O Livro Negro do Capitalismo
Capítulo 7
O sistema das democracias totalitárias do mercado mundial
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Secção 2
O mercado totalitário
Os dois conceitos centrais deste conteúdo de descarada imposição da Segunda Revolução Industrial, que se pôde desenvolver a nível mundial após a Segunda Guerra Mundial, já foram mencionados: "mobilidade" (ou "movimento"), por um lado, e "totalidade", por outro. O conceito de totalidade vem da filosofia e da lógica; aí significa simplesmente a totalidade, a integralidade, o todo tanto de uma coisa como da sociedade e do mundo em geral. Nos "sistemas filosóficos" do século XIX, especialmente na obra de Hegel, que visava a coesão e a completa compreensão de todos os objectos, o uso deste termo reflecte a húbris de uma "compreensão total", que subsume o mundo sob a sua conceptualidade abstracta e declara nulo tudo o que nela não está incluído. Este tipo de reflexão pode certamente ser interpretado como a tradução filosófica da pretensão capitalista de subjugar totalmente o ser humano e a natureza à "bela máquina", ou seja, de declarar idealmente cada átomo de matéria, cada pensamento e cada sensação como uma componente subordinada de uma totalidade fechada em si mesma, por outras palavras: transformá-los no material do processo de valorização. O moderno conceito de totalidade só é concebível contra o pano de fundo do capital com o seu inerente impulso para se tornar a relação total mundial.
Já a afirmação ideológica essencial original, formulada nos séculos XVII e XVIII, de santificar as formas embrionárias de um sistema de imposições completamente novo, paranóico e de fim-em-si como "natural", imutável, dado desde tempos imemoriais e intransponível traz dentro de si esta capitalista monomaníaca "vontade de totalidade". Pelo menos implicitamente, encontramos esta vontade e esta exigência tanto no movimento histórico objectivado da "bela máquina" como nas expressões subjectivas dos seus protagonistas teóricos e práticos. Explicitamente, porém, a forma de vontade da totalidade só foi concebida com a Segunda Revolução Industrial, na nova formação conceptual de "totalitário" ou "totalitarismo" – não por acaso paralelamente aos conceitos de "coordenação forçada" ("Gleichschaltung"), "uniformização", "normalização" e "tipificação".
Neste contexto, dá vontade de rir quando encontramos a seguinte definição no dicionário (Bertelsmann-Handlexikon, 1975): "totalitário, abrangendo tudo e subjugando tudo, não tolerando qualquer opinião ou modo de vida desviante; o contrário: liberal (!)". Esta breve entrada diz muito sobre a faceta ideológica talvez mais impudente do liberalismo desde Smith, Kant, Bentham & Cª. Pois, tal como os crimes de modernização do século XX são desligados da forma capitalista de sociedade e apenas externamente imputados às aberrações ideológicas das ditaduras de Hitler e Estaline, também o é o real processo de totalização capitalista. A reivindicação totalitária, tão inerente à "bela máquina", aparece depois de modo completamente unilateral como uma mera característica específica das ditaduras que já passaram.
O totalitarismo é assim visto como um estado de coisas que foi ultrapassado nas democracias do mercado mundial do pós-guerra, mas que continua a ser um "perigo" – não devido à estrutura desta sociedade em si, mas como a sua ameaça externa por fantasmas ideológicos e maldade política subjectiva. Na época da Guerra Fria, esta parte foi atribuída ao Bloco de Leste capitalista de Estado "realmente existente". Este conflito imanente da não-simultaneidade histórica no terreno do sistema mundial produtor de mercadorias deveria ser entendido, como escreve um dos filósofos constitucionais democráticos alemães, "como um conflito fundamental entre a democracia liberal e a ditadura totalitária" (Lieber 1993, 881). Segundo Lieber, o totalitarismo, a ditadura totalitária ou o regime totalitário é essencialmente determinado por duas "características estruturais típicas":
"1. Um chamado movimento de massas, conduzido com autoridade e dominado por um indivíduo ou uma minoria, levanta uma pretensão de exclusividade de domínio político que é fundamentalmente incontrolável pelos dominados. Através de um aparelho de governo central e burocrático – uma administração aperfeiçoada, orientada unicamente para o seu efeito – tem à sua disposição os meios para a real imposição desta pretensão de domínio. 2. O sistema político de poder assim centralmente dirigido e dominado estende-se sem reservas e sem limites a todas as esferas sociais da vida (por exemplo, família, desporto, férias, vizinhança, negócios, associações). Liga por igual estas esferas da vida de acordo com a estrutura política de governo e planeamento, e permeia toda a sociedade de tal modo que basicamente não existem espaços livres de acção e de comportamento social não influenciados pelo poder político" (Lieber, op. cit., 883).
