desta máquina, em nome da "oportunidade" de se tornarem operadores de máquinas nos "moinhos do diabo". O momento paternalista foi reduzido à "missão pedagógica" do Estado de levar as pessoas a interiorizar essas exigências sistémicas através da educação forçada e da lavagem cerebral. Todos aqueles que recusaram essas exigências erróneas foram perseguidos pelo liberalismo, como já demonstrei, assim como já antes tinham sido perseguidos pelo absolutismo.

Após tese e antítese, a dialéctica da perfídia social exigia agora uma síntese capitalista que tinha de ter em conta que o "risco" podia aumentar demasiado e tornar-se um risco do sistema em si, como a crise de transformação da revolução industrial tinha demonstrado. O liberalismo tinha de ser ungido com uma gota extra de óleo paternalista. Ou, como o príncipe Otto von Bismarck (1815-1898), o conservador "chanceler de ferro" da fundação do Império Alemão, gostava de dizer: Era preciso “acrescentar algumas gotas de óleo social à receita do Estado" (citado em: Adler 1897, 41). Naturalmente que este novo paternalismo não podia contentar-se com frases ideológicas, mas tinha de produzir instituições de real provisão social, quanto mais não fosse ao nível mínimo de subsistência (a definir), a fim de banir os fantasmas do colapso e da revolta para o futuro.

Agora, porém, a personificação directa da tutela não era mais possível à velha maneira absolutista, pelo menos na Alemanha, com o "Imperador Guilherme", a figura disponível para este fim, cujo ridículo já não passava despercebido no clima de pacificação social num baixo nível de vida. O novo paternalismo não só tinha de ser mais institucionalizado, como também tinha de ter um carácter mais abstracto do que o antigo, ou seja, tinha de se referir à "generalidade abstracta" do novo Estado-nação e ser juridicamente fixado em leis. Na caracterização do Leviatã, isto deveria levar a uma nova mudança de ênfase: Embora o aparelho de Estado moderno tivesse aparecido de início metaforicamente como um monstro semelhante a um dragão no trabalho de Hobbes, e mais tarde, no contexto da visão mecanicista do mundo, tivesse sido renomeado como a contraparte da máquina do mercado, como máquina de autoridade ou "máquina pedagógica", agora começava a operar como "Estado Pai". O que significa que a humanidade, que em breve seria abençoada com um Estado social, recebeu como padrasto tutelar um monstro burocrático mecânico.

Testemunha a cegueira e a presunção das elites capitalistas o facto de não quererem reconhecer a oportunidade de, naquela época, integrar, pelo menos parcialmente, a recém-estabelecida social-democracia e os aparelhos sindicais emergentes, que há muito tinham assumido exigências e categorias sociais capitalistas essenciais, nas abordagens deste novo Estado social paternalista com base no Leviatã. Afinal, Bentham tinha estado bastante à frente do seu tempo e, mesmo na segunda metade do século XIX, ainda não era totalmente compreendido pelo conservadorismo liberal, apesar do seu nível intelectual simples.

Mas o problema da compreensão não foi tanto um problema intelectual, mas sim social. Para a elite liberal-conservadora média da época, a preparação pedagógica do material humano era tão concebível quanto a necessidade de concessões sociais mínimas. Mas já não era concebível que as organizações socialistas ou social-democratas da "classe operária", que tinham surgido das antigas associações de trabalhadores liberais, pudessem tornar-se parte oficial do Estado, ajudar a administrar ou mesmo co-governar o capitalismo. Isto parecia aos ilustres senhores tão absurdo quanto a ideia de comer na mesma mesa com seus criados e empregados. Só no século XX é que a social-democracia e os sindicatos se tornaram uma parte tão natural do sistema que houve participação no governo, tendo os social-democratas em coligações sido designados para o Ministério do Trabalho tão seguramente como as mulheres foram mais tarde designadas para o Ministério dos Assuntos Familiares. Até à Primeira Guerra Mundial, porém, havia apenas um único caso de participação socialista no governo, em França: em 1899, o deputado socialista Alexandre Étienne Millerand tornou-se Ministro do Comércio a título individual (ou seja, não como parte de uma coligação) num gabinete liberal-conservador (e foi imediatamente expulso do partido).

No entanto, em geral, as administrações capitalistas e liberal-conservadoras inclinavam-se, com desrespeito do seu próprio sistema social, a negar à "classe operária", que continuava a ser anacronicamente entendida como um "estado", qualquer representação independente (mesmo que fundamentalmente conformista com o sistema), e a tratar as massas de material humano como objectos de cuidado paternalista, sob o ditame de uma posição social e política de "patrão", na melhor das hipóteses. Antes da fundação do Reich, Bismarck, por vezes, por razões tácticas, tinha estabelecido contactos nos bastidores com a Associação Geral dos Trabalhadores Alemães (ADAV) de Ferdinand Lassalle (1825-1864) contra os liberais (aqui volta a ficar claro como o movimento operário "socialista" que emergiu do liberalismo em meados do século foi considerado como uma massa de manobra táctica tanto pelo conservadorismo como pelo liberalismo); no entanto, como a ADAV e a social-democracia "marxista" se uniram em Gotha em 1875 para formar o Partido Socialista dos Trabalhadores da Alemanha (posteriormente SPD), o "chanceler de ferro", julgando mal os factos, considerou a social-democracia como uma força anti-estatal: "O facto de este novo movimento se ter concentrado principalmente no reforço do peso político e na melhoria da situação social dos trabalhadores e não ter sido afectado por ideias revolucionárias como as desenvolvidas por Karl Marx não foi registado por Bismarck" (Loth 1996, 59).

Para combater o suposto perigo de subversão, que já era percebido em categorias puramente políticas (ou seja, já não como uma negação fundamental do sistema fabril), Bismarck desenvolveu uma irreconciliável política de perseguição e opressão contra a social-democracia. Em 1878 ele fez aprovar no Reichstag a chamada Lei Socialista, que só foi revogada em 1890. Com a aprovação dos inicialmente hesitantes liberais nacionais, todas as organizações de partido social-democratas, sindicatos, órgãos de imprensa e qualquer "agitação socialista" foram proibidos (embora com relativamente pouca insistência policial).

O que foi notável e importante para o futuro desenvolvimento capitalista da política de Bismarck, porém, não foi tanto a Lei Socialista, mas um novo tipo de legislação social, como ele a tinha anunciado com aquela frase sobre "algumas gotas de óleo social". Por conseguinte, o Imperador Guilherme I explicou-se, adequadamente emproado de autoridade e graça divina, no seu discurso do trono em 17 de Novembro de 1881, que foi lido pelo próprio Bismarck:

"Já em fevereiro deste ano, expressámos a nossa convicção de que a cura dos danos sociais não seria alcançada exclusivamente através da repressão dos motins social-democratas, mas igualmente através da promoção positiva do bem-estar dos trabalhadores. Consideramos nosso dever imperial colocar esta tarefa de novo no coração da Dieta Imperial, e olharíamos para trás com a maior satisfação sobre todos os êxitos com os quais Deus abençoou visivelmente o nosso governo, se tivéssemos sucesso em um dia levar connosco a consciência de deixar a Pátria com novas e duradouras garantias da sua paz interior e da necessária maior segurança e abundância do apoio a que tem direito" (citado em Diehl/Mombert 1984, 185).

Bismarck seguiu assim uma dupla estratégia clássica: paralelamente à pressão pela proibição, à velha maneira do Leviatã, seu governo levou a sério as considerações paternalistas do Estado social do conservadorismo liberal de uma maneira que se havia de tornar "clássica", e trouxe uma espécie de "revolução branca" de cima para baixo na legislação social, que se tornaria o protótipo do Estado social moderno no século XX. Em 1883, a administração Bismarck introduziu o seguro de saúde obrigatório, em 1884 o seguro de acidentes obrigatório, em 1889 o seguro de pensão obrigatório.

Significativamente, os liberais nacionais e outros grupos e partidos do liberalismo agora fragmentados (e ideologicamente enfraquecidos pela aproximação com o conservadorismo) estavam, em ambos os casos, tanto na proibição como na política social, um pouco mais a "dar para trás" e "indecisos", sem assumir uma oposição de fundo. Sobre a questão da proibição, alimentaram uma desconfiança residual em relação ao aparelho conservador, desde que eles próprios não estivessem ao leme do governo e não estivesse à vista um novo estado de necessidade. Nesta situação moderada, eles preferiam a posição de "patrão" a nível operacional/empresarial em vez de a nível estatal. Na política social, por outro lado, de acordo com a sua tradição, preferiam naturalmente, pelo menos, diluir a iniciativa de Bismarck e evitar demasiada protecção estatal. Os liberais conseguiram limitar os subsídios inicialmente previstos pelo Reich para o sistema de segurança social e "os direitos de representação dos trabalhadores [...] foram radicalmente reduzidos [...] Foi necessário fazer ainda mais cortes nos seguros de velhice e invalidez [...] Para ter direito a uma pensão de velhice, era preciso ter 70 anos de idade e ter pago contribuições durante 30 anos sem interrupção; isto aplicava-se apenas a uma proporção insignificante dos trabalhadores" (Loth 1996, 71).

O próprio Bismarck foi, naturalmente, guiado menos por considerações filantrópicas do que por políticas de poder. Já em 1880 ele tinha declarado que a sua planeada legislação social deveria "gerar na grande massa dos despossuídos a atitude conservadora trazida por um sentimento de direito à pensão" (citado em Loth, loc. cit., p. 68). Não poderia ser muito mais do que o "sentimento" de talvez ser insuficientemente cuidado. Acima de tudo, porém, a legislação social de Bismarck substituiu todas as abordagens de uma "assistência mútua" autodeterminada e emancipatoriamente autónoma dos trabalhadores assalariados. Desde o início do moderno "Estado social", as contribuições para a previdência social foram colectadas pelo Estado e administradas sob supervisão do Estado. A participação das empresas e do Estado nas receitas das contribuições foi assim comprada à custa da expropriação da auto-actividade e da cooperação organizadas, mesmo neste campo secundário.

Num espírito tão paternalista, Bismarck propagou a quimera de uma "monarquia social" de origem prussiana. As ideias para isso já vinham sendo elaboradas na Alemanha há algum tempo. Foram precisamente os círculos académicos conservadores que, num peculiar processamento da grande crise de transformação, inventaram variantes ideológicas de um Estado social intervencionista. O proprietário de terras pomeraniano e advogado prussiano Johann Karl Rodbertus-Jagetzow (1805-1875), por exemplo, assumiu uma posição teórica intermédia (até apreciada por Marx) entre as ideias burguesas-conservadoras e socialistas, desenvolvendo a sua própria crítica do lucro capitalista ou a ideia da pensão básica e, seguindo o modelo das ideias utópicas do Estado, apelando a uma "autoridade central" económica para regular a questão social.

No conjunto, na fusão do liberalismo e do conservadorismo, o lado conservador assumiu gradualmente a ofensiva ideológica, que, em comparação com o velho liberalismo hesitante, foi mais capaz de se conformar com o novo sistema imperativo de uma intervenção estatal paternalista. No entanto, esta tendência não se limitou de modo nenhum à Alemanha, mas abrangeu mais ou menos todo o capitalismo europeu. O padrão básico da dupla estratégia de repressão e paternalismo social estatal de Bismarck também pode ser visto na Inglaterra e na França, tanto em termos da história das ideias como de política social.

Em Inglaterra, a “Combination Act“ de 1799 já tinha proibido qualquer tipo de organização dos interesses dos trabalhadores assalariados. Esta proibição foi expressamente renovada pelo governo conservador em 1819 e só foi um pouco relaxada em 1824, de modo que, desde então, as "Trade Unions" moderadas conseguiram desenvolver-se. No entanto, a actividade sindical e política, mesmo por socialistas liberalmente influenciados, continuou sujeita a numerosas represálias e perseguições. Ao mesmo tempo, cedo se desenvolveu um paternalismo social inglês neoconservador como reacção aos horrores da industrialização. O historiador e escritor romântico tardio Thomas Carlyle (1795-1881) verberou a “triste religião da fé na riqueza” do ponto de vista dos antigos valores aristocráticos de fidelidade mútua e lealdade entre senhor e servo – uma figura ideológica básica do anti-modernismo repressivo, anti-emancipatório e conservador de direita até bem dentro do século XX. Carlyle atribuiu as rebeliões subversivas dos "trabalhadores pobres" à falta de liderança e de cuidado dos industriais liberais:

"O que são todas as repetições e surtos de raiva do povo? Rugido, choro inarticulado, como um ser mudo em fúria e agonia: ao ouvido da sabedoria soa como súplica inarticulada: ‘Guia-me, governa-me! Sou louco e miserável, não me consigo orientar!’ Verdadeiramente, entre todos os ‘direitos humanos’, este direito do homem ignorante de ser guiado pelo mais sábio, de ser mantido no caminho certo por ele, suavemente ou pela força, é o mais inalienável. Se a liberdade tem um significado, significa o gozo deste direito, – e isto inclui em si o gozo de todos os direitos" (Carlyle, citado em Adler 1897, 9).

Neste estranho e impertinente sentido, Carlyle exige uma "nobreza industrial" socialmente responsável, os chamados "captains of industry" – um termo que se tornou uma palavra-chave na Inglaterra. Em combinação com um "apoio estatal das classes mais baixas" a nobreza industrial deve "mostrar nobreza na concorrência e carinho para com todos os empregados". Carlyle é, portanto, "o primeiro a lançar o apelo à feudalização do moderno emprego remunerado [...]" (Adler 1897, 11). Algumas dessas ideias foram adotadas por Benjamin Disraeli (1804-1881), o famoso primeiro-ministro conservador da Grã-Bretanha em 1868 e 1874-1880, que escreveu as famosas palavras sobre a relação moderna entre os que têm e os que não têm: "Eles são, por assim dizer, duas nações, entre as quais não há sentimento aparentado, que se conhecem tão pouco em seus hábitos, pensamentos e sentimentos como se fossem filhos de zonas diferentes ou habitantes de planetas diferentes" (citado em Adler 1897,18). Já na juventude e muito antes de Bismarck, Disraeli tinha, portanto, propagado o "princípio da monarquia social". Como Ministro, Chanceler do Tesouro e finalmente Primeiro-Ministro, ele introduziu leis de protecção de longo alcance para o trabalho nas fábricas em 1867 e 1878.

Um desenvolvimento muito semelhante também teve lugar em França. Em 1791, a assembleia legislativa da revolução burguesa tinha proibido qualquer coligação de trabalhadores com a "Loi Le Chapelier"; esta proibição só caiu oficialmente em 1864. Quando, após o derrube do "Rei Cidadão" Luís Filipe e da revolução de 1848, Luís Bonaparte (1808-1873) chegou ao poder e se tornou Napoleão III sendo coroado "Imperador dos Franceses" (Segundo Império), ele também seguiu uma dupla estratégia de intervenção estatal, que foi iniciada com um banho de sangue e uma orgia de perseguição: "Começou com uma campanha contra todas as associações de trabalhadores [....] Assim, não só todas as suas associações políticas, mas também as suas cooperativas puramente económicas, incluindo muitas associações de consumidores florescentes e algumas cooperativas de produção, foram vítimas da ‘ditadura de salvação da sociedade’ (Adler 1897, 32). Por outro lado, mesmo antes de sua ascensão ao trono, Napoleão III já tinha elaborado um "programa sociopolítico" conservador; ele também tinha em mente "uma espécie de nobreza industrial carlyliana como ideal [...] de disciplina e supervisão dos trabalhadores, por um lado, e de melhoria de sua situação material, por outro: esta é uma ideia que nunca foi negada na política interna de Luís Napoleão" (loc. cit., 29, 34). Entre 1850 e 1870, o moderno Estado social industrial começou, portanto, também em França, com várias medidas que fazem lembrar os argumentos cínicos de Mandeville sobre a necessidade do consumo de luxo pelos "dez superiores" para o "emprego" e, ao mesmo tempo, já prefiguram parcialmente a política económica estatal do século XX:

"O facto sociopolítico mais importante de Napoleão [...] é a tentativa que ele fez de combater o desemprego, [...] através de um sistema de obras públicas [...] Em uma década e meia, mais de 1 500 milhões foram gastos em obras públicas somente na capital. E coisas semelhantes aconteceram em Lyon, Marselha e Bordeaux. Esta medida teve várias consequências importantes no grande estilo que aqui era praticado: a um grande número de ‘braços’ eram continuamente dados empregos que valiam a pena, os salários tinham tendência a subir, o espírito empresarial era despertado em toda a parte pelo estímulo do comércio da construção [...] Note-se, a propósito, que estas [...] novas construções foram acompanhadas por uma especulação colossal sobre a terra e pelo favorecimento das criaturas do império [...] com subsídios de incontáveis milhões […] Pelo contrário, foram disponibilizadas subvenções estatais para a construção de moradias para trabalhadores, mas só esporadicamente; as instituições de assistência social foram reorganizadas e aumentadas com banhos públicos subsidiados pelo Estado para o povo, creches para os filhos dos trabalhadores e asilos para os trabalhadores mutilados" (Adler 1897, 33).

A Lei Socialista de Bismarck, embora tenha reforçado visivelmente a política de proibição, não saiu do quadro do habitual comportamento governamental capitalista na segunda metade do século XIX, tal como não saiu o novo Estado social paternalista. Embaraçosamente, o Estado social moderno na Europa foi originado por um espírito ultraconservador e seus objectivos políticos de poder. E esta origem ainda hoje pode ser vista claramente no Estado social democrático. Por sua própria natureza, o capitalismo não pode produzir nada além de gratificações sociais profundamente estatais-autoritárias, que estão sempre associadas à repressão e à vigilância, e que assumem a forma de esmolas estatais, mesmo havendo pagamento de contribuições do próprio material humano; esta é aparentemente a forma máxima de "bem-estar" que se pode esperar desta ordem social.

Embora o início conservador do Estado social do capitalismo industrial tenha sido um fenómeno geral nos países europeus mais importantes, este desenvolvimento foi mais eficaz e duradouro no Império Alemão. Aqui as ideias de Estado social e de intervencionismo estatal penetraram mais fortemente do que na Europa Ocidental, mesmo na economia académica. Não tão longe quanto Rodbertus, mas numa direção semelhante foram as ideias sócio-políticas dos chamados "Socialistas de Cátedra", um grupo de professores de orientação bastante conservadora, que fundou a "Associação para a política social" em 1872, da qual surgiram impulsos decisivos para Bismarck e para todas as reformas posteriores do Estado social em geral. Num sentido cínico e demagógico, o próprio Bismarck entendeu e chamou positivamente a estas ideias "socialismo de Estado"; uma expressão que tinha sido cunhada e propagada sobretudo pelo economista nacional e teórico financeiro Adolph Wagner (1835-1917). A ideia de um "socialismo prussiano" autoritário de elites paternalistas no terreno de um sistema industrial controlado pelo Estado irradiou sem surpresa para a social-democracia e deveria servir os ideólogos da modernização da esquerda à direita como construção de legitimidade até ao século XX.

