O Livro Negro do Capitalismo
Capítulo 6
História da Segunda Revolução Industrial
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Secção 3
A racionalização do ser humano
Não há dúvida de que a Segunda Revolução Industrial, que começou com Taylor e Ford, teve uma dupla qualidade como inovação de produto e inovação de processo: o automóvel, já com décadas, mas até então apenas um marginal produto nobre no estreito segmento de consumo superior, tornou-se o produto chave na conclusão do modo de produção capitalista. Na sua massificação, transformou-se em mais do que uma mera mercadoria entre outras: Começou a abranger todo o horizonte espacial e temporal, preparou uma integração estrutural de produção e "lazer", ocupou gradualmente a forma social de organização, mesmo na vida quotidiana íntima e familiar, tendo até conquistado as fantasias e imaginações sociais. Mesmo sendo ainda necessários mais vários empurrões para que isto acontecesse, o capitalismo tornou-se completamente uma sociedade automóvel.
Ao mesmo tempo, a inovação do processo Taylor-Ford de "ciência do trabalho" e produção em linha de fluxo, que tornou possível esta mutação para a sociedade automóvel, abriu não só uma nova época secular de acumulação de capital, através da inédita condensação e racionalização em termos de economia empresarial do "trabalho abstracto", mas ao mesmo tempo também uma nova qualidade no disciplinamento e condicionamento do material humano, que pela primeira vez transcendeu a produção e o consumo. Assim foram aplicadas novas normas de internalização benthamiana que ainda hoje funcionam. O infame disto é, não em último lugar, o carácter arrepiante deste engenhoso desvio de energia vital: já não se trata de uma condução meramente brutal e externa, muitas vezes caracterizada pela arbitrariedade subjectiva, para picos de desempenho que só podem ser aguentados por pouco tempo, como na industrialização precoce; um método com o qual o material humano se desgastava prematuramente, e com uma eficiência relativamente baixa. Nem esta mecânica vampiresca se detém nas experiências ainda dispersas de Bentham, que de facto já tinha formulado a ideia básica do "traço de comportamento interno" em combinação com formas externas de organização, arquitecturas etc.; mas com uma matriz de disciplinamento ainda relativamente grosseira e incapaz de levar a cabo a pretensão de uma concepção global totalizante a todos os níveis. Acima de tudo, Bentham ainda tinha tido de deixar de fora o consumo de massas; a sua concepção dizia respeito apenas à esfera da produção e da gestão do capital, enquanto o consumo continuava a ser visto através dos olhos mesquinhos do capitalismo primitivo. Foi apenas a sofisticação adicional de transformar o próprio consumo de mercadorias "de luxo", precisamente através do seu carácter de massas entrelaçado com novas formas de domesticação, em "avarento consumismo" do paradoxo capitalista que tornou possível o segundo avanço da máquina mundial em direcção à totalidade.
De certo modo, tanto Taylor como Ford estavam conscientes das implicações das suas acções. Isto é evidente também no carácter missionário das suas carreiras, cuja constante autojustificação filosófica amadora, para além da pura racionalidade empresarial e profissional, marcou estes protagonistas como pioneiros capitalistas de uma nova fase de desenvolvimento, na verdade de um novo modo de vida capitalistamente integrado. Num paralelo surpreendente com Bentham, Taylor enfatizou explicitamente que a sua "gestão científica" não se limitava, digamos, a uma "ciência da pá" e outras actividades num contexto industrial estrito; pelo contrário, a questão era "que as mesmas ideias fundamentais são aplicáveis com igual direito e sucesso a todos os campos da actividade humana: À administração e orientação da casa e do património dos camponeses, à condução do artesanato e da fábrica, à orientação e administração das igrejas, instituições de caridade e universidades, e mesmo dos vários departamentos do governo do Estado" (Taylor, op. cit., p. 1). op. cit, 5s.).
Henry Ford, que apareceu com muito maior ênfase como reformador social "filantrópico" e sonhador do futuro, expressou-se com o mesmo espírito (e independentemente de Taylor):
"A minha principal preocupação é provar claramente que as ideias que aplicámos são praticáveis em todo o lado – que nada têm a ver especificamente com automóveis [...] mas pertencem, por assim dizer, a um código geral. Estou firmemente convencido de que este código é o natural (!), e gostaria de provar isto de forma tão perfeita que as nossas ideias tivessem de ser aceites, não como ideias novas, mas como um código natural" (Ford, op. cit., 3).
Assim, encontramos não só a conhecida naturalização das relações capitalistas impostas, mas também, como no pérfido "Panóptico" de Bentham, a reivindicação de generalidade social abrangente para a própria concepção: não se trata de um efeito parcial em termos de economia empresarial, mas de um modelo de sociedade total, aplicável a toda e qualquer instituição social – uma matriz para a vida humana em geral. E, como 120 anos antes, de uma forma mais desenvolvida, surge a vontade de um completo controlo, submissão e auto-submissão, cujo "utilitarismo" não se refere a qualquer propósito humano nem a nenhum bem-estar subjectivo, a nenhum critério estético nem sequer a uma reivindicação pessoal de poder, mas apenas ao fim-em-si abstracto do capital.
Portanto, esta abrangente concepção de "racionalização do ser humano" assume aquele traço neurótico típico do capitalismo em geral, que já tinha distinguido as fantasias e projectos perversos de Bentham ou de Sade: a racionalidade interna fechada em si de um sistema alucinado de "eficiência" para além das necessidades humanas e sociais assemelha-se, como Harry Braverman observa na sua crítica do sistema Ford-Taylor, à condição do Capitão Ahab que diz de si próprio: "Todos os meus meios e métodos são razoáveis, apenas o meu objectivo é louco". Mas esta própria loucura do objectivo, que numa avalanche histórica acumula recursos por amor de si mesmos e não pode escapar-lhes, também imbui os "meios e métodos" dessa mesma loucura. E assim a Segunda Revolução Industrial, com a sua "racionalização", provou novamente que os "fabricantes" da loucura socialmente objectivada não podem ser soberanos – na alvorada da sociedade automóvel completamente racionalizada tão pouco como antes no horror auto-gerado do matadouro humano. Como seres humanos, são mais ridicularizações lamentáveis, e aparentemente Taylor constituiu uma especial pérola:
"Quanto à sua constituição mental, Taylor foi um exemplo exagerado de uma personalidade obcecada por ideias compulsivas: desde a sua juventude tinha contado os passos, medido o tempo gasto nas suas várias actividades, e analisado os seus movimentos em busca de 'eficiência'. Mesmo depois de ter ascendido à proeminência e à fama, ainda havia algo de personagem cómica nele, e a sua aparição no atelier provocava boa disposição. A imagem da sua personalidade justifica que lhe chamem pelo menos um excêntrico neurótico [...] Estas características tornaram-no admiravelmente adequado ao papel de profeta da gestão capitalista moderna, uma vez que o que é neurótico num indivíduo é normal no capitalismo e desejável para o funcionamento da sociedade [...]" (Braverman, op. cit., 78).
Não se trata, de modo nenhum, de um mero detalhe biográfico acidental. A submissão dos outros e a auto-submissão dos "fazedores" são mutuamente dependentes em cada fase do desenvolvimento capitalista; e também a este respeito o sistema Ford-Taylor traduziu a estrutura psíquica da guerra industrializada na reprodução civil da sociedade: num certo sentido, Taylor representou uma versão ianque e empresarial do tipo Ernst Jünger alemão de sangue prussiano, revelando também os seus lados ridículos e neuróticos. Despojados do seu porte racional e/ou marcial exterior, os profetas da inevitabilidade só poderiam revelar-se figuras de diversão; obviamente, figuras gélidas e demoníacas de diversão do panóptico capitalista. Contudo, o traço obsessivamente neurótico básico da "racionalização do ser humano" em construção não só aderiu às suas personalidades, como se infiltrou, para além da estreita filosofia de Taylor e Ford, na formação ideológica contemporânea, bem como na vida académica, moldando todo o espírito do tempo.