É impressionante que nesta "teoria do totalitarismo" dos dois pólos da socialização capitalista apenas se nomeie o pólo político-estatal, enquanto que o económico permanece completamente escondido. De acordo com esta teoria, pode haver um Estado totalitário, mas aparentemente sem mercado totalitário, sem economia totalitária, sem modo de produção totalitário – uma forma de pensar cujo axioma consiste no facto de que, na realidade, apenas o Estado e a política caem no domínio social, enquanto que a economia, na boa tradição liberal, pertence à "natureza" e, portanto, cai fora da teoria social em sentido estrito. Assim, também o facto de tanto as ditaduras estalinista e nazi como o fascismo italiano terem surgido no terreno do sistema produtor de mercadorias e terem pertencido à história da implementação da Segunda Revolução Industrial pode permanecer mudo. No entanto, se estas são variantes da história do disciplinamento e da internalização capitalistas, então estas ditaduras devem ser vistas não só como fases transitórias da própria democracia capitalista, mas também como momentos de um totalitarismo abrangente que tem as suas raízes no centro económico da relação de capital. Neste sentido, a democracia liberal do mercado mundial não será a ultrapassagem nem a oposição ao regime totalitário, mas a sua conclusão.
Esta ideia, que naturalmente tem de ser completamente estranha e intolerável ao empreendimento científico oficial da teoria social, impõe-se francamente quando os elementos do totalitarismo e a sua história são examinados um pouco mais de perto. Já quando a oposição ao fascismo de Mussolini cunhou o conceito de totalitarismo, no início da década de 1920, foi responsável por reduzir o problema à esfera político-estatal, sem perguntar sobre a relação do fascismo com o desenvolvimento capitalista. Quando, por exemplo, o liberal Giovanni Amendola, num artigo de Maio de 1923, chamou à abordagem fascista (nessa altura em relação à política local) um "sistema totalitario" (citado em: Petersen 1998), esta crítica permaneceu inteiramente limitada à reivindicação de representação política exclusiva. Neste sentido, Amendola já em 1925 descrevia o comunismo e o fascismo igualmente como "uma reacção totalitária ao liberalismo e à democracia" (Petersen, op. cit.).
Já a estas primeiras expressões quase esquecidas do conceito de totalitarismo não ocorre compreender o comunismo (capitalismo de Estado), o fascismo/nacional-socialismo e a democracia liberal como variantes ou fases transitórias não-simultâneas de um abrangente processo social totalitário. Mais interessante é uma declaração do dissidente fascista Alfredo Misuri, que (também em Maio de 1923) disse num discurso de oposição a Mussolini que o totalitarismo fascista estava a "transformar a Itália de um jardim numa caserna" (Petersen, op. cit.). Intuitivamente, expressa aqui o que se aplica não apenas metaforicamente ao espaço político nas ditaduras, mas literalmente ao processo sócio-económico da Segunda Revolução Industrial em geral, e claro que não apenas em Itália; desde as novas formas condensadas de "trabalho abstracto" até à arquitectura padronizada na "forma funcional" fordista.
Neste sentido, o totalitarismo político deve ser traduzido ou decifrado como a específica "forma de crisálida" de um totalitarismo socioeconómico muito mais geral e profundo do modo de produção capitalista como um todo, que se aproxima historicamente da sua maturidade e conclusão. Os elementos reais e mais profundos deste totalitarismo não devem ser procurados nas formas limitadas das ditaduras políticas, mas sim, por um lado, nas determinações da forma económica do que é hoje "comercialização total", "concorrência total", "trabalho total" etc., e, por outro lado, nas sedimentações materiais e factuais desta totalitária forma capitalista de existência, que chegam até ao nível micro da vida quotidiana. Neste sentido alargado, só as democracias de mercado livre do pós-guerra podem realmente ser chamadas sociedades totalitárias, porque só neste período e sob esta forma é que a concretização fordista da pretensão capitalista totalitária amadureceu num contexto sistémico abrangente.
