O Livro Negro do Capitalismo
Capítulo 6
História da Segunda Revolução Industrial
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Secção 9
Cavar buracos e construir pirâmides: a revolução keynesiana
Com a crise económica mundial e os vários sistemas ditatoriais, a ideologia do liberalismo económico, ela própria há muito transformada no sentido do conservadorismo e do socialismo de Estado, tinha atingido o ponto mais baixo. Já quase ninguém acreditava realmente na doutrina da "mão invisível". Como o economista Joseph A. Schumpeter (1883-1950) escreveu em 1942, uma "atmosfera de hostilidade para com o capitalismo" (Schumpeter 1980/1942, 107), alimentada pela amarga experiência, prevalecia em quase todos os campos políticos e ideológicos:
"A opinião pública está em geral tão profundamente descontente com ele que a condenação do capitalismo e de todas as suas obras é uma conclusão inevitável, – quase uma exigência da etiqueta da discussão" (op. cit.).
Mas na realidade esta "crítica do capitalismo" do período entre guerras em parte nenhuma se referia ao capitalismo como sistema (produtor de mercadorias) de fim-em-si, mas sempre apenas à sua forma passada e obsoleta do século XIX, que há muito se tinha tornado "socialista de Estado" (na verdade: capitalista de Estado). As categorias capitalistas básicas já tinham sido internalizadas na consciência das massas, bem como na reflexão teórica, de tal modo que a ideologia do "socialismo de Estado" introduzida na história pela social-democracia podia aparecer como um contraprojecto ao capitalismo em geral, que fora completamente identificado com o capitalismo privado, a economia concorrencial, o liberalismo económico e o comércio livre. Tinha sido esquecido que o socialismo herdara a ideia do Leviatã do próprio liberalismo. Assim, a "crítica do capitalismo" há muito que tinha caído na armadilha inconscientemente montada pelo liberalismo: nomeadamente, já só ser capaz de formular supostas alternativas apenas dentro das categorias reais capitalistas.
Pois o moderno aparelho de Estado é em si mesmo uma mera esfera funcional do capitalismo, tal como o mercado. Enquanto no mercado se realiza a retransformação na forma de dinheiro da "mais-valia" fetichistamente incorporada nas mercadorias, o Estado regula os mercados, cria condições de enquadramento, actua em parte ele próprio como empresário (como Adolph Wagner já tinha analisado) e é sobretudo o funcionário da administração capitalista geral das pessoas. O mercado e o Estado são assim sempre apenas as duas faces da mesma moeda capitalista. Entender mal logo o monstro estatal, o Leviatã, este aparelho separado e alienado da auto-actividade e auto-organização das massas, como uma forma "anticapitalista" – isto é, no sentido da emancipação, colocar a raposa a guardar o galinheiro.
Máquina do mercado e máquina do Estado só podem representar dois agregados da única "bela máquina" do fim-em-si capitalista, encadeados com mais ou menos perdas por fricção; o capitalismo privado e o capitalismo de Estado (vulgo "socialismo de Estado"), portanto, só podem ser duas manifestações diferentemente acentuadas da mesma monstruosidade desumana. Tal como o capitalismo privado inclui os horrores da administração burocrática de pessoas como seu alter ego e ajudou a desenvolvê-los precocemente, assim, inversamente, o capitalismo de Estado inclui sob o seu disfarce burocrático os horrores e as dores absurdas da concorrência a todos os níveis. Mercado e Estado, capitalismo privado e capitalismo de Estado, tal como "classe trabalhadora" e "capitalistas" ou gestores, são apenas as formas sociais e societais em que a irracional autocontradição capitalista se move e se desenvolve historicamente.
O que Adolph Wagner tinha previsto economicamente com o seu teorema do "aumento da quota estatal", e que já se tinha construído inexoravelmente na concorrência imperial e na guerra mundial, só agora entrou numa fase decisiva na luta pela implementação da revolução fordista: a transição para uma regulação geral da economia pelo Estado, para o Estado como sujeito económico essencial. Foi precisamente este processo objectivo que formou a base da ideologia do "Estado do trabalho" e da "democracia o trabalho" nas suas diversas manifestações. Quanto mais mercado, mais Estado: esta fórmula básica da história estrutural do desenvolvimento capitalista provou-se mais verdadeira do que nunca na transição para o capitalismo fordista pleno, que não teria sido possível sem a simultânea transição para o Estado como meta-sujeito forçado da economia. O que muitos entenderam mal como socialismo crescente ou proto-socialismo nada mais era do que uma muda de pele do próprio capitalismo. A Segunda Guerra Mundial e a crise económica mundial formaram os impulsos desta muda de pele do monstro global, e os sofrimentos das catástrofes foram instrumentalizados para esse fim.