Não foi por acaso que o editor alemão de Taylor, em 1913, chamou a atenção para a compatibilidade das suas ideias com o trabalho do físico e teórico da ciência alemão Wilhelm Ostwald (1853-1932) sobre o "Imperativo Energético", publicado um ano antes. Ostwald, que tinha trabalhado a dinâmica química e recebido o Prémio Nobel em 1909 pela sua "Lei da diluição", foi o chefe dos chamados "energeticistas", que exerceram grande influência, como uma espécie de seita científica; nomeadamente em ligação com a "Liga Monista" do darwinista Ernst Haeckel e com a associação "Brücke". Esta última, com a participação de Ostwald, K. W. Bührer e A. Saager, tinha-se constituído como "Instituto para a Organização do Trabalho Intelectual" em Munique em 1911. Tratava-se aqui de formas de normalização da actividade científica e administrativa, que Ostwald descreve a título de exemplo:
"Enquanto em muitos campos, nomeadamente da tecnologia e da economia, já se instalou uma organização de longo alcance de toda a actividade humana, o trabalho intelectual em geral, tendo atingido o seu mais alto desenvolvimento sobretudo na ciência, ainda não foi sujeito a qualquer organização [...] Se se quiser organizar, só se pode sempre realizá-lo permitindo primeiro uma unidade e coordenação nas funções mais quotidianas e mais frequentes, que por isso são pensadas com o mínimo de consideração. Assim, Bührer já tinha reconhecido como a base de toda a organização do trabalho intelectual a regulamentação dos formatos de papel. Quando esta ideia é assim apontada ao peito como uma pistola, tem-se uma tendência para rir em voz alta, por duas coisas tão heterogéneas como o pensamento ideal do trabalho intelectual e a simples realidade de uma folha de papel deverem estar numa relação tão próxima. Mas se se considerar que todo o trabalho intelectual, com muito poucas excepções, tem de aparecer sob a forma de um documento ou de um impresso, e que toda a organização do trabalho intelectual começa no início com uma ordenação puramente mecânica de tais documentos e impressos, logo se reconhece a correcção da ideia" (Ostwald 1912, 15ss., ênfase de Ostwald).
É verdade que uma normalização técnica de certas funções elementares e quotidianas pode de facto, por vezes, evitar fricções irritantes e facilitar a vida (os bem conhecidos formatos DIN vêm da associação de Ostwald); mas o que importa aqui é o contexto e o objectivo. É fácil ver que, para Ostwald e seus camaradas de luta, isto vai muito além de algumas simplificações técnicas. O que se torna ainda mais claro quando se acrescenta o ponto de vista do chamado monismo, que aqui se desprende completamente do seu significado na história da filosofia (por exemplo em Spinoza), onde significa simplesmente a unidade de Deus com o mundo, e mais tarde a unidade substancial em geral (por exemplo no "materialismo"), e se transforma numa pretensão tecnicista compulsiva sobre o homem e a sociedade: "Monismo significa a doutrina da unidade, e a palavra monismo representa numa breve expressão o princípio de funcionamento de toda a ciência. A ciência é, afinal, unificação do pensamento [...]" (Ostwald, op. cit., 14, ênfase de Ostwald). "Unificação" é a palavra mágica e o termo-chave que revela o seu carácter totalitário. Não é tanto uma questão de facilitação técnica, mas uma espécie de taylorização do pensamento, a redução funcionalista da ciência no quadro de uma redução funcionalista do ser humano em geral. E a coroação deste empreendimento é aquele pensamento "energético" em que Ostwald, com o seu "imperativo energético" parafraseando a abstracta ética de Kant, formula, por assim dizer, o imperativo categórico da Segunda Revolução Industrial:
"Tudo o que acontece no mundo pode ser descrito como uma transformação de energia das formas existentes em outras formas. Ora de modo nenhum todas as energias estão igualmente prontas ou adequadas para esta transformação, mas apenas certas energias criadas, que receberam por isso o nome de energia livre [...] Esta energia livre está agora sujeita ao consumo. Sim, ela também se desgasta automaticamente se não for consumida [...] A energia livre é portanto o capital do qual todos os seres vivos de todos os tipos também vivem [...] Assim, a aquisição e o uso expedito da energia livre é o conteúdo de toda a actividade vital de todos os seres vivos, desde a mais baixa bactéria até ao mais elevado ser humano [...] Para o ser humano, que se impõe a tarefa de se comportar o mais expeditamente possível para com toda a natureza e também para com os seus semelhantes, daqui decorre uma regra geral para o seu comportamento. Esta regra ordena-lhe que converta a energia livre tão funcionalmente, ou seja, tão completamente quanto possível nas formas funcionais, e a verificar constantemente todas as instalações para este fim e, se necessário, melhorá-las, de modo que a quantidade de energia orientada obtida a partir de uma dada quantidade de energia livre na forma bruta se torne a maior possível. Esta tendência geral, ou melhor, esta tarefa geral de toda a actividade e acção humanas, pode ser resumida numa breve expressão, que, seguindo o imperativo categórico de Kant, propus chamar o imperativo energético, e que diz: NÃO DESPERDIÇAR ENERGIA, UTILIZÁ-LA. Este pequeno ditado é de facto a regra mais geral de toda a acção humana, e a sua validade estende-se não só ao trabalho técnico ou outro trabalho prático, mas a todas as actividades humanas em geral, até às mais altas e mais valiosas realizações [...] Se tudo o que é real é energia, porque tudo o que é eficaz é energia, então, inversamente, todas as coisas que não podem ser colocadas sob o conceito de energia, ou que de algum modo são supostas correr fora do quadro das leis da energia, devem ser afastadas de nós como irreais, como não participando na nossa vida [...] Repetimos: o imperativo energético revela-se o meio mais geral de fazer com que os processos no mundo, individualmente e para a humanidade como um todo, sejam, tanto quanto possível, de acordo com a vontade. E uma vez que os processos de acordo com a vontade são os únicos que trazem felicidade, o imperativo energético significa, em última análise, por todos os meios, a instrução científica para se obter as maiores somas possíveis de felicidade de todos os acontecimentos, tanto para o indivíduo como para a colectividade [...] Reconhecemos que em todos aqueles que têm o intelecto e a vontade suficientemente desenvolvidos para compreender o significado de uma lei da natureza e para estabelecer a sua própria vontade de acordo com as leis da natureza não pode haver qualquer contradição entre a lei e a própria vontade, que para estes o cumprimento da lei é idêntico à obtenção da maior felicidade. Apenas aqueles seres humanos atrasados, a quem tal concepção de lei não é acessível, tentam rebelar-se contra a lei natural, contra o imperativo energético [...] Instrução e tratamento (!) ajudam todos estes atrasados, ajudam a um melhor pensar e querer ao nível mais elevado da lei natural" (Ostwald, op. cit., 83-97, ênfase de Ostwald).
Mostra ser um profundo absurdo quebrar a segunda lei da termodinâmica de modo completamente abstracto e abruptamente ao nível de uma instrução social geral para a acção. Mas este pensamento errante é desprovido de qualquer encanto, pois não resulta de qualquer capricho pessoal. É o colectivo espírito capitalista do mundo que pensa aqui através de Ostwald; reconhecível pelos ecos fantasmagóricos da reflexão do iluminismo burguês positivista desde Mandeville e Smith, que visa sempre apenas a submissão total da vida à "forma funcional" do capital. O que não passa de uma mera sugestão em Ford e Taylor é condensado em Ostwald numa unidade de "filosofia natural" de toda a tradição burguesa. Nada falta aqui, nem o conceito newtoniano mecanicista de lei natural abstracta nem a naturalização biologista do social "da bactéria ao mais elevado ser humano", nem o infernal conceito bentamiano de felicidade nem a correspondente felicidade messiânica compulsiva da humanidade "atrasada". Há algo de sinistro na recapitulação inconsciente que Ostwald faz da metáfora capitalista primordial de Adam Smith, com base numa observação do físico Helmholtz, que se diz ter dito "que em tal trabalho ele não raro sentiu como se, ao realizar os seus pensamentos, fosse objecto de uma vontade independente dele, de uma máquina (!), por assim dizer, que toma o seu curso necessário sob a influência de um determinado poder" (Ostwald, op. cit., 81). Esta referência, que não é crítica mas inteiramente positiva, mostra mais uma vez como o irracionalismo do fim-em-si capitalista e o positivista pensamento auto-reflexivo das ciências naturais remontam à mesma raiz. Assim, não surpreende que Ostwald procure aplicar o seu "imperativo energético" positivamente também à "biologia racial" contemporânea, para espanto geral, na verdade, numa viragem quase pacifista:
"A guerra tem provocado sempre apenas uma selecção negativa, no sentido de que através dela foram expostas à ruína justamente as personalidades mais fortes, justamente as mais adequadas para a guerra, mais do que todas as outras menos adequadas, e por isso, especialmente as guerras prolongadas não podem de modo nenhum tornar o povo em guerra mais forte e mais capaz, mas, pelo contrário, cada vez mais fraco e menos capaz da guerra [...] O que aqui é provado pela experiência através da história também pode ser facilmente deduzido com base em princípios gerais. A selecção só tem um efeito positivo se conseguir impedir que os concorrentes inadequados se multipliquem e reproduzam, enquanto os concorrentes adequados conseguem, na medida do possível, imprimir as suas características na prole. Deste simples ponto de vista, é indubitável que a guerra tem de provocar uma selecção negativa". (Ostwald, op. cit., 333s.).