Mas mesmo o liberalismo enquanto tal, que de modo nenhum se fechou às discussões sobre o risco do sistema e a pacificação social autoritária, teve de entrar no comboio do socialismo de Estado da época – ainda que, de acordo com a sua tradição, tenha preferido sentar-se na cabine do guarda-freios. Foi Friedrich Naumann (1860-1919), um ideólogo chefe do liberalismo guilhermino organizativamente fragmentado, que formulou a viragem do pensamento liberal e a adaptação ao novo sistema de imperativos da regulação estatal na Alemanha. Naumann, de quem a Fundação para a "Educação Política" próxima do Partido Democrata Livre (FDP) ainda hoje tem o nome, foi originalmente um pastor protestante e mais tarde um político profissional. Em 1896 ele fundou a "Associação Nacional-Social" no espectro dos grupos liberais em fragmentação; e não é de modo nenhum por coincidência, mas bastante lógico que o sinistro termo "nacional-social" como nome de partido apareça primeiro no contexto liberal. Em muitos aspectos, Naumann pode ser considerado como o fundador das ideias "social-liberais" que tentaram distanciar-se do liberalismo económico radical de mercado do século XVIII e início do século XIX. Em 1906 ele declarou em sua "Nova Política Económica Alemã": "Por volta de meados dos anos de 1870, começou a mudança a partir da teoria liberal, do Estado não-económico, e deu lugar a uma visão que poderia ser descrita como socialista de Estado" (Naumann 1964/1906, 454). Por pouco que Naumann como liberal possa apoiar sem reservas esta tendência, ele não deixa dúvidas de que o velho liberalismo já deu o que tinha a dar:

"O liberalismo económico mais antigo é, como o seu nome sugere, parte do grande movimento cultural geral que mudou a Europa espiritual e materialmente nos últimos séculos [...] Não é um constrangimento, mas também não é uma protecção! Quem tiver sorte, que se levante, e quem tiver azar, que se afunde na sepultura! Não se deve ter piedade se se quer educar as pessoas para a economia! [...] Todos devem ser pagos de acordo com a oferta e a procura. Cada um vai ao mercado e se oferece: eu trabalho por este preço! O trabalho torna-se um artigo de licitação. Se amanhã vier alguém que torne a mesma coisa mais barata que você, você pode ir, porque seu trabalho perderá valor assim que alguém o conseguir por menos dinheiro! [...] Aqui é necessário ver a ideia de liberalismo económico em toda a sua nudez. Oferta e procura! Vocês, filhos da humanidade, têm um preço a subir e a descer, como as acções na bolsa de valores! Como foi possível que esta teoria enchesse as mentes de esperança, e como foi possível que se tornasse a base de todo o nosso sistema de trabalho? O mundo económico no qual o liberalismo entrou naquela época era bem diferente do mundo económico no qual ele tem que encontrar o seu lugar hoje, e, tal como a sua aparência antiga era uma aplicação histórica contemporânea dos seus princípios básicos, o liberalismo hoje também terá de ter uma coloração histórica contemporânea se quiser viver [...] Ele não pode manter a sua ressurreição sem um novo despertar dos espíritos, nem sem crítica a si mesmo [...]" (loc. cit., 314ss., 525s.).

Para que pudesse nadar com a corrente dominante do espírito do tempo, o liberalismo, por uma vez, devia ter um pouco de medo do seu próprio reflexo. Naumann vê também a adaptação social-liberal ou pelo menos a aproximação parcial às florescentes ideias do socialismo estatal, em primeiro lugar numa metamorfose do Leviatã em "Estado Pai" no campo da política social, que é necessária para o sistema:

“Mesmo o que se resume sob o título geral de ‘política social’ é uma parte do ‘direito e da economia’, [...] como cujo produtor e garante o poder do Estado age. Estas são intervenções estatais na vida económica, necessárias para proteger os mais fracos. É factualmente irrelevante justificar estas intervenções mais com os princípios da caridade cristã ou com as necessidades do Estado. A sua essência é o reconhecimento de que a plenitude das relações jurídicas entre empresários e trabalhadores não se esgota no mero estabelecimento dos dois princípios da propriedade privada e do livre contrato de trabalho [...] Não, a questão é e deve ser abertamente concedida: Precisamos da compulsão governamental para começar a aprender os elementos de uma doutrina de decência comercial! Na indústria têxtil e em outros ofícios, ainda temos horários de trabalho que são por vezes completamente desumanos para os homens, as mulheres ainda são exploradas demais e as crianças ainda são privadas de quase toda a protecção quando trabalham em casa. A palavra "dia de oito horas" pode ser uma fórmula demasiado esquemática, mas a saúde pública e a cultura moral exigem que seja assegurada uma quantidade muito maior de humanidade fora do serviço comercial do que a que está hoje disponível para a maioria dos trabalhadores dependentes. Os estratos mais baixos dos trabalhadores assalariados terão provavelmente de ser sempre protegidos por uma protecção legal mínima contra o afundamento na barbárie [...] Para seu bem, a protecção legal dos trabalhadores deve ser uma instituição permanente [...] Quando os seguros imperiais foram criados, os liberais votaram contra eles em muitos casos [...] Hoje em dia [...] quase não resta ninguém que não os reconheça como um excelente trabalho nacional. São um complemento necessário ao contrato de trabalho livre" (loc. cit., 496, 499ss.).

Se Naumann aproximou assim o pensamento liberal do novo espírito de intervencionismo estatal do sistema industrial desenvolvido, não deixou dúvidas de que um regime autoritário-paternalista também deveria fazer parte dele. De acordo com a tradição liberal, ele opôs-se à totalização da coerção da autoridade estatal e exigiu que a "livre organização" (das associações empresariais ou sindicais e seus acordos) "tenha sempre precedência sobre o aparelho da função pública em caso de dúvida" (loc. cit., 502). Mas esse "autogoverno" sócio-económico paralelo à intervenção estatal é certamente concebido no sentido bentamiano e enriquecido com ideias elitistas. Em seus escritos sobre "democracia e império" Naumann já tinha enfatizado a "necessidade" de uma liderança autoritária em 1900:

"Os elementos aristocráticos formam-se por si mesmos em democracia [...] Não há nenhum tipo de acção colectiva de massas sem uma espécie de aristocracia [...] O mandarinato cresce em todo o mundo, mesmo onde é fundamentalmente combatido [...] Luta-se pelo primeiro lugar. Os democratas também querem chegar à frente. A história do liberalismo burguês é um exemplo contínuo único deste puxar para cima" (Naumann 1949/1900, 144ss.).

Assim, parece bastante natural ao ideólogo chefe liberal que uma "classe alta" assuma a liderança, "apoiada pelas amplas, grandes e obscuras massas que estão abaixo dela" (loc. cit., p. 146). Deste modo, a ideia do arquiconservador Carlyle de uma nobreza industrial, os "captains of industry", também assombrava as mentes liberais. E como a visão de mundo social-liberal e nacional-social de Naumann em geral, este elemento elitista era compatível em toda a linha com o guilherminismo, que por sua vez nunca estava disposto a afrouxar a ligação entre o Estado social e a subordinação política autoritária do material humano. Quando o Imperador Guilherme II, que chegou ao poder após a morte do antigo Imperador em 1888, entrou numa disputa com Bismarck sobre mais legislação social e a "questão dos trabalhadores", finalmente despedindo o "chanceler de ferro" em 1890 e revogando a sua Lei Socialista, fê-lo de uma forma particularmente autocrática. A dupla estratégia de Estado social burocrático-paternalista e repressão não mudou fundamentalmente, apesar da legalização da social-democracia. Em 1899, por ocasião de uma visita à sua propriedade Kadinen, Guilherme II exigiu afavelmente: "É preciso garantir que as pocilgas não sejam melhores que as habitações dos trabalhadores" (Discurso do Imperador, Johann 1966, 82). Com o mesmo espírito autoritário de condescendência, o Imperador tinha assegurado aos industriais da Vestfália um ano antes, face às greves sindicais na mineração e noutras indústrias:

"Como todos aqueles que são responsáveis pelas empresas industriais, vocês também têm um olhar atento sobre o desenvolvimento das nossas condições sociais, e eu tenho tomado medidas, tanto quanto está ao meu alcance, para ajudar-vos em horas economicamente difíceis. A protecção do trabalho alemão, a protecção de quem quer trabalhar, foi solenemente prometida por mim no ano passado [...]. A lei está quase pronta e chegará aos representantes do povo antes do final deste ano, lei na qual qualquer um – seja quem for e seja chamado como quiser – que tente impedir um trabalhador alemão que esteja disposto a realizar o seu trabalho, ou mesmo que incite a uma greve, será punido com prisão" (ver Johann 1966, 79s.)

Mas os primórdios do Estado social moderno não apenas foram marcados por regimes autoritários e ideologias elitistas, como a sua eficácia também é duvidosa; pelo menos se aplicarmos padrões de melhoria séria da situação dos "trabalhadores pobres". Olhando para trás, o "socialista estatal" Adolph Wagner limitou-se a afirmar que as conquistas da legislação social tinham "tornado a população mais eficiente, mais saudável e mais capaz" (Wagner 1912, 16). Não é o bem-estar em si que está aqui em causa, mas sim a visão funcionalista, que avalia os benefícios para a máquina social repressiva do "trabalho abstracto". E para que não haja realmente dúvidas sobre isso, o conservador socialista prussiano cai imediatamente num velho credo liberal demasiado familiar no que diz respeito às "classes mais baixas da população", como o conhecemos desde Mandeville, Sade, Smith, Kant e Malthus:

"Não é uma vida dourada que vos prometemos, não uma vida numa fantástica névoa de felicidade, – haverá sempre necessidade e miséria no mundo, e talvez seja bom que haja sempre necessidade e miséria, no interesse da educação (!) da raça humana" (loc. cit., 17).

Na verdade, até à Primeira Guerra Mundial, ainda não havia evidência de um "efeito de melhoria do bem-estar" da economia de mercado, nem mesmo sob a protecção do Estado social. Apenas o passo de uma miséria em massa sem precedentes para uma pobreza em massa "normalizada" tinha "tido sucesso" na era dos impérios de Estados-nação. Por mais embaraçoso que seja, mesmo no limiar do século XX e em plena expansão do sistema industrial de bola de neve, o padrão de nutrição ainda não tinha subido notavelmente. Por exemplo, podemos aprender sobre a comida dos trabalhadores das fábricas de brinquedos da Turíngia no império de Bismarck a partir de fontes contemporâneas:

"É constituída principalmente por batatas que aparecem na mesa em todas as formas. São tomadas de manhã com a infusão de chicória ou o 'caldo de café', e saboreadas como pão do segundo pequeno-almoço com café. Ao almoço há todo o tipo de pratos de batata, com os quais se traz um arenque, ou alguma gordura do açougueiro; em vez do arenque, os pobres devem contentar-se com a salmoura em que é salgado, e chamá-la de "caldo de arenque". Raramente se come carne [...] Ao lanche, o caldo de café é levado novamente, ou vão buscar ao açougueiro jarros cheios de "sopa de salsicha", como eles chamam a água em que as salsichas são cozidas; recebem isso de graça ou por pouco dinheiro, e nisso cortam pedaços de batata. 'Batatas de manhã, ao meio-dia no caldo, à noite com o roupão – batatas por toda a eternidade’, é o verso em que se resumem os prazeres da mesa" (citado em Ritter/Kocka 1982, 262).

A mesma indigência que Friedrich List descreveu outrora e da qual ele derivou a necessidade da industrialização capitalista não desaparecera décadas depois e no meio de uma industrialização avançada, e a descrição é repetida quase palavra por palavra!

Mas até mesmo a manutenção da casa e o estilo de vida das categorias de trabalhadores "mais ricos" dificilmente se poderiam elevar acima dessa miséria. O menu de um trabalhador qualificado de Berlim, em 1890, não dá motivos para optimismo a este respeito:

"Forte é o consumo de leguminosas, batatas, farinha, pão e leite. De produtos de carne, além da salsicha barata – a qual se espalha no pão mas não o cobre – utiliza-se principalmente carne picada ou bofes, para fazer almôndegas ou 'coelhos falsos' (carne picada misturada com migalhas ou cubos de pão e depois assada com alguma gordura). Em consideração aos domingos e feriados, poupa-se muito nos dias de semana" (op. cit., 276).

Ao que parece, o "efeito de melhoria do bem-estar" da economia de mercado no século XIX consistiu principalmente em tirar algumas das batatas e "café" de chicória ao povo no início, apenas para lhes devolver gradualmente este grandioso padrão na segunda metade do século. Pode ser cansativo ouvir isto repetidamente, de uma fase de desenvolvimento para outra e de década para década, mas infelizmente não há mais nada a relatar. E as condições guilherminas podem ser facilmente generalizadas para toda a Europa desenvolvida desta época. Se a isto se acrescentarem as horríveis condições habitacionais que persistem por toda a parte nas cidades industriais, torna-se claro quão ridiculamente pequenas eram as verdadeiras melhorias e quanto se tratava apenas de sugerir às pessoas um "sentimento" de cuidados e de prestação de cuidados.

Um século completo de industrialização capitalista não tinha sido capaz de elevar o nível das necessidades básicas da população para além do nível do final da Idade Média, para não mencionar a necessidade de lazer. Na verdade, mesmo agora, até uma vida apenas moderadamente decente só era concebível "num fantástico nevoeiro de felicidade".

O paternalismo social autoritário era assim, de uma maneira geral, pobre. Mas mesmo que a máscara social do irracional fim-em-si capitalista na forma da política de poder do Estado-nação se tivesse tornado mais abstracta contra o pano de fundo da concorrência das nações no mercado mundial e as figuras de proa fossem reconhecíveis como tais, a implacabilidade da subordinação do material humano a esses propósitos permaneceu. O que o historiador conservador (mais tarde próximo da CDU) Gerhard Ritter (1888-1967) disse num discurso sobre a edificação da nação alemã durante a Segunda Guerra Mundial poderia ser considerado um lema para a era guilhermina e não apenas para o Reich alemão: "Nós Alemães [....] aprendemos [...] que para um povo que quer desempenhar um grande papel histórico, uma coisa é necessária antes de tudo: trabalhar duro, passar fome (!) e obedecer" (citado em: Berthold 1960, 106).

Também a inteligência burguesa beletrística não mudou fundamentalmente desde a inefabilidade biedermeier de Ludwig Uhland. O colega poeta Rainer Maria Rilke (1875-1926), que alegadamente caiu em arrebatamento religioso na viragem do século e foi dilacerado por experiências divinas, fez um esforço sincero em seu poético e religioso "Livro de Horas" para cantar a nova pobreza capitalista do século XX de uma maneira digna. Em 1903, muitas décadas depois de Uhland, ele escreveu linhas imortais sobre os santos pobres na "faminta" Alemanha:

 

Pois eles são mais puros do que as puras pedras

e como o animal cego que só principia,

e cheio de simplicidade e infinitamente seu

e não querem nada e só precisam de uma coisa:

 

poderem ser tão pobres quanto realmente são.

 

Pois a pobreza é um grande brilho interior [...]

 

A casa do pobre é como um santuário com altar.

Nele, o eterno é transformado em alimento,

e quando a noite chega, ela se transforma calmamente

de volta a si mesma num amplo círculo

...e lentamente desvanece-se em reverberação.

 

A casa do pobre é como um santuário com altar.

 

Nesta edificação quase já liberal-cínica, não surge novamente apenas o sentimentalismo capitalista inicial, que com um olho aguado engorda o seu orçamento emocional sobre o empobrecimento social autoproduzido; pelo contrário, também está em evidência uma nova "estetização da pobreza", que logo se transformaria em "estetização da violência". Era precisamente em versos tão peculiares e voltados para o futuro como os de Rilke, com a sua astúcia guilhermina de sentir, que já reluziam os sangrentos massacres e catástrofes em massa do capitalismo do próximo meio século.

 

Embuste da fundação e grande depressão

O medo profundo do empobrecimento e da revolta de uma população à mercê de ciclos cegos de crescimento e crise permaneceu uma força motriz essencial (embora de modo nenhum a única) por trás da reviravolta estatal das elites capitalistas depois de 1870, e este medo foi ainda mais justificado quando o desenvolvimento tempestuoso do capitalismo industrial, que estava em curso desde 1850, de repente quebrou com um grande estouro. 1873 marcou o fim da primeira grande fase de ascensão da industrialização.

Esta foi a primeira vez que um fenómeno que acompanhara ocasionalmente as dores de parto do capitalismo no passado se tornou desagradavelmente perceptível numa escala maior. Porque este método de produção não é apenas um sistema industrial, mas também um sistema financeiro de bola de neve. Para ser mais preciso: sob a forma do crédito, o crescimento real é de certo modo antecipado. Este processo é apoiado pelos bancos, que recolhem e concentram as poupanças e o capital monetário de momento não utilizado produtivamente pelos seus proprietários. Por outro lado, há sempre empresas industriais que não podem ou não são suficientemente capazes de financiar os seus investimentos para a criação de valor futuro a partir dos seus próprios lucros passados. Assim, elas tomam emprestado capital sob várias formas através do sistema bancário, capital que depois tem que ser reembolsado com juros quando os lucros da produção real de mercadorias são realizados com sucesso. O capital monetário, tal como Marx analisou em detalhe no terceiro volume de O Capital, está assim dividido em duas componentes: por um lado, o capital "funcional" da economia empresarial, que opera o processo de produção capitalista e, por conseguinte, mantém em funcionamento o fim em si mesmo da mais-valia real em feed-back consigo mesma; e, por outro lado, o "puro" capital monetário que rende juros, que não produz directamente mercadorias, mas é emprestado ao capital "funcional" e recebe a sua parte da mais-valia sob a forma de juros. Na economia burguesa, estes dois componentes do capital são repetidamente confundidos ou apresentados como um só, porque, do positivista ponto de vista (abstracto) do capital monetário, não importa de onde vem exactamente o lucro nem como o processo de ganho é mediado pelos diferentes departamentos da "bela máquina". Não sem ironia, Marx observou:

"O capital aparece como fonte misteriosa, autocriadora do juro, do seu próprio incremento [...] Na forma do capital que rende juros, portanto, esse fetiche automático está elaborado em sua pureza, valor que se valoriza a si mesmo, dinheiro que gera dinheiro, e não traz nenhuma marca do seu nascimento [...] O dinheiro como tal já é potencialmente valor que se valoriza, e como tal é emprestado [...] Torna-se assim propriedade do dinheiro criar valor, proporcionar juros, assim como a de uma pereira é dar peras […] Para a economia vulgar, que pretende apresentar o capital como fonte independente do valor, da criação de valor, esta forma é naturalmente um alimento encontrado, uma forma em que a fonte de lucro não é mais reconhecível e em que o resultado do processo de produção capitalista – separado do próprio processo – assume uma existência independente" (Marx 1965/1894, 405s.).

O problema é que a diferença entre as duas formas de capital só se torna drasticamente perceptível se a mais-valia futura prevista no empréstimo de capital alheio não seguir realmente a forma de uma produção real de mercadorias rentável e comercializável; seja porque "o verdadeiro fluxo de retorno não (ocorre) a tempo" (Marx, op. cit., p. 361); seja porque os produtos não podem ser vendidos por causa da concorrência mais barata ou por falta de poder de compra social; seja porque o capital emprestado foi utilizado para fins "alheios ao objecto" (por exemplo, para pagar dívidas anteriores, ou para consumo, objectos de prestígio, etc.). Depois segue-se o pior: O capital "funcional" da economia empresarial vai à falência porque não consegue pagar os juros nem os empréstimos; o capital remunerado, por sua vez, sofre uma perda irremediável, e normalmente também vai à falência porque a ruína do devedor é também a ruína do credor com o montante correspondente dos empréstimos. Tais eventos fazem parte da vida capitalista quotidiana em casos individuais; mas tornam-se um problema de crise para a sociedade como um todo quando esses casos se acumulam e se tornam uma enchente. Este perigo ameaça uma recessão económica, que pode escalar para uma espiral de crise, na medida em que demasiados lucros futuros foram antecipados na falsa expectativa de um boom contínuo e foram feitos investimentos errados em grande escala com capital monetário emprestado. Assim a crise inicialmente oculta do capital produtivo vem sempre à luz em primeiro lugar como uma crise financeira.

No século XIX, no entanto, as pessoas ainda estavam um pouco hesitantes a este respeito; especialmente nas empresas familiares clássicas, com a sua união pessoal de propriedade jurídica e gestão, não era considerado sério fazer um uso extensivo do crédito. Essa velha solidez e ao mesmo tempo ponderosa seriedade, no entanto, já não era capaz de acompanhar o ritmo da industrialização e era afligida por uma espécie de cansaço histórico; como sempre no desenvolvimento capitalista, uma camada moribunda de portadores do desenvolvimento começou a ter uma má ideia da verdadeira natureza do monstro de fim em si mesmo, enquanto a camada seguinte de portadores já estava impertinente e descontraidamente virando a esquina. No famoso romance de Thomas Mann, Os Buddenbrook, que descreve a decadência contemporânea de uma velha família mercante hanseática, esta cansada percepção do crepúsculo cintila nos heróis em alguns pontos:

"Aparecer, falar, proceder, trabalhar e agir entre as pessoas [...] não era uma representação ingénua, natural e meio inconsciente dos interesses práticos que se tem em comum com os outros e se quer impor aos outros, mas uma espécie de fim em si (!), um esforço deliberado e artificial, no qual, em vez de uma participação interior sincera e simples, teve de surgir uma virtuosidade terrivelmente difícil e esgotante [...]" (Mann, s.d., 474).