Tal como na guerra mundial, foi a social-democracia, evidentemente, que se regozijou ao redefinir como "transição para o socialismo" não só a racionalização fordista do material humano, mas também a formação de economia estatal que estava assim em vias de se concretizar, a qual, por necessidade, teve de ser continuada para além do "socialismo de guerra". O teórico financeiro social-democrata Rudolf Hilferding (1877-1941), que acabou na prisão da Gestapo por tortura ou suicídio, falava optimistamente de "capitalismo organizado" neste sentido no final dos anos vinte. Mas esta reflexão teórica, seja nas versões optimista, pessimista ou elegíaca, já ia muito além da órbita do marxismo do trabalho e do Estado. Devia continuar no período do pós-guerra até aos anos setenta. Na análise sociológica, este processo apareceu como a progressiva "burocratização do mundo" (Jacoby 1969), que teve lugar tanto a nível do Estado como da gestão. Max Weber, que desde a guerra mundial tinha mudado de propagandista da luta imperialista para grande teórico burguês, falou do "espírito da burocracia" e da evolução secular para uma "jaula de servidão" em forma burocrática (Weber 1985/1922). A ideia de um "socialismo de comando" capitalista como componente da ideologia do "Estado do trabalho" geral teve a sua base objectiva nesta burocratização abrangente. No início da década de 1940, o sociólogo James Burnham referiu-se à transição para uma economia organizada de forma burocrática como "A revolução da gestão" numa análise discutida a nível mundial (Burnham 1948/1941):
"Esta transição está a ocorrer do tipo de sociedade a que chamamos capitalista ou burguesa para um tipo de sociedade a que chamamos de gestão. É provável que esta fase de transição seja de curta duração, em comparação com a transição do feudalismo para o capitalismo. Começou mais ou menos com a Primeira Guerra Mundial; terminará cerca de 50 anos mais tarde com a consolidação da nova sociedade [...] No final do período de transição, os gestores terão ganho liderança social e serão a classe social dominante. Além disso, é uma luta mundial que está em pleno andamento em todos os países, embora o desenvolvimento se encontre em fases diferentes nos diversos países. O sistema económico que irá proporcionar a liderança social dos gestores baseia-se na propriedade estatal dos meios de produção. Dentro deste sistema não haverá propriedade privada dos meios de produção mais importantes [...] O controlo dos gestores sobre o Estado será adequadamente assegurado por instituições políticas apropriadas, tal como o domínio da burguesia sob o capitalismo foi assegurado por instituições políticas burguesas. As ideologias que reflectem as tarefas, interesses e aspirações sociais dos gestores [...] ainda não foram totalmente trabalhadas; [...] no entanto, já são abordadas a partir de vários empréstimos aparentados, como o leninismo e o estalinismo, o fascismo e o nazismo, e, a um nível mais primitivo, a doutrina do New Deal e ideologias americanas menos influentes, como a tecnocracia" (Burnham, op. cit., 91 ss.).
Estas considerações são dignas de nota em vários aspectos. Por exemplo, Burnham não identifica de modo nenhum o tipo de gestor com a gestão de empresas capitalistas privadas, mas com uma função de gestão societal muito mais geral, que inclui também a administração económica do Estado e se aproxima do conceito mais ideológico de "líder". Ao mesmo tempo, vê este "regime de gestores" como um fenómeno histórico geral, independente da legitimidade ideológica, ou seja, lançado tanto na União Soviética como na Alemanha nazi e nos Estados Unidos. É verdade que Burnham hipostasia o conceito de generalizada "propriedade do Estado sobre os meios de produção". Mas esta questão legal da propriedade, que tem sido demasiado utilizada pelos marxistas estatistas, constitui apenas uma diferença formal na relação entre propriedade estatal e propriedade privada, que não toca na qualidade social e económica essencial (nomeadamente, a qualidade de capital alienado e de fim-em-si dos meios de produção).
Seguindo o antigo programa social-democrata, apenas a União Soviética fez do Estado o leviatânico empresário geral de toda a sociedade, enquanto na Alemanha nazi e nos Estados Unidos a nova regulamentação estatal não absorveu totalmente a constituição capitalista privada do mesmo modo. Mas isto foi apenas uma diferença de grau. O que permaneceu decisivo foi que o Estado teve de ir muito mais longe na função de regulador económico geral do que antes da Primeira Guerra Mundial. A este respeito, a política de crise incipientemente de economia estatal do novo presidente dos EUA Franklin Delano Roosevelt (1882-1945), que sucedeu a Hoover em 1933, política que entrou na história social e económica sob o nome vago e ambíguo "New Deal", foi em princípio cortada do mesmo pano que as políticas soviética e nazi-alemã. Que um pequeno movimento apoiado por engenheiros, gestores e intelectuais formados à margem deste New Deal se tenha descrito muito positivamente com um termo que mais tarde se tornou pejorativo como "tecnocracia", isso é um aspecto marginal característico da consciência do mundo contemporâneo.
Burnham previu o carácter do revolucionamento social nesse sentido, na medida em que também ele entendeu esta "transição" não como a mudança de pele do próprio capitalismo, mas como o advento de uma nova sociedade; com uma qualidade histórica como a transição do feudalismo para o capitalismo. Este mal-entendido geral foi alimentado por essa redução sociológica da abordagem que caracterizou não só o marxismo do movimento operário, mas também a ciência social burguesa: enquanto as formas sociais básicas do moderno sistema produtor de mercadorias permanecem como "mudo" pano de fundo, a-historicamente ontológico e não reflectido, a análise teórica refere-se apenas aos desenvolvimentos sociológicos das relações de dominação, de função e de classe dentro deste sistema.