Esta curiosa justificação do pacifismo em termos de biologia racial (que não impediu o seu autor de assinar um apelo à "defesa da pátria" no início da Primeira Guerra Mundial) é adequada ao carácter em si tolo do "imperativo energético", que emerge com a mesma clareza quando Ostwald delineia o seu alcance social: "De uma forma que me surpreendeu ao mais alto grau, contudo, este princípio revelou-se aplicável a campos cada vez mais vastos, até que me vi confrontado com o facto de ser realmente possível representar numa só frase as linhas de orientação de toda a acção adequada e razoável, desde o enfiar de uma agulha até ao governo de um Estado" (Ostwald, loc. cit. op. cit, 346).
O riso de tal monomania neurótica fica obviamente preso na garganta quando a inexorabilidade deste pensamento vem à tona. Ostwald fornece, por assim dizer, a expressão filosófica geral desta neurose social, cujos inovadores e executores práticos podem ser considerados Ford e Taylor. Se Bentham ainda esteve a aperfeiçoar a "natureza humana" para a macroestrutura capitalista e os seus critérios gerais (disciplina da fábrica, administração de fácil manutenção, laboriosidade automática, introspecção autoritária), a ofensiva de racionalização fordista-taylorista representa, por assim dizer, o aprofundamento micrológico ou microeconómico do benthamismo: A "eficiência" abstracta, ligada ao fim-em-si da racionalidade dos custos da economia empresarial deve ser ancorada na psique como um princípio universal. Neste sentido, Ostwald pode de facto ser entendido como o verdadeiro metafilósofo da Segunda Revolução Industrial de Ford e Taylor.
Um obsessivo-compulsivo, por exemplo, não só conta os seus passos, como também tenta alcançar os seus destinos locais em linha recta, ou seja, em qualquer caso, pela rota mais curta, a fim de "valorizar" "energia livre" de forma óptima; Ostwald também chamou a isto o "princípio do menor esforço". Assim, são excluídas os simples passeios, marchas e caminhadas. No caso da nutrição, uma neurose compulsiva equivale a elaborar e realizar incansavelmente um plano detalhado para a suposta utilização energética óptima dos nutrientes fornecidos; a boa mesa bem como a gula, mesmo a simples fruição de alimentos e bebidas, tornam-se assim logicamente impossíveis. Mil exemplos de tal sujeição monomaníaca a algum princípio abstracto coercivo ou de alegada utilidade podem ser encontrados em perturbações neuróticas ou psicóticas. O cálculo dos custos da economia empresarial, precisamente porque não tem nada a ver com alegria de viver, conforto e prazer humano, interesse pelo conhecimento ou configuração estética, mas é auto-suficiente, é idêntico a esta estrutura de princípios neurótico-psicóticos; embora de uma forma socialmente objectivada.
Na vida quotidiana burguesa, tanto os desejos como as possibilidades reais são compulsivamente subsumidos sob a avareza abstracta e virada para si mesma, que não está orientada para a relação entre desejos e possibilidades reais, mas para processar os objectos da vida poupadamente “em termos energéticos”. O seguinte comportamento foi-me relatado por um jovem casal de classe média recém casado: Os dois jovens mais não desejavam do que uma lua-de-mel nas Caraíbas, e os meios para tal teriam sido facilmente disponíveis; mas, como em tempos houve uma autocaravana de campismo herdada, "teve" de ser "usada", e a lua-de-mel ocorreu em parques de campismo franceses – atenção, não seguindo qualquer compulsão ou comando externo, mas apenas o próprio impulso e compulsão interiores para "usar a energia com moderação". E, é claro, nem todos os exemplos são tão inócuos. O "imperativo energético" de Ostwald representa, num certo sentido, a tradução cientificamente mascarada da avareza protestante burguesa e da subjacente racionalidade de custos de economia empresarial: Porque o universo pode sofrer a chamada morte por calor (entropia) em dez mil milhões de anos por falta de "energia livre" (uma proposição de modo nenhum provada), "portanto", a rigor, já seria puro desperdício andar "inutilmente" na praia! Este grotesco dimensionamento não é nada rebuscado, mas descreve exactamente a discrepância absurda no carácter da razão de fim-em-si da economia empresarial.
Mesmo que o energetismo explicitamente de filosofia da natureza de Ostwald esteja hoje esquecido, a carga de cálculo em termos de economia empresarial a ele associado entrou no desenvolvimento das novas indústrias e foi depositada na consciência do mundo capitalista. Assim, a Segunda Revolução Industrial recebeu amplo alimento do espírito da época, em todos os campos. A coincidência das inovações de Ford e Taylor com a filosofia vulgar de Ostwald continuou em outros novos impulsos de "unificação". O espantoso é que também a este respeito, os nazis e fascistas nascentes foram capazes de adoptar conceitos centrais dos seus opositores. Tal como Ostwald procurou mesmo inocentemente retirar pacifismo da biologia racial e da energia, ele e os seus amigos, com as suas ideias sobre a "organização do trabalho intelectual", ajudaram e incentivaram não só a nova "racionalização do ser humano" a nível mundial, mas também a ideologia assassina dos nazis.
Um papel igualmente ambivalente na história da Segunda Revolução Industrial foi desempenhado, especialmente no campo da arquitectura e do design industrial, pela famosa Bauhaus, em Weimar e Dessau (mais recentemente em Berlim-Steglitz). Esta escola de arte e arquitectura acompanhou a história da República de Weimar de 1919 a 1933, para acabar por irradiar para todo o mundo; não em último lugar para os EUA. O "estilo Bauhaus" é geralmente considerado como o "núcleo do design moderno" (Wick 1994, 14) e tornou-se um mito do modernismo no século XX – e um caso trágico. Desde o início do século XIX, tinha sido lamentada a desintegração da arte e da vida no processo de modernização; e repetidamente houve tentativas para resolver esta divisão. No entanto, o princípio que a causou, nomeadamente a lógica da máquina capitalista mundial e o seu impulso para submeter a vida à ditadura da sua própria forma abstracta, permaneceu sempre escondido, de modo a que a estética só pôde continuar a existir como um resquício dissociado e luxuoso.
Assim, apenas dois caminhos permaneceram abertos para as tentativas de reintegração da arte e da vida, sem uma crítica profunda do moderno sistema de produção de mercadorias: ou uma utopia retrógrada, romântica e bastante tecnofóbica de tranquilidade artesanal, ou, inversamente, uma dissolução negativa da arte na forma capitalista da tecnologia – e outra coisa não é a transformação da estética em design. Os elementos do artístico no mundo vivo tornam-se, por assim dizer, elementos estilísticos da encarnação técnica e material do capital monetário, no seu processo de revolucionamento social.
A Bauhaus e os seus precursores representaram ambos os caminhos, o que deu origem a dolorosas controvérsias e desilusões desde o início. Devido à contrariedade das concepções, porém, a redução funcionalista da modelação acabou por ganhar vantagem no design capitalista. Já em 1902, Hermann Muthesius (1861-1927), uma das principais personalidades do Deutscher Werkbund, tinha exigido enfaticamente que "o objectivo deve ser proporcionar à sociedade civil, que determina o quadro geral das nossas condições sociais modernas, uma arte que lhe seja adaptada" (citado de: Wick 1994, 24). Muthesius, profundamente em conformidade com a economia nacional imperialista, orientava-se conscientemente contra toda a individualidade artística, a favor da "objectificação" e da "tipificação", no sentido da produção capitalista industrial. A mesma tendência pode ser encontrada em Walter Gropius, o último director da Bauhaus, que em 1910 escreveu um "programa para a fundação de uma sociedade geral de construção de casas numa base artística uniforme" e apresentou este memorando a ninguém menos do que Walther Rathenau, o posterior organizador da economia de guerra alemã. O programa de Gropius lê-se como uma antecipação da Segunda Revolução Industrial do capital no campo da arquitectura:
"A sociedade quer agora tirar a consequência das relações reais e, através da ideia de industrialização, unir o trabalho artístico do arquitecto com o trabalho económico do empresário [...] Uma convenção no bom sentido não se espera, portanto, da ênfase na singularidade de cada indivíduo, mas precisamente através de uma união, através do ritmo das repetições, através da uniformidade das formas uma vez reconhecidas como boas e sempre recorrentes [...] A ideia da industrialização da construção de habitações encontra a sua realização no facto de os componentes individuais se repetirem em todos os projectos da sociedade, tornando assim possível uma produção em massa que promete barateza e rentabilidade [...]" (citado de: Wingler 1975, 26s.).
