Robert Kurz 

 

O Livro Negro do Capitalismo

 

Capítulo 6

História da Segunda Revolução Industrial

 

… … ...

Secção 6

Estado do Trabalho e Socialismo de Comando

A estrutural identidade interna de ditadura e democracia no processo da Segunda Revolução Industrial pode ser exemplificada para o período entre guerras em algumas sociedades proeminentes da época: a União Soviética, os EUA e a Alemanha. Há dois momentos em particular em que esta identidade interna emerge. O primeiro é a transformação do "trabalho abstracto", e o segundo é a ideia e a práxis de um "sistema de comando" do capitalismo industrial, no qual a gestão moderna recebeu pela primeira vez a sua consagração efectiva.

Até à Primeira Guerra Mundial, virtudes secundárias burguesas como diligência e parcimónia eram consideradas componentes de um cânone ético que já tinha determinado a consciência dos comerciantes, aspirantes a "empreendedores" e executores da "bela máquina" durante séculos. No entanto, ainda se observava uma diferença não muito subtil nas actividades: O "trabalho" abstracto em sentido próprio, como órgão social de execução na base da reprodução capitalista (e desde o início do século XIX no sistema de fábrica mecanizada) estava claramente reservado ao material humano "subordinado". O momento esclavagista no modo de produção capitalista ainda era claramente visível no exterior; e pessoas como Mandeville, afinal, disseram abertamente que queriam utilizar os "trabalhadores pobres" como material humano para algo que estava abaixo da sua própria dignidade. A velha burguesia e os seus notáveis nunca se tinham colocado ao nível da "mão-de-obra", os trabalhadores da fábrica. Pelo contrário, pelo menos na Europa, orientavam-se pelos "elevados modos à mesa" e padrões sócio-culturais da aristocracia, cujas posições feudais de governo tinham passado em grande parte para a máquina burocrática do Estado moderno e para o complexo militar-industrial desde o absolutismo, mas que ainda determinavam o estrato dos "upper ten" e funcionavam como modelo.

As "classes superiores", que ainda não queriam entender-se como meras elites funcionais de um mecanismo independente, tinham assim uma relação aparentemente externa com o sistema de "trabalho abstracto". Foi precisamente este fenómeno de um capitalismo ainda não completamente desenvolvido que contribuiu para que a "classe trabalhadora", no decurso da sua internalização da disciplina fabril, pudesse assumir positivamente do liberalismo a categoria central capitalista de "trabalho", e supostamente dirigi-la contra a relação capitalista de dominação: Parecia que o liberalismo estava, por assim dizer, a reservar erroneamente esta categoria para a sua ideologia, como se estivesse assim apenas a ocultar uma relação ilegítima entre "pessoas trabalhadoras" oprimidas e "pessoas não trabalhadoras" quase feudalmente privilegiadas.

A grande guerra industrial, com os seus processos de colapso social e subsequentes crises, tinha agora arruinado o regime burguês de notáveis em todos os aspectos; não só socioeconómicos, mas também ideológicos e socioculturais. Esse reconhecimento de estar, como mero objecto, à mercê de forças anónimas dominantes e "titânicas" de um processo histórico incontrolável e de uma máquina social independente, como Ernst Jünger o tinha formulado, tinha penetrado toda a consciência burguesa. No rescaldo dessa excitante auto-submissão com traços homicidas, em que as elites funcionais começaram conscientemente a fazer-se o material humano e os "vermes" do monstro capitalista, também a arrogantemente classista distância ao "trabalho" industrial não podia continuar. Tornou-se claro que a transição para um capitalismo "fordista" pleno exigia um novo tipo de elite funcionalmente degradada, que tinha surgido como protótipo nas trincheiras: a gestão industrial, na dicção marxiana os "oficiais e sargentos do capital". Só agora é que esta agourenta conceptualização se concretizou plenamente, na transição para o capitalismo total da Segunda Revolução Industrial.

Ironicamente, porém, isto significou que o movimento operário perdeu o privilégio de poder apresentar-se como a única autoconsciência organizada do "trabalho abstracto". Esta autoconsciência passou para as elites agora em definitivo funcionalmente reduzidas, e por isso já não aparecia apenas na ideologia socialista de esquerda, mas também nas variantes democráticas de direita, fascistas e liberais. A nova gestão nascente do século XX fordista contava-se entre a "mão-de-obra", como parte integrante da máquina social do trabalho no processo de valorização do capital, não mais distante em termos de classe. A burguesia deixou de se entender a si própria como burguesia; em vez disso, entendia-se agora como trabalhadora de uma abrangente "sociedade do trabalho", que prometia tornar-se ainda mais impiedosa na forma desenvolvida da auto-escravização burguesa. Na década de 1920, tornou-se praticamente uma moda burguesa injuriar a época passada como "burguesa".