No entanto, o "controlo dos gestores" sobre a sociedade nada mais é do que o desenvolvimento lógico do sistema capitalista. A identidade imediata da função de propriedade jurídica com a função de gestão real já tinha sido dissolvida nas sociedades por acções do século XIX. Seja nesta ou numa forma directamente de economia estatal: o capitalismo libertou a sua verdadeira lógica a um grau cada vez maior, em que é desonrada a suposta identidade do "proprietário", como sujeito dotado de "poder privado de disposição" e responsável pelos seus próprios assuntos, e o inconsciente "sujeito automático" é revelado. Não é propriamente uma sociedade de produtores pessoais privados que trocariam os seus produtos pessoais no mercado. Pelo contrário, estamos a lidar com uma agregação social suprapessoal da produção – mas não de uma forma comunitária e conscientemente organizada, como na realidade deveria corresponder ao carácter da crescente socialização, mas sob os ditames de uma forma fetichista independente. Este carácter de uma socialização negativa e irracional através da relação de capital já tinha, em princípio, sido formulado no século XVIII com as metáforas da máquina social ou da física social. Esta conceptualização precoce e precursora já previa o que só poderia emergir na realidade numa longa história de desenvolvimento. Com o trânsito da Segunda Revolução Industrial, esta socialização negativa e inconsciente chegava agora à sua fase madura de desenvolvimento, que só podia ser organizada em termos de economia estatal.
Para os EUA, que até então menos tinham seguido a orientação de economia estatal, as tentativas bastante tímidas do New Deal de Roosevelt representaram a ruptura mais profunda da sua história económica. Enquanto que a antecipação especulativa da prosperidade Fordista ainda tinha sido inteiramente moldada pelas visões económicas liberais básicas do "american way of life", a devastadora crise económica mundial tinha chocado tão permanentemente esta falsa autoconfiança que agora também os Estados Unidos se tornaram maduros para a tendência mundial, incluindo mesmo campos de trabalho estatais mais ou menos voluntários para os jovens. O proprietário de um armazém comercial de Boston, Edward A. Filene, um apoiante do New Deal, tentou mesmo inspirar um movimento juvenil "de entusiasmo pelo trabalho" modelado na Juventude Hitleriana em 1933, após uma viagem à Europa que incluiu uma visita à Alemanha nazi (Jaeger 1974, 157). É certo que, tal como no resto do mundo, isto apenas trouxe de volta métodos esquecidos do capitalismo europeu primitivo, com um novo e mais sofisticado disfarce.
No seu conjunto, as medidas económicas do New Deal foram incoerentes e mais pragmáticas. Em primeiro lugar, o objectivo era estabilizar o rendimento da população agrícola rural, que tinha sido reduzido para quase metade devido à crise. Isto foi feito de uma forma que tem sido aplicada repetidamente no sector agrícola, e que hoje determina, por exemplo, a absurda obra de arte total da política agrícola na União Europeia: nomeadamente, reduzindo a oferta a fim de manter os preços dos produtos agrícolas artificialmente elevados. Na forma da regulação estatal, isto significava pagar prémios com fundos públicos para reduzir a superfície cultivada:
"Foi criada uma nova agência, a Agricultural Adjustment Administration (AAA), para a implementação. É certo que a próxima colheita já tinha sido plantada quando a lei entrou em vigor. Numa campanha de propaganda, a AAA apelou, portanto, para que um quarto das culturas de algodão fosse enterrado lavrando-o. Cerca de dez milhões de acres foram assim retirados da produção. Para a cultura do trigo, o mau tempo do ano tratou dos negócios do governo. Os preços do milho e da carne foram artificialmente impulsionados por compras. Cerca de seis milhões de porcos e leitões foram mioritariamente transformados em fertilizantes. No fundo, foi uma ironia amarga que, com todas as dificuldades do país, fossem pagos prémios para destruir as bênçãos da natureza. Os responsáveis, evidentemente, não viram outra saída dentro da ordem social existente [...] Os mais fracos, porém, foram duramente atingidos. Os proprietários de terras retiraram da produção as terras até então arrendadas, recolheram os prémios e despediram os arrendatários; os trabalhadores das quintas tiveram de sair" (Sautter 1994, 381).
Aqui já é claro que a regulamentação económico-estatal, seja qual for a forma e intensidade, não poderia ultrapassar a irracionalidade do fim-em-si capitalista. A crise foi parcialmente ultrapassada, mas apenas ao preço de a exacerbar noutros locais e de produzir novas formas, particularmente absurdas, do desenvolvimento capitalista. A destruição de alimentos perante as marchas da fome mostra de modo particularmente drástico que a assunção de tarefas económicas pela máquina estatal não pode ser uma correcção da "mão invisível", no sentido de uma utilização racional dos recursos, mas sempre apenas no sentido do ainda irracional "sujeito automático". A máquina como tal deve funcionar de novo, as necessidades reais permanecem subordinadas a este propósito.