É também relativamente fácil interpretar as reflexões do próprio totalitarismo político neste sentido e relacioná-las com a história posterior das democracias do mercado mundial. Tanto os fascistas como os nazis adoptaram o conceito de totalitarismo de forma bastante positiva para si próprios e não conseguiram ver nele qualquer ultraje; afinal, há muito que tinham escolhido o adjectivo "total" como a sua palavra favorita. Precisamente nisto, provaram ser modernizadores criadores de tendências capitalistas. Foi a partir deste espírito que o enlouquecido ex-general Ludendorff, o falhado Cromwell do Reich alemão, publicou o seu tratado "A guerra total" em 1935. Por muito clinicamente paranóico que Ludendorff pudesse estar, mostrou traços notáveis de racionalidade interna neste trabalho. Quando o demagogo e Ministro da Propaganda do Reich Joseph Goebbels, no seu infame discurso no Palácio dos Desportos de Berlim, conseguiu que uma multidão inflamada respondesse à pergunta infernal "Quereis a guerra total?" com um rugido "Sim!", ele estava apenas a mobilizar a energia psicótica que Ludendorff tinha mostrado numa versão de racionalidade instrumental. E é apenas um pequeno passo mental traduzir a "guerra total" de Ludendorff no "mercado total" da história do pós-guerra, quando ele divaga sobre o nascimento do totalitarismo na Primeira Guerra Mundial:
"Nasceu a guerra total, que não é apenas um assunto para as forças armadas, mas também afecta directamente a vida e a alma (!) de cada membro individual dos povos beligerantes [...] Desde então a guerra total aprofundou-se ainda mais com a melhoria e a multiplicação de aviões, que lançam bombas de todos os tipos, mas também panfletos e outro material de propaganda sobre a população, e com a melhoria e a multiplicação das instalações de radiodifusão, que espalham propaganda ao inimigo, entre outras coisas" (Ludendorff 1935, 5).
Se se puser de lado as mistificações da mitologia racial sobre a conspiração mundial "de Judas e de Roma" etc., com que Ludendorff apimentou o seu arrazoado, então torna-se clara a clarividência analítica da modernização do louco que dois anos mais tarde foi redimido do sofrimento da sua existência: As "bombas de todos os tipos, panfletos e outro material de propaganda" tornaram-se nas democracias comerciais o fogo incessante da publicidade e dos media, que como a congestão visual e o sino acústico se apoderou de todo o espaço público e até tem carácter terrorista, uma vez que ninguém pode fugir a esta interminável palraria e à sua impertinente intrusão. O que aqui está a ser "espalhado ao inimigo" (e na realidade todos são inimigos de todos na luta por clientes, empregos, carreiras, prestígio, "espaço vital" etc.) vai muito além dos começos militares da "guerra total".
A transformação do totalitarismo capitalista nas democracias do pós-guerra, do Estado total para o mercado total e para a comercialização total da vida na agora omnipresente máquina da valorização, tem muitos aspectos. Vale a pena notar que o mundo fordista, no decurso da sua implementação, foi acompanhado por utopias literárias negativas, que procuravam descrever este carácter totalitário na sua perfeição futura. As três obras mais famosas são o romance "Nós" (escrito em 1920, publicado em inglês em 1925) de Evgeni Zamiatin (1884-1937); o romance "Admirável Mundo Novo" de Aldous Huxley (1894-1963), publicado em 1932; e o romance "1984" de George Orwell (1903-1950), publicado em 1949. O que todos eles têm em comum, condicionados pelo tempo, é que só conseguem retratar um maior desenvolvimento totalitário como político-estatal, parecendo assim à primeira vista encaixar-se bem na teoria liberal do totalitarismo. Tanto em Zamiatin como em Orwell, existe uma figura de líder dominante e maior do que a vida, antecipando inequivocamente Hitler e Estaline (Zamiatin) ou neles modelado (Orwell); num caso chamado simplesmente "o Benfeitor" que preside a um "Estado unitário" global, no outro chamado "Big Brother" que também representa um Estado de vigilância total. Aldous Huxley, num prefácio de 1949 ao “Admirável Mundo Novo”, alonga-se explicitamente sobre a histórica "tendência para a omnipotência do Estado".