Pois bem, os novos "virtuosos" despreocupados já estavam a caminho; com a industrialização arrebatadora, mais uma vez tinha surgido uma nova camada de novos-ricos capitalistas e aventureiros, que começava a exagerar enormemente a marca. Com a construção ferroviária, que desde o início era um número demasiado grande para as empresas familiares, a bolsa de valores, anteriormente marginal, teve uma inesperada ascensão e criou um novo tipo de empresa capitalista, mais moderna, que começou a romper com a forma arcaica do clã patriarcal familiar: Nas sociedades por acções, uma nova forma de administração de empresas se desenvolveu a partir do próprio sistema de crédito. Tal como o capital se tinha anteriormente dividido num capital "funcional" de produção de mercadorias e num puro capital monetário "que rende juros", a própria empresa produtora de mercadorias foi agora dividida numa sociedade de proprietários sem função (accionistas), mais semelhante ao capital de empréstimo ou de crédito, e num capital puramente "funcional" ou management, já não vinculado à propriedade jurídica (ele próprio formalmente assalariado ou apenas com uma pequena participação no capital social).

Os proprietários de acções, sem funções no processo real de produção do capital, participam na "sua" empresa de um modo muito semelhante a um mero financiador externo; e estão também envolvidos no lucro sob a forma de dividendos de um modo semelhante ao capital monetário remunerado, contudo não medido pela taxa de juro geral, mas naturalmente pelo sucesso empresarial específico da "sua" empresa. O momento especulativo, altamente ligado ao puro capital monetário ou de crédito, é assim transferido para o próprio capital produtivo. Pode-se ganhar a dobrar com uma acção, ou seja, não apenas através do dividendo, mas também através de um possível ganho especulativo de cotação. O dividendo é distribuído no final de um ano fiscal como participação do accionista no lucro real, num determinado montante por acção a ser determinado pelo conselho de administração da sociedade anónima. Ao mesmo tempo, no entanto, os lucros também são possíveis através do aumento da cotação das acções na negociação em bolsa. A cotação é o preço pelo qual a acção é realmente negociada na bolsa de valores. Pode exceder o chamado valor nominal muitas vezes.

Enquanto o dividendo está relacionado com o passado, ou seja, com o curso real completo dos negócios, o preço das acções está relacionado com o futuro, ou seja, com expectativas e esperanças possivelmente irrealistas. Um momento assim irracional faz-se sentir regularmente durante longos movimentos de alta das cotações da bolsa. Porque mesmo que os lucros futuros previstos no aumento do preço das acções realmente ocorram, eles serão distribuídos novamente como dividendos, ou reinvestidos em novas instalações de produção. Em certo sentido, portanto, os ganhos de cotação vêm somar-se aos lucros reais do negócio, como se o capital pudesse ser usado duas vezes. Basicamente, o optimismo dos próprios participantes da bolsa é capitalizado, ou seja, transformado numa espécie de "capital fictício" (Marx). Esta criação especulativa torna-se precária, o mais tardar quando se verifica que as expectativas não correspondem à economia real subsequente. A bolsa de valores não está, naturalmente, em condições de criar valores fictícios duradouros simplesmente aumentando os preços sem fazer quitação na forma de um "crash" (ou seja, um crash das cotações no poço sem fundo e, portanto, uma grande destruição de activos).

Tais crises já tinham ocorrido durante a transição para a moderna economia monetária capitalista, por exemplo, na famosa "especulação das tulipas", na Holanda do século XVII. Naquela época, uma "moda das tulipas" tinha-se desenvolvido nos círculos das cortes da Europa, de modo que os bolbos desta planta subiram de preço; no início, uma coisa bastante normal. Logo, porém, o comércio especulativo antecipou aumentos de preços futuros e, numa espécie de histeria, certas variedades foram finalmente trocadas por milhares de florins, ou pelo preço de casas completas (diz-se que um contramestre, ao regressar do estrangeiro, nada sabendo da especulação das tulipas, inocentemente comeu ao pequeno-almoço um precioso bolbo pertencente ao dono do navio e quase foi linchado). O processo não é, de modo nenhum, apenas psicológico. Há também um pré-requisito lógico para isso. Num sistema de compra e venda, o valor de uma mercadoria não é directamente idêntico ao seu preço expresso em dinheiro. O preço pode tornar-se temporariamente independente do valor real. É claro que todos sabem que um bolbo de tulipas não pode "valer realmente" tanto como uma casa completa. Mas assim que a onda especulativa começa a rolar, todas as bases de avaliação realistas são rapidamente esquecidas.

Numa especulação com acções, o aumento fictício do valor de certas mercadorias é transferido para empresas inteiras. Também houve precedentes para isto. No início do século XVIII, por exemplo, o aventureiro financeiro escocês John Law (1671-1729), que tinha entrado ao serviço da França, criou uma espécie de papel-moeda com o qual a sua "Compagnie d' Occident", fundada em 1717, sob a forma de direitos de propriedade sobre a colónia da Louisiana na América do Norte, levou o público a acreditar que haveria uma enorme riqueza futura e, até ao inevitável colapso, fez subir muitas vezes o valor realmente alcançável do papel. A expansão capitalista da economia monetária e as primeiras formas de papel-moeda moderno já eram assim acompanhadas por ondas especulativas, que, no entanto, dificilmente tocavam a reprodução social.

O boom bolsista como efeito colateral da grande industrialização depois de 1850 assumiu dimensões bastante diferentes. Isto foi particularmente verdade no caso do Reich alemão, que, após a guerra de 1870/71, recebeu milhares de milhões em indemnizações da França derrotada. A "Gründerzeit" [época da fundação], como é frequentemente referida hoje em dia, não foi menos do que um grande empreendimento de embuste, que não estabeleceu o grande boom do primeiro impulso de industrialização, mas completou-o. As cada vez mais agitadas e duvidosas sociedades anónimas surgem como cogumelos: "Enquanto entre 1850 e 1870 apenas 295 sociedades anónimas na Alemanha tinham obtido uma licença, entre 1871 e 1873 mais de 300 novas empresas [...] foram fundadas e entraram na bolsa todos os anos" (Lichter 1998). Por toda a Europa, a especulação ferroviária assumiu dimensões tão absurdas como as da holandesa "Mania das tulipas" em tempos. E como tem acontecido nesses casos desde então, desencadeou-se a especulação imobiliária, porque – assim é a expectativa irrealista – em tempos de boom sem fim, também se constrói sem fim. Como resultado, a falta de habitação em cidades como Berlim aumentou dramaticamente; o fosso entre a riqueza especulativa obscena e um ressurgimento da pobreza em massa aumentou cada vez mais. O centro do poder prussiano regressou subitamente à proximidade de uma emergência social e de tumultos:

"Em julho de 1872, houve ferozes lutas de barricadas entre a polícia e os desalojados em tumulto. O motim foi desencadeado quando, a pedido de um especulador, a polícia arrastou um carpinteiro do seu apartamento em Blumenstraße. 600 guardas de uniforme e o mesmo número à civil só dificilmente conseguiriam suprimir a revolta. Até os militares das guarnições em torno de Berlim estavam em alerta, e uma guerra civil não parecia impossível. Um dos oficiais, o futuro rei de Württemberg, escreveu para casa: "Teria sido um sentimento terrível ter de lutar em certas circunstâncias contra camaradas de armas sem abrigo, alguns dos quais acabados de regressar a casa! [...]” (Ogger 1982, 200).

A onda de especulação também procurou campos peculiares, como o cervejeiro. O resultado foi um aumento da produção de leveduras parcialmente não comestíveis e um aumento no preço da cerveja. Em 1873 as cervejarias e restaurantes em Frankfurt foram saqueados após batalhas de rua. Do príncipe reinante ao empregado doméstico (incluindo o próprio Bismarck), a mentalidade especulativa atravessou todos os estratos da sociedade, mesmo que só pudesse cobrir aquela pequena parte da população que tinha activos líquidos. Afinal, até "pessoas pequenas" levavam suas economias para as bolsas de valores que apareciam por toda parte. Em tudo isso, o ainda vivo espírito de classe conservador tendia a denunciar hipocritamente a duvidosa especulação e a contrapor-lhe um sólido e antigo mercantilismo arcaico, mas ao mesmo tempo a desempenhar um forte papel, de modo a não perder qualquer oportunidade com o "marco rápido" ou o "táler rápido". Mas também o movimento operário social-democrata criticou os excessos especulativos apenas do ponto de vista de uma produção séria de mercadorias e de um verdadeiro "produtivismo" capitalista. Neste peculiar estado de espírito, a pseudocrítica do capitalismo "francês" em nome de uma metafísica alemã-nacional na linha de Herder e Fichte germinou novamente de forma particularmente luxuriosa; August Heinrich Hoffmann von Fallersieben, o poeta da "Deutschlandlied" e nacionalista republicano de 1848, escreveu várias "canções sobre a fundação" escarnecedoras:

 

Sou um fundador feliz e fresco,

E já estou sentado à mesa

Como se não tivesse de continuar a preocupar-me

Com mais nada senão contar os juros.

 

Graças a Deus, eu sei o que fazer,

Não quero saber da cidade nem do Estado:

Fiel à vida de fundador

Vou fazer uma vida digna para mim.

 

O que me interessa o mérito?

o ganho continua a ser o meu senhor:

Vou entrançar como salário

Uma coroa de cidadão feita de acções.

 

Tais críticas poeticamente moderadas e moralizantes pouco tocaram, naturalmente, no coração de tubarões financeiros como o "Rei dos Caminhos-de-Ferro" Bethel Henry Strousberg ou o especulador imobiliário Heinrich Quistorp. O choro e ranger de dentes só começou quando o boom bolsista encontrou seus limites objectivos, porque as expectativas especulativas tinham levado os valores fictícios muito além de qualquer possibilidade de realização futura. O que estava por vir era o que tinha de vir, ou seja, o grande "crash da época da fundação" de 1873, iniciado com o colapso do Wiener Kreditanstalt. Um jornalista contemporâneo descreveu a grande ressaca:

"Durante a noite a língua alemã foi enriquecida com uma palavra [...] que de repente ressoou pela cidade, arruinando os meios de subsistência a muitos milhares, dos grandes piratas aos pequenos aproveitadores, trazendo infelicidade sem nome a inúmeras famílias sólidas e quebrando de repente toda a vida económica, e esta palavra foi chamada de "crash"! Ecoou pelos palácios dos duques, pelos corredores do parlamento, pelos corredores da bolsa de valores, pelas vilas dos ricos, pelas casas de campo, pelas lojas de frutas e leite. Crash! Crash! [...] E por toda a Alemanha ressoou esta pequena palavra esmagadora, e do Danúbio, do Sena, do Tamisa e do Tibre ecoou esta palavra terrível e inesquecível!” (citado em: Ohlsen 1987, 262s.).

Numerosas famílias foram completamente arruinadas, incluindo as da antiga "boa sociedade" estabelecida. Até mesmo Strousberg, em tempos vivendo como um príncipe, acabou por ser um mendigo um pouco mais tarde. Típico era o destino de um nobre prussiano que tinha vendido seu património herdado e investido os 250 000 táleres obtidos em novas acções, a fim de viver delas até ao seu abençoado fim. O Gartenlaube descreveu a espetacular ruína do homem pelo crash que se precipitou:

"As cotações começaram a afundar e afundaram sem parar; o banqueiro exigiu cobertura, e como esta não podia ser fornecida, ele pôs as acções à venda na bolsa de valores por meio de execução. O antigo proprietário tinha perdido toda a sua fortuna em menos de meio ano, e ainda devia ao banqueiro 20 000 táleres" (citado em: Ogger l982, 181).

Houve as habituais ondas de suicídio nestes casos, e num relatório administrativo da cidade de Charlottenburg de 14 de outubro de 1874 foi dito que, como resultado do crash da época da fundação, "o número de doentes mentais tinha aumentado imenso" (citado em: Ohlsen 1987, 265). Numa palavra: o carácter irracional do capitalismo irrompeu na atmosfera social; desde então, uma característica recorrente da conexão interna entre a ilusão do mercado accionista e a crise. E as consequências económicas já eram suficientemente devastadoras (não só) na Alemanha:

"61 bancos, 116 empresas industriais e 4 companhias ferroviárias entraram em falência. Os preços das acções nas bolsas de valores caíram e, já em 1876, os preços ainda estavam em média 50% abaixo das cotações durante o boom até fevereiro de 1873. O banqueiro Gerson Bleichröder, que tinha sobrevivido à crise relativamente incólume, estimou que cerca de um terço da riqueza nacional da Alemanha tinha sido perdida no colapso do mercado de acções. Em Berlim, dezenas de milhares de apartamentos ficaram vazios, e inúmeros proprietários não puderam mais pagar seus empréstimos bancários" (Ogger 1982, 202).

Só em Berlim, 30 dos 40 novos bancos entraram em falência (Geinitz 1996). O colapso foi mais amplo do que em todas as crises financeiras anteriores, que só tinham atingido a superfície da sociedade; mas, na verdade, ainda não penetrou tão profundamente na vida social como as explosões poderiam ter levado a esperar. Mas apenas porque a Alemanha e a Áustria, como centros do tremor de terra à escala europeia, ainda eram em grande parte agrárias na sua estrutura e o capitalismo industrial só ocupara parte do território social. Em todo o caso, durante quase duas décadas até ao início dos anos 90, a industrialização tempestuosa em toda a Europa entrou numa estagnação assustadora que mais tarde foi chamada "Grande Depressão" (Rosenberg 1976).

 

A lei do aumento da actividade estatal

Sob a impressão da contracção económica na crise da época da fundação e da crescente concorrência no mercado industrial mundial, cada vez mais entidades económicas capitalistas começaram a apelar ao Estado, incluindo a jovem indústria alemã de grande escala. Já não era apenas o medo de novas crises e da agitação social que desacreditava o liberalismo económico. Uma actividade estatal expandida provou ser cada vez mais urgente também para outros requisitos estruturais do capital. Em primeiro lugar, foi novamente trazido à baila o sistema de tarifas protectoras, em tempos propagado por Friedrich List, que tinha sido empurrado para trás pelo livre comércio após seu primeiro apogeu no terreno da União Aduaneira Alemã no período (em termos económicos) liberal após a Revolução de 1848:

"O apelo ao afastamento do comércio livre tinha tido um eco cada vez maior, uma vez que a queda dos preços também tinha afectado os pequenos produtores e os produtores de cereais tinham sido pressionados pela concorrência da Rússia e do ultramar. Em 1877, a "Associação de Reformas Tributárias e Económicas" dos proprietários de terras conservadores começou a exigir direitos de protecção para a agricultura e, no decorrer de 1878, tornou-se gradualmente claro que os direitos de protecção para a indústria, como exigido pela "Associação Central dos Industriais Alemães" com grande peso da indústria pesada, teriam de ser aceites. A aliança de defensores de direitos aduaneiros de protecção agrícola e industrial, assim iniciada, logo se mostrou capaz de conquistar uma maioria: Em 17 de Outubro de 1878, uma "Associação Económica Nacional do Reichstag" fez um apelo público, clamando por uma maior intervenção do Estado na vida económica e uma reviravolta no sentido de tarifas protectoras. 204 membros do Parlamento, ou seja, a maioria do Reichstag, subscreveram esta declaração" (Loth 1996, 64s.).

Embora houvesse oposição ideológica das bocas liberais contra esta nova política tarifária protecionista (Naumann também não era amigo dela), muitos deputados liberais aderiram à iniciativa. O factor decisivo foi sobretudo que os "fabricantes" capitalistas da indústria pesada superaram as meras preocupações teóricas. Onde os interesses directos do capital estão em jogo, os pragmáticos empresariais ou políticos do lucro e do poder sempre se preocuparam pouco com crenças puramente liberais. Com excepção da Inglaterra, que ainda podia contar com a sua liderança industrial, quase todos os Estados europeus reagiram às tendências de estagnação da "Grande Depressão" com uma política tarifária de protecção semelhante, conhecida como "protecionismo". A iniciativa da tarifa de protecção foi, naturalmente, apenas um pequeno segmento das actividades económicas do Estado que foi além da mera política social. Logo se tornou evidente que a economia de mercado industrializada, assim que cresceu para dimensões maiores, exigia uma crescente abundância de condições de enquadramento estatal e de actividades auxiliares.

Foi novamente o socialista estatal prussiano Adolph Wagner que primeiro tentou entender este desenvolvimento como uma lei económica geral. Sua famosa "Lei do aumento da actividade estatal", formulada do ponto de vista da teoria financeira como a "Lei da quota estatal crescente" (na representação monetária do produto social da sociedade) fez época. Na versão da sua "Economia Política Geral ou Teórica" Wagner coloca mesmo esta lei no contexto de um progresso cultural da humanidade em geral; a crescente actividade do Estado é, naturalmente, positiva para ele:

"As comparações históricas (temporais) e espaciais cobrindo diferentes países mostram que, à medida que os povos cultos progridem, há uma expansão regular das actividades estatais e de todas as actividades públicas realizadas por organismos autónomos ao lado do Estado [...] O Estado em particular, entendido como uma economia para o atendimento de certas necessidades, está a tornar-se cada vez mais importante para a economia nacional e para o indivíduo. Mas a sua importância relativa também está aumentando [...] Se [...] se junta o Estado com [...] outras actividades económicas necessariamente sociais que complementam a sua actividade, que são necessárias para muitos fins, então há também um aumento no total da actividade económica necessariamente social pública, especialmente estatal e municipal [...] [...] Razões relacionadas com a técnica de produção estão a levar cada vez mais a um aumento da actividade do Estado, do município, etc. mesmo na esfera das necessidades materiais e individuais [...] As razões internas desta expansão das actividades económicas do Estado ou 'necessariamente sociais' ou públicas em geral podem ser derivadas (a priori) em parte da natureza experimentalmente estabelecida do Estado e dos municípios no caso dos povos cultos avançados, e em parte resultam indutivamente dos factos individuais em que a expansão destas actividades ocorre. O seu conhecimento dá-nos o direito de falar de uma lei (económica) da crescente expansão das actividades públicas e especialmente estatais, uma lei que para a economia financeira deve ser formulada como uma lei das crescentes necessidades financeiras públicas do Estado e dos organismos autónomos" (Wagner 1879, 310s.).

Um professor alemão, é claro, não faz a coisa sob qualquer tipo de filosofia da história, mesmo que apenas queira descrever a indigência do modo de produção capitalista que é pressuposto sem críticas. Mas se a "derivação a priori" de uma actividade estatal por norma aumentada como expressão de um "progresso cultural" supra-histórico é pura ideologia, a referência "indutiva" a factos contemporâneos já encontrados pode certamente reivindicar validade. Pois não era de modo nenhum apenas um postulado, uma hipótese ou um prognóstico, mas já na época de Wagner era uma questão de explicar um facto que podia ser determinado empiricamente até certo ponto: Em certa medida, a actividade estatal, de forma discreta, expandiu-se naturalmente juntamente com a industrialização, contra toda a ideologia económica liberal. De acordo com Wagner, a razão para isso está no sucesso do modo capitalista de produção e, portanto, na expansão da própria concorrência do mercado:

"O desenvolvimento da economia nacional, em particular a cada vez maior divisão nacional e internacional do trabalho e o sistema de livre concorrência estão a criar relações de tráfego e jurídicas cada vez mais complexas. Isto resulta novamente num ligeiro aumento das disputas e desordens jurídicas, bem como dos conflitos de interesses entre indivíduos e grupos ou classes sociais e, consequentemente, em maiores exigências à actividade repressiva (!) e preventiva do Estado para realizar o objectivo da lei, à sua eficácia legislativa, compensatória ou conciliatória, bem como à sua eficácia judicial [...] O aumento extensivo e intensivo da actividade do Estado na área dos objectivos da lei e do poder é, portanto, compreensível, mesmo necessário, entre os povos cultos. Ele encontra a sua expressão numérica no aumento quase ininterrupto das necessidades financeiras do Estado para os grandes departamentos administrativos da justiça, do interior, da polícia, do exército, da frota e do serviço diplomático, e que pode ser reduzida ao denominador comum de ‘dinheiro’" (Wagner, op. cit., 315s.).