De resto, as medidas do New Deal incluíam acima de tudo o financiamento de obras públicas. Tal como na Alemanha nazi e na União Soviética, eram principalmente projectos de infra-estruturas como estradas, barragens e centrais eléctricas; as abordagens económicas do Estado ao lidar com a crise foram assim acompanhadas pela criação das condições logísticas até então insuficientes para a Segunda Revolução Industrial, especialmente para o consumo em massa de automóveis e de novos meios de comunicação. Finalmente, o New Deal também trouxe para os EUA algumas medidas do Estado social que Bismarck já tinha institucionalizado um bom meio século antes. A este respeito, eram os EUA que tinham necessidade de uma "modernização atrasada": A recém-criada “Federal Emergency Relief Administration” (FERA) "distribuiu subsequentemente mais de três mil milhões de dólares a agências de assistência social estatais e municipais para assistência no desemprego" (Sautter, op. cit., 383).
Embora a Alemanha nazi também não tenha passado à propriedade plena do Estado, a intervenção económica estatal foi promovida muito mais aqui do que no New Deal. Em nome da "batalha do trabalho", a administração Hitler lançou toda uma série de programas de "criação de emprego"; um termo que mais uma vez aponta involuntariamente para o carácter irracional de um modo de produção que fez do "trabalho" um fim-em-si, e tem de "manter as pessoas ocupadas" a todo o custo, em vez de dedicar recursos à conquista do lazer e da boa vida para todos. Em 1933/34, numerosos programas de infra-estruturas financiados pelo Estado já estavam em curso, nomeadamente a famosa construção de auto-estradas que tão permanentemente se imprimiram na consciência das massas. As imaginações fordistas foram assim utilizadas como uma alavanca de mobilização de massas. E foi necessária alguma sugestão para conseguir ver a realidade da construção de auto-estradas como parte de um aumento do bem-estar, pois os nazis não trataram os "compatriotas" empregados para este fim muito melhor do que Estaline tratou os seus escravos do trabalho do Gulag:
"Alojados em barracas de má qualidade, assim como em celeiros e estábulos, equipados apenas com as ferramentas mais primitivas do ofício, tinham de trabalhar por salários miseráveis. O salário médio por hora era de 68 pfennigs, aos quais se juntavam as chamadas "senhas para bens essenciais" no valor de 25 marcos do Reich por quatro semanas completas de trabalho, o que lhes dava direito a comprar vestuário, roupa interior e artigos domésticos em lojas especiais" (Höhne 1996, 164).
O principal era o "trabalho". As figuras miseráveis dos mercados de trabalho esgotados, já humilhadas mil vezes, repetidamente rebaixadas aos padrões da batata, eram satisfeitas com quase tudo. O declínio do desemprego em massa foi considerado um sucesso hitleriano. Para a ditadura nazi, porém, a "batalha do trabalho" e os "programas de criação de emprego" estiveram, desde o início, no espírito do rearmamento e dos preparativos para a guerra. Isto também se aplicava, pelo menos indirectamente, às auto-estradas, cujo valor militar estratégico permanecia pouco claro; de facto, os transportes militares e de extermínio durante a Segunda Guerra Mundial ainda foram efectuados principalmente por via férrea, enquanto a produção civil em massa de automóveis estava ainda na sua infância. Assim, em termos reais, estas "auto-estradas fantasmas" tinham pouco mais do que um valor propagandístico. Mas não eram, no entanto, um programa separado da incipiente política de armamento, pois os nazis também viram os projectos de infra-estruturas civis no contexto geral dos preparativos para a guerra. Tal como Jünger, Hitler tinha compreendido o carácter da Primeira Guerra Mundial como uma "guerra técnica", que faria do "armamento técnico" o factor decisivo para o futuro. Assim, viu a sociedade automóvel fordista principalmente de um ponto de vista militar, mesmo no seu calhamaço confessional "Mein Kampf", e alertou para as consequências de uma modernização insuficiente a este respeito:
"À motorização geral do mundo, que na próxima guerra já aparecerá de forma esmagadora como determinante da luta, quase nada poderia ser oposto por nós" (Hitler 1942/1925, 748).
Aqui já está indicada a economia da "guerra-relâmpago" motorizada pela qual o "programa de oferta de trabalho" da Alemanha nazi passou durante a década de 1930. Se a "batalha do trabalho" de Hitler superou os efeitos do New Deal, foi devido a uma crescente economia de armamento. Para tal, foi necessário mobilizar recursos financeiros enormes para as condições da época. Só entre 1935 e 1938, as despesas de armamento alemãs ascenderam ao equivalente a quase 16 mil milhões de dólares, tanto como as dos Estados Unidos, Grã-Bretanha, França, e Itália juntas durante o mesmo período. A parte das despesas militares directas e indirectas (incluindo custos operacionais, despesas com pessoal, etc.) no total das despesas de todas as "entidades públicas" aumentou no espaço de poucos anos de 4% (1932) para 50% (1938) (Ludwig 1981, 66).
Se o New Deal já só podia ser financiado por défices públicos, isto era verdade num grau acrescido para o gigantesco programa de armamento da Alemanha nazi. Também na União Soviética, a forma monetária de turbo-industrialização só poderia ser representada por uma criação monetária de impressão de notas politicamente ditada. Apesar de todos os sentimentos desconfortáveis dos economistas, o avanço fordista na segunda tentativa não poderia ser abordado de outra forma que não fosse pelos métodos financeiros mais ou menos fortemente reavivados da economia de guerra. Assim, foram lançadas as bases para uma nova inversão do ciclo deflacionário para um ciclo inflacionário, desta vez a longo prazo, no qual a autocontradição capitalista poderia mover-se e uma vez mais adiar o seu limite absoluto. Embora Hitler parecesse inicialmente afastar-se de um regresso às medidas inflacionistas, a dinâmica própria da "batalha do trabalho" e da política de armamento não deixou outro caminho.