É bastante óbvio que Gropius não consegue distinguir entre os aspectos de conveniência técnica ou de conveniência humana, por um lado, e a abstracta "forma funcional" do capital para além de todas as necessidades sociais, por outro. Assim, sob a sua liderança e fora dela, prevaleceu então na Bauhaus uma "clara orientação de base funcionalista" para produzir "protótipos para a indústria" (Wick 1994, 38s.) sob o ditame da rentabilidade. Em fases posteriores da Bauhaus, esta orientação tornou-se ainda mais clara, especialmente no departamento de arquitectura, cujo director foi Hannes Meyer (1889-1954). Meyer orientou a Bauhaus ainda mais para uma "tipificação" e "normalização" ditadas pelas encomendas industriais. Como esquerdista, exigiu uma "análise da condição social" da arquitectura e enfatizou o seu "carácter de classe". Contudo, o objectivo a que se associou é demasiado claro nas suas próprias declarações: "O espaço vital das famílias individuais da classe operária e de colarinho branco foi estudado a fim de melhor tipificar as suas células vivas (!)" (citado de: Wick 1994, 46). E, de forma bastante inocente, em 1929 Meyer formulou as tarefas sócio-políticas da Bauhaus, numa linguagem que há muito tempo estava ocupada pelo emergente NSDAP:
"A nossa sociedade na Alemanha de hoje não exige milhares de escolas, jardins e casas para o povo? Centenas de milhares de habitações para o povo? Milhões de móveis para o povo? [...] Como designers somos servidores da comunidade deste povo. O nosso trabalho é um serviço ao povo [...] Assim, o objectivo final de todo o trabalho da Bauhaus é a unificação de todas as forças formadoras de vida para a configuração harmoniosa da nossa sociedade [...] Através da arte, nós de hoje ansiamos exclusivamente pela compreensão de uma nova ordem objectiva, destinada a todos, como manifesto e mediador de uma sociedade colectiva [...] A nova teoria da construção é uma teoria de conhecimento da existência. Como teoria do design, é o canto alto da harmonia. Como doutrina social é uma estratégia de equilíbrio entre as forças cooperativas e as forças individuais dentro da comunidade de vida de um povo [...]" (citado de: Wick 1994, 48).
Não é apenas exteriormente e por coincidência que aqui se fala a linguagem do fascismo. O resultado arquitectónico e estético enquadrava-se perfeitamente no programa de modernização dos nazis, o qual embrulhava a racionalização forçada colectivista do ser humano na mesma terminologia organicista ("comunidade de povo") que já antes também a social-democracia alemã dos hurras tinha adoptado dos anti-semitas. É certo que os nazis desconfiavam das simpatias políticas bastante social-democratas de alguns representantes da Bauhaus, e a instituição foi forçada a dissolver-se em Julho de 1933, após represálias por parte da polícia, da SA e da Gestapo. Mas isto só ilustra, mais uma vez, como o nacional-socialismo foi capaz de retomar ideias dos seus opositores externos, e sintetizar o espírito do tempo capitalista na fase inicial da Segunda Revolução Industrial. Os elementos funcionalistas e "equalizadores" da estética da Bauhaus não estavam de modo nenhum em desacordo com a estética fascista, que desenvolveu uma pompa monumental e kitsch em certas formas da sua arquitectura dominante, mas na concepção de edifícios funcionais para a vida quotidiana cada vez mais se entregou precisamente a essa desolação funcional que foi claramente copiada da Bauhaus:
"Gradualmente, mas com rigor, ocorreu a mudança do ideal de urbanismo para os conceitos de construção de habitações estandardizadas para grandes séries. Em 1943, por exemplo, o perito financeiro Mössner formulou num memorando: 'A produção record a custos decrescentes com baixos rendimentos líquidos só pode ser conseguida praticamente através de uma racionalização implacável e do aproveitamento de todas as energias próprias das forças vivas na indústria da habitação'. E na mesma medida em que os esforços de modernização ganharam vantagem, procedeu-se ao desmantelamento do pequeno parque habitacional e do idílio campestre popular. Pouco a pouco, prevaleceram as posições que impulsionavam a promoção da construção de habitações em massa e de formas racionalizadas de produção de edifícios" (Kaltenbrunner 1999).
Na habitação nazi, era assim evidente a mesma oposição que tinha hvido na Bauhaus entre um agro-idílio reaccionário e kitsch, como contra-imagem ideológica, e uma racionalização capitalista da arquitectura inspirada em Henry Ford; e esta contradição foi resolvida ainda mais a favor do funcionalismo capitalista. O motivo da "uniformização" arquitectónica e estética no contexto da Segunda Revolução Industrial, naturalmente, teve um efeito muito além da ligação subterrânea e obscura entre a Bauhaus e a modernização nazi. A Bauhaus deu pleno fruto nos EUA, para onde os mais importantes representantes da Bauhaus emigraram e apenas onde o design da Bauhaus pôde realmente desenvolver-se; Ludwig Mies van der Rohe (1886- 1969), o último director da Bauhaus depois de Gropius e Meyer, ascendeu a arquitecto estrela do modernismo capitalista no novo ambiente. Foi aqui que a tipificadora estandardização da estética funcional abandonou pela primeira vez a sua forma de crisálida, nas formas do "colectivo de massas" e da "comunidade de povo", a fim de descolar para o alto voo de uma figura plenamente comercializada após 1945.
Até ao início do século XX, ninguém sabia realmente como um verdadeiro inferno de fábrica para material humano domesticado tinha de ser construído de modo adequado à espécie. Em termos puramente externos, as fábricas tendiam a assemelhar-se a edifícios residenciais ou vivendas e câmaras municipais ampliadas; o seu design ainda não estava completamente reduzido ao seu propósito, e muitas vezes ainda ofereciam aos olhos proporções relativamente agradáveis e toques estéticos "supérfluos", como marquises e torres ou fachadas segmentadas. Na arquitectura e não só, o estilo Bauhaus deu origem à forma que era capaz de expressar a essência do "trabalho abstracto" também externamente: sistemas modulares uniformes e padronizados, adequados ao processo de fluxo Ford-Taylor de produção racionalizada e "purificados" de todos os elementos estéticos que não correspondiam à "forma funcional" capitalista. Enquanto antes as fábricas tinham sido construídas de acordo com os variados padrões das habitações, agora as casas de apartamentos e os edifícios públicos em breve pareciam fábricas, com uma uniformidade sem fim. A "célula habitacional tipificada" para os trabalhadores da linha de montagem nas suas "células de fluxo" / locais de trabalho , e a "célula de condução" do meio de transporte abstractamente individual, o automóvel, foram capazes de se fundir num sistema global fechado. Que as casas deveriam ser produzidas no mesmo estilo dos automóveis, esta máxima da racionalidade capitalista estava, por assim dizer, no ar da Segunda Revolução Industrial. O admirador de Ford e mais tarde arquitecto estrela Le Corbusier (1887-1965) também agiu de acordo com este princípio. O crítico Adolf Behne disse sobre o parque habitacional Dammerstock, em Karlsruhe, que foi concebido segundo pontos de vista semelhantes em 1929:
"Todo o bairro parece estar sobre carris. Pode-se viajar no seu meridiano à volta de toda a Terra, e os habitantes vão sempre para a cama em direcção ao leste e vivem em direcção ao oeste [...] Aqui em Dammerstock o ser humano torna-se um ser vivo abstracto (!)" (citado de: Kaltenbrunner 1999).
Assim, a "racionalização do ser humano" foi exaustivamente preparada para a totalização do capitalismo em termos da tecnologia de produção, bem como da filosofia vulgar do espírito do tempo e da estética funcional. Quase ninguém conseguiu escapar a este impulso, que tomou conta de todos os países capitalistas centrais. Na Alemanha, foram apenas alguns críticos culturais conservadores de direita que se opuseram indefectivelmente à construção do "Homem Ford". Peter Mennicken, por exemplo, no seu escrito “Anti-Ford ou sobre a Dignidade do Ser Humano” (1924), utilizou a contraposição ideológica da "cultura profunda" germânica e da "civilização rasa" anglo-saxónica ocidental, que já tinha sido desenvolvida no conservadorismo cultural guilhermino:
"O Homem Ford já não está enraizado no centro de gravidade sustentador da humanidade [...] Ele tornou-se plano. O mundo que ele molda está a tornar-se cada vez mais plano e regulado. Todas as alturas são erodidas e todas as profundidades preenchidas [...] O Homem Ford permanece sempre no seu mundo de necessidades, de negócios. Uma relação pura de homem para homem já não existe para ele [...]" (Mennicken 1924, 40s., 53).
Nos EUA, o famoso filme de Charlie Chaplin "Tempos Modernos" teve como objectivo o mundo Ford-Taylor de uma forma muito mais espirituosa e precisa, embora limitada ao aspecto da linha de montagem e à sua transformação do ser humano em robô. Inesquecíveis são as tristes cenas cómicas em que Chaplin, como trabalhador da linha de montagem, até a sonhar desempenha as suas funções técnicas de produção, quase como vítima de um lunatismo fabril; também ele, presumivelmente, desconhece que está aqui a parodiar o programa de Bentham tornado realidade, o qual, afinal, também queria controlar os sonhos dos seus delinquentes.