No entanto, a identidade da crescente economia de mercado e da crescente actividade estatal não resulta apenas das crescentes necessidades legais, administrativas e executivas. Como o mercado é uma "máquina" social cega e inconsciente, surge uma necessidade secundária de regulação não só a nível legal e social, mas também a nível material. Com a crescente cientificização de um modo de produção tão absurdo e implacável, o Estado, essa instância geral e abstracta da sociedade atomizada, deve fornecer cada vez mais muletas institucionais e materiais para que as operações capitalistas ainda possam funcionar. Para além das medidas de reparação dos danos permanentemente causados, isto envolve também a logística social do próprio sistema do mercado industrial, o que Wagner mais uma vez foi o primeiro a apresentar sistematicamente:

"Mas um momento decisivo, a transformação da tecnologia de produção (vapor! etc.), deve ser mencionado já mais frequentemente a favor de 'propriedade pública de terra e de capital' e produção ‘pública' de bens materiais: devido a este momento e devido ao estabelecimento de toda a operação económica a ele ligada, em parte o próprio Estado, em parte outros organismos públicos, nomeadamente o município, já estão agora e presumivelmente cada vez mais a qualificar-se para a aquisição de ramos de produção de bens materiais, além e em vez de empresas privadas. Estas últimas já foram muitas vezes substituídas por estes organismos públicos [...] O Estado desenvolvido selecciona [...] os ramos de produção de bens materiais para os quais a empresa estatal é mais adequada do ponto de vista técnico e económico, tem certas vantagens, não tem certas desvantagens em relação outras empresas […] Assim, como um todo, especialmente tendo em conta as áreas de transportes, construção de estradas, construção ferroviária, no Estado moderno desenvolvido ocorre uma maior actividade estatal na esfera da produção material do que antes. Isto é particularmente importante e digno de nota, entre outras coisas, porque com isto o Estado aparece também como de longe o maior empregador no domínio do trabalho material, físico, na economia nacional, e não apenas no do trabalho intelectual, onde muitas vezes é o único ou quase único empregador para certos tipos de trabalho (função pública) [....] No entanto, quanto mais estes momentos técnico-produtivos forem suportados e quanto menos o sistema de economia privada se comprovar em termos económicos, técnicos e sócio-políticos, mais ramos da produção de bens materiais serão transferidos para o Estado, e provavelmente sobretudo para o município, nos casos então cada vez mais frequentemente adequados" (op. cit., cit., p. 1), 319ss.).

São precisamente os "ramos da produção de bens materiais", mais tarde chamados de infra-estrutura material do modo de produção capitalista e seus mercados, que, segundo Wagner, o Estado pode operar mais funcionalmente do que o capital privado; e ele também nomeia as razões económicas logicamente convincentes para isso:

"Assim, a satisfação das necessidades na actividade económica necessariamente social através da mediação do Estado está aumentando em termos absolutos e muitas vezes também relativos na economia. Ambos os casos acima mencionados ocorrem particularmente quando é necessária uma elevada concentração espacial e temporal e uma uniformidade sistemática de actividades. Em parte só o Estado é adequado para este fim, e em parte a transferência de tais actividades para empresas privadas, por exemplo, para sociedades comerciais, tem as suas objecções, porque podem facilmente surgir monopólios de facto […] A expansão da actividade estatal está também frequentemente ligada à necessidade de serviços mais elevados, mais perfeitos, mais refinados do que aqueles que as empresas privadas e outras empresas públicas podem fornecer, e à necessidade de que o ponto de vista do ganho na actividade em questão fique em segundo plano, no interesse material em relação à qualidade do serviço ou em relação à grande importância cultural geral da actividade, pelo menos de não deixar que ele se torne dominante [....] Isto também é sugerido pela percepção de que o capital privado especulativo, especialmente, mas não só, sob a forma de associação de capital (sociedades por acções) muitas vezes em si mesmo ameaça levar ao desperdício, mas geralmente, pelo menos, ao deslocamento local e temporal do capital. O movimento de capitais torna-se inteiramente dependente da bolsa e da conjuntura actual, volta-se para usos que não são de modo nenhum ou não são nesta medida verdadeiramente produtivos economicamente, e é extremamente irregular ao longo do tempo, febrilmente excitado por um tempo, para depois se tornar completamente frouxo [...] Exemplos mais importantes [...] são a transferência de actividades antes privadas para o Estado [...]: Escolas, especialmente escolas superiores ou especiais, técnicas, secundárias, ao lado de escolas clássicas e universidades; telégrafos e ferrovias ao lado de correios; instituições municipais de transporte (veículos ferroviários puxados por cavalos), gás e obras hidráulicas; bancos (bancos emissores, caixas económicas); instituições de seguros (fundos de pensões, seguros de vida e de incêndio) e muitos outros" (loc. cit., 321s.).

Embora aqui Wagner ainda não diferencie conceptualmente entre a produção capitalista privada para o mercado e a infra-estrutura material geral (social global) como condição de enquadramento da economia de mercado, mas fale apenas de "vários ramos da produção de bens materiais", esta diferença económica qualitativa é, no entanto, feita implicitamente: o capitalismo industrial requer estruturas logísticas que não podem voltar a ser operadas capitalistamente de acordo com as leis da racionalidade puramente económica, sob pena de deixarem de cumprir a sua tarefa como condição social prévia do modo de produção enquanto tal. A infra-estrutura (no sentido mais amplo) da economia de mercado é diferente da própria economia de mercado, porque não pode ser apresentada de uma forma particular como uma empresa isolada, nem pode estar sujeita a flutuações cíclicas e movimentos de capital, mas tem de estar disponível em todo o país, permanentemente e sem flutuações. Portanto, o motivo do lucro não pode ser (ou não pode ser totalmente) aplicado nestas áreas, se se pretender que o sistema do lucro se possa reproduzir como tal. Em princípio, Adam Smith já tinha reconhecido este ponto de vista, mas numa dimensão quase insignificante. Agora, sob as condições de expansão do capital industrial, este problema teve de ser reformulado numa escala muito maior como uma "Lei do aumento da actividade estatal".

Também a este respeito, apesar de todos os ecos terminológicos e simbólicos, a velha reivindicação absolutista não volta abruptamente, mas a determinação do Leviatã experimenta uma expansão necessária na fase de desenvolvimento industrial do capitalismo. O conservador "socialista de Estado" Adolph Wagner enfatizou repetidamente que sua doutrina não era de modo nenhum anti-empresário, mas reconheceu "o significado que o empresário, o empresário capitalista tem [...] e que o socialismo não pode nem mesmo mentalmente substituir as funções do empresário capitalista privado no papel, e muito menos na prática" (Wagner 1912, 14). Para Wagner e Bismarck, o conceito de "socialismo de Estado" não se refere ao núcleo da produção capitalista industrial, mas ao problema das condições de enquadramento alargadas e a uma espécie de "função de capitão" do Estado enquanto competência de síntese nacional.

Em termos de história do desenvolvimento, a transformação da função do Estado capitalista pode ser descrita numa tríade dialética; tese, antítese e síntese do Leviatã referem-se não apenas ao Estado social, mas a um espectro mais amplo de actividade estatal. No sentido do absolutismo, o próprio Estado ainda tinha sido originalmente o "empresário geral" social para os propósitos dinásticos de obter dinheiro. O liberalismo que emergiu do absolutismo, por outro lado, tinha degradado o Estado a um "Estado guarda-nocturno"; como Leviatã, devia limitar-se à sua função repressiva e educativa, deixando a economia entregue a si mesma. O "socialismo de Estado" liberal-conservador do final do século XIX corrigiu agora esta oscilação do pêndulo e retomou as ideias de "economia estatal" da Revolução Francesa, que se tinha virado para o absolutismo republicano sem abandonar completamente a reivindicação do Estado sobre a economia como na Inglaterra.

Mas o empresariado capitalista privado já não era posto em causa; em vez disso, o "socialismo de Estado" deveria apenas gerir sectores "nacionalmente vitais" sob a sua direcção. No limiar do século XX e com a industrialização avançada, surgiram aquelas novas tarefas estatais acima e ao lado da actual economia capitalista de mercado que, segundo Wagner, se reflectem na "Lei do aumento da actividade estatal" e que podem ser resumidas principalmente em quatro sectores que vão para além da função puramente repressiva e de "guarda-nocturno": Primeiro, como uma necessidade cada vez maior de disposições legais e administrativas (incluindo os aparelhos correspondentes), que está ligada à economia de mercado e aos seus contratos ou actividades de troca; segundo, como política social e patrocínio estatal de regimes de segurança social para compensar e amortecer as "situações de mudança" capitalista e as quebras estruturais; terceiro, como intervencionismo económico, que já não aparece sob a forma de um "contratante geral" estatal, mas assume funções de controlo dos fluxos capitalistas a nível macroeconómico (política tarifária protectora, política monetária, etc.).Em quarto lugar, finalmente, como empresa estatal (e, portanto, como sector de propriedade estatal) da logística ou infra-estrutura material (transportes e energia, correios e telecomunicações, saúde, saneamento, reparação de danos ecológicos, eliminação de resíduos, instituições educacionais e científicas, etc.), que também estão crescendo juntamente com a economia de mercado e a industrialização.

Assim, a velha justaposição de economia estatal e economia privada da ascensão do capitalismo não era o verdadeiro problema. Assim como o Estado como aparelho de poder (Leviatã) separado da "sociedade civil" se tornou necessário, em primeiro lugar, por causa da concorrência generalizada dos membros da sociedade atomizada pelo dinheiro e transformada em indivíduos abstractos, também as necessidades do Estado se expandiram mais através da industrialização da própria economia de mercado capitalista privada do que os velhos economistas estatais do absolutismo poderiam ter imaginado.

No entanto, isto inevitavelmente deu origem a uma nova questão de custos, que implicitamente tem a sua própria dimensão de crise. Pois o facto de a racionalidade económica de mente estreita "externalizar" permanentemente os custos e os repassar à sociedade como um todo, porque tem de se declarar incompetente para todas as condições "gerais" básicas do modo de produção capitalista, resulta numa multidão de custos antecipados, custos de acompanhamento e custos adicionais juntamente com as tarefas e problemas da sociedade como um todo. Estes "custos empresariais gerais" ou "despesas gerais" da economia de mercado e da sua gestão irracional dos recursos tinham, portanto, de ser suportados pelo Estado, juntamente com as tarefas práticas correspondentes.

No entanto, como o próprio Estado já não podia ser um "empresário" produtor de lucro na realidade e no entendimento liberal-conservador, mas tinha deixado esta função da "bela máquina" para o sector privado, surgiu logicamente um "problema de financiamento" das suas crescentes tarefas na economia industrial de mercado. O facto de o Estado ter deixado de ser um "empresário geral" e de "apenas" ter de assegurar as condições de enquadramento aumentou a sua necessidade de dinheiro e, consequentemente, a sua ganância por dinheiro nas condições da industrialização, em vez de o reduzir. No sentido estrito de uma economia de mercado, apenas a tributação dos rendimentos do mercado poderia ser a fonte regular de financiamento do Estado. Como guardião do sistema capitalista como um todo, porém, o Estado não deve colocar um fardo demasiado grande sobre os rendimentos do sector privado (lucros e salários) para não arruinar o investimento e o consumo como motores de crescimento. O "socialista estatal" Adolph Wagner já declarou com alguma preocupação que "é preciso levar em conta que esses encargos não devem exceder um certo nível" (Wagner 1912, 16).

Infelizmente, porém, essas tarefas não são problemas subjectivos, mas objectivos, que são gerados pelo mercado cego e pelo próprio processo de industrialização. Esta objectividade já o próprio Wagner tinha notado na sua formulação da "lei" da crescente actividade estatal e das crescentes necessidades financeiras do Estado (sob a forma da crescente quota estatal do produto nacional). O aviso sobre a "certa medida" que não deve ser ultrapassada deveria, portanto, ter sido dirigido ao deus da máquina sem sujeito do próprio sistema capitalista de fim em si mesmo que, portanto, deveria ser rejeitado como insensato.

Tal como o Estado absolutista em parte, o recém-criado Estado regulador do capitalismo industrial não teve outra escolha senão aumentar as dívidas para além da sua renda regular, e fazê-lo de forma relativamente crescente em vez de decrescente. Embora a magnitude desta nova dívida nacional no final do século XIX não tenha de modo nenhum quebrado as fronteiras do sistema, ela foi registada com inquietação pelos ideólogos liberais-conservadores. O famoso historiador cultural e filósofo da história suíço Jacob Burckhardt (1818-1897) foi despertado para isso em suas "reflexões sobre a história mundial" com uma raiva à moda antiga, que já estava novamente voltada para as exigências sociais:

"Não se quer mais deixar as coisas mais importantes para a sociedade, porque se quer o impossível e se pensa que só a compulsão do Estado pode garantir isso [...] simplesmente se impõe ao Estado em sua crescente lista diária de deveres tudo o que se sabe ou se suspeita que a sociedade não fará. Em toda a parte, as necessidades e as teorias que lhes correspondem estão a aumentar. Ao mesmo tempo, porém, também as dívidas, a grande e miserável caixa de costura principal do século XIX. Esta forma de desperdiçar antecipadamente a riqueza das gerações futuras já prova uma arrogância sem coração como característica essencial" (Burckhardt 1978/1905, 135).

Para além do facto de Burckhardt também deslocar as "necessidades crescentes" como exigências ao Estado apenas para a vontade subjectiva, em vez de as reconhecer como problemas inevitáveis do modo de produção capitalista, ele também não regista o facto de a crescente dívida nacional não ser, de modo nenhum, gasta apenas para fins sociais, mas em grande parte para os custos operacionais do próprio capital. No sermão pseudomoral contra o duvidoso impulso da dívida estatal, que "esbanja sem coração a riqueza das gerações futuras", como desde então tem sido habitualmente pregado pelos imitadores conservadores liberais de pais de família sociais, nada mais emerge do que a esquizofrenia da consciência burguesa. Por um lado, a crise do sistema que ameaça a auto-contradição da racionalidade capitalista deve ser evitada, por outro lado, os representantes do sistema lamentam o mendigar de centavos para o Estado social já no momento de sua exigência. Embora os destinatários deste mendigar de centavos se tenham tornado necessitados em primeiro lugar devido às restrições do sistema capitalista, a questão do financiamento da sua pura sobrevivência é interpretada como "arrogância sem coração".

E mesmo o problema financeiro da infra-estrutura capitalista, indispensável para a "valorização do valor" industrial, é visto com relutância; o burguês, que é por natureza economicamente tacanho (como aqui se vê pelo ideólogo Burckhardt), preferiria ignorar as condições sociais de vida da sua própria obtenção de lucro particularista, porque elas "custam". O facto de ser a própria economia de mercado em crescimento que faz crescer diariamente o "caderno de encargos do Estado" é algo que ele não quer meter na sua cabeça. O núcleo racional dessa esquizofrenia é a suspeita de que a auto-contradição sistémica não é resolvida pela actividade estatal permanentemente expandida e pela dívida nacional associada, mas apenas adiada. A este respeito, surgiu um novo espectro no horizonte do desenvolvimento capitalista: a possibilidade de que as despesas gerais ou operacionais da economia de mercado pudessem subir tanto através do seu irracionalismo imanente que já não banissem a crise, mas a potenciassem. Na viragem do século, porém, esse fantasma ainda era relativamente pequeno, embora Burckhardt já o tivesse visto.

 

Absolutismo socialista

Paralelamente ao desencadeamento do sistema industrial de bola de neve e da política oficial do Estado social, a social-democracia cresceu e tornou-se uma força social na época dos impérios nacionais, desenvolvendo a sua própria contradição interna: por um lado, propagar a emancipação social contra as "injustiças" do capitalismo de forma abstracta e, por outro lado, querer levar a cabo essa emancipação nas próprias categorias capitalistas cegamente adoptadas. Para o carácter histórico do "socialismo" ou social-democracia, porém, não foi apenas a sua origem no liberalismo e nas suas organizações que foi importante, mas também uma mudança qualitativa no movimento de massas.

Nos primeiros tempos da industrialização, a revolta social de massas ainda tinha sido dirigida contra as imposições capitalistas enquanto tais, e tinha produzido a sua própria vanguarda, enquanto as "associações de trabalhadores" liberais permaneciam marginais, como forças auxiliares dos modernizadores burgueses contra o absolutismo. Nas revoluções burguesas de 1848, a revolta de massas original já tinha sido enfraquecida e sangrava, enquanto os grupos social-democratas que tinham surgido das associações de trabalhadores liberais ainda não tinham uma nova base de massas, mas estavam mais ou menos agitando a partir das salas dos fundos, procurando influenciar movimentos espontâneos. Só no período entre 1850 e a Primeira Guerra Mundial é que a social-democracia ganhou gradualmente a sua nova base de massas; e foi precisamente a partir das populações da classe operária, agora já na sua segunda ou terceira geração a trabalhar no sistema fabril, que já não conseguia ter nenhuma memória colectiva de condições pré-capitalistas ou pré-industriais relativamente melhores e que se tinha habituado em grande parte à disciplina fabril. Foi esta classe operária, em certa medida "domesticada" pelo capitalismo, que levou essencialmente à ascensão dos partidos socialistas e dos sindicatos no movimento social de massas.

Assim, as acções sindicais e social-democratas estavam longe de ter o carácter militante e rebelde, anti-autoritário, da revolta social anterior. Se os regimes conservadores liberais, apesar dos golpes da administração Bismarck, ainda assim fantasiavam uma "rebelião" iminente, foi sobretudo por causa de um acontecimento que deixou um estranho rasto de luz na história: a "Comuna de Paris" de 1871. A interpretação da Comuna, cuja existência entre Março e Maio de 1871 durou apenas algumas semanas e terminou num banho de sangue, foi (e ainda é hoje) determinada de ambos os lados por lendas apologéticas e mitologias que nada se aproximam do problema social fundamental, mas são apanhadas numa constelação historicamente objectivada.

O facto de a Comuna ter tido o carácter de uma "revolução operária" militar e de terem ocorrido confrontos violentos foi usado pelos regimes capitalistas conservadores liberais (e por todos os seus descendentes ideológicos) como prova do "colapso da lei e da ordem", como o fim da "segurança" da propriedade e das formas capitalistas de relacionamento, que desde a época de Bentham se tinham tornado uma necessidade anímica capitalista, foi interpretado quase como a ameaça do "fim do mundo", enquanto se justificavam todos os meios de repressão sangrenta no interesse de "salvar a sociedade". Por fim, o evento da Comuna foi usado como uma oportunidade para reconhecer a crescente social-democracia, apesar do seu carácter e origem completamente diferentes, com a mesma atitude de guerra que as velhas revoltas sociais. Por outro lado, na apologética socialista, a Comuna foi feita a principal testemunha da sua própria "perigosidade" e idealizada pelo radicalismo de esquerda como um ícone de ideias revolucionárias que não eram nem claras nem consequentes.

De ambos os lados, os eventos foram vistos através de óculos sociologicamente redutores limitados a categorias burguesas de vontade: o "factum brutum" sociológico de os trabalhadores assalariados ou seus representantes políticos terem entrado no palco do poder e forçado uma vontade política foi suficiente para as elites burguesas conservadoras liberais entrarem em pânico frenético. O que surgiu foi apenas aquele velho preconceito de classe que falsamente identificou a forma social da "bela máquina" com o poder subjectivo de uma camada social, com certos meios, elites e "famílias", como em tempos passados, sobre os quais o monstro do fim em si capitalista há muito crescera. Em contrapartida, os vários socialistas viam num governo ou co-governo de trabalhadores assalariados e suas organizações como trabalhadores assalariados em si uma espécie de garantia de emancipação social. Se o "Partido dos Trabalhadores" (ou mesmo o "Partido do Trabalho") tivesse uma palavra a dizer, pensava-se em ambos os campos que só isso significaria o fim do capitalismo.