Neste sentido, claro, era fácil fingir que tais utopias negativas falavam apenas do domínio totalitário do Estado e nada tinham a ver com as democracias do pós-guerra. Afinal, Huxley pensava que em 1949 "todos os governos do mundo serão mais ou menos totalitários" (Huxley 1989/1949, 15), incluindo os democráticos, "mesmo antes do aproveitamento industrial da energia atómica; que serão totalitários durante e depois desse aproveitamento parece quase certo" (op. cit.). Se Huxley aqui (à semelhança de Gottl-Ottlilienfeld) também atribui o carácter totalitário "inevitável", sem mediação com a forma económica da "bela máquina", a uma pura compulsividade factual da "razão técnica", ele vai assim um passo para além da definição puramente político-estatal de totalitarismo. Está ainda mais próximo, cheio de pressentimentos, da iminente conclusão do sistema totalitário da democracia de mercado livre quando continua:
"Não há, evidentemente, qualquer razão para que o novo totalitarismo se assemelhe ao antigo. Governar por meio do cacete e de pelotões de fuzilamento, através de fomes artificiais, detenções em massa e deportações em massa não é apenas desumano (ninguém se importa muito com isso hoje em dia); é comprovadamente ineficaz – e, numa era de tecnologia avançada, a ineficácia é o pecado contra o Espírito Santo. Um Estado totalitário verdadeiramente eficiente seria aquele em que o todo-poderoso executivo dos governantes políticos e o seu exército de gestores governasse uma população de trabalhadores forçados que não precisam de ser obrigados a fazer nada porque amam a sua escravidão" (op. cit.).
Se recordarmos que o amor pela própria escravidão e a criação de uma população de servos voluntários e auto-reguladores constituem o núcleo do projecto de Bentham, então torna-se claro que a visão de Huxley de "trabalhadores forçados que não precisam de ser obrigados a fazer nada" descreve exactamente o cumprimento deste programa. Bentham estava mesmo à frente de Huxley, na medida em que já tinha concebido este programa como um programa democrático: ou seja, não no sentido de uma "omnipotência do Estado" (meramente auxiliar), mas de uma omnipotência da máquina do mercado "portadora da felicidade". As democracias liberais do mercado mundial do próspero pós-guerra não completaram o totalitarismo de uma forma estatal-autoritária, mas sim de uma forma comercial-autoritária, precisamente porque este era o elemento "mais eficiente" da inclusão totalitária. Estas democracias, em que ainda hoje vivemos, são puras democracias de Bentham; elas diferem dos dinossauros que restam dos regimes totalitários de Estado apenas na medida em que representam um totalitarismo de ordem superior, invertido para o pólo do imperativo económico. Uma vez que a forma mecânica e a "razão técnica" do fordismo nada mais são do que a economia materialmente encarnada e amadurecida da forma totalitária do fim-em-si capitalista, a forma estatal-totalitária não poderia ser mais do que uma fase transitória sob certas condições históricas, como na Alemanha ou na Rússia. Tal como em Huxley, em quem o "santo Ford" é invocado, esta ideia já ecoa em Zamiatin, reconhecidamente sem se tornar explícita, insinuando os horrores do futuro como "taylorista" (ou seja, nem sequer absorvido na forma política):
"Sim, este Taylor foi sem dúvida o maior génio entre os antigos. Contudo, não foi suficientemente consistente no seu pensamento para estender o método que tinha encontrado a toda a vida, a cada passo, a todas as horas do dia – não conseguiu integrar o seu sistema 24 sobre 24 horas [...] Mas será que vocês, que foram educados desde a infância pelo sistema taylorista, não se tornaram tão regulares como um pêndulo? [...] Alguma vez se viu que no rosto de um cilindro de bomba, enquanto estava a trabalhar, havia um sorriso ausente, sem sentido e arrebatador? Alguma vez se ouviu os guindastes a contorcerem-se e suspirarem irrequietos nas noites e nas horas de descanso? [...] És perfeito, és igual à máquina, o caminho para a felicidade a cem por cento também está aberto [...]" (Zamiatin 1991/1920, 37, 186s.).