Mas, para além de tais intervenções culturais contra a "racionalização do ser humano", não houve em parte nenhuma uma oposição política e socioeconómica séria. O "socialismo branco" de Ford, como o seu sistema logo veio a ser chamado, também recebeu uma animada aprovação dos sindicatos e dos partidos dos trabalhadores, apesar de certas dúvidas sobre a nova qualidade da francamente óbvia intensificação e disciplinamento do "trabalho". A figura de Taylor, no entanto, foi desacreditada entre muitos como um "palhaço", e assim pelo menos alguma lamentação moral teve de ser feita para a "misantropia" do sistema original de Taylor. Mas o movimento operário oficial apressou-se, ainda assim, a reconhecer o carácter "científico" das suas "realizações". Nas novas formas de racionalização, muitos já acreditavam que podiam ver o alvorecer do desejado socialismo de economia planificada, semelhante ao que tinha sido visto anteriormente na economia de guerra alemã. Assim, em 1927, o social-democrata Ludwig Preller expressou-se quase enfaticamente no "Mensário Socialista":
"Vemos como a necessidade de uma gestão planificada do mercado de mercadorias e de trabalho está a repercutir-se na gestão económica capitalista, a partir dos problemas da questão inicialmente técnica do trabalho em linha. Certamente, há ainda um longo caminho a percorrer desde a discussão destas questões até à sua implementação. Mas a rápida realização da necessidade de uma economia racionalizada em geral e o estalar de empresas como os cristais nos últimos tempos não sugerem que o trabalho de fluxo também encontrará mais rapidamente os caminhos para uma economia planificada? [...] Só se pode agradecer à Associação de Engenheiros Alemães por ter facilitado, ainda que inconscientemente, a realização deste desenvolvimento socialista através das suas contribuições sobre o tema do trabalho de fluxo. Cabe àquele que faz sua essa realização, ajudar da sua parte a promover o esforço de trabalho de fluxo para uma economia planificada. Será então tarefa dos socialistas criar uma economia comunitária socialista a partir de uma economia planificada ainda tão capitalista" (citado de: Hinrichs/Peter 1976, 241).
À primeira vista, uma tal ligação de "socialismo" e racionalização capitalista parece uma loucura, dada a natureza das inovações de Ford-Taylor. Mas não se deve esquecer que esta ideia grotesca, também ela, só poderia ser de novo a consequência lógica daquela já longa história de disciplinamento e interiorização do "trabalho abstracto", que tinha sido co-transportado e co-formulado pelo próprio movimento operário socialista. Quem tinha ajudado até avidamente a organizar o matadouro humano da guerra mundial, como poderia agora encontrar algo de fundamentalmente errado no sistema Ford? A ideia da "racionalização" dos "exércitos de trabalho" só poderia ser recebida positivamente por esta tradição de auto-entrega ao processo capitalista de modernização. E, tal como na Guerra Mundial (e mesmo antes), os sindicalistas socialistas – longe de criticarem radicalmente a nova qualidade da desumanização – estavam preocupados com a forma de mobilizar o interesse concorrencial nacional através da "gestão científica". Em 1926, o sindicalista oficial Richardt Woldt divulgou no "Arquivo Sindical" estas linhas:
"A economia industrial moderna requer um desenvolvimento tecnicamente muito elaborado dos meios de trabalho, uma organização empresarial racional, que é preciso alcançar no interesse da eficiência da nossa economia industrial. Temos de produzir a baixo custo para sermos competitivos no mercado mundial e para conseguirmos vendas suficientes dos nossos produtos. Os sindicatos alemães não são destruidores de máquinas e também não se oporão aqui ao progresso técnico. Mas mesmo em condições aperfeiçoadas (!) será importante fixar o salário e o ritmo de trabalho de tal forma que o trabalhador ainda possa existir no seu estilo de vida" (citado de: Hinrichs/Peter 1976, 267s.).
A história do movimento operário não poderia ser resumida mais claramente em algumas frases curtas, mesmo que involuntariamente. O gémeo bolchevique-comunista, que tinha emergido do cisma do movimento operário no final da Primeira Guerra Mundial, não reagiu afinal de forma diferente. É verdade que os partidos comunistas atacaram repetidamente a "racionalização capitalista" com veemência, mas não por qualquer oposição de princípio aos métodos de Ford e Taylor, mas porque esta racionalização não fora imposta em nome de um poder estatal "proletário". Não foi de modo nenhum o conteúdo social qualitativo, mas a forma político-jurídica externa que apareceu como o verdadeiro critério em "cujo interesse" a chamada ciência do trabalho seria aplicada. A referência ocasional à incrível intensificação do "trabalho" à custa dos produtores permaneceu assim limitada em termos de agitação, sem captar a essência da Segunda Revolução Industrial. Na sua maioria, os teóricos comunistas e os políticos sindicais até se deixaram cegar, tal como os seus colegas social-democratas, pela suposta política de altos salários de Ford, de tal modo que apenas deram um sinal negativo em termos político-sociológicos – nomeadamente, como suborno capitalista de uma "aristocracia operária" corrompida.
O inventor deste conceito sociológico superficial, o famoso líder revolucionário russo Lenine, só podia, de qualquer modo, ver o problema do ponto de vista de uma "modernização atrasada" na jovem União Soviética; o "socialismo" representava aqui praticamente a disciplina industrial elementar de um material humano ainda não completamente domesticado como no Ocidente, legitimada pela ideologia "proletária" de um aparelho de Estado quase jacobino. Como patrocinador de uma espécie de Revolução Francesa do Oriente, o partido bolchevique no poder teve de enfatizar o carácter leviatânico do seu socialismo, ainda mais do que a social-democracia ocidental. Pois, na Rússia, tratava-se em primeiro lugar de erguer um Estado da ditadura de modernização; ou seja, o objectivo não era apenas ser graciosamente admitido como leviatânico ajudante de xerife social num poder estatal capitalista já existente. E esta modernização atrasada teve de começar de imediato no estado mais avançado do desenvolvimento. Assim, quando os métodos de Taylor-Ford vieram ao seu conhecimento, Lenine conseguiu agarrá-los sem hesitar e com ambas as mãos. Enquanto em 1914, como agitador de esquerda no exílio, tinha destacado por todos os meios o carácter "subjugador" do sistema Taylor (embora, mesmo assim, com um olhar de lado sobre o carácter alegadamente bastante diferente da mesma racionalização nas mãos do "proletariado"), em 1918, no seu conhecido artigo "As Tarefas Imediatas do Poder Soviético", como possível líder estatal de uma ditadura modernizadora participante no mercado mundial, adoptou uma abordagem bastante diferente:
"Em comparação com as nações avançadas, o russo é um mau trabalhador [...] Aprender a trabalhar – esta é a tarefa que o poder soviético deve colocar em toda a sua envergadura perante o povo. A última palavra do capitalismo neste aspecto, o sistema de Taylor – tal como todos os progressos do capitalismo –, reúne em si toda a refinada crueldade da exploração burguesa e uma série de riquíssimas conquistas científicas no campo da análise dos movimentos mecânicos no trabalho, a supressão dos movimentos supérfluos e inábeis, a elaboração dos métodos de trabalho mais correctos, a introdução dos melhores sistemas de registo e controlo etc. A República Soviética deve adoptar a todo o custo as conquistas mais valiosas da ciência e da técnica neste domínio. A possibilidade de realizar o socialismo é determinada precisamente pelos nossos êxitos na combinação do poder soviético e da organização soviética da administração com os últimos progressos do capitalismo. Tem de se criar na Rússia o estudo e o ensino do sistema de Taylor, a sua experimentação e adaptação sistemáticas." (Lenine 1918/1978, 249s.).
Este documento mostra, ainda mais claramente do que as declarações positivas dos social-democratas ocidentais sobre a "racionalização do ser humano" na ciência do trabalho, de quem era filho até mesmo o socialismo mais vermelho, com a sua ideologia da chamada "ditadura do proletariado". Para além da alternativa puramente política de poder, com a sua ênfase excessiva no aparelho estatal como empresário geral (como já acontecia em Kautsky), é sobretudo o espírito do fetiche liberal do trabalho e do desempenho, com a sua paranóia de economia empresarial, que aí fala, e certamente num tom ameaçador. Nem mesmo em sonhos este Lenine teria pensado no verdadeiro conteúdo da imposição do sistema Taylor, quando fala inocentemente da "eliminação de movimentos supérfluos" como o "último avanço do capitalismo" a ser adoptado a todo o custo.