Por outro lado, as formas sociais e as relações estruturais "sem sujeito", desenvolvidas num processo cego de várias centenas de anos e positivamente formuladas pelas ideologias afirmativas de Hobbes e Mandeville a Malthus, List, etc., permaneceram quase completamente irreflectidas ou já tinham sido internalizadas há muito tempo. Enquanto a reflexão teórica dos primórdios capitalistas desde o Renascimento se concentrou inicialmente em questões ético-morais ou antropológicas, tendo chegado à idolatria da teologia do sistema da máquina mundial capitalista com Adam Smith, Kant e Hegel, na segunda metade do século XIX o foco mudou: Na mesma medida em que o novo e inaudito da divindade sistémica secularizada se perdeu e suas categorias reais (trabalho abstracto, mercados de trabalho, socialização de mercado, aparelho estatal moderno, nação, etc.) se sedimentaram em auto-evidências quase ontológicas, o foco agora deslocou-se para as categorias sociais ou "classes" do sistema, que entretanto tinham emergido e estabilizado, e sua acção subjectiva no âmbito político e económico.

Só no final do século XX é que a teoria das ciências sociais deveria ir além desse superficial "sociologismo" positivista dos pontos de vista das classes e camadas, e retornar a uma reflexão teórica "estruturalista" e sistémica. Esta, porém, tem permanecido afirmativa até hoje e torna as formas capitalistas, num grau de abstração ainda maior do que com Smith ou Kant, em condições "naturais" de existência supra-históricas. Ao contrário de Kant, em particular, o problema da constituição destas formas sociais já nem sequer é considerado, precisamente porque elas já não precisam de ser justificadas, mas parecem pressupostas como evidentes.

Em 1870 e na "história do movimento operário" que se seguiu, o desenvolvimento e os acontecimentos históricos ainda eram vistos através dos óculos de um positivismo sociológico e da perigosidade anti-capitalista da Comuna de Paris, especialmente no aparecimento da "classe operária armada", sem reflectir a sua relação consciente ou inconsciente com as estruturas capitalistas. Assim, parecia irrelevante a razão pela qual a "classe operária" parisiense tinha realmente pegado em armas; o principal era que na verdade tinha sido essa categoria social quase metafisicamente carregada de pessoas que o tinha feito. Em todo o caso seria preciso mencionar como estranho que ao longo de todo o Segundo Império o antagonismo social em França nunca tivesse produzido sequer uma grande agitação, no padrão da primeira metade do século ou mesmo do período revolucionário do final do século XVIII. Na verdade, não foi um movimento social de massas que conduziu directamente a partir de si mesmo à Comuna de Paris, mas a derrota francesa na guerra contra a Alemanha liderada pela Prússia.

Quando Napoleão III tinha sido feito prisioneiro de guerra e as tropas alemãs-prussianas avançavam sobre Paris, tornou-se claro quanto o podre Segundo Império, corroído internamente e corrupto até ao ridículo, já tinha sido abatido. O "clamor de trovão" que abalou posteriormente a França foi um apelo nacional-patriótico, que sempre só casualmente colocou a questão social na ordem do dia, e mesmo assim sempre no quadro do sistema de produção de mercadorias e do seu "trabalho abstracto". Surgiu uma situação paradoxal que haveria de fazer pressentir toda uma época de catástrofes. O governo oficial de uma burguesia oficial desmoralizada, incluindo o parlamento e sua facção de esquerda, começou a temer os sentimentos patrióticos das massas de todo o povo, escapou de Paris para Versalhes e finalmente ofereceu-se para se render ao inimigo "externo". Os trabalhadores das fábricas, pequenos artesãos, comerciantes, etc. e as diversas organizações ideológicas (proto-social-democratas) do "trabalho", por outro lado, defenderam o princípio da forma capitalista da nação profundamente abalada e mostraram-se dispostos a fazer os maiores sacrifícios no altar da pátria. O participante e biógrafo da Comuna, Prosper Lissagaray, traz inconscientemente esta situação ao ponto em sua polémica contra a esquerda burguesa parlamentar:

"Foi preciso apenas um empurrão para derrubar este monte de entulho do império. O povo instintivamente ofereceu (!) a sua ajuda (!) para devolver a nação a si mesma (!), mas a esquerda se recusou, recusando-se a salvar a pátria com uma revolta (!), limitando todos os seus esforços a uma proposta ridícula e deixando o resgate da França para os Mamelucos [...] Durante três semanas, o Império Bizantino foi visto perfeitamente a regressar. Amordaçada, a nação foi mergulhada no abismo diante das suas classes dirigentes, que observavam em silêncio e imóveis" (Lissagaray 1894, 3).

Todas as declarações da Comuna, da Guarda Nacional (uma milícia largamente constituída por trabalhadores) e das várias organizações socialistas estavam cheias deste patriotismo e nacionalismo baboso, que culminou repetidamente no piedoso desejo: "Morrer pela Pátria! (Comuna de Paris 1871/Documentos, 1931, 235). É certo que, ocasionalmente, na linguagem pomposa da época, aparece também a esperança de que "as pátrias" um dia gostariam de se unir "numa personalidade colectiva e sublime: a humanidade" (ibid., 225); mas tais declarações não eram mais do que um ornamento decorativo dum patrioteirismo profundamente enraizado. Se o governo burguês oficial tivesse sido suficientemente enérgico para "defender a pátria" após o fim político-militar de Napoleão III, nunca teria existido uma Comuna de Paris. Como o nome sugere, foi simplesmente a administração municipal de Paris, que foi cercada pelas tropas alemãs-prussianas. Depois de novas eleições, foi dominada por grupos socialistas e continuou a guerra contra a vontade do governo que tinha fugido para Versalhes. Foi somente nesta constelação que a disputa pela correcta "defesa da pátria" também se tornou um conflito social e ideológico.

É claro que a Comuna não teve tempo suficiente para transformar fundamentalmente a ordem existente. No entanto, para além de formulações vagas, nem em França nem em qualquer outro lugar havia um programa que fosse além das ideias já limitadas e marcadas pelo capitalismo industrial da social-democracia. O facto de a Comuna ter mandado retirar os crucifixos das escolas, por exemplo, ou de o Arcebispo de Paris ter sido oferecido (e repudiado!) como resgate pelos communards condenados à morte em Versalhes, mostra apenas o quanto as ideias revolucionárias permaneceram no nível e no horizonte conceptual da revolução liberal burguesa. Para além destas acções marginais, as medidas em perspectiva da Comuna eram mais do que modestas e em nada ultrapassavam o quadro do modo de produção capitalista. As mudanças democráticas radicais no sistema político são as que mais provavelmente chamam a atenção: A Comuna decidiu sobre a elegibilidade permanente dos deputados e funcionários públicos ("mandato imperativo") e o famoso "salário operário" para todos os funcionários do Estado; uma medida puramente formal, outra puramente quantitativa.

Karl Marx, inspirado pela "heróica revolução operária", descreveu entusiasticamente estas reformas políticas como um progresso histórico decisivo: pela primeira vez, disse ele, tratava-se de "não mais transferir a máquina burocrático-militar de uma mão para a outra, como tem sido até agora, mas de rompê-la [....]" (citado de: Comuna de Paris 1871/Documentos, 1931, 290s.); e Lenine, o representante e ideólogo da posterior "Revolução Francesa do Leste" e de uma "modernização atrasada", chamou ao modelo da Comuna, numa famosa formulação, um "Estado que já não é mais um Estado" (loc. cit., p. 1), 292). Mas o mero democratismo radical, que sempre se refere às categorias insuperadas do sistema de produção de mercadorias, não pode tocar no Leviatã, assim como não pode tocar na máquina da economia mundial. "Elegibilidde" e "salário operário" não dizem respeito qualitativamente ao Estado como uma máquina reguladora de "trabalho abstracto", mas movem-se como medidas dentro do horizonte não compreendido do sistema.

As diferenças entre "reformistas" (no posterior sentido social-democrata ocidental) e "revolucionários" (no posterior sentido quase jacobino da Revolução de Outubro) são apenas relativas. O que Marx celebrou como a grande descoberta espontânea da Comuna, a "ruptura" da velha máquina do Estado (em vez de simplesmente assumi-la), sempre foi entendido pelo marxismo de forma puramente sociológica e assim redutora, como "radicalidade" apenas em relação à "perseguição" de certos grupos sociais de pessoas, nomeadamente a chamada burguesia e os seus funcionários. Este era basicamente o modelo da revolução burguesa, cuja versão "radical" tinha afastado o grupo social da nobreza ou tinha cortado algumas cabeças. Contudo, este radicalismo não se referia a uma "ruptura" da máquina estatal num sentido qualitativo superior, nomeadamente como uma suspensão do sistema produtor de mercadorias, do seu "trabalho abstracto" e também, logicamente, da conexa actividade reguladora de um aparelho estatal.

Embora o próprio Marx, que na sua teoria tinha criado os conceitos críticos de "trabalho abstracto" e fetichismo moderno, pudesse ter pensado em tal conexão no fundo da sua mente, na situação concreta da Comuna, esmagada pela repressão sangrenta e levado pelo pensamento sociologicamente limitado do movimento operário social-democrata, ele não podia mais formular o problema explicitamente. O radicalismo formal da "ruptura" da máquina estatal num entendimento sociologicamente redutor acabou por ser praticamente a mesma coisa que a variante reformista, que apenas procurava assumir ou participar no aparelho estatal existente: Em ambos os casos, o resultado só poderia ser, no contexto do sistema produtor de mercadorias não superado, que o "próprio povo", ou seja, os funcionários emergentes do movimento operário, assumissem a representação do Leviatã.

Basicamente, a diferença entre os "jacobinos" formalmente radicais do movimento operário e os reformistas referia-se apenas à assincronia histórica do desenvolvimento global: A variante jacobina revolucionária era mais adequada aos problemas da "modernização atrasada" na periferia capitalista, porque ali os elementos do sistema de produção de mercadorias só podiam ser imaginados a partir do nada por regimes ditatoriais com procedimentos expeditos; a variante reformista, por sua vez, era mais adequada aos problemas de uma economia industrial de mercado nos centros da Europa Ocidental, que já se tinha desenvolvido nas suas características básicas, onde se tratava mais de melhorar dentro do sistema a situação das massas já habituadas ao trabalho assalariado. A Comuna de Paris ainda estava, por assim dizer, entre estas duas possibilidades; mas nos seus decretos nunca se falou de uma crítica emancipatória do "trabalho abstracto". Isto é particularmente evidente em algumas das suas disposições sociais e económicas. Assim diz o "Decreto sobre Oferta e Procura de Trabalho":

"Em todas as Mairies existe um registo no qual os trabalhadores devem inscrever-se, por um lado com a sua profissão e, por outro, com as suas exigências e a sua oferta de trabalho. As Mairies dispõem igualmente de um registo no qual as empresas, empresários de todo o tipo, proprietários de fábricas, comerciantes, mercadores, etc. são obrigados a indicar, através de especificações detalhadas, a natureza e os benefícios sociais do trabalho que são capazes de oferecer. Os administradores de cada uma das Mairies de Paris são convidados a colocar imediatamente à disposição dos interessados as instalações, registos e pessoal necessário para a aplicação deste decreto" (Comuna de Paris 1871/Documentos, op. cit., 308).

Em linguagem simples: o que a Comuna pretendia aqui era, do ponto de vista de hoje, nada mais do que a constituição de um centro de emprego fedorentamente normal; uma instituição ainda desconhecida na época, mas que, como necessidade de uma "administração do trabalho", estava completamente na linha do desenvolvimento capitalista e, portanto, mais tarde, foi instalada em todos os países modernos sem qualquer "revolução operária" militar. O sistema de trabalho assalariado como fim em si mesmo já está aqui inquestionavelmente pressuposto, e isto também se aplica às modalidades de disciplina da fábrica, como mostra outro decreto da Comuna sobre os regulamentos nas oficinas:

"Durante as refeições, nenhum trabalhador pode permanecer nas oficinas [...] Cinco minutos antes do início das refeições e cinco minutos antes do fim do dia de trabalho, um sinal sonoro anuncia o fim do trabalho [...] Os trabalhadores devem comunicar a sua presença aos encarregados e as horas são contadas [...] Nenhum cidadão que não tenha o novo cartão de admissão pode entrar nas oficinas", etc. (Comuna de Paris 1871/Documentos, op. cit., 315).

Tal regulamentação não só faz lembrar os regulamentos de fábrica do capitalismo primitivo, em que os trabalhadores eram intimidados como crianças pequenas num sistema escolar autoritário, mas é absolutamente congruente com eles. Assim, muitas medidas da tão alardeada e tão insultada Comuna já eram uma espécie de projeto bentamiano, no qual o inventor liberal de uma autopedagogia repressiva teria tido prazer. Além da constelação histórica específica da paradoxal "insurreição pela nação", que estava na mesma linha de auto-submissão aos princípios capitalistas da forma, o pensamento e a acção da Comuna não diferiam fundamentalmente do dos "partidos operários" posteriores.

Assim, na mesma medida em que apenas poderiam ser levadas à prática as experiências imanentes do sistema fabril em ascensão, que se fundiram com elementos da ideologia social-democrata herdados do liberalismo, surgiu um movimento operário positivo (já não negatório) com autodisciplina incorporada. Até na organização do "lazer", as organizações de trabalhadores ideológica e estruturalmente domesticadas, mais ou menos inconscientemente, entregaram-se à tarefa de praticar e aperfeiçoar a disciplina capitalista do corpo e da mente, por exemplo, nos novos desportos laborais emergentes e no colectivismo mecânico, em alguns aspectos quase militar, das organizações proletárias juvenis e culturais.

Face ao "inimigo de classe" superficial, percebido na redução sociológica, os partidos socialistas e os sindicatos, por um lado, organizaram a pressão para reformas e melhorias do sistema através de greves (na sua maioria bem moderadas), negociações colectivas e comícios políticos; por outro lado, os seus aparelhos constituíram uma formação do próprio movimento operário que apoiava o Estado. Até hoje, estas organizações, que foram rigidamente institucionalizadas desde o início, têm permanecido hierarquizadas e autoritárias na sua estrutura. Não é sem razão que a cautelosa crítica social-democrata e do partido comunista à Comuna, de resto iconizada, mais tarde tenha sido, na sua maioria, que ela não era suficientemente "centralista". A proximidade desta ideologia com o socialismo de Estado prussiano de cunho bismarckiano e wagneriano é perfeitamente evidente. Lassalle já tinha elogiado o Estado "em si" como portador do desenvolvimento da civilização e como educador da raça humana, na tradição dos educadores liberais do povo e dos industriais, cujo legado a social-democracia havia absorvido.

Mas é claro que o Estado socialista que se visa como meta a longo prazo deve ser um Estado suposto completamente diferente, porque já não é liderado pela "burguesia": um Estado dos trabalhadores para os trabalhadores, um "Estado operário" ou um "Estado futuro" social, como era chamado no programa da social-democracia alemã. É verdade que Karl Marx resmungou contra essas formulações nos bastidores, porque elas cheiravam demais ao seu antigo rival Lassalle, e porque em seu teórico "programa secreto" de uma crítica radical do fetichismo moderno, que por enquanto se tinha tornado historicamente inviável, estava na verdade latente o problema de tomar de volta o aparelho estatal alienado que originalmente havia crescido do absolutismo como uma sociedade de "indivíduos livremente associados". Mas, por outro lado, o legado liberal do movimento operário trazido pelo próprio Marx incluía inevitavelmente o elemento do Leviatã, e, sob a pressão do crescente espírito do tempo de intervencionismo estatal, ao qual a ideologia social-democrata do movimento operário facilmente se assimilava precisamente por meio desse legado, Marx poderia apresentar a sua objecção fundamental apenas como um incómodo teórico.

Obrigada e reverente para com o patriarca filosófico e os mistérios da sua teoria, mas sem qualquer compreensão real, a social-democracia incluiu no seu programa a "abolição do Estado" como uma fórmula vazia; contudo, apenas para um futuro distante e irreal, enquanto para todas as acções práticas, reformas e ideias de transformação social o aparelho de Estado apareceu como um sistema de referência quase "natural", assim como, por outro lado, a forma geral de mercadoria dos produtos e do trabalho assalariado já tinha sido internalizada, tal como os correspondentes estados "naturais" de reprodução económica e social.

A social-democracia foi além do socialismo estatal de Wagner e Bismarck apenas num ponto, porém, não para frente, mas para trás: o "Estado socialista" ou "Estado operário" (cuja imaginação, apesar de todas as concessões aos escrúpulos teóricos de Marx, permaneceu decisiva para a imagem do futuro dos trabalhadores) não era apenas para complementar a função do empresário nas áreas de administração, infra-estruturas, concertação social, etc., mas era para assumi-la e substituí-la completamente no núcleo do sistema industrial. No movimento operário social-democrata de todos os lugares, as exigências dos velhos aparelhos absolutistas contra a economia de mercado regressaram na sua forma mais pura, disfarçadas de socialistas. Karl Kautsky (1854-1938), o principal teórico da Social-Democracia após a morte de Marx e Engels, na sua explicação do "Programa de Erfurt" do SPD de 1891 (com o consentimento de Engels, que ainda estava vivo na época) não deixou dúvidas de que a suposta superação da produção de mercadorias nas categorias não superadas da própria produção de mercadorias (isto é, nas formas de "valor" económico e dinheiro) não poderia ser posta em prática de outro modo que não através de um aparelho estatal omnipresente:

"Das organizações sociais existentes hoje, existe apenas uma que é suficientemente grande para ser usada como estrutura de desenvolvimento da cooperativa socialista, ou seja, o Estado moderno [...] O Estado moderno não é apenas [...] a única organização social hoje existente que é suficientemente grande para fornecer a estrutura para uma cooperativa socialista, é também a única base natural (!) desta [...] O desenvolvimento económico impulsiona o Estado [...] a juntar cada vez mais empresas nas suas mãos, em parte no interesse da sua autopreservação, em parte para melhor gerir as suas funções, ou finalmente para aumentar as suas receitas [...] A actividade económica do Estado moderno é o ponto de partida natural do desenvolvimento que conduz à cooperativa socialista. Isto não significa, contudo, que toda a nacionalização de uma função económica ou empreendimento económico seja um passo em direção a uma cooperativa socialista, [...] sem necessidade de mudar nada na natureza do Estado [...] Assim como o Estado não levou a nacionalização além do que é do interesse das classes dominantes, assim continuará a fazê-lo no futuro. Enquanto as classes possuidoras forem também as classes dominantes, a nacionalização das empresas e funções nunca chegará ao ponto de danificar o capital privado e a propriedade em geral [...]. Só quando as classes trabalhadoras do Estado se tiverem tornado as classes dirigentes é que o Estado deixará de ser uma empresa capitalista; só então será possível transformá-lo numa cooperativa socialista. Dessa constatação surgiu a tarefa que a social-democracia se propôs: quer que as classes trabalhadoras conquistem o poder político para que com a sua ajuda possa transformar o Estado numa grande cooperativa económica, essencialmente auto-suficiente" (Kautsky 1922/1892, 115-126, destaque de Kautsky).

É um quadro sombrio do futuro socialista que aqui se desenha, e reflecte certamente as características básicas da ideologia do movimento operário. A contenção protestante do movimento operário social-democrata, já socializado através do sistema fabril na prisão do trabalho, expressou-se de forma estranhamente enviesada: Por um lado, como bajulação serviçal dos critérios capitalistas, por outro, como frustração pela rejeição desdenhosa das elites conservadoras liberais e da sua política de proibição ou pelo menos de repressão. Na ideologia social-democrata, esta contradição foi processada como uma fuga para uma absurda "radicalização" do socialismo de Estado burguês-bismarckiano. O "sujeito histórico" metafisicamente inflado da "classe operária" apareceu imaginativamente no papel das antigas dinastias, e os aparelhos social-democratas retomaram a grande pretensão de dirigismo estatal dos seus antepassados absolutistas, enquanto ao mesmo tempo a forma capitalista da nação era exagerada além da realidade burguesa para um espaço de referência que seria "completamente auto-suficiente" precisamente em termos económicos; o nacionalismo político escalou assim em reinterpretação socialista para a ideia de um enclausuramento social e económico quase auto-suficiente. O "internacionalismo proletário", aparentemente propagado em sentido contrário, nada tinha a ver com as relações sociais e culturais transnacionais (abolindo o campo de referência da nação), não controladas pelas próprias massas, mas foi reduzido a uma espécie de relação diplomática dos vários aparelhos partidários nacionais, documentada nas declarações vazias dos congressos socialistas internacionais. Há algo de incrível no facto de que tão negra utopia negativa, que era composta pelos pesadelos colectados do absolutismo e do liberalismo, pudesse ser estilizada com com toda a seriedade biedermeier de Kautsky numa visão do futuro positiva e filantrópica "cientificamente comprovada".