Foi mais uma vez Ernst Jünger, dotado de um fino sentido para as relações históricas sodomasoquistas, que cunhou pela primeira vez o termo trabalhador burguês ou burguês trabalhador. Em 1932, foi publicado o seu famoso livro "O Trabalhador", que agora era enobrecido como uma "figura" abrangente e carregado com o segredo do mistério à maneira de Jünger: "O trabalhador, nomeadamente, está numa relação com poderes elementares, de cuja mera existência o cidadão nunca tem um pressentimento" (Jünger 1981/1932, 19). Isto é necessariamente acompanhado por uma concepção alargada de trabalhador, cuja "figura" deve agora determinar a sociedade como um todo:

 

"Verificamos [...] que por trabalhador não se deve entender nem uma corporação no sentido antigo nem uma classe no sentido da dialéctica revolucionária do século XIX. Pelo contrário, as reivindicações do trabalhador vão para além de todas as reivindicações corporativas. Em particular, nunca se chegará a resultados limpos se se identificar o trabalhador por excelência com a classe de trabalhadores industriais. Isto significa, em vez de ver a figura, contentar-se com uma das suas manifestações" (Jünger, op. cit., 77).

 

A burguesia clássica, a velha burguesia, tinha perecido com a Primeira Guerra Mundial – mas não o capitalismo, que só agora, na transição para o seu pleno desenvolvimento, se revelou, mesmo na sua aparência exterior, como o "sujeito automático" (Marx) que sempre tinha sido de acordo com a sua lógica interna. Apenas nas zonas simplesmente rurais é que havia restos da antiga burguesia de notáveis capaz de sobreviver por mais tempo (e em parte até hoje); não, porém, como a camada dirigente fundamental da sociedade, mas apenas como uma espécie de presidência honorária dos bombeiros voluntários. Ernst Jünger decifrou o verdadeiro carácter da liberdade capitalista, na nova e abrangente "sociedade do trabalho" do fordismo incipiente, como a submissão até da "classe dominante" à compulsão da cega máquina social; mas, como na experiência da batalha do material industrial, não o fez como denúncia de uma imposição monstruosa, mas como aceitação passiva de um acontecimento avassalador, que agora também se afirmaria na normalidade civil:

 

"Qualquer reivindicação de liberdade no mundo do trabalho só é assim possível na medida em que aparece como uma reivindicação de trabalho. Isto significa que a medida da liberdade do indivíduo corresponde precisamente à medida em que ele é um trabalhador" (Jünger, op. cit., 68).

 

A burguesia tinha abdicado como suposto sujeito da história e teve de se alistar no exército dos soldados do trabalho. Assim, o que já tinha sido embrionariamente formulado nos conceitos de Homem e de sociedade como máquinas, entre os ideólogos mais avançados do século XVIII, só agora foi plenamente realizado e ratificado na consciência das elites. Jünger proclamou neste sentido a "substituição do indivíduo burguês pelo tipo do trabalhador" (op. cit., 121), a "transição da democracia liberal para o Estado do trabalho" (op. cit., 246), e uma "substituição dos contratos sociais pelo plano de trabalho" (op. cit., 282). E, de forma bastante semelhante à do futurista Marinetti, a auto-entrega incondicional de Jünger à máquina social "titânica" é também compensada e recalcada com uma romantização do fordismo, e com aquele "amor à máquina" carregado de "ternura oleosa". Já em 1929, o autor de "Tempestades de aço" tinha notado este sentimento peculiar no seu livro "O Coração Aventuroso":

 

"Ainda ontem, durante um passeio nocturno pelas ruas remotas do bairro oriental onde vivo, apresentou-se um quadro solitário e sombriamente heróico. A janela de uma cave gradeada abria a vista para uma casa de máquinas onde, sem qualquer manutenção humana, um monstruoso volante assobiava sobre o seu eixo. Enquanto uma névoa quente e oleosa saía pela janela vinda de dentro, o ouvido ficava fascinado pelo magnífico andar de uma energia segura e controlada, que se apoderava dos sentidos muito silenciosamente, como os passos da pantera, acompanhada por um fino estalar, como o dos saltos dos gatos de pêlo negro, e pelo zumbido sibilante do aço no ar – tudo isto um pouco soporífico e muito excitante ao mesmo tempo" (Jünger 1987/1929, 134).