Na ausência de uma oposição fundamental à nova qualidade da economificação capitalista do ser humano, a única questão era o "como" da Segunda Revolução Industrial, impulsionado mais uma vez pelos potenciais de medo da concorrência internacional. Houve uma espécie de segundo "debate da localização", cerca de cem anos após a propaganda para a industrialização promovida por Friedrich List, a fim de poder fazer frente à então avassaladora concorrência inglesa. Agora foi invocado o novo perigo, que parecia vir dos EUA com a nova hiperprodutividade de Ford. Por toda a Europa, e especialmente na Alemanha, surgiu uma torrente de literatura sobre racionalização, seguiram-se conferências sobre o tema, e a imprensa, com os seus comentários, pôs realmente em marcha o popular tema. A maior parte dela está hoje esquecida, tendo-se tornado supérflua após o estrondoso sucesso da Segunda Revolução Industrial; e parte dela só poderia parecer grotesca. Mas são frequentemente os produtos particularmente loucos e involuntariamente cómicos de um debate social no capitalismo que mais claramente iluminam o carácter de toda a organização em retrospectiva. Um ramo apócrifo desta literatura sobre racionalização, por exemplo, foi o panfleto do médico de Karlsbad, Dr. Franz Xaver Mayr, com o belo título "Racionalização do Homem-Máquina", que surgiu em 1931; já em plena crise económica mundial. Nele, Mayr promete uma "luta radical contra o desemprego" através do acesso directo ao próprio corpo humano:
"O método mais experimentado e testado, e portanto universalmente reconhecido como o mais fiável e melhor para tornar as empresas [...] mais rentáveis é sem dúvida a racionalização do equipamento mecânico [...] Não se deverá agora [...] utilizar este método experimentado e testado e experimentá-lo na racionalização dos aparelhos de transporte e escavação utilizados nestas empresas, ou seja, o corpo humano? [...] Os mais qualificados para responder a esta pergunta somos nós, médicos, pois somos os especialistas nesta matéria. Faz agora mais de um quarto de século que comecei a ocupar-me sistematicamente e em pormenor da racionalização da máquina humana de cada idade e condição, não só do ponto de vista médico, mas também do ponto de vista económico e sócio-político" (Mayr 1931, 16s., 30).
Isto soa tão horripilante como é; mas mais uma vez o esforço mesquinho, que procura com excesso de zelo cumprir a exigência capitalista contemporânea, transforma-se numa verdadeira sátira do pensamento científico ao serviço do capital, que parece ter surgido de um humor infernal:
"De que forma e com que meios se pode racionalizar o corpo humano? [....] Só consigo ter sucesso [...] esforçando-me em todos os casos por melhorar o mais possível o aparelho digestivo, ou seja, em primeiro lugar, racionalizá-lo [...] Em 1899 comecei a ocupar-me mais profundamente do estudo da natureza e do tratamento da doença tão difundida e problemática da frequente obstipação crónica [...] Tornou-se claro para mim [...] a enorme importância económica, social e política nacional do tratamento das perturbações digestivas [...] O aumento assustador da necessidade económica e o desamparo geral face a ela fez-me […] trazer a público este trabalho [...] O treino do intestino, a sua ginástica, que eu pratico, consiste no facto de tentar levar as paredes do intestino a ser tratado a um contacto íntimo com o conteúdo intestinal, através de suaves pressões rítmicas, massagens, flexões etc. com as minhas mãos, que estão intimamente ligadas à parede abdominal frontal da pessoa a ser tratada, a fim de desencadear movimentos intestinais [...] Sem excepção, pode-se descobrir desde o primeiro dia de tratamento (...) que os gases no corpo se tornam cada vez menos [...] Os gases [...] são sinal dum comportamento irracional dos intestinos no seu trabalho. Assim, no desaparecimento dos gases dos intestinos, temos naturalmente uma medida útil para avaliar até que ponto tem sido possível [...] racionalizar novamente a sua actividade" (Mayr 1931, 16s., 30 ss.).
A irrefutável conclusividade com que aqui se estabelece uma ligação entre flatulência, movimentos intestinais racionais e considerações macroeconómicas de utilidade caracteriza o espírito do tempo do debate da racionalização mais apropriadamente do que qualquer tratado pseudo-racional de proveniência menos obscura. E a prometida "racionalização da máquina humana" culmina numa proposta adequada, que poderia muito bem ter surgido do cérebro de Taylor ou Ford:
"É preciso agora [...] comer muito menos, muitas vezes metade, para se ficar satisfeito [...] de tal modo que na divisão habitual do trabalho em escritórios e fábricas seja facilmente possível saltar todas as pausas de refeição. Isto não só ganharia uma preciosa hora diária para o trabalho, como também pouparia a energia do trabalho adicional necessário para a digestão das refeições, para além dos custos e perdas que se acumulam nos estabelecimentos ao intercalarem intervalos para comer [...]" (Mair 1931, 44).
Da inundação de literatura sobre racionalização, Taylor e Ford na Europa entre as guerras, destacam-se em particular duas mentes influentes: o último líder teórico da economia nacional-socialista, Friedrich von Gottl-Ottlilienfeld (1868-1958), e o teórico comunista italiano Antonio Gramsci (1891-1937). Ambos podem afirmar ter criado independentemente o conceito de longo alcance de "fordismo", que tem sido retomado repetidamente no debate sobre a teoria social até aos dias de hoje. Ocasionalmente falava-se também de "taylorismo"; mas, não sem razão, a última designação permaneceu confinada a certos métodos de racionalização, enquanto que o nome de Henry Ford foi enobrecido numa designação epocal. Pois Ford não só tinha uma concepção político-social mais ampla, no espírito de Bentham, como também contribuiu significativamente para a face do capitalismo no século XX com o seu produto, o automóvel para as massas. Assim, pela primeira vez na história da modernização, o nome não de um filósofo ou de um líder estatal, mas de um gestor capitalista subiu à categoria tanto de uma ideologia formadora de identidade como de uma etapa histórica no desenvolvimento do capitalismo.
Gottl-Ottlilienfeld viu na "nova palavra fordismo" o conceito de uma filosofia económica inevitável, que apenas ajudou a tornar plenamente válidos os princípios da "razão técnica", a fim de aumentar o "impulso" da máquina da economia nacional (Gottl-Ottlilienfeld 1926, 5), e também o "impulso do trabalhador individual" (loc. cit., 13). O marcial tom de caserna não é acidental, e Gottl-Ottlilienfeld apressa-se a colocar o novo sistema metodológico no contexto de uma legitimação histórico-filosófica da repressão e do sofrimento no trabalho, que devem agora ser intensificados pela lei natural:
"Nós, povos de milhões do Ocidente densamente povoado, estamos postos, por assim dizer, na prisão de uma empresa [...] São certamente sonhos amáveis os de uma ruptura com este quartel de trabalho, de uma vida no recanto da felicidade de recorte medieval, com um toque romântico [...] no conjunto, a fábrica, com todas as suas dificuldades e sombras, permanece o não-quantificado [...] Esta é simplesmente a 'ratio' com referência à qual falamos de técnica 'racional' e de produção nacional [...]" (loc. cit, 4).
É notável como os motivos básicos de uma justificação do carácter coercivo abertamente admitido da produção capitalista em todas as fases do desenvolvimento procuram sempre ligar um facto subordinado à "natureza" (aqui, mais uma vez, o argumento malthusiano da "superpopulação" dos "povos densamente povoados de milhões") com uma suposta necessidade puramente tecnológica; evitando cuidadosamente a questão da submissão e moldagem da tecnologia pela lógica irracional do capital. Assim, Gottl-Ottlilienfeld também pode afirmar sem problemas para o fordismo a "ditadura da razão técnica" (loc. cit., 48), embora lhe ocorram até ligeiras dúvidas, tendo em conta as perspectivas de automobilização geral:
"O automóvel [...] já hoje ameaça correr para a morte ao entupir as estradas, e também devido à imposição de um dispositivo tão volumoso, igual em número aos guarda-chuvas [...] O automóvel [...] apenas rola sem carris, requer a dispendiosa construção de estradas. Portanto, pode-se pelo menos perguntar: o automóvel do povo, apreciado como um desenvolvimento do tráfego, move-se realmente na linha da razão técnica? [...] Que enorme fragmentação em dez milhões de pequenas unidades, e como não ficar morto com duas ou três viagens por dia! [...] Nas famílias de amplas camadas, esta aquisição prejudica imediatamente séries inteiras de outras necessidades [...]" (loc. cit., 44s.).
Esta percepção parcial, porém, passa como a sombra de uma nuvem, sendo ultrapassada por considerações cujo carácter irracional e da tecnologia da dominação fala por si. Gottl-Ottlilienfeld acolhe o fordismo como uma nova etapa do "trabalho", que traz consigo o seu propósito como a auto-submissão do ser humano, a fim de ultrapassar um estado de infância lúdico e "namoradeiro", "tal como o mesmo se pode aplicar ao jogo e à dança do primitivo, que, como a criança, ainda não se trouxe a si próprio à autodisciplina do trabalhador" (loc. cit., 89). Mais uma vez, brilha a contra-imagem da criança e do "selvagem", à qual a mulher ainda pertence; uma "condição" que parece ser sempre abominável e ameaçadora para a raça dos dominadores. Não só o "impulso" da máquina de fim-em-si aumenta de maneira fordista, como também o disciplinamento do material humano é reforçado; neste sentido, Gottl-Ottlilienfeld contrasta uma "vertical bem-comportada" (a ordem hierárquica, tecnocrática) com uma "horizontal mal-comportada" (todas as formas de arbitrária comunicação a disciplinar entre o povo), "esta última começando, por exemplo, com o motim organizado do conselho de soldados, que de imediato rebenta com todo o exército, até uma conspiração estudantil, para grande desespero do senhor professor" (loc. cit. op. cit, 11). Por outro lado, o coração do filósofo alemão da repressão regozija-se quando reconhece no método "americano" um estado de espírito semelhante, e também pode saudar o novo consumo de massas pelos seus benéficos efeitos disciplinares, como parte integrante de uma refinada forma de submissão, cuja afinidade com os métodos da economia de guerra alemã é expressamente mencionada:
"O objectivo final destaca-se com suficiente acuidade [...]. Uma oferta abundante, talvez demasiado abundante, expressamente também para as grandes massas. Claro que, rigorosamente unificada em tudo, padronizada, 'à maneira de Rathenau' [...] tudo serve; cada um de acordo com as suas capacidades, para onde quer que estas o levem. Assim como para cada um de acordo com as suas necessidades, também para isto Ford oferece uma abordagem" (op. cit., 36s.).