O instrumento utilizado para este fim tinha uma semelhança desesperada com os "bilhetes das caixas de crédito" do "socialismo de guerra" de Rathenau, tal como estas com os "assignats" da Revolução Francesa. Foi uma criação de dinheiro de crédito através de "financiamento antecipado por letras de câmbio" (Höhne 1996, 167), inventado pelo primeiro presidente do Banco Central e ministro da economia de Hitler, Hjalmar Schacht (1877-1970). As letras de câmbio, com "quatro por cento de juros e convertibilidade ilimitada" (Höhne op. cit., 168), passavam por uma empresa denominada "Metallurgische Forschungsgesellschaft mbH" (Mefo), uma criação conjunta do Banco Central, do Ministério das Forças Armadas e de empresas da indústria pesada. Este dinheiro artificial depressa se tornou o motor da "batalha do trabalho" nazi: "As letras da Mefo atraíram e conduziram os empresários alemães; sem estes títulos nada parecia funcionar na economia" (Höhne op. cit., 168).
Já ninguém podia fechar os olhos ao facto de os métodos de economia de guerra da economia estatal não se poderem de modo nenhum limitar à situação de guerra imediata como no passado. Uma mudança de paradigma teórico tinha-se tornado inevitável, a fim de legitimar a permanência do que era, de acordo com a doutrina dominante, um pecado mortal económico. Paralelamente à abordagem pragmática do New Deal de Roosevelt e do boom do armamento de Hitler, o economista britânico John Maynard Keynes (1883-1946) criou a teoria associada do "deficit spending". Na sua obra "Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda", publicada em 1936, tirou a conclusão da experiência da crise económica mundial de que o "clássico" teorema de Say até então válido, segundo o qual a oferta cria a sua própria procura (ou seja, que uma "mão invisível" dos mercados deixados a si próprios deve conduzir automaticamente ao "equilíbrio" do pleno emprego) estava errado – ou pelo menos era apenas um caso especial nas "situações de alternância" da economia capitalista. Keynes, por outro lado, observou que o caso de um "equilíbrio negativo" pode ocorrer muito abaixo do pleno emprego, logo que numa sociedade tenha sido acumulado "demasiado" capital para que haja incentivo suficiente para o reinvestimento real:
"A tendência para consumir e o nível de novo investimento determinam conjuntamente o nível de emprego [...] Se a tendência para consumir e o nível de novo investimento levarem a uma procura insuficientemente eficaz, o nível real de emprego ficará aquém da oferta de mão-de-obra potencialmente disponível no salário real existente [...] Esta análise dá-nos uma explicação para o paradoxo da pobreza no meio da abundância. Pois a mera existência de uma insuficiência de procura efectiva pode interromper, e muitas vezes interrompe, o crescimento do emprego, antes de se atingir um nível de pleno emprego. A insuficiência da procura efectiva inibirá o processo de produção [...] Além disso, quanto mais rica for a comunidade, maior será a tendência para o alargamento do fosso entre a produção real e a potencial [...] Uma comunidade pobre tenderá a consumir a maior parte da sua produção, pelo que um montante muito modesto de investimento será suficiente para criar um estado de pleno emprego, enquanto uma comunidade rica tem de descobrir oportunidades de investimento muito mais amplas, se quiser conciliar a tendência de poupança dos membros mais ricos com o emprego dos mais pobres. Se numa comunidade potencialmente rica o incentivo ao investimento for fraco, a lei da procura efectiva obrigá-la-á, apesar da sua riqueza potencial, a reduzir a sua produção efectiva [...]" (Keynes 1994/1936, 26s.).