 

Aqui também se torna claro como o movimento socialista conservador e domesticado dos trabalhadores, incluindo as suas variantes radicalmente esquerdistas, falhou no período entre guerras, não tanto por causa de erros políticos e tácticos. Na verdade, a abdicação da burguesia clássica tornou para sempre obsoleta a essência da redutora crítica socialista do capitalismo. Esta ideologia socialista que, dentro das categorias capitalistas objectivadas, entendeu mal uma espécie de contra-sujeito organizativo-sociológico ("burguesia") como o demiurgo de todo o modo de produção, e simplesmente se irritou com os "privilégios" e o "poder de disposição" destes chamados "dominantes", estava no fundo fixada numa forma ainda não totalmente desenvolvida de capitalismo. Agora, porém, a burguesia reformada, na sua nova figura dos gestores, do pessoal do planeamento fordista e do corpo de oficiais dos "Estados do trabalho", recuperara a categoria do "trabalho abstracto" ocupada pelos socialistas, revelara-a como originalmente capitalista, e assim repudiara o núcleo do já desmoralizado contraprojecto socialista. Perante a usurpação fascista e nazi do "trabalho", os socialistas e comunistas ocidentais permaneceram indefesos. O lema "Arbeit macht frei" ("O trabalho liberta") por cima dos portões de Auschwitz revelou a verdadeira natureza daquela autoconsciência do "trabalho" vinda a si, e que o movimento operário sempre tinha entendido mal como um princípio emancipatório.

Na União Soviética, e mais tarde na China e nos regimes nacionais-revolucionários do Terceiro Mundo, pelo contrário, a velha autoconsciência socialista do "trabalho" pôde viver sem uma ruptura total; mas apenas porque os partidos socialistas estatais ali tinham assumido tarefas genuinamente burguesas-capitalistas para a implementação histórica de um sistema de produção de mercadorias na "modernização atrasada", precisamente com os métodos de economia de guerra da economia estatal que poderiam até deliciar o coração de um general prussiano. Triunfante e sentindo um elemento de parentesco mesmo no mortal inimigo bolchevique, o militarista romântico Jünger observou no seu "O Trabalhador" de 1932:

 

"Há países em que se pode ser fuzilado por sabotagem de uma fábrica, como um soldado que abandonou o posto, e em que os alimentos são racionados há quinze anos, como numa cidade sitiada – e estes são países em que o socialismo já foi mais claramente realizado. Perante tais observações, cujo número pode ser multiplicado à vontade, é apenas de notar que estamos aqui a lidar com coisas que, embora em 1914 ainda tivessem um carácter utópico, são hoje familiares para todos os contemporâneos" (Jünger 1981/1932, 260).

 

Tal como o sistema capitalista de fábrica se baseou desde o início na utilização abstracta da força de trabalho humana, também a sua organização sempre foi coerciva, externa aos produtores e semelhante à militar. E tal como o fordismo aumentou muitas vezes a compressão do "trabalho" no sugar da energia vital, assim também empurrou a sua militarização muito para além de todas as formas anteriores. A guerra mundial, as revoluções capitalistas estatais e os aparelhos de administração da crise forçaram esta militarização, não só como um elemento externo de imposição da Segunda Revolução Industrial, mas também como a "militarização interior do ser humano" que teve de acompanhar a sua racionalização em termos de economia empresarial – até que também este elemento foi sedimentado estruturalmente e na consciência das massas, e depois de 1945 já não era percebido como tal, pelo menos no Ocidente.

Na "heróica" fase catastrófica da Segunda Revolução Industrial, que entrou na história dolorosamente imposta a chicote, o sujeito funcional massificado ainda apareceu como um modelo inacabado, simbolizado nos sinais tecnicamente já anacrónicos da foice e do martelo, ou na imagem nazi da pá. No nacional-socialismo alemão, como na União Soviética, os espaços públicos foram povoados com estátuas de "trabalhadores" musculados, idênticas até ao ridículo; e, cá como lá, foi cunhado o conceito de "batalha do trabalho".

Após a vitória do partido de Hitler, até alguns funcionários social-democratas desertaram para o novo "Partido dos Trabalhadores Alemães", ou pelo menos fizeram amizade com o seu pathos do trabalho. O indizível poeta operário Karl Bröger, que já tinha brilhado com nacionalistas cantigas da guerra mundial, não encontrou nada de errado em ter um desagradável produto poético intitulado "Hino ao Suor", impresso em 1935 numa antologia dedicada "ao povo criador e ao seu primeiro trabalhador":

 

[...] Torrente do teu suor,

que fertiliza cada hora da nossa existência,

torrente de sangue do teu trabalho, meu povo.