Gottl-Ottlilienfeld joga aqui muito seriamente com a fórmula de Marx para o comunismo ("de cada um segundo as suas capacidades, a cada um segundo as suas necessidades"), que é, de facto, ridicularizada; pois, na sua manifestação fordista, torna-se uma caricatura cruel da "associação de pessoas livres", que transforma no seu oposto todas as esperanças de uma sociedade rica e satisfatória de indivíduos auto-determinados, e transforma as pessoas em robôs estandardizados de "trabalho abstracto". E, de modo nenhum por coincidência, o comunista Antonio Gramsci ataca a mesma nota, não só como Lenine mas também como Gottl-Ottlilienfeld, negando assim o carácter alegadamente mais crítico de um "marxismo ocidental", ao qual é suposto pertencer, face ao marxismo da industrialização russa. Também não ocorre a Gramsci criticar radicalmente o elevado carácter coercivo e impositivo da nova compressão da racionalidade da economia empresarial, do ponto de vista da emancipação social. Vindo da Sardenha, vê em Itália, com a sua divisão Norte-Sul e a sua saliência de tradições agrárias, acima de tudo um atraso na modernização. Por conseguinte, também ele adopta a perspectiva de uma adaptação da política "comunista" ao fordismo, ao qual ele concede uma "necessidade objectiva".
Gramsci, ainda hoje considerado como aquele que dá o mote teórico a um marxismo dissidente e reflectido (o que, no entanto, também sugere conclusões sobre o seu carácter conformista com o fordismo), tinha apoiado durante a Primeira Guerra Mundial a posição de Mussolini, o mais tarde "Duce" fascista que, como é bem sabido, emergiu do partido socialista. Esta origem não foi apenas uma manifestação acidental da mudança de frente de uma pessoa, mas aponta certamente para uma intersecção ideológica comum de socialistas/comunistas e fascistas/nacional-socialistas, que (tal como em relação aos liberais) mais uma vez produziu os seus feitos na avaliação positiva do fordismo, e tornou visível, sob a superfície da inimizade política, mesmo nesta fase de desenvolvimento, a raiz comum de todas as ideologias da modernização. Nos seus famosos cadernos teóricos da prisão, escritos enquanto preso durante o regime fascista, Gramsci, congruentemente com Gottl-Ottlilienfeld, toma o fordismo como oportunidade para elogiar a disciplina capitalista como enobrecimento humano:
"A história do industrialismo sempre foi (e é hoje numa forma ainda mais acentuada e rigorosa) uma luta contra o elemento 'animal' no ser humano, um processo ininterrupto, muitas vezes doloroso e sangrento de submissão dos instintos (naturais, animais e primitivos) a novas e cada vez mais alargadas e rígidas normas e hábitos de ordem, exactidão e precisão. Estas tornam possíveis formas cada vez mais complexas de vida colectiva, como necessárias consequências de desenvolvimento do industrialismo [...] Até agora os sucessos alcançados, embora extremamente valiosos do ponto de vista prático imediato, são na sua maioria puramente mecânicos, não se tornaram uma 'segunda natureza' (!) [...]" (Gramsci 1967/1926-37, 389).
Tal como para o emergente economista nazi as culturas pré-capitalistas e não-capitalistas caem sob a rubrica de "brincadeiras infantis de selvagens", também para o marxista "crítico" ficam na rubrica dos "elementos animais" no ser humano. O preconceito comum com o conceito mecânico do progresso do liberalismo não poderia ser formulado de forma mais clara. Gramsci vai ainda mais longe do que Gottl-Ottlilienfeld. Para ele é claro "que o americanismo e o fordismo resultam da necessidade imediata de organizar uma economia planificada" (op. cit., 377), demonstrando assim a mesma atitude na defesa da racionalização capitalista que os social-democratas alemães, que ainda estavam entusiasmados com a economia de guerra "socialista". Neste sentido, com o objectivismo da teoria da modernização, ele ignora mesmo sem escrúpulos os impulsos anti-fordistas do movimento operário nos Estados Unidos:
"Na América, a racionalização tornou necessária (!) a formação de um novo tipo de ser humano, em conformidade com o novo tipo de trabalho e do processo de produção [...] O sindicato americano dos trabalhadores é mais uma expressão corporativa de características profissionais, e por isso a exigência dos industriais para a sua eliminação tem um aspecto progressivo (!) [...]" (op. cit., 383).
Gramsci, de passagem, considera um "cinismo brutal" da parte de Taylor "desenvolver no trabalhador modos de comportamento mecânicos e automáticos ao mais alto grau" (op. cit., 393); mas, no entanto, coloca a nova fase de desumanização no horizonte de uma necessidade abstracta que serve o "desenvolvimento superior". Ao fazê-lo, chega mesmo a inclinar-se abertamente para as ameaças do darwinismo social contra a parte da própria "classe operária" que não é "capaz do fordismo":
"Uma selecção forçada será inevitável, uma parte da classe operária será inexoravelmente eliminada do mundo do trabalho e talvez do mundo tout court (!)" (op. cit., 393).
Não admira que Gramsci, apesar de todas as suas críticas filosóficas (parciais) ao marxismo soviético, possa certamente entusiasmar-se com a "militarização da economia" russa por Trotsky (o impedido Estaline), comentando com palavras secas: "O princípio da coerção directa e indirecta na regulação da produção é correcto" (op. cit., 392). O homem treinado e "racionalizado" à maneira taylorista e fordista, segundo Gramsci, será mesmo um homem "novo" e, num grau inesperado, "livre":
"Quando o processo de adaptação tiver ocorrido, mostra-se na realidade que o cérebro do trabalhador, em vez de se tornar desolado, atingiu um estado de completa liberdade (!). Apenas o gesto físico é completamente mecanizado: a memória profissional, reduzida a gestos simples repetidos a ritmo intenso, aninhou-se nas cordas musculares e nervosas, deixando o cérebro livre para outras ocupações. Tal como se caminha sem pensar em todos os movimentos necessários, de modo a que todas as partes do corpo sejam movimentadas sincronizadamente na exacta forma necessária para caminhar, assim é e será na indústria com os gestos básicos da profissão. Funciona-se automaticamente e ao mesmo tempo pensa-se o que se quer" (op. cit., 398).
Aqui se torna visível toda a extensão do escárnio da liberdade humana pela ideologia mecanicista do progresso dessa "modernização" sem fim, que Gramsci também propaga fanaticamente; no máximo, poder-se-ia ter em conta que ele não sabe do que está realmente a falar. Pois é necessária uma ignorância fabulosa para equiparar a extracção altamente intensificada de energia vital em espaços funcionais economicamente neuroticizados com as sequências "automáticas" de movimento impostas no processo com o controlo inconsciente do sistema músculo-esquelético quando se vai dar um passeio. Para além do facto de o automatismo fordista ser exaustivo e de tortura destruidora dos nervos, naturalmente também não deixa a cabeça "livre"; pelo contrário, a atenção é constantemente forçada aos processos mais minuciosos (leitura de números e combinações de letras, selecção de objectos à medida que rolam, "cuidar" da alimentação das máquinas etc.), de modo a que só nos casos mais raros é possível que os pensamentos divaguem. E que pensamentos deveriam ser estes, se o "ser humano racionalizado" tem de ser, dia após dia, uma componente de um processo mecânico, cujo conteúdo, sentido e propósito permanece exterior a ele e é, de qualquer modo, na sua maioria irracional e destrutivo? As pessoas sempre foram capazes de deixar os seus pensamentos vaguear mais facilmente fora das instituições repressivas e determinadas externamente do que dentro delas; a ideia de que primeiro devem ser transformadas em macacos amestrados do capital para poderem alcançar um "grau mais elevado" de liberdade de pensamento é completamente absurda.