À semelhança de Huxley, Zamiatin também pára na forma técnica, na máquina taylorista por excelência, sem reflectir sobre o carácter económico da "forma funcional" capitalista. E assim em ambos os casos, como no de Orwell, é mais uma vez o Estado totalitário que degrada as pessoas a seus objectos, que as cria como abóboras e animais de estimação – ou as monta como agregados de máquinas (em breve iria aparecer na ficção científica uma espécie de ser híbrido, entre matéria orgânica e inorgânica, um ser humano com peças de máquinas, sob a forma do "cyborg" – como o futurista Marinetti já tinha previsto enfaticamente). Estas visões do ser humano totalmente manipulado pararam no acesso externo do Estado ao indivíduo, através de aparelhos burocráticos, drogas psicotrópicas ou intervenções biológicas. Na "grande operação" de Zamiatin, por exemplo, a imaginação do cidadão é removida por uma incisão cirúrgica no cérebro. E na de obra Huxley existe um "processo Bokanowsky" biológico, com a ajuda do qual os seres humanos funcionais são produzidos em massa a partir do embrião em estabelecimentos estatais de reprodução e, finalmente, "decantados", a fim de serem submetidos ao seu posterior ajustamento nas "salas de condicionamento neopavloviano".
A manipulação tem assim um sujeito estatal externo, mesmo que este sujeito e os seus motivos permaneçam na obscuridade: O que já é uma metáfora literária para uma fatalidade sem sujeito, nos famosos romances de Franz Kafka, aparece mais uma vez nas utopias negativas como um sólido poder de vontade – um negro eco da ilusão do sujeito burguês do iluminismo. Esta crítica não poderia ter previsto que a forma mais elevada de desenvolvimento do mercado "livre" na sua configuração fordista, que se seguiu à fase de crisálida dos vários socialismos de Estado e ditaduras modernizadoras, seria muito mais totalitária do que o Estado totalitário. Pois este último tinha de se contentar com uma repressão externa e um funcionamento mantido externamente, deixando nichos sociais ou pelo menos reservas de consciência para o material humano; na realidade nunca foi tão total como na literatura, e poderia ser subvertido de muitas maneiras, porque toda a burocracia é pesada e por natureza burra como uma porta.
Na medida em que os indivíduos consentem formalmente e cooperam na sua própria regulamentação, esta auto-repressão permanece confinada à superficialidade de um conformismo ideológico; e também neste sentido a realidade da manipulação do totalitarismo de Estado mostrou estar mais cheia de buracos do que nos monstruosos Estados da literatura. Embora as brutalidades externas das intromissões do Estado-polícia fossem muitas vezes inimagináveis, o aparelho centrado no totalitarismo de Estado manteve sempre e em toda a parte traços de anedota e de figura ridícula, que mais recentemente se tornaram mais que claros no capitalismo do Estado do Leste.
A intromissão do mercado democrático e da forma do dinheiro, que se desenvolveu no fordismo total, pelo contrário, já não é meramente externa, mas vem do interior do próprio ser humano de Bentham, profundamente pedagogizado; assim, também atingiu as camadas mais profundas da consciência e o cerne da subjectividade, sem por isso libertar os indivíduos das garras do Leviatã burocrático. Na medida em que a auto-repressão e a autozombaria podem ser completadas (nunca será possível concluir completamente este mecanismo), isso só aconteceu nas democracias "livres" do mercado mundial após 1945. E só no final do século XX é que inevitavelmente vem à luz a verdade de que o totalitarismo imanente da modernidade espreita na forma fetichista do próprio sistema produtor de mercadorias, e não apenas na aparente arbitrariedade das burocráticas ditaduras de transição. Pois este facto essencial foi escondido não só durante a longa época do liberalismo de esquerda e do movimento operário, quando a democracia capitalista usurpou o lugar da emancipação e a sua quimera preencheu o horizonte histórico dos objectivos; também pôde permanecer escondido após o pleno estabelecimento da democracia de Bentham, enquanto o curto Verão da prosperidade fordista pareceu tornar a auto-repressão fácil e agradável para a consciência danificada, pelo menos em alguns países capitalistas centrais. As pessoas tinham tendência a acreditar que as previsões pessimistas tinham acabado por ser ultrapassadas positivamente, quando na realidade só iriam ser excedidas negativamente.