 

Não há óleo nem bálsamo mais delicioso

em todo o mundo

do que uma gota dessa torrente,

caída de uma fronte enrugada [...]

 

Mais magnífico eu nunca te vi

do que no teu trabalho, povo,

e não conheço nenhuma devoção,

maior do que esta devoção

pelo teu suor sempre a escorrer.

 

O contexto deste kitsch da religião do trabalho, contudo, já não era a autoconsciência da "mão-de-obra" subordinada e demarcada por classes, mas a transformação protofordista de toda a sociedade e de todas as classes no material humano da "bela máquina" expandida a capitalismo total. Henry Ford, que deu o nome à nova era capitalista (e cuja fotografia teria ficado na secretária de Hitler durante algum tempo), há muito que se tinha declarado a si e aos seus semelhantes como "primeiros trabalhadores", embora menos heróica e romanticamente do que os cantores euro-asiáticos da mesma canção:

 

"O princípio económico básico é o trabalho [...] O princípio moral básico é o direito do ser humano ao seu trabalho [...] Na minha opinião, um homem também não pode deixar de estar constantemente a trabalhar. De dia teria de pensar nele e de sonhar com ele à noite [...] Pois há algo de grandioso no nosso dia de trabalho – algo muito grandioso! O trabalho é a pedra angular sobre a qual repousa o mundo, é a raiz da nossa auto-estima. E o empregador é obrigado a fazer um dia de trabalho ainda maior do que a sua gente. O empresário que leva a sério o seu dever para com o mundo também deve ser um trabalhador capaz [...]" (Ford 1923, l Of., 52, 140).

 

O nazi Will Decker, Inspector da Educação e Formação no Departamento de Trabalho do Reich, argumentou de forma bastante semelhante numa brochura de 1933, para jovens em marcha sob o signo da pá:

 

"Isto, porém, é a novidade na prestação do trabalho, que colocamos o chefe das pessoas no trabalho exactamente no mesmo lugar e com a mesma ausência de pressupostos do simples serviço que o trabalhador braçal mais pobre, para que ele saiba o que significa ter de fazer trabalho com as próprias mãos sem vantagens para si próprio. Esta linha acaba por reunir novamente trabalho e capital, uma vez que estes pertencem indissoluvelmente um ao outro" (Decker 1933, 20).

 

O sistema de "trabalho abstracto" só vem a si plenamente quando a actividade dos "dominantes" a todos os níveis foi levada à mesma forma e ao mesmo denominador que a da "mão-de-obra", quando se apresenta como uma unidade idêntica da mesma massa de dispêndio de energia humana abstracta. A diferença já não é então substancial ou formal, mas apenas funcional. O modelo do gestor, que literalmente se gaba de tempos de trabalho do capitalismo inicial para si mesmo, assemelha-se ao herói numa catástrofe natural ou numa guerra, que faz frente abnegadamente, como cabeça e como organizador, às forças negras da angústia autogerada, mas ao mesmo tempo como carne da carne das massas. Este tipo mais que louco que, no denominador igualitário da loucura comum, assumiu a gestão do manicómio social, já se distingue apenas como elite funcional dos restantes "soldados do trabalho".

Na filosofia económica organizativa de Gottl-Ottlilienfeld, que mesmo no início dos anos vinte flertou com a noção de um "socialismo de comando" capitalista, esta caricatura aparece como o modelo de um capitalismo feudal hierárquico de "razão técnica", no qual estruturas "orgânicas" são combinadas com uma ditadura tecnológica:

 

"A propriedade do capital, simplesmente como força formativa (!), liga-se apenas à liderança em serviço; do mesmo modo, Henry Ford já se vê a si próprio como um mero administrador do capital. A liderança é chamada por uma vontade autoconfiante de servir, depois escolhida por selecção [...] Atrás de cada chefe em serviço, no entanto, reúnem-se os seguidores em serviço, assim que a atitude do topo tenha tomado cada vez mais força na base. Só aqui, e não precisa de muitas palavras, é que a associação empresarial se completa, e com ela a tão significativa unidade formal da mais importante de todas as formas de vida contemporâneas; só aqui é que a empresa industrial (!) se transfigura numa comunidade de trabalho de alegre serviço à comunidade maior" (loc. cit., 37s.).