Num certo sentido, Keynes reinventou assim superfluamente a roda há muito inventada, pois o que ele aí parafraseia no seu jargão económico é basicamente apenas a teoria de Karl Marx da "sobre-acumulação" do capitalismo em crise, desenvolvida mais de 70 anos antes e oficialmente ostracizada. Ao contrário de Marx, porém, Keynes não penetra na autocontradição lógica subjacente ao capitalismo, mas limita-se a uma descrição superficial das preferências subjectivas dos "sujeitos económicos" (vulgo "tendência para consumir", ou seja, poder de compra, e "propensão para reinvestir"). Para ele, de acordo com a teoria subjectiva do valor e do preço, que não conhece nenhuma objectificação fetichista "nas costas" dos participantes no mercado, a "economia" é determinada por nada mais que "a psicologia ingovernável e inflexível do mundo dos negócios [...]" (loc. cit., 268). É por isso que não pode entender o problema como um desenvolvimento histórico desta autocontradição em processo, que tem de enfrentar um limite absoluto, mas apenas como um "caso possível" quase a-histórico; tal como a economia política burguesa opera por natureza de forma a-histórica com "modelos" abstractos de categorias económicas supostamente eternas. John Kenneth Galbraith, como keynesiano suave, permanece igualmente superficial na sua versão do problema, na história por ele testemunhada da economia mundial no século XX:
"O teorema de Say não é incontestável. O rendimento não precisa necessariamente de ser gasto ou investido; em tempos de incerteza e dúvida sobre o futuro, é acumulado em dinheiro ou nos bancos, e os bancos podem ser excessivamente cautelosos e não emprestar dinheiro por medo ou por crédito malparado. Ou por falta de mutuários suficientemente solventes. Os preços também não se ajustam necessariamente a uma menor procura. Em condições económicas modernas, os preços são apenas elásticos ou estáveis de forma limitada, e o mesmo se aplica aos salários [...] Se o rendimento pessoal for distribuído de forma desigual, como era então (e ainda é), o teorema de Say pode ficar sob maior pressão, devido ao forte poder de compra não utilizado que se acumula nas pessoas afortunadas que não precisam de gastar ou investir o dinheiro [... ...] Finalmente, porém, à medida que a economia encolhe, há uma estabilização para um novo equilíbrio, um equilíbrio com menor produção e maior desemprego [...] E não há nenhuma razão substancial para que este novo equilíbrio não se mantenha. A crença de que há um regresso automático a uma utilização elevada ou total das capacidades e ao pleno emprego é fruto de um sonhar em voz alta, de esperanças e declarações da política, e não da realidade económica. Os anos trinta foram, durante uma década, a prova do equilíbrio com subemprego [...]" (Galbraith 1995, 94s.).
A teoria de Keynes também permaneceu superficial porque, como economista burguês, não podia naturalmente pensar de outro modo que não fosse em termos de salvar o sistema. Não poderia haver uma autocontradição insuperável da máquina social, sendo o único objectivo necessariamente "livrar-se gradualmente das várias formas chocantes do capitalismo" (Keynes, op. cit., 185). "Chocante" é evidentemente quando, face aos desempregados, empobrecidos, sem-abrigo, e mesmo às massas famintas, as habitações ficam vazias em grande escala por falta de rendimento, e os meios de trabalho ficam parados. Keynes sugeriu, portanto, que o investimento e o consumo devem ser estimulados pela intervenção estatal. Ele acreditava que "o mais prudente seria avançar em ambas as frentes simultaneamente. Enquanto defendo uma taxa de investimento socialmente controlada [...] apoiaria ao mesmo tempo todo o tipo de políticas que aumentam a tendência para o consumo" (Keynes, op. cit., 275). A versão keynesiana "fraca" do capitalismo de Estado, em comparação com a economia soviética (com o Estado como empresário geral), deveria portanto consistir numa espécie de "socialismo de investimento" planeado pelo Estado, mantendo ao mesmo tempo a propriedade privada e a "iniciativa privada":
"Penso, portanto, que uma nacionalização bastante abrangente do investimento provará ser o único meio de alcançar uma aproximação ao pleno emprego; embora isto não deva excluir todo o tipo de soluções e procedimentos intermédios, através dos quais a autoridade pública irá cooperar com a iniciativa privada. Mas, para além disto, não existe qualquer justificação óbvia para um sistema de socialismo de Estado abrangendo a maior parte da vida económica da comunidade. Não é a propriedade dos meios de produção que é importante para o Estado. Se o Estado puder determinar a quantidade total de ajudas dedicadas à multiplicação destes bens e a taxa básica de remuneração dos seus proprietários, terá cumprido tudo o que é necessário [...] A nossa crítica à teoria clássica da doutrina económica que é aceite não consistiu tanto em encontrar erros lógicos na sua análise como em enfatizar que os seus pressupostos tácitos raramente ou nunca são cumpridos, com o resultado de que não pode resolver os problemas económicos do mundo real. Mas, se os nossos controlos centrais conseguirem fixar uma quantidade total de produção que coincida com o pleno emprego tão próximo quanto possível, a teoria clássica retomará a partir daí a sua devida posição [...] Para além da necessidade de uma gestão central para conseguir um equilíbrio entre a tendência para o consumo e o incentivo ao investimento, não há portanto mais razões para a nacionalização da vida económica do que antes [...] Os controlos centrais necessários para assegurar o pleno emprego envolvem naturalmente uma grande extensão das funções tradicionais do governo [...] Mas continuará a existir um vasto campo para o exercício da iniciativa e da responsabilidade privadas [...]" (Keynes, op. cit., 319s.).
Tal como Keynes apenas tinha para oferecer uma réplica fraca da teoria da crise de Marx, tolerável aos nervos burgueses, também a sua prescrição se baseava numa versão meramente diluída da ideologia socialista de Estado (que não teria de impedir a pragmática eficácia temporária). Não admira que esta "revolução keynesiana", dentro dos limites da lei e no terreno das categorias capitalistas, se tornasse o modelo da social-democracia do pós-guerra. Keynes, em teoria económica, era precisamente o tipo de revolucionário que para assaltar a estação compra um bilhete de gare. Contra os críticos teoricamente conservadores defendeu a sua ousadia, salientando que a sua correcção do dogma de Say era "o único meio praticável para evitar a destruição das formas económicas existentes na sua totalidade" (loc. cit., 321). Aqui é claro que se deve considerar que a consequência de uma possível destruição destas formas (capitalistas privadas) já nessa altura só podia ser pensada como capitalismo de Estado pleno, na linha da União Soviética, enquanto a ideia de emancipação das formas de fetiche capitalistas, que era completamente insuportável para a consciência burguesa, já nem sequer em sonhos aparecia.