Gramsci, que realmente não omite nenhuma vulgaridade na sua discussão positiva do catálogo de progresso fordista, também espera uma disciplina sexual do material humano (atenção, "elementos animais"!), para que na perspectiva fordista os horrores da "sodomia, bem como da homossexualidade" que ainda se difundam entre a população rural não esclarecida (loc. cit.), 387) possam ser refreados, e os trabalhadores condenados à "monogamia industrial", pois anota: "Aquele que vai trabalhar depois de uma noite de 'libertinagem' não é um bom trabalhador" (op. cit., 395). Os exaustos "empregados" da Ford poderiam dizer alguma coisa sobre isto... Para coroar o seu razoado, Gramsci dá à "classe operária" doméstica uma boa nota fordista, que não deixa nada a desejar em termos de embaraço:
"Na realidade, nem como indivíduos nem como sindicatos, nem activa nem passivamente, os trabalhadores fabris italianos se opuseram às inovações que visavam reduzir os custos, racionalizar o trabalho, introduzir formas mais perfeitas de organização técnica em toda a fábrica [...] Uma análise detalhada da história italiana desde 1922 e também antes de 1926 [...] deve levar à conclusão objectiva de que foram precisamente os trabalhadores os portadores das mais recentes e modernas exigências industriais e que corajosamente (!) as defenderam à sua maneira" (op. cit., 385).
Apesar de todas as provas do disciplinamento e interiorização das imposições capitalistas, subsiste um resto de perplexidade quanto à forma como foi possível conduzir as massas para um sistema tão condensado de tortura laboral da economia empresarial. Embora não houvesse meio de articulação social para o "mal-estar no fordismo", devido à conformidade fordista dos principais partidos operários e sindicatos, este mal-estar estava presente e continua a estar presente até hoje, mesmo que tenha sido relegado para a clandestinidade social e psíquica. Algo de como o fordismo poderá ter sido ancorado na psique das massas, através do consumo de massas, do automóvel e do "amor às máquinas", pode ser encontrado na literatura histérica e, por longos trechos, involuntariamente cómica do futurismo (principalmente italiano). Esta influente corrente de uma vanguarda artística desde a viragem do século, que não por acaso se voltou em grande parte para o fascismo, exprimia em certa medida o inconsciente do "homem racionalizado" e os seus recalcamentos compensatórios, mesmo antes de se ter generalizado socialmente como um carácter social. Em particular, os gritos literários de Filippo Tommaso Marinetti (1876-1944) forneceram um acompanhamento adequado à mobilização fordista, mesmo na véspera da Primeira Guerra Mundial. No seu famoso "Manifesto Futurista" (1909), ele antecipa a orgulhosa confissão da mania automobilística das massas:
"Declaramos que a magnificência do mundo foi enriquecida com uma nova beleza: a beleza da velocidade. Um carro de corrida com o seu capot ornado com grossos tubos semelhantes a serpentes de sopro explosivo [...] Um automóvel que ruge e parece correr sobre metralha é mais belo do que a Vitória de Samotrácia. Queremos cantar os louvores do homem que segura o volante, cujo eixo ideal atravessa a Terra, ela própria a grande velocidade na sua órbita [...] Queremos glorificar a guerra – a única higiene do mundo – o militarismo, o patriotismo, a aniquilação dos anarquistas, as belas ideias pelas quais se morre, e o desprezo pela mulher. Queremos destruir os museus, as bibliotecas e as academias de todo o tipo, e lutar contra o moralismo, o feminismo e contra toda a cobardia baseada na conveniência e no interesse próprio [...]" (citado de: Schmidt-Bergmann 1993, 77s.).
A tremenda agressão que nos atinge deste staccato de pedaços confusos de ideias com uma onda de cólera indica o estado de espírito do emergente capitalismo automóvel pleno, no qual a masoquista devoção à máquina do "masculino" sujeito de Ernst Jünger, já ensaiada nos campos de batalha, é combinada com uma sádica intoxicação de velocidade, que literalmente rola sobre cadáveres, também nas estradas civis. Que esta agressiva submissão à "forma funcional" do capital, encarnado nas máquinas e correias rolantes, se veja justamente como revolta contra a "conveniência", torna claro o carácter do trabalho como recalcamento psíquico; mas esta formulação é também equívoca, pois, no sentido da razão social e estética, o desenvolvimento capitalista é, afinal, tudo menos "conveniente" para uma vida boa e satisfatória – e nessa medida a auto-submissão jubilosa à construção socialmente neurótica do fordismo é de facto uma "revolta contra a conveniência". Marinetti, como uma espécie de Friederike Kempner do fordismo, apresenta involuntariamente o psicograma do "novo" homem-automóvel capitalista, que também promete tornar-se um novo pequeno-burguês em massa; este consumista "asselvajado" ao volante do seu monte de lata também berra do igualmente famoso poema de Marinetti "Para o Automóvel de Corrida":
Deus do fogo com sexo de aço,
Automóvel que, viciado em distâncias,
com unhas e dentes pisas o freio assustado!
Terrível monstro japonês, com olhos de ferreiro,
alimentado a chamas e a óleos,
ávido de horizontes e do espólio das estrelas,
Libertarei a buzina demoníaca do teu coração
e os teus pneumáticos gigantes
para dançar nas estradas brancas da Terra.
Eu solto as rédeas de metal e tu corres
disparado embriagado no infinito libertador!
Marinetti já está a formular abertamente o deslocamento final da vida emocional das relações sociais para as coisas mortas, mecânicas. Os conceitos de alienação e reificação de Marx só adquirem a sua plena validade nesta fase de desenvolvimento do capital. Quando a "fantasia sem fios" de Marinetti invoca uma "ternura oleosa" relacionada com a máquina, não é apenas uma metáfora para a mecanização (e mercantilização) do erotismo e da sexualidade. A rendição acrítica aos imperativos da máquina agora literalmente capitalista mundial também produz o pesadelo de tornar a noção do Homem como máquina, que vem assombrando desde La Mettrie, uma realidade imediata, e de deixar o eu completamente absorvido na mecânica física, como grita Marinetti no seu "Manifesto Técnico da Literatura Futurista" (1912):
"É a solidez de uma placa de aço que nos interessa por si mesma, ou seja, a aliança incompreensível e desumana das suas moléculas e electrões, que se opõem, por exemplo, à penetração de uma granada. O calor de um pedaço de ferro ou de madeira é agora mais excitante para nós do que o sorriso ou as lágrimas de uma mulher. Queremos dar, na literatura, a vida do motor, um novo animal instintivo do qual conheceremos o instinto geral quando tivermos conhecido os instintos das diferentes forças que o compõem. Nada é mais interessante, para um poeta futurista, do que a agitação do teclado de um piano mecânico. O cinematógrafo oferece-nos a dança de um objecto que se divide e se recompõe sem intervenção humana. [...] Oferece-nos, afinal, a corrida de um homem a 200 quilómetros por hora. Estes são igualmente muitos movimentos de matéria, fora das leis da inteligência e, portanto, de uma essência mais significativa. [...] Poetas futuristas! Ensinei-vos a odiar bibliotecas e museus, para preparar-vos para ODIAR A INTELIGÊNCIA [...] Através da intuição, ultrapassaremos a hostilidade aparentemente irredutível que separa a nossa carne humana do metal dos motores. Depois do reino animal, aqui começa o reino mecânico. Com o conhecimento e a amizade da matéria, da qual os cientistas só podem conhecer as reacções físico-químicas, preparamos a criação do HOMEM MECÂNICO COM PEÇAS SUBSTITUÍVEIS." (citado em: Schmidt-Bergmann, op. cit., 285ss., ênfase de Marinetti). [Nota do trad.: Manifestos de Marinetti conferidos em https://www.liberliber.it/online/autori/autori-m/filippo-tommaso-marinetti/manifesti-e-scritti-vari/]
São imaginações tão banais como poderosas, dirigindo o longo impulso de rebelião contra o "trabalho abstracto", de uma forma invertida e autodestrutiva, para os prazeres das máquinas fordistas; o impulso frenético, a impiedade das muitas centenas de "cavalos-potência" mecânica e a auto-imagem estruturalmente "masculina" de um ser humano perigosamente agressivo, precisamente na sua submissão incondicional, na sua vontade de se auto-extinguir, começam a fundir-se num complexo psíquico industrial global, que continua a moldar a consciência social até aos dias de hoje. Porém, o momento demoníaco aqui encerrado do "funcionar com pleno prazer" (como uma máquina) atinge um carácter socialmente miserável, que havia de chegar à sua triste fase final, após os maiores excessos destrutivos da história na segunda metade do século, como o notório pequeno monstro familiar que lava o carro todos os dias, ou como o jovem "acelera" e rufia do trânsito.
Original Die Rationalisierung des Menschen, pags. 217-234 de Schwarzbuch Kapitalismus. Ein Abgesang auf die Marktwirtschaft. Tradução de Boaventura Antunes (2.2021).
Original integral online: www.exit-online.org/pdf/schwarzbuch.pdf. Tradução portuguesa em curso em http://www.obeco-online.org/livro_negro_capitalismo.html.