 

O parentesco próximo da terminologia liberal com a fascista é também evidente até hoje na pintura kitsch de uma ideologia de "comunidade empresarial" que se parece confusamente com a camaradagem da frente nas trincheiras, embora esta origem real tenha sido desde então esquecida. As raízes deste "princípio do comando" encontram-se entre os mestres da religião capitalista do trabalho do século XIX; os "captains of industry" de Thomas Carlyle, como a chamada "nobreza industrial", poderiam agora emergir de uma figura meramente ideológica para a vida real, reconhecidamente numa figura totalmente transformada. Se a ideia de uma "feudalização" formal do emprego assalariado industrial no século XIX ainda tinha, de facto, carregado características corporativas e paternalistas antigas (como o Estado de bem-estar de Bismarck ou de Louis Bonaparte), agora era comercializada sob o mesmo nome, mas sob uma forma militarizada e racionalizada de "camaradas da batalha do trabalho" que ocupam postos diferentes e, ao mesmo tempo, são equiparados a rodas e parafusos da "bela máquina" feita de material idêntico. Esta mistura absurda de "socialismo de comando", "feudalismo industrial" e igualitarismo democrático do material humano foi celebrada de forma particularmente gritante pela ideologia nazi. Assim, a introdução à "Lei sobre o Ordenamento do Trabalho Nacional" de 20 de Janeiro de 1934, declara:

 

"Pela primeira vez, é definido o termo ‘honra social’. O empresário deve administrar o seu negócio como um feudo concedido pela comunidade (!). Se ele violar o seu dever para com os seus trabalhadores e para com o bem comum [...], então no futuro um tribunal de honra forçá-lo-á a reflectir sobre o seu dever. O mesmo se aplica ao trabalhador que esquece o seu dever para com a comunidade da empresa, põe em perigo a paz industrial ou peca contra o espírito comunitário" (Münz 1934, 15).

 

Mas o novo "princípio de comando" também apareceu na "batalha do trabalho" soviética, como uma formação quase militar de oficiais e soldados da única "classe trabalhadora" idêntica, no caminho para a turbo-industrialização; formalmente unidos sob o guarda-chuva comum da "propriedade do povo", que não poderia ser outra coisa senão a forma legal de uma "bela máquina" económica nacional em construção. Por maioria de razão, o "primeiro trabalhador" Henry Ford não perdeu a oportunidade de proclamar os mesmos princípios. A sua versão do "feudo", reformulada em termos proto-fascistas por Gottl-Ottlilienfeld, pode parecer mais neutra, mas também contém a ideia de um "capitalista de serviço" comprometido com uma superior "comunidade do povo" do Estado do trabalho:

 

"O capital [...] representa [...] apenas um fundo de reserva de trabalho diário confiado pelo público em geral à pessoa em causa e que beneficia o público em geral. Aquele a cuja administração ele está sujeito não deve de modo nenhum considerá-lo como mérito próprio. De facto, ninguém pode considerar tal excedente como propriedade pessoal, uma vez que não o criou sozinho [...] O proprietário da fábrica verdadeiramente honesto também considerará os lucros excedentes apenas como propriedade que lhe foi confiada [...]" (Ford 1923, 226s.).

 

O slogan nazi do capital "criador" em oposição ao capital "usurpador", e a conexa alucinação de um socialismo da "comunidade de povo" capitalista socialista ou de um capitalismo socialista, permearam a versão branca de Ford, bem como a castanha de Hitler e a vermelha de Estaline. O capitalista fiduciário ou gestor de uma máquina social completamente racionalizada e completamente militarizada poderia assim ser concebido, mesmo na variante americana, apenas como a manifestação de um branco "socialismo de comando" no sentido do capital "criador". Pouco antes da tomada do poder por Hitler, Henry Ford, que incessantemente se vangloriava da filosofia do trabalho, também propagou a "ideia de comando" como um objectivo educativo:

 

"O objectivo é encontrar e equipar os jovens para se tornarem líderes industriais de pessoas [...] É a isto que se resume o nosso ideal educativo, e talvez como resultado dos nossos esforços consigamos alguns verdadeiros líderes industriais capazes de fazer o melhor para os muitos que se contentam em seguir os passos de outros [...] Isto não quer dizer que qualquer plano educativo produza por si mesmo líderes. Mas parece possível conceber um método de reconhecimento dos líderes logo que eles aparecem [...]" (Ford 1930, 286).

 

 

Original Arbeitsstaat und Führersozialismus, pags. 254-259 de Schwarzbuch Kapitalismus. Ein Abgesang auf die Marktwirtschaft. Tradução de Boaventura Antunes (2.2021).

Original integral online: www.exit-online.org/pdf/schwarzbuch.pdf. Tradução portuguesa em curso em http://www.obeco-online.org/livro_negro_capitalismo.html.

 

http://www.obeco-online.org/

http://www.exit-online.org/