É claro que Keynes agora também tinha de dizer de que forma o Estado deveria dirigir o investimento ou criar procura. Em princípio, defendeu uma descida das taxas de juro induzida pela política monetária governamental, a fim de conseguir uma "coincidência permanente da taxa de juro com a taxa de investimento" (loc. cit., 184). Isto teria de levar a uma "morte suave do rentista" (op. cit., 317), porque os investimentos de puro capital-dinheiro dificilmente valeriam a pena como rendimentos de juros em comparação com os investimentos em espécie. Keynes, contudo, sabia ou suspeitava que a política monetária governamental não seria capaz de manter a taxa de juro sob controlo, ou nem sempre, ou não permanentemente. Neste "caso" restava apenas o que Roosevelt e Hitler já tinham praticado sem qualquer teoria: investimentos reais e obras públicas financiados pelo défice em grande escala (numa escala mais pequena, isto já tinha sido praticado pelo "imperialismo social" do final do século XIX, por exemplo com os projectos de edifícios públicos de Louis Bonaparte). Na Alemanha nazi houve mesmo um "plano de quatro anos" para o efeito a partir de 1936. Keynes ficou indignado com o facto de a política económica dos nazis poder servir de modelo para a sua teoria. Também não gostava de propagar o rearmamento e uma nova corrida ao armamento como o foco esperado do investimento com o deficit do Estado. As metáforas que escolheu para projectos de investimento governamentais, no entanto, são tanto mais traiçoeiras:
"Se a queda da taxa de juro – por qualquer razão – não puder ser tão rápida [...] então mesmo um desvio do desejo de posse de riqueza para a aquisição de bens que na verdade não produzem qualquer fruto económico aumentará a prosperidade económica. Na medida em que os milionários encontrem a sua satisfação em construir imponentes palácios para morarem durante a vida e pirâmides para se abrigarem após a morte, ou em arrependimento dos seus pecados construirem catedrais e dotarem mosteiros ou missões no estrangeiro, pode ser adiado o dia em que a abundância de capital interfere com a abundância da produção. ‘Cavar buracos no chão’, pagos pela poupança, aumentará não só o emprego, mas também o rendimento real da economia nacional em bens e serviços úteis [...]" (op. cit., 184).
Keynes admite assim (meio acidental e involuntariamente) que, no fundo, só pode tratar-se de "adiar" o limite absoluto da produção capitalista, e não só isso. Também revela involuntariamente o absurdo da lógica inerente à relação de capital. Tal como Mandeville queria persuadir as pessoas de que mesmo os palácios e os bens mais obscenos dos ricos eram objectivamente necessários para poder "empregar" os pobres, também o novo revolucionário teórico não se envergonha de voltar a apresentar esta impertinência arquiliberal. É certo que, nas condições da Segunda Revolução Industrial, os simples bens de luxo para os dez mil superiores já não eram suficientes. Apenas projectos estatais de grande escala para a formação de "exércitos de trabalho" de toda a sociedade poderiam forçar o prolongamento da vida capitalista e o avanço do fordismo.
Não é por acaso que Keynes escolhe a metáfora da "pirâmide", pois só em projectos abertamente sem sentido é que o "investimento" capitalista poderia ser impulsionado: "Duas pirâmides, dois montes de pedras para os mortos, são duas vezes melhores do que uma, mas não é assim com duas vias férreas de Londres a York" (op. cit., 111). Numa outra ocasião Keynes até cunhou o "bon mot" de que melhor do que não fazer nada na crise era "enterrar garrafas de cerveja vazias com notas de dez libras lá dentro em minas abandonadas e mandá-las desenterrar novamente por empresários" (citado em: Höhne 1996, 165s.). Construir pirâmides e cavar buracos – de forma mais directa não poderia ser expresso o irracional sistema de fim-em-si do capitalismo, no qual o "trabalho" como forma abstracta de actividade é também um fim-em-si. Auto-estradas, canais, grandes barragens com valor de uso duvidoso, e em geral "projectos piramidais" de todos os tipos têm vindo desde então a destruir cada vez mais a paisagem. Também o capitalismo de Estado soviético colocou no mundo quase orgiasticamente uma enorme massa de "ruínas de investimento"; "montes de pedras para os mortos" e monumentos para a posteridade, para documentar a perturbação capitalista do espírito.