É claro que este carácter do socialismo de Estado social-democrata não permaneceu completamente escondido, mesmo para os contemporâneos. Em particular a ala anarquista do movimento operário, que permaneceu marginalizada na Alemanha e na Inglaterra, mas conseguiu alcançar alguma influência nos países latinos, criticou repetidamente a fixação socialista no "aparelho estatal moderno". Neste contexto, Erich Mühsam (1878-1934), o poeta anarquista assassinado pelos nazis, cunhou o apropriado termo "Bismarxismo" para o pensamento da social-democracia alemã em termos de fé no Estado. E o teórico anarquista alemão Rudolf Rocker chamou ao percurso do movimento operário da época do Império até ao fim da Segunda Guerra Mundial "linhas de pensamento do absolutismo para o socialismo" (Rocker 1974/1950). Mas, por mais que os anarquistas sentissem aqui uma verdade, eles próprios eram filhos desta época e nada menos que descendentes ideológicos da social-democracia, do liberalismo e das suas edificantes escolas dominicais. Rocker não deixa dúvidas sobre isso quando se expressa (cum grano salis representativo da ideologia anarquista em geral) sobre a importância e a relação interna das grandes teorias sociais da modernidade:

"O socialismo moderno foi basicamente apenas a continuação natural das grandes correntes liberais do pensamento dos séculos XVII e XVIII. O liberalismo tinha dado o primeiro golpe fatal ao sistema do absolutismo principesco e tinha conduzido a vida social em novas direcções. Seus promotores espirituais, que reconheceram no mais alto grau de liberdade pessoal a alavanca de toda reorganização cultural e quiseram reduzir a actividade do Estado aos limites mais estreitos, tinham assim aberto à humanidade perspectivas completamente novas do seu desenvolvimento futuro, o que deveria ter levado a uma superação de todas as aspirações de poder político e a uma administração competente das coisas sociais, se a sua visão económica tivesse acertado o passo com a sua visão política e social. Infelizmente, esse não foi o caso. Sob a influência crescente de uma monopolização de toda a riqueza natural e social, que se processava a um ritmo cada vez mais rápido, desenvolvia-se um novo sistema de servidão económica, que tinha um efeito cada vez mais fatal sobre todas as aspirações originais do liberalismo e sobre os princípios reais da democracia política e social [....] O movimento socialista poderia ter colocado uma barragem contra este desenvolvimento das coisas [...] Poderia ter-se tornado o executor da vontade do desenvolvimento do pensamento liberal (!), dando-lhe uma base positiva através da sua luta contra os monopólios económicos e dos seus esforços para fazer com que a produção social servisse as necessidades de todos. Através deste complemento económico às ideias políticas e sociais do liberalismo, ele poderia ter-se tornado um componente poderoso na consciência do povo [...] Só que a grande maioria dos socialistas lutou com incrível cegueira contra as ideias liberais básicas da concepção liberal da sociedade [...] Deste modo, a crença na omnipotência do Estado, que tinha sofrido um duro golpe das ideias liberais dos séculos XVIII e XIX, foi refrescada e metodicamente fortalecida. É significativo que os representantes do socialismo autoritário na luta contra o liberalismo tenham muitas vezes tomado as suas armas emprestadas do arsenal do absolutismo, sem que a maioria deles sequer se desse conta. Muitos deles, especialmente os representantes da escola alemã, que mais tarde alcançaram uma influência tão notável sobre todo o movimento socialista, tinham andado na escola de Hegel e Fichte e outros representantes da ideia do Estado absoluto" (Rocker, op. cit., 3s.).

Aqui se mostra que os anarquistas em suas críticas ao "absolutismo socialista" não poderiam sequer reivindicar metade da verdade para si mesmos. Com total ingenuidade, a linguagem orwelliana do liberalismo é tomada à letra, sem a mínima penetração crítica dos textos mais que claros dos seus clássicos (por exemplo, em relação aos "trabalhadores pobres"), e sem esclarecer o seu fundo histórico-social. À semelhança da ideologia social-democrata, o problema do modo de produção capitalista aparece na sua redução sociológica, ou seja, como mera expressão da vontade dos grupos sociais na forma da "monopolização da riqueza", enquanto a "bela máquina" de Adam Smith, a forma fetichista da "valorização do valor" e seus critérios económicos permanecem completamente ignorados.

Obviamente o anarquismo, como a social-democracia, não foi capaz de retomar os impulsos das velhas revoltas sociais e de transmiti-los criticamente com uma consciência teórica superior da máquina social capitalista. O anarquismo e a social-democracia, ambos surgidos das escolas dominicais liberais e originalmente alimentados à mesma mesa, reproduziram na sua oposição apenas a contradição do absolutismo e do liberalismo, bem como a contradição interior do próprio liberalismo: Como os social-democratas tinham acusado os liberais de "traição" à revolução democrática burguesa, assim os anarquistas, por sua vez, acusaram os social-democratas de "traição" à "herança" dos princípios liberais, sem nunca saírem da esfera de influência do sistema moderno de produção de mercadorias e da sua religião repressiva do "trabalho" nestas disputas. Os social-democratas apenas renovaram a reivindicação absolutista de um dirigismo estatal abrangente sob a égide dos seus próprios aparelhos no terreno da democracia de mercado (idealmente antecipada), enquanto os anarquistas, por outro lado, propagaram um "antimonopolismo" económico que sustentava a ideia do indivíduo económico abstracto.

Ambos os lados não perceberam que a divisão esquizofrénica da sociedade moderna em monstros competitivos individuais "livres", por um lado, e o monstro estatal sintetizante do Leviatã, por outro, é o resultado inevitável de um sistema totalizado de relações das mercadorias, no qual o dinheiro se tornou um fim em si mesmo em processo. Assim também permaneceu escondido para eles que o problema desta formação social não só permaneceria presente para além da luta contra as dinastias absolutistas e suas derivações históricas no terreno das democracias produtoras de mercadorias, mas seria até mesmo apresentado e exacerbado na sua forma pura. Anarquistas e social-democratas ainda discutiam sobre as noções de suas origens liberais, referindo-se à revolução burguesa de 1848, e nem notaram até que ponto a sociedade capitalista industrializada já tinha crescido para além dela, e como o carácter sistémico desse modo de produção se tinha tornado objectivado para além do desbotamento da contradição entre regimes "monárquicos" e "democráticos" ou "republicanos".

Que a "classe operária", disciplinada (e cada vez mais autodisciplinada) ao longo de gerações pela força ou pela lavagem cerebral, não pudesse mais sair da prisão categorial da socialização capitalista, mesmo como movimento social, não é de modo nenhum surpreendente, mas uma consequência lógica da sua história. Assim, a época do "movimento operário", que é idêntica à época da industrialização, também só produziu ideias de emancipação redutoras e atrofiadas, que nada mais poderiam ser do que derivados socialistas das formas capitalistas. Se a ideologia anarquista de uma sociedade "livre" de indivíduos produtores de mercadorias foi largamente degradada a um fenómeno marginal e a ideologia de um "absolutismo socialista" dominou no movimento operário, então isto correspondeu completamente ao espírito capitalista da época. Enquanto os pensadores e os práticos liberais-conservadores já tinham reagido às exigências da industrialização com um renascimento moderado das ideias do intervencionismo estatal, a social-democracia ocupou o mesmo pólo do Leviatã numa versão "superdeterminada", o que favoreceu o aparelho estatal moderno (democraticamente desenvolvido) como "empresário geral".

 

Couraçados e nacionalismo predatório

A nova relação entre o aparelho de Estado e a economia não poderia limitar-se às condições internas das economias nacionais emergentes. Não foi de modo nenhum apenas o delírio emocional patriótico de todas as classes e estratos do capitalismo industrial que estimulou uma política externa expansiva, a qual excedeu o agressivo impulso expansionista dos velhos regimes de modernização absolutista com suas eternas guerras dinásticas de sucessão. A concorrência económica entre nações no mercado mundial industrial politizou a economia também externamente, tornando a política externa do Estado um parâmetro económico em muitos aspectos.

A relação funcional entre Estado e nação, que se tinha tornado abstracta e já não estava ligada a pessoas (até o "Imperador Gilherme" era apenas um representante funcional), e que surgia como uma "super-pessoa" no Leviatã, não só tinha de regular as relações jurídicas e infra-estruturais etc. dos sujeitos concorrentes dentro das nações, mas ao mesmo tempo tornou-se um grande sujeito político e económico da concorrência externa. Na época liberal, a concorrência das empresas capitalistas ainda se desenvolvia, por assim dizer, transversalmente aos espaços económicos nacionais apenas então emergentes e às suas instâncias político-estatais de síntese. Na época liberal-conservadora do novo intervencionismo estatal, porém, o espaço económico nacional com o seu Estado "capitalista global ideal" (como Marx chamou a este contexto) evoluiu para uma supra-instância relacionada com o mercado mundial, em que os elementos de soberania política e concorrência económica quase coincidiam.

É claro que foram ainda as empresas capitalistas individuais, especialmente as grandes corporações, que se iam consolidando progressivamente, que entraram em relações de concorrência no mercado mundial. Mas como não podia haver a nível mundial uma meta-instância reguladora “estatal-mundial” correspondente ao Estado-nação, o aparelho estatal nacional tinha de estar por detrás das relações externas das "suas" empresas como auxiliar, como poder de ajuda, garantia e imposição, o que, inversamente, significava que, ao contrário do que acontecia no início do século XIX, estas empresas apareciam como uma espécie de agente ou representante de uma economia nacional controlada pelo Estado. Por outras palavras: Em contraste com a sua função meramente reguladora interna, o aparelho estatal nacional assumiu externamente pelo menos algumas características de um "empresário global" nacional.

O facto de a concorrência internacional dos grandes sujeitos nacionais no mercado mundial não poder desenvolver um quadro jurídico e administrativo, ao contrário da concorrência económica nacional, tornou-se uma questão cada vez mais perigosa. Assim como no conceito de economia moderna a troca no mercado implica a concorrência entre muitas empresas capitalistas e o Estado nunca pode tornar-se o verdadeiro "empresário global", também no conceito do Estado moderno a soberania política sobre uma determinada área implica a existência concorrente de outros Estados em outras áreas e um "Estado mundial" repetidamente invocado em más utopias é uma impossibilidade lógica. Por esta razão, o relacionamento entre Estados a todos os níveis, especialmente a nível económico, nunca foi geralmente controlável, mas teve de ser repetidamente renegociado e redefinido em acordos bilaterais ou multilaterais, caso a caso; o chamado "direito internacional" permaneceu sempre apenas um fraco rudimento sem força vinculativa final.

As relações entre Estados e de comércio externo tornaram-se assim repetidamente, de modo não muito diferente dos séculos anteriores, a "selva" dos predadores monstros leviatânicos. Assim como a política pós-absolutista foi a continuação da economia por outros meios, assim, segundo o famoso bon mot do general e teórico militar prussiano Carl v. Clausewitz (1780-1831), a guerra continuou a ser a continuação da política por outros meios. Em primeiro lugar, os novos Estados-nação capitalistas na Europa estavam a disputar até mesmo áreas industriais, fontes de matérias-primas (carvão) e zonas de influência; a Alsácia-Lorena permaneceu um pomo de discórdia entre os recém-formados "inimigos hereditários" França e Alemanha, e planos monótonos de conquista e incorporação também estavam germinando nos cérebros do Estado capitalista.

Em segundo lugar, o colonialismo também entrou numa nova fase. Enquanto a colonização ibérica da América Latina ainda pertencia à época inicial absolutista, e os holandeses, franceses e especialmente a colonização inglesa na América do Norte, Índia e Pacífico tinham marcado a era do liberalismo crescente, os regimes conservadores liberais das economias nacionais do capitalismo industrial entraram agora numa nova corrida política de conquista colonial. Esta luta renovada pela redivisão do mundo foi mais tarde chamada a "era do imperialismo" de 1880 a 1914, uma limitação arbitrária e um nome enganoso, na medida em que as aspirações imperiais das potências europeias (e, em breve, da filial europeia, os EUA) determinaram o desenvolvimento do sistema mundial capitalista, tanto antes como depois deste período.

Apenas as formas e disfarces ideológicos diferem. Enquanto o imperialismo liberal de livre comércio se contentava principalmente com fortalezas comerciais nas costas dos países colonizados, o esforço logo se transformou em Estados coloniais abrangentes, apesar da má experiência britânica com a América do Norte. Já a conquista da Índia pela Grã-Bretanha (1856) apontava nessa direção. O que ficou para conquistar no tempo do imperialismo, por assim dizer "oficial", foi sobretudo o continente africano. Não foi só a Inglaterra e a França que voltaram a ter problemas (por exemplo, na chamada crise de Fachoda, em 1898, com o nome de uma cidade do Sudão onde os exploradores coloniais ingleses e franceses colidiram). O Império Alemão, como "último a entrar" colonial e o mais jovem aspirante a potência capitalista mundial, também esteve fortemente envolvido em África (e em parte na Ásia Oriental). Embora já tivesse havido uma tentativa de colonização prussiana na Costa do Ouro sob o Grande Eleitor Frederick William (1640-1688), este não passou de um episódio. No final do século XIX, o novo imperialismo alemão lutava com força pelo seu próprio império colonial. Em 1884, Togo e Camarões foram declarados "áreas protegidas" alemãs e, no mesmo ano, o Sudoeste Africano alemão tornou-se um protectorado. Em 1891 o Império guilhermino toma conta da África Oriental alemã. Rebeliões dos Hotentotes e Hereros são sanguinariamente massacradas pelas tropas coloniais alemãs. Durante muito tempo, os protagonistas de bigode ficaram particularmente orgulhosos disso, pouco menos do que da sua vitória sobre a França em 1870/71. Na região do Pacífico, o império guilhermino apenas assumiu alguns pequenos territórios coloniais: em 1885, a Nova Guiné alemã foi declarada "área protegida", em 1897 Kiauchau na China Oriental foi ocupada, em 1899 um grupo de ilhas do Mar do Sul (Ilhas Carolina, Ilhas Marianas, etc.) foi comprado à Espanha, e em 1900 parte de Samoa foi reivindicada como "área protegida".

A rivalidade imperial das grandes potências europeias promoveu uma nova corrida aos armamentos que deveria superar de longe todos os esforços militares anteriores. Pois o armamento forçado agora acontecia no nível tecnológico do capitalismo industrial, que produzia técnicas de destruição e sistemas de armamento novos ou "melhorados". Em 1867, o químico sueco Alfred Nobel (1833-1896) inventou a famigerada dinamite, um novo explosivo com eficácia sem precedentes. A empresa Nobel tornou-se a primeira grande empresa internacional de defesa, com fábricas de explosivos em vários países. Movido pelo remorso, o inventor dos novos poderes destrutivos e magnata industrial Nobel doou o prémio internacional com o seu nome. Nada poderia caracterizar melhor o cinismo objectivado da civilização modernizadora capitalista do que o facto profundamente simbólico de que o mais prestigiado prémio internacional da ciência, e até mesmo o "Prémio da Paz", considerado com reverência em todo o mundo, é doado pela maior corporação de explosivos e baptizado em homenagem a um industrial de armamento. Escusado será dizer que este prémio é normalmente atribuído apenas a cientistas conformistas, e o ramo de palma do prémio Nobel da Paz é também atribuído a figuras extremamente dúbias ou hipócritas.

Claro que, no curso do desenvolvimento industrial, os canhões e outras armas de fogo também foram concebidos para serem cada vez "melhores", cada vez maiores e de maior alcance. De acordo com a era da máquina, o norte-americano Sir Hiram Stevens Maxim (1840-1916) inventou a metralhadora em 1883, a partir daí a arma principal da infantaria, com uma velocidade de disparo de mil balas por minuto. No "devorador" Império Alemão, a empresa Krupp fez do seu nome um dos fabricantes centrais de armamento. Desde os "pequenos começos" cantados como de costume por biógrafos posteriores da corte, embora de uma antiga família de comerciantes que vendia armas há séculos, o rebento Alfred Krupp com a sua sociedade anónima sediada em Essen tornou-se o "Rei dos Canhões" alemão. Muito antes da fundação do Império Alemão, esta empresa produzia canhões de aço fundido e tinha-se estabelecido como fornecedor militar da corte prussiana desde 1859. Apoiada por generosas injecções de dinheiro da Prússia, a forja de armamento Krupp tornou-se cada vez mais gigantesca:

"Ele investiu o dinheiro em equipamentos como o martelo de forja de 1000 quintais 'Fritz', para o qual uma floresta inteira de troncos de árvores teve que ser derrubada para as fundações. Com este monstro, Krupp foi capaz de processar os maiores blocos de aço do continente em armas de grande calibre ou eixos de navios para as futuras gerações de vapor" (Ogger 1982,145).

Na verdade, para além do desenvolvimento avançado da tradicional tecnologia de destruição das armas de fogo, a militarização marítima foi o principal conteúdo da corrida aos armamentos europeia. Pois embora os grandes exércitos terrestres fossem adequados à luta pelo poder na própria Europa, eles não eram adequados à expansão colonial; e ainda não havia aviões. Assim, o armamento e a política de frotas tornaram-se o momento central do novo imperialismo, materializado em cada vez mais monstruosos "navios blindados":

"Extremamente dispendiosos e sem precedentes nas suas dimensões, os programas de construção de frotas, alimentados por conflitos de interesses agudos entre os Estados imperialistas e pela luta pela redivisão do mundo, acabaram por levar à criação de forças navais cujos principais navios de combate, os navios de linha, se assemelhavam a fortalezas móveis de aço. Na corrida aos armamentos geral entre os Estados capitalistas mais desenvolvidos do mundo, as forças navais foram criadas, construídas e estruturadas de acordo com princípios básicos semelhantes [...] Em geral, o princípio era incorporar as últimas descobertas da ciência e da tecnologia na marinha o mais rapidamente possível [...] Isto levou a um entrelaçamento militante de política, tecnologia e ciência que era desconhecido até então. Todas as soluções técnicas acabadas de amadurecer foram imediatamente utilizadas para o armamento da frota, a fim de alcançar objectivos expansionistas ambiciosos através da posse de forças navais ainda mais fortes. Isto aplica-se à construção naval e à blindagem, bem como a armas, a unidades de propulsão, ao uso de electricidade a bordo e às comunicações e sinalização. As sondas sonoras alertavam para baixios e novas vias de transmissão de mensagens foram abertas por transmissores e receptores de som subaquáticos. A telegrafia sem fios que se desenvolveu a partir de meados dos anos 90 do século XIX foi de grande importância para a interação das forças navais com o seu comando geral [...] Assim, os navios blindados da viragem do século reflectiam todo o nível do estado da ciência e da tecnologia alcançado nos respectivos Estados e, portanto, ao mesmo tempo, o seu poder económico" (Israel/Gebauer 1991, 8ss).

Contra o pano de fundo do nacionalismo geral, o armamento naval logo formou a sua própria mitologia. A nova "Pintura Naval" gostava de retratar navios de guerra pesados e cruzadores blindados numa aurora kitsch, e a máquina debulhadora de frases militaristas rodava a toda velocidade. No Império Alemão, na Inglaterra, em França e na Itália, o entusiasmo pela marinha progredia a alta velocidade; numa estranha mistura de interesses pela indústria de armamento pesado e euforia expansionista como um fenómeno de massas histérico, "associações navais" propagandísticas foram fundadas em toda parte, desenvolvendo-se um verdadeiro "movimento naval". De acordo com o Plano Tirpitz de 1896, baptizado com o nome do seu autor, Almirante v. Tirpitz, o objectivo declarado do armamento da frota guilhermina era "expulsar a Grã-Bretanha da sua posição de potência marítima e mundial dominante" (Deist 1976, 10).

Naturalmente, o carácter irracional dos programas nacionais de armamento também se refletiu numa avalanche de custos resultante do crescimento dos exércitos, frotas e seus equipamentos técnicos. Entre 1875 e 1914, o número de homens no exército alemão aumentou de 430 mil para mais de 800 mil, o da Marinha de 6 mil para 80 mil e, entre 1880 e 1910, o total das despesas militares aumentou de 462 milhões de marcos (marco ouro!) para cerca de 1 500 milhões de marcos; em 1914 já tinha ultrapassado os 7 000 milhões de marcos. Segundo a "lei do aumento das despesas governamentais", o orçamento militar era de longe a maior fatia das despesas governamentais, representando entre 20 e 30 por cento. Era bastante semelhante ao das outras grandes potências imperiais do capitalismo industrial.

A questão é, naturalmente, se o esforço literalmente "louco" valeu realmente a pena. No resultado final e do ponto de vista macroeconómico, esta pergunta deve ser respondida com um "não" muito claro. Do princípio ao fim, o desastroso colonialismo e as ambições de poder mundial custaram a todas as "potências" envolvidas muito mais do que puderam afinal trazer. Mas isso é que a teoria marxista do imperialismo, que em todas as suas variantes pressupunha axiomaticamente o sucesso capitalista global da exploração colonial, nunca quis admitir. A tácita hipótese de fundo sempre foi que tudo o que "os capitalistas" e o Estado capitalista fazem deve ser bom também para o capitalismo. Isso, é claro, porque os marxistas tinham assumido cegamente do liberalismo as categorias da racionalidade burguesa e escondido tudo o que ia além disso na teoria de Marx. Assim, o marxismo não só pensou toda a sua crítica social ela própria nos conceitos da produção capitalista totalizada de mercadorias e das suas formas de ganho, sem sequer reconhecer o carácter fetichista do sistema; ele também adotou a ideia liberal original do "cálculo racional dos interesses", tanto para si mesmo como para o outro lado. O carácter irracional deste modo de produção, por outro lado, não foi compreendido, ou foi-o apenas num sentido superficial (como falta de capacidade de controlar os processos da economia de mercado). Enquanto Marx, muito para além do seu tempo, abordava o carácter paranóico do sistema com o seu conceito de fetiche, os teóricos marxistas do movimento operário já não eram capazes de ver no "cálculo racional dos interesses" uma mera racionalidade interna de uma objectivação absurda. E foi nesta forma redutora que eles também perceberam o imperialismo.

De facto, a expansão colonial, tal como a política de armamento naval, só pode ser entendida como expressão, continuação e prolongamento da mesma estrutura independente e ilusória que já tinha produzido o "trabalho abstracto" como tal e suas instituições disciplinares no sentido de Bentham. O Estado imperial como "capitalista global ideal" não só continuou o irracionalismo da concorrência económica em termos de "política externa", mas por isso mesmo foi incapaz de elevar o "cálculo racional dos interesses" particular ao nível da sociedade como um todo. A loucura da lógica de base teve de reaparecer ao nível da concorrência entre as "potências" imperiais e repercutir-se nela própria.

No fundamental e a longo prazo, o capitalismo não ganhou nada através do colonialismo e do imperialismo, mas o que pode um contexto sistémico em processamento fetichista e cego "querer" ganhar? A linguagem dos representantes subjectivos e idólatras da "bela máquina" foi, desde o início, a da loucura cintilante. Assim, a qualidade autodestrutiva da concorrência imperial no limiar do século XX não pode surpreender, pois correspondia à lógica de uma forma fundamentalmente autodestrutiva de sociedade.

No seu núcleo, a teoria marxista do imperialismo baseava-se em grande parte no economista inglês e reformador social burguês John Atkinson Hobson (1858-1940), cujo livro de 1913 sobre o imperialismo, por sua vez, continuava com ideias socialistas comuns sobre as causas das políticas de anexação imperialistas mesmo antes da viragem do século. A argumentação de Hobson, tal como adoptada e apurada pelos teóricos marxistas Hilferding e Lenine, tomou (à semelhança da teoria algo diferente de Rosa Luxemburgo) como ponto de partida o limite interno e a crise do crescimento capitalista: o capital monetário acumulado já não podia ser reinvestido de forma suficientemente rentável nas economias nacionais industriais da Europa devido ao esgotamento dos mercados internos e do potencial de crescimento. Portanto, o capitalismo nacional precisava de expansão colonial para abrir espaços para a exportação de capital.

O argumento do limite interno era em princípio verdadeiro, em termos puramente lógicos, mas na realidade esse limite de modo nenhum foi praticamente atingido no limiar do século XX. O sistema industrial de bola de neve que emergiu da grande crise de transformação na primeira metade do século XIX de modo nenhum terminou na própria Europa. De facto, atravessou recessões cíclicas e crises estruturais de afirmação durante a transição dos antigos para os novos ramos de produção; mas como nessa altura, na maioria dos países europeus, toda a reprodução social ainda estava longe de completamente coberta pelo capitalismo, e as inovações de produtos essenciais e relativamente intensivas em mão-de-obra ainda estavam por vir, a expansão económica interna do capital não poderia ter-se esgotado. Além disso, a teoria de Hobson e seus sucessores marxistas ignorou em grande parte o facto de que havia um impulso económico interno adicional na forma do crédito estatal em expansão, a fim de adiar o limite lógico do capitalismo e provocar um certo crescimento artificial. Mesmo que essa possibilidade acabasse por se transformar num potencial de crise próprio, também estava para além do horizonte histórico de eventos, e o problema só então começava a ser discutido, mesmo teoricamente.

No entanto, a argumentação de Hobson e dos seus sucessores marxistas não estava de modo nenhum completamente errada e tinha pelo menos em parte fundamento empírico; especialmente quando são incluídas na análise não só as novas aquisições coloniais tropicais desde 1880, mas também os territórios coloniais como um todo e (como sobretudo Lenine sublinhou) também os Estados "semicoloniais" formalmente independentes da periferia capitalista. Mas, antes de mais, esta descoberta só era válida para a Grã-Bretanha, que tinha de longe as maiores possessões coloniais; não só a exportação de capital britânico foi quatro a dez vezes superior à dos países capitalistas europeus continentais, mas também uma parte considerável – que cresceu até 1914 entre 35 e mais de 50 por cento – foi para as colónias britânicas ou para territórios mais ou menos dependentes.

Para a França, por outro lado, que afinal administrava um império colonial com grande extensão territorial, esta quota foi sempre inferior a 10 por cento e, portanto, consideravelmente inferior; e no caso do Império Alemão, de qualquer maneira dificilmente excedeu 1 por cento sem causar uma grande crise de investimento. A situação particularmente exposta da Grã-Bretanha como potência mundial imperial foi assim generalizada apressadamente. Em segundo lugar, especialmente para a Grã-Bretanha imperialista avançada e dominante, o resultado deste fluxo de capital foi apenas uma desproporção gritante entre os custos improdutivos (especialmente militares, administrativos, logísticos, etc.), por um lado, e o "lucro" a longo prazo, por outro, como o historiador Grover Clark afirmou claramente em 1936 num grande estudo (citado em: Mommsen 1979, 100). O enorme esforço deve-se certamente também ao facto de a tecnologia capitalista industrial de transporte, logística e comunicação, apesar de seu desenvolvimento dinâmico na viragem do século, de modo nenhum estar suficientemente crescida para o tamanho ainda demasiado grande da reprodução transcontinental.

É claro que tudo isso não muda o facto de que, em nome da política de conquista colonial predatória, milhões de pessoas foram mortas, mutiladas e humilhadas, países inteiros foram devastados e arruinados pela exploração predatória. Este desenvolvimento devastador parece ainda mais gritante à luz do facto de que no final nem mesmo um resultado lucrativo em termos de capitalismo total foi alcançado. Seria também extremamente superficial e apologético trivializar o colonialismo e o imperialismo como um mero "erro histórico", como um fenómeno externo e na verdade estranho ao capitalismo, e possivelmente como um resíduo fatal de formas de pensar absolutistas e pré-democráticas etc. Isto não é permitido desde logo porque a participação formalmente igualitária dos regimes pós-coloniais do "Terceiro Mundo" no mercado mundial não impediu o processo de empobrecimento e humilhação da maioria da população desses países, mas até o acelerou quantitativa e estruturalmente. A crueldade colonial relativamente arbitrária foi substituída pela crueldade objectivada e legitimada da "bela máquina" na sua forma globalizada num nível qualitativamente novo.

Na viragem do século, a reprodução do capital, de modo nenhum plenamente desenvolvida, estava ainda em grande parte centrada nacionalmente. Isto não significa, contudo, que o nacionalismo predatório irracional no exterior nada tenha tido a ver com a lógica interna do capital. É verdade que a troca no mercado é por natureza diferente de um roubo violento; pressupõe uma relação jurídica e a equivalência das mercadorias trocadas. É por isso que os apologistas afirmam frequentemente que a economia de mercado é a coisa mais pacífica do mundo e exactamente o oposto de condições violentas, predatórias e compulsivas. Mas isto é inteiramente no sentido de Bentham: negligencia-se completamente que o propósito do evento (ao contrário dos mercados pré-modernos, como formas marginais e de nicho duma economia agrária natural) não é a troca de bens necessários para ambas as partes. Pelo contrário, por trás da alegre actividade de relações de troca formalmente iguais está o fim em si mesmo irracional da "bela máquina", a incessante acumulação de dinheiro (valor económico, quanta de "trabalho abstracto"). A economia de mercado, e nunca será demais enfatizar isto, é apenas uma esfera funcional secundária da produção capitalista como fim em si mesmo.

Este fim em si mesmo, na sua forma económica de valor em feedback consigo mesmo (mais-valia), não é evidentemente idêntico ao simples roubo, mas é muito mais sofisticado na sua objectivação social. A ideia do movimento operário do "roubo" da mais-valia retida era, portanto, sempre ingénua e, como já foi demonstrado várias vezes, ela própria presa às formas de ganho do capitalismo; contudo, refere-se a um sentimento correcto, embora enviesadamente expresso, e à experiência real do momento compulsivo e violento do modo de produção capitalista. Não é apenas a "coacção muda das condições" (Marx), imposta com extrema brutalidade após longas lutas sociais defensivas, que constitui este momento, mas são sempre também os aparelhos da administração burocrática de pessoas e da repressão aberta que estão prontos para cortar imediatamente qualquer tentativa do material humano para escapar aos "moinhos do diabo". Também o trabalho escravo para o mercado mundial directamente forçado pela violência foi parte da ascensão do capitalismo, como Wallerstein, por exemplo, demonstrou. E mesmo a troca supostamente livre no mercado pode ser imposta à mão armada, se os "parceiros de troca" não quiserem sentir-se confortáveis com as formas de troca capitalistas e as condições dos países ocidentais.

Um elemento predatório e violento pertence assim, com muitas nuances, aos negócios normais do dia-a-dia do capitalismo. Neste contexto, torna-se compreensível que as irracionais ambições colonialistas e de anexação tenham sido capazes de dominar o pensamento moderno durante tanto tempo. O facto de os custos e prejuízos pesarem demais para a sociedade no seu todo não é uma característica específica do colonialismo, mas faz parte da própria essência do modo de produção capitalista. O ponto de vista do capital total é sempre apenas um ponto de vista virtual, abstracto, teórico e contemplativo, que não é praticamente ocupado por nenhuma autoridade; a este nível também não existe uma contabilidade de custos praticamente relevante, pois esta está limitada ao nível empresarial particular, e a contabilidade do Estado também não pode ser do capitalismo no seu todo, mas está limitada às suas próprias receitas e despesas.

O irracionalismo macroeconómico da expansão imperial pode, no entanto, ser transformado em objectivos internos das várias instâncias particulares. Assim, "a desproporção gritante entre as despesas governamentais com as colónias e o seu valor real para a respectiva economia nacional" não significa de todo "que os grupos económicos individuais não tenham, mesmo assim, obtido lucros elevados" (Mommsen 1979, 100). Isto não dizia respeito apenas aos investidores coloniais directos e aos "comerciantes de mercadorias coloniais", mas sobretudo à indústria de armamento e ao seu lobby político, que em breve se iria transformar num "complexo militar-industrial" preservado e ampliado até aos dias de hoje. Nunca se tratou (nem trata) apenas dos meios para um fim desagradável (anexador, repressivo, etc.), mas sempre ao mesmo tempo também de um fim em si mesmo, que naquela época se manifestava simbolicamente nos couraçados e nos grandes navios de guerra, e que representa um momento sui generis dentro do fim em si mesmo capitalista geral. Pois embora em termos de capitalismo global seja um factor de custo improdutivo e a longo prazo um factor de crise financeira, o complexo militar-industrial é ao mesmo tempo não só uma empresa lucrativa para os capitais individuais envolvidos, mas também um sector de crescimento e emprego com efeitos secundários artificialmente alimentado pelo crédito estatal, que inicialmente tem um efeito bastante supressor de crises. É apenas no caso de uma crise das finanças públicas que o potencial de crise deste factor acaba por reaparecer. É claro que o mesmo efeito poderia ser alcançado por uma política deficitária em outros sectores, mas o liberalismo e a sua contraparte conservadora simplesmente adoram o custo das máquinas de destruição muito mais do que os cansativos mendigos do Estado social. Se há déficits, então apenas aquela notória "gota de óleo social" entra num prato da balança, enquanto o martelo a vapor de 1000 quintais para produção de canhões pode calmamente passar ao lado do outro.

Mas o complexo militar-industrial de modo nenhum foi o único momento de racionalidade interna capitalista do imperialismo. Do ponto de vista do Estado-nação capitalista industrial, outros aspectos parcialmente racionais, no sentido do pressuposto modo de produção irracional, podem certamente ser reconhecidos. Assim, para a indústria capitalista centrada na nação (e para o sistema industrial como um todo) a possibilidade de aceder a reservas estratégicas de matérias-primas constitui uma importante razão indirecta, determinada pela necessidade material-técnica, para se comportar de forma imperialista apesar da desproporção geral de custos e benefícios. No virar do século, isto ainda dizia respeito principalmente ao carvão e ao minério de ferro e, a este respeito, os regimes imperiais, bem como as federações de capital industrial organizadas nacionalmente, estavam tão interessados na anexação de territórios europeus vizinhos como em aquisições coloniais. O político industrial e enfaticamente democrático Walther Rathenau (1867-1922), membro do conselho de administração da AEG, que seu pai tinha fundado, e figura na galeria oficial dos antepassados da democracia alemã do mercado mundial, com a qual ruas e praças ainda hoje são nomeadas em quase todos os lugares, fez uma das declarações mais duras sobre este complexo em seu ensaio "Perigos alemães e novos objectivos" em 1913, bem ciente da relação custo-benefício:

"Nos primeiros tempos, acreditava-se que as colónias eram úteis como Estados tributários, ou como lugares de escoamento para a população excedentária, ou como áreas de venda. Hoje percebemos que normalmente custam mais do que trazem [...]; por isso estamos facilmente inclinados [...] a subestimar o valor da propriedade no estrangeiro. Logo veremos que cada pedaço de terra é valioso como substância; pois mesmo o menor possui ou produz alguma matéria-prima; e se não for a mais directamente utilizável, serve como substituto. Os últimos cem anos significaram a divisão do mundo. Ai de nós que tomámos e recebemos quase nada! Não é a ambição política nem o imperialismo teórico que proclama esta queixa, mas o princípio do conhecimento económico. Aproxima-se rapidamente o tempo em que os materiais naturais deixarão de ser produtos de mercado disponíveis como são hoje, para passarem a ser bens preferenciais e disputados; as jazidas de minério serão um dia consideradas mais como couraçados forjados a partir das suas galerias [...] Não podemos alimentar e empregar cem milhões de alemães numa geração com os produtos de meio milhão de quilómetros quadrados de solo nativo e uma parcela de terra africana, e não queremos cair à mercê do mercado mundial. Precisamos de terra nesta Terra. Não queremos tirá-la a nenhum Estado culto, mas em divisões futuras deve caber-nos tanta quanta a necessária até estarmos quase tão satisfeitos como os nossos vizinhos [...] Nada pode ser contraposto a esta linguagem, porque o argumento das matérias-primas é irrefutavelmente verdadeiro [...]" (citado em: Opitz 1994, 204s.).

Isto já indica outro motivo da racionalidade interna que levou as elites capitalistas da época a uma estratégia de anexação imperial, ou seja, o mesmo medo profundo de uma nova catástrofe social que poderia espreitar no seio do futuro capitalista e que já tinha produzido as ideias sem convicção do "socialismo de Estado" de Bismarck. O facto de as miseráveis redes do Estado social nunca conseguirem resistir a uma nova quebra secular na acumulação de capital fez com que a expansão imperial parecesse um amortecedor decisivo para possíveis crises alimentares e de emprego. É claro que este é um elemento que não pode ser capturado nas estatísticas contemporâneas sobre investimento, mas que, no entanto, tem um conteúdo real; pois o medo do futuro das autoridades capitalistas também pode tornar-se violência material, especialmente porque nunca é infundado. Este medo levou todos os Estados imperialistas à acção, e não menos a própria potência mundial britânica, cujos representantes também caíram repetidamente na ideia de compensar as restrições sociais internas do capitalismo pela expansão externa; o facto de, como na Europa continental, especialmente no que diz respeito à alimentação das massas, as ideias de autarcia nacional (que não por acaso também caracterizavam o programa socialista do movimento operário) virem repetidamente à tona vê-se, por exemplo, num discurso de Lord Dunravon em 1884:

"Seria uma loucura abandonar as colónias, a preciosa herança dos nossos antepassados. Espero que não esteja muito distante o dia em que só das nossas colónias teremos todas as nossas necessidades vitais satisfeitas, que todos os pães que comemos terão crescido como grãos nas nossas colónias. Só por esta razão somos obrigados a acorrentar as colónias a nós e a protegê-las" (citado em: Lautemann/Schlenke, 575).

Max Weber (1864-1920), por outro lado, um proclamador da política mundial imperialista alemã, cujo trabalho sociológico serve hoje aos antigos críticos sociais anticapitalistas como uma posição teórica de amortecimento e retirada no mundo académico (é agora muito mais fácil citá-lo do que citar Marx sem uma quebra de reputação), via a política expansionista sobretudo como uma solução potencial para o sempre presente "problema do desemprego". Em 1896 ele advertiu numa palestra: "Para isso precisamos de espaço para o exterior, de expandir a possibilidade de ganhar a vida [...], ou seja, de expandir a área de poder económico da Alemanha para o exterior, e a longo prazo isso está absolutamente condicionado pela expansão do poder político para o exterior" (citado em: Lautemann/Schlenke 1980, 586). Um ano depois ele acrescentou, dirigindo-se directamente à venerada "classe operária":

"A classe operária alemã ainda hoje tem a opção de procurar oportunidades de trabalho na pátria ou no estrangeiro. Mas isto chegará ao fim definitivamente em pouco tempo, quer os trabalhadores queiram ou não. O trabalhador ficará então limitado exclusivamente à margem alimentar que o capital e o poder da sua pátria souberem criar para ele. Quando este desenvolvimento terá lugar, não sabemos, mas é certo que terá lugar, certo é o surgimento de uma luta feroz pelo poder em vez de um progresso aparentemente pacífico" (op. cit., 586).

Esta mistura de ameaça leviatânica e sedução imperial poderia referir-se ao a priori de uma "margem de manobra alimentar" capitalistamente condicionada, que o movimento operário socialista já tinha, pelo menos implicitamente, reconhecido sob a forma de salário monetário como a única reprodução social concebível. No mesmo ano de 1897, ainda mais flagrante se tornou a Associação Nacional-Social do ideólogo chefe liberal Friedrich Naumann, cujas ideias ainda são consideradas a base da ala "social-liberal" do liberalismo alemão. Talvez nunca tenha ficado claro o quanto os democratas liberais do Império contribuíram directamente para a preparação intelectual não apenas da Segunda Guerra Mundial, mas também do nacional-socialismo. O "Catecismo Nacional-Social" para a popularização de um pensamento liberal "socialmente" modificado, não tem papas na língua:

"l. Porque se chamam nacional-socialistas? Porque estamos convencidos de que o nacional e o social pertencem um ao outro. 2. Que é o nacional? É o impulso do povo alemão para estender a sua influência sobre o globo. 3. Que é o social? É o impulso das massas trabalhadoras para estender sua influência entre o povo. 4. Como é que os dois estão relacionados? A extensão da influência alemã sobre o globo é impossível sem o nacionalismo das massas, e a extensão da influência das massas entre o povo é impossível sem o desenvolvimento posterior do poder alemão no mercado mundial. 5. Em que medida a extensão da influência alemã sobre o mundo depende do espírito nacional das massas? Porque os grandes sacrifícios que têm de ser feitos pela frota e pelo exército para que a Alemanha signifique alguma coisa na Ásia, África, América e sobretudo na Europa não podem ser feitos a longo prazo sem a vontade das massas trabalhadoras [...] 22. A influência de todos os povos cultos não pode expandir-se em conjunto? Não, porque o mercado de vendas para as mercadorias destes povos não é suficientemente grande. Este mercado está a crescer mais lentamente do que o esforço de expansão dos povos cultos. A luta no mercado mundial é uma luta pela existência [...]"(citado em: Opitz 1994, 125).