Restava o espinhoso problema da natureza inflacionista do “deficit spending” público. Keynes tentou exorcizar o medo a ele associado, propondo uma dosagem cautelosa, por meio de novos instrumentos financeiros e controlos. Tal como um veneno realmente letal pode ser absorvido pelo organismo em doses pequenas e gradualmente aumentadas, se este for lentamente habituado durante um longo período de tempo, também o aumento do défice na oferta de dinheiro deve ser gerido não através do recurso desenfreado à impressão de notas, mas sim através de uma cuidadosa captação de poupanças, por via de emissões de dívida pública e antecipações controladas das receitas futuras, a fim de manter a criação de dinheiro pelo Estado "abaixo do nível crítico" (loc. cit., 256). Keynes opôs-se assim à suposição "de que qualquer aumento da oferta monetária significa inflação" (op. cit., 257). Isso, argumentou ele, só era verdade sob certas condições:
"Quando um novo aumento da procura efectiva não produzir um novo aumento da produção, e funcionar exclusivamente com base no aumento da unidade salarial em plena proporção ao aumento da procura efectiva, atingimos um estado que pode ser correctamente chamado de verdadeira inflação. Até este ponto, o efeito da expansão monetária é uma questão de grau [...]" (op. cit., 256).
Na verdade é uma ilusão a ideia de Keynes de que apenas tem de ser estabelecida alguma congruência entre a expansão da massa monetária e a produção realmente subsequente, independentemente do carácter material desta. Nesse caso, porém, mesmo o consumo de morte durante a Guerra Mundial, que certamente envolveu a produção material de armas industriais, munições, etc., não deveria ter levado à inflação. O consumo dos "projectos piramidais", se é consumo, no entanto, não volta ao ciclo de acumulação prolongada de capital, tal como não volta o consumo de armamento. Os métodos de dosagem para manter o “deficit spending” abaixo do "nível crítico", pelo contrário, poderiam ter eficácia prática. O efeito inflacionário não pôde ser evitado em princípio, mas foi possível adiá-lo no tempo como "travagem da inflação", como seria demonstrado mais tarde.
Quer Keynes o quisesse ou não, a primeira grande ronda do "keynesianismo" resultou numa nova corrida armamentista, que o turbo-armamento de Hitler e a preparação aberta para a guerra tinham iniciado. Uma vez que a base civil fordista ainda estava largamente ausente, e nem podia ser imposta por si só, a guerra foi mais uma vez a mãe de todas as coisas. Só deste modo, como Galbraith observou correctamente, a abertura para o fordismo poderia ser alcançada. Hitler foi, por assim dizer, o executor desta "astúcia" assassina de uma história que começava a escrever o seu capítulo mais negro. O facto de o grotesco "Führer" ter violado inconsideradamente todos os tratados e, num secreto frenesim de autodestruição, ter simultaneamente invadido a União Soviética e provocado o Ocidente, levou pelo menos as potências capitalistas ocidentais a terem de entrar numa aliança não amada com o capitalismo de Estado soviético. Assim pôde ser evitada a queda do capitalismo numa barbárie global sem igual.
Isto não era de modo nenhum inevitável. É muito duvidoso que apenas o assassinato de judeus pelos nazis tivesse sido suficiente para provocar esta constelação. Churchill terá observado, após o colapso da Alemanha nazi, que o Ocidente tinha "massacrado o porco errado". Na subsequente situação de concorrência e "guerra fria" entre a "modernização atrasada" do capitalismo de Estado e o capitalismo ocidental, foram já lançadas as bases para essa clamorosa banalização e relativização do nazismo que um Ernst Nolte iria depois pronunciar abertamente. A autolegitimação capitalista só pode fazer sempre a falsificação da história, porque o sujeito burguês é incapaz de se olhar a si próprio de frente.
A Segunda Guerra Mundial, o verdadeiro avanço da Segunda Revolução Industrial, ultrapassou de longe a primeira, a catástrofe seminal do século XX, em termos de poder destrutivo. A "motorização completa" profetizada por Hitler só poderia de facto ser posta em marcha sob a forma militar com que ele sonhava. E mais uma vez a guerra industrial "brilhou" ao nível agora fordista através de uma aceleração das inovações técnicas: Radares e aviões a jacto, mísseis como precursores das viagens espaciais e, não menos importante, a energia nuclear e a bomba atómica apareceram como pontas de lança tecnológica de uma horrorosa forma genuinamente capitalista de desenvolvimento das forças produtivas. Este novo triunfo da "bela máquina" custou a vida a um total de 55 milhões de pessoas, grandes partes da Europa e da Ásia foram devastadas.
Mas, estranhamente, os repetidos e monstruosos "custos da modernização", que quantitativa e qualitativamente ultrapassaram todo o anterior terror e horror do capitalismo, já não evocaram um eco espiritual de choque profundo, como fez a catástrofe seminal da Primeira Guerra Mundial. O segundo nascimento sangrento do mundo fordista prosseguiu intelectual e culturalmente de uma forma assustadoramente muda. Era como se o material humano, desmoralizado até ao tutano, quase indiferente e já friamente robotizado, corresse através de uma parede de fogo para dentro da estupidez comercial definitivamente desespiritualizada do desolado paraíso do consumo que se aproximava. Numa linha de versos de Karl Kraus desse tempo, plena de pressentimentos, lê-se:
A palavra adormeceu, quando esse mundo acordou.
Original Löcher graben und Pyramiden bauen: die keynesianische Revolution, pags. 279-288 de Schwarzbuch Kapitalismus. Ein Abgesang auf die Marktwirtschaft. Tradução de Boaventura Antunes (3.2021).
Original integral online: www.exit-online.org/pdf/schwarzbuch.pds. Tradução portuguesa em curso em http://www.obeco-online.org/livro_negro_capitalismo.html.