Obviamente, Estado social autoritário e imperialismo entrelaçaram-se para formar um complexo político-económico global, no qual as contradições internas do capitalismo deveriam ser dirigidas para fora do espaço interno nacional. Esta ligação era evidente não só na Grã-Bretanha e na guilhermina Alemanha, mas em todos os Estados capitalistas industriais. Já no século XIX o termo "social-imperialismo" foi cunhado para ele. Por mais importante que este aspecto seja, porém, não pode explicar o imperialismo exclusiva ou principalmente, como afirma o historiador social Hans-Ulrich Wehler, por exemplo, no qual a opção social imperialista parece ser um momento central, pelo menos para o Reich alemão; e isto é motivado principalmente pela rejeição conservadora dos esforços de reforma da social-democracia. Por outro lado, não é apenas o acesso estratégico às reservas de matérias-primas, os interesses próprios dos comerciantes ou investidores coloniais e o impulso do complexo militar-industrial com a sua função social global como factores independentes que devem ser mencionados. Pelo contrário, foi a lógica da concorrência capitalista enquanto tal que foi transformada pelo sistema nacional de referência económica para um nível político, interestatal: A continuação da concorrência nas formas político-militares dos "capitalistas globais ideais" opostos teve de ser levada a cabo independentemente de qualquer benefício positivo como uma luta quase sem objectivo (ou mesmo também a este nível como fim em si mesmo) por "esferas de interesses". Este ou aquele benefício poderia ser usado como uma justificação secundária, mesmo que fosse apenas a abstracta "esperança de que os territórios em questão pudessem um dia ser desenvolvidos de forma economicamente benéfica no futuro, ainda que o seu valor económico fosse zero ou negativo em dado momento" (Mommsen, loc. cit., 100). Mas esta afirmação só tem um valor explicativo se estiver relacionada com o carácter inerentemente irracional do capitalismo e da sua "economia de mercado", em vez de pressupor axiomaticamente que o capitalismo é o melhor de todos os mundos.

 

Bananas e mais nada

Também não é muito plausível contrapor o social-imperialismo à exigência social-democrata de reforma. O movimento operário "domesticado" já pensava em categorias capitalistas de ganho e estava fixado nas formas burguesas de nação e democracia, assim carregando já dentro de si a semente do social-imperialismo. É verdade que os social-democratas alemães votaram regularmente contra o orçamento para a construção da frota no Reichstag, e os congressos internacionais dos socialistas adoptaram uma declaração pacifista atrás de outra. No entanto, tudo isto permaneceu no papel e não foi levado muito a sério por ninguém, excepto pela ala esquerda numericamente insignificante, representada na Alemanha por Rosa Luxemburgo imediatamente antes da Guerra Mundial. A rejeição formal da expansão imperial e da política de armamento deveu-se provavelmente mais ao facto de os aparelhos socialistas e sindicais continuarem a ser excluídos pelas elites imperialistas da co-administração estatal do que a uma verdadeira oposição de princípio.

O veículo mais importante para que o movimento operário aderisse ao social-imperialismo era, naturalmente, o nacionalismo exacerbado, que os partidos socialistas tinham absorvido com o leite materno liberal de esquerda muito antes da era imperialista. Já na Guerra Franco-Prussiana de 1870/71 o colapso aberto da amizade socialista internacional só tinha sido evitado porque a peculiar constelação de um governo burguês, que se entregou ao "inimigo externo" por medo do nacionalismo das massas, tinha distorcido as verdadeiras circunstâncias. Mas quando esta situação especial, incluindo a "Comuna de Paris", ainda não existia e os dois Estados capitalistas estavam num Estado de guerra moderno bastante "normal", já se tinha tornado claro, quase meio século antes da Primeira Guerra Mundial, onde os socialistas de ambos os lados do Reno realmente estavam, nomeadamente do lado da respectiva "pátria" capitalista – prontos para o fratricídio. Embora os documentos relevantes não tenham sido prontamente citados mais tarde, eles não deixam dúvidas. Quando os regimentos alemães-prussianos se deslocaram para França, uma "assembleia geral de trabalhadores" em Augsburgo, por exemplo, aprovou uma resolução que pode ser considerada exemplar do clima entre os trabalhadores social-democratas:

"A guerra actual, porque não está condicionada pelos interesses do povo, nem do alemão nem do francês, é condenável do ponto de vista do homem sensível, do socialista, do republicano. Mas como uma atitude puramente negativa em relação à presente questão é impensável (!) no momento actual, a reunião dos trabalhadores de hoje declara o seguinte: Os alemães, atacados pelo assassino de todas as liberdades populares [...] Louis-Napoleon, têm o dever de se levantar com todas as forças para a defesa do seu solo pátrio […]" (citado de: Deuerlein 1970, 46s.).

E quando um pouco mais tarde os exércitos franceses foram derrotados, a comissão do Partido Social Democrata dos trabalhadores de Braunschweig emitiu um manifesto de vitória, pingando com frases nacionalistas alemãs, que já continham todo o posterior entusiasmo socialista nojento pela Guerra Mundial:

"Tal guerra defensiva não exclui atacar o inimigo; inclui, como qualquer guerra, forçar este último a fazer a paz. Por isso tivemos que desejar a vitória aos exércitos alemães, mesmo depois de a ameaça imediata às fronteiras alemãs ter sido removida e o nosso bom exército ter penetrado no interior da França; ficamos comovidos com alegria pelas gloriosas vitórias alcançadas pelos nossos irmãos alemães com bravura inédita, com o maior desprezo pela morte. E certamente podemos estar orgulhosos de pertencer a um povo tão heróico. Mas agora mais do que nunca, na consciência da vitória mais gloriosa, é nosso dever não nos embriagarmos na vertigem selvagem da vitória [...]" (citado de: Deuerlein 1970, 107).

Mais ou menos ao mesmo tempo, as associações de trabalhadores franceses e a secção francesa da Associação Internacional (!) dos Trabalhadores, de cujas fileiras a "Comuna de Paris" viria a emergir um pouco mais tarde, também mostraram o seu nacionalismo e ofereceram aos seus colegas alemães numa proclamação uma amigável morte a tiro:

"Ao povo alemão! À democracia socialista da nação alemã! A França Republicana, em nome da justiça, pede-lhe que retire os seus exércitos (!). Caso contrário teremos de lutar até ao último homem e derramar o vosso e o nosso sangue em torrentes [...] Volta para trás do Reno [...] Viva a República Mundial! [...]" (citado em: Comuna de Paris 1871/Documentos, 1931, 114s.).

Toda a rabulice e hipocrisia da posterior viragem socialista para o imperialismo está aqui de ambos os lados já visível na sua forma embrionária; particularmente repugnante naquela fórmula original de todos os "realpolitikers" de esquerda até hoje, de que nenhuma "atitude puramente negativa" pode ser tomada em relação às atrocidades do capitalismo em si e na verdade "condenáveis", por isso se devendo, infelizmente, fazer na prática exactamente o contrário do que se considera em teoria (supostamente) certo. O desejo de participação e cogestão capitalista não só do "trabalho abstracto" e seus absurdos, mas também dos sangrentos açougues nacionalistas (hoje: da "polícia mundial" capitalista) já se tinha tornado aparentemente tão impetuoso que só com dificuldade poderia ser impedido pela repressão política do aparelho estatal burguês. Em todo o caso, em 1871 a social-democracia alemã ainda resistiu à anexação da Alsácia-Lorena; um resquício de "internacionalismo" abstracto que não duraria muito. Esta ingenuidade, aliás, até é expressa pelo próprio termo "internacionalismo", que já pressupõe a existência positiva de "nações" e, portanto, da forma capitalista de socialização.

Como é bem sabido, quem disser A tem de dizer também B. E assim, em todos os países capitalistas, a social-democracia oficialmente "anti-militarista" provou ser parte integrante do militarismo "popular", mesmo a partir das bases, de uma forma muito prática e em termos da sua mentalidade geral em todos os países capitalistas décadas antes da Primeira Guerra Mundial. A ideologia prussiana da eficiência, com a sua glorificação das chamadas virtudes secundárias como a disciplina, pontualidade, etc. como valores morais "em si", não só estava profundamente enraizada nas massas de trabalhadores assalariados após uma longa época de prisão e lavagem cerebral pelo sistema fabril e pela "educação do povo", como também incluía o exército como "escola da nação", como é óbvio. O facto de nesta abençoada instituição os jovens recrutas serem realmente "corridos a pontapé" e "ensinados a ter maneiras" fazia parte do reportório padrão de ditos edificantes de pais, professores e veteranos. E assim também o tradicional slogan de cervejaria dos jovens trabalhadores socialistas é bastante credível: "Somos soldados e social-democratas, ambos de alma e coração" (citado em: Grebing 1979, 134).

Já em 1887, quando ainda era proibido pela Lei Socialista, um apelo social-democrata tinha dito: "Exigimos o armamento geral do povo, a educação de toda a nação para poder defender-se, a criação de um exército popular que inclua a capacidade de toda a nação se defender" (citado em: Schulz 1976, 255). O facto de este desejo piedoso incluir a presunção de que um tal "exército popular" era apenas adequado para a defesa dificilmente diminuía a proximidade da mentalidade social-democrata ao militarismo imperialista. Após a queda de Bismarck e a revogação da Lei Socialista, o novo Chanceler do Reich e General Prussiano Leo von Caprivi (1831-1899) apressou-se a louvar o "zelo" dos soldados treinados pelos social-democratas no exército. August Bebel respondeu-lhe no Reichstag, não com zombaria venenosa, mas com extraordinária lisonja:

"Não estou nada surpreendido, e isto só prova que os cavalheiros da direita e do governo têm uma visão completamente errada da eficiência (!) dos sociais-democratas. Eu até acredito que a vontade com que os meus camaradas de partido em particular se submeteram (!) à disciplina de acordo com as regras é um resultado da disciplina que a vida lhes ensina (!). A social-democracia é, portanto, em certo sentido, uma pré-escola para o militarismo (!)" (citado em: Rocker 1980/1950, 45).

Significativamente, este deslize traiçoeiro, mas ideologicamente inerente a Bebel, não se encontra nem nas habituais colecções de documentos nem nas obras-padrão sobre a história do movimento operário, e foi necessário o interesse polémico de um anarquista como Rocker para poder deparar com este vestígio. O Imperador expressou a sua gratidão por um entusiasmo militar tão fiel dos sociais-democratas no juramento de bandeira dos regimentos da guarda, em Novembro de 1891, proclamando rudemente:

"Vocês juraram fidelidade a mim, o que – filhos da minha guarda – significa que agora vocês são meus soldados, vocês se renderam a mim de corpo e alma; só há um inimigo para vocês e ele é o meu inimigo. Com as actuais maquinações socialistas pode acontecer que eu vos ordene que abatam os próprios parentes, irmãos, até os pais – o que Deus possa impedir – mas mesmo assim devem obedecer às minhas ordens sem resmungar" (citado em: Schulz 1976, 284s.).

Apesar de tais provocações, dez anos depois o publicista Maximilian Harden (1861-1927) notou com algum espanto na sua revista Die Zukunft: "As críticas de Bebel ao orçamento do exército traem uma participação quase mais sincera do que as exposições de muitos conservadores do Estado. Em qualquer caso, mais compreensão e vontade de compreensão" (citado em: Schulz 1976, 319). Com tanta amizade militar e amor pelas virtudes militares secundárias, não surpreende que o legado leviatânico do liberalismo na social-democracia também tenha feito um avanço cada vez maior em termos de colonialismo. Também nesta área, a política oficial socialista de rejeição foi alimentada mais pela frustração com a exclusão do poder e da sua administração do que pela oposição de princípio. Por trás da fachada do anticolonialismo oficial, portanto, em todos os grandes partidos socialistas da Europa havia sinais cada vez mais fortes de convergência de interesses na expansão imperialista, que foi abertamente defendida por uma minoria crescente nos congressos socialistas internacionais.

Grandes sectores da social-democracia não consideravam o colonialismo como fundamentalmente condenável, mas, pelo contrário, como um momento daquela "missão civilizadora" do capitalismo da qual Marx tinha falado num contexto bastante diferente. Eduard Bernstein (1850-1932), chefe dos chamados revisionistas, que queria liquidar tudo o que fosse "chocante" na teoria marxista no sentido de uma política de reforma mesquinha, formulou esta atitude programática em seu famoso livro "Os pressupostos do socialismo e as tarefas da social-democracia" (1899) com brutal abertura:

"De resto, provavelmente há razões para sempre examinar estritamente o valor e as perspectivas das colónias quando elas são adquiridas e para controlar estritamente a compensação e o tratamento dos nativos, bem como a restante administração, mas não há razão para considerar tais aquisições como algo à partida repreensível. A sua posição política, ditada pelo actual sistema de governo, proíbe a social-democracia de assumir qualquer outra postura que não seja uma posição crítica sobre estes assuntos [...] Mas o futuro também tem os seus direitos sobre nós. Se tivermos em conta que a Alemanha importa actualmente quantidades consideráveis de produtos coloniais todos os anos, devemos também dizer a nós próprios que poderá chegar o momento em que poderá ser desejável obter pelo menos alguns desses produtos das nossas próprias colónias [...] Não é o "se" mas o "como" que é decisivo aqui. Não é necessário que a ocupação de países tropicais por europeus prejudique o gozo da vida dos nativos, nem tem sido esse o caso no passado. Além disso, apenas um direito limitado dos selvagens à terra que ocupam pode ser reconhecido (!). A cultura superior tem aqui, em última instância, também um direito superior (!). Não é a conquista, mas o cultivo da terra que dá o título legal histórico para o seu uso" (Bernstein 1969/1899, 180).

É notável aqui não apenas que o colonialismo seja aceite em princípio e que "em última instância" se propague o direito "superior" de conquista da cultura europeia alegadamente "superior". Bernstein também diz sem rodeios que só a sua "posição política ditada pelo actual sistema de governo" (ou seja, a sua exclusão do poder) poderia ter levado a social-democracia ao seu anticolonialismo oficial. Mas a razão para o "direito superior", nomeadamente a referência ao "cultivo da terra", ou seja, a sua "valorização" por "trabalho abstracto", é particularmente traiçoeira, enquanto os modos de existência não baseados na produção de mercadorias são declarados sem direitos.

Em breve se mostraria que não só a ala "revisionista", mas basicamente toda a social-democracia (com excepção da insignificante ala de extrema esquerda) estava sob o feitiço do pensamento colonialista. Um ano após a publicação do livro de Bernstein, irrompeu na China a chamada "Rebelião dos Boxers" (nome de uma organização secreta anti-europeia) contra a influência imperialista, que foi sangrentamente esmagada por um corpo expedicionário conjunto das potências europeias. O Império Alemão também ficou feliz por participar nesta festa de matança colonial; afinal, já em 1895 um pintor chamado Knackfuss tinha feito um mal atamancado quadro a óleo sobre o tema "O Perigo Amarelo" em nome do Imperador Alemão – uma palavra de ordem usada para justificar o desejo de anexação na Ásia. E, em nome da comunidade imperialista, a participação alemã neste caso foi bem sofrida sob o famoso slogan "Alemães à frente", especialmente porque uma razão externa para a "missão de paz" era que o enviado alemão em Pequim, Barão von Ketteler, que tinha atraído a atenção como um chauvinista particularmente mau, tinha sido morto a tiro em plena rua em 20 de junho de 1900. Guilherme II despediu-se dos seus guardas matadores a caminho da Ásia em Bremerhaven com um "discurso dos Hunos":

"Aquele que cair nas vossas mãos, seja por vós acabado! Assim como há mil anos os hunos sob o seu rei Etzel fizeram um nome que ainda hoje os faz parecer poderosos na tradição e nos contos de fadas, também o nome alemão na China tem de ser activado por vós durante mil anos, de tal modo que nunca mais um chinês ouse sequer olhar para um alemão nem de lado [...] Abra-se o caminho para a cultura (!) de uma vez por todas" (citado em: Schulz 1976, 314s.).

Esta inconfundível combinação especificamente alemã-prussiana de barbárie aberta, disciplina, precisão e "exigências culturais" deveria aumentar nas décadas seguintes até ao maior crime contra a humanidade. O "discurso dos Hunos" gravou-se tão profundamente na memória desta época que os alemães ainda eram chamados de "hunos" no jargão aliado da Primeira Guerra Mundial. E o hiperliberal Friedrich Naumann, de início pastor protestante e imperialista ardente, recebeu desde então o nome honorário de "pastor dos hunos". Quatro meses depois deste discurso infame, August Bebel falou no Reichstag contra a política oficial para a China de uma forma que estava inteiramente de acordo com o sentido de Bernstein:

"Difundir no mundo, onde quer que falte (!), a verdadeira cultura e civilização alemã, europeia, é uma grande e bela tarefa (!), mas depende da forma como se realiza este pensamento, depende da forma como se chega aos povos estrangeiros aos quais se quer levar cultura e civilização (!)" (citado em: Schulz 1976, 318).

Assim, já 14 anos antes da Primeira Guerra Mundial, ficou claro que mesmo a maioria marxista na social-democracia alemã não podia ir além de um "hunismo moderado" na questão colonial. E também esta atitude se encontrava em conformidade na base do movimento operário. O meu próprio avô, um sindicalista social-democrata convicto na construção de máquinas, que até tinha desertado na Primeira Guerra Mundial e que, já velho, ainda era capaz de se exaltar contra Guerra dos EUA no Vietname, só conseguia, no entanto, tirar coisas positivas dos consumos coloniais em sua memória. Foram também as massas de trabalhadores que mais tarde sentiram que era uma grande injustiça que as "nossas colónias" tivessem sido tiradas ao Reich alemão. Os frutos exóticos das "lojas de produtos coloniais" devem ter causado uma tremenda impressão no "voraz" Império Alemão e criado a sugestão de um "sopro de luxo", em contraste com o qual os "direitos dos selvagens" eram de pouca importância.

Se posso dar crédito às histórias dos meus avós, então a "classe operária" alemã obviamente tem tido desde então uma relação estranha com as bananas, que até foram cantadas em canções locais ("Bananas e mais nada"). Talvez resulte do inconsciente colectivo que, para as massas da RDA, a banana se tenha tornado novamente o fruto simbólico das alegrias do nacionalismo do marco alemão; afinal, os antepassados trabalhadores já tinham sido atraídos para os campos de batalha da época das guerras mundiais de certo modo com bananas.

[Nota do tradutor: O último subtítulo Ausgerechnet Bananen! (Bananas e mais nada!) é o título da versão alemã da canção norte-americana Yes! We Have No Bananas, de 1922. Se o texto original faz uma piada com conhecimento insuficiente da língua inglesa por um imigrante grego, a versão alemã é diferente e versa sobre o capricho de uma mulher que quer "bananas e mais nada", recusando a enorme variedade de iguarias oferecidas pelo admirador. O refrão entrou na linguagem quotidiana como uma frase de qualidade quase proverbial: segundo o Duden, como "exclamação de desagrado, desilusão perante um acontecimento indesejável".]

 

 

Original Das System der nationalen Imperien. Pags. 112-153 de Schwarzbuch Kapitalismus. Ein Abgesang auf die Marktwirtschaft. Integral online: www.exit-online.org/pdf/schwarzbuch.pdf. Tradução de Boaventura Antunes (18.07.2020)

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