Nesta medida, talvez ainda se pudesse conceder às utopias negativas que as suas previsões tinham sido cumpridas em muitos aspectos, mas precisamente por esta razão esta prova já não se podia realizar, porque as pessoas já estavam praticamente a viver na utopia negra. A única coisa a criticar é que elas entenderam mal a forma desta realização e confundiram o carroceiro histórico sob a forma do Estado totalitário com o patrão do sistema, que é a própria máquina mundial do capital sem sujeito. Também não é difícil entender "o Benfeitor", que por acaso se revela uma máquina inteligente, e o "Big Brother" neste sentido, como uma metáfora bem sucedida para o totalitário mercado anónimo. O capital monetário em feedback consigo próprio em movimento incansável, a coisa morta que se tornou independente e é dotada de vida fantasmagórica – afinal não é nada mais do que o deus secularizado; a metáfora mais antiga da máquina mundial, objectivada na pseudo-científica teoria dos sistemas actual, pode certamente aparecer também como um poder quase personalizado, como também era habitual no ainda mais antigo mundo religioso (transcendente) dos deuses.
"Big Brother is watching you" – este já é novamente o programa de Bentham, agora numa forma quase completa e madura: o "Grande Irmão", como um "Adam Kadmon" terreno, um gigante humano composto por milhões e milhares de milhões de pessoas e a projecção da totalitária sociedade capitalista sobre si mesma, consiste nos milhões de olhos dos media, do marketing e das sondagens fordistas. Aqui, a vigilância externa do material humano por aparelhos burocráticos, não só do Estado, mas também das empresas capitalistas e dos media comerciais, intensificou-se mais nas democracias do mercado mundial fordista do que nas rudimentares formas ditatoriais estatais. Em 1964, o publicista crítico norte-americano Vance Packard publicou uma investigação sobre este assunto na qual demonstra a contínua expansão dos aparelhos de controlo e, portanto, da observação universal que já permeava a vida quotidiana:
"Estamos em 1964 e vemos a mamã num dos cubículos de um centro comercial, a experimentar um vestido novo. Uma câmara de televisão, escondida atrás de um espelho de três peças, grava tudo o que se passa no cubículo, para garantir que a mamã não faça desaparecer discretamente no seu saco qualquer coisa. Entretanto, encontramos o pai no escritório, sentado à mesa da conferência com um grupo de colegas, a falar sobre o trabalho do seu departamento. O colega sentado ao seu lado pertence a uma agência de detectives que tem filiais em todos os Estados americanos. Ele foi secretamente contratado pela empresa onde o pai trabalha para observar constantemente o comportamento e o trabalho dos empregados superiores da empresa. Um segundo homem encarregado das investigações está, ao mesmo tempo, a ter uma conversa telefónica de algum lugar com o banco do pai sobre o saldo da sua conta bancária e quaisquer empréstimos que ainda não tenham sido reembolsados [...] O filho John, entretanto, tendo terminado a faculdade, está sentado numa cadeira ligeiramente diferente, com um tubo cheio de ar à volta do peito e um eléctrodo preso à palma da mão. John candidatou-se a um lugar de representante de vendas numa empresa de electrónica. Agora tem de submeter-se ao habitual teste do detector de mentiras, que testará a sua rectidão, virilidade e quaisquer hábitos perigosos. Entretanto, outro investigador conversa com os antigos professores de John, para os questionar sobre pontos de vista políticos que John possa ter expressado quando rapaz em discussões na turma. A filha Mary, uma menina encantadora ainda na escola, está neste momento no seu lugar no segundo ano de uma escola secundária atormentada com um questionário de 250 perguntas. Ela deve responder, com verdade, a perguntas como: Tem a impressão de que os seus pais discutem frequentemente? – Os seus pais alguma vez lhe falaram de assuntos sexuais? – Está preocupada com a sua menstruação? Se os pais de Mary ficassem a saber deste interrogatório, ser-lhes-ia negada qualquer informação sobre as respostas de Mary e a sua avaliação [...] Haverá forças indeterminadas no nosso mundo moderno que ameaçam destruir a vida privada do indivíduo? E, se de facto existem tais forças indeterminadas, estarão elas a criar as condições para o totalitarismo, que poderá tornar-se uma ameaça para a liberdade pessoal do Homem moderno? Estas são as questões a ponderar enquanto procuramos explorar a recente proliferação prodigiosa da observação, escrutínio e controlo dos outros, e a partilha de informação sobre os outros. Cada um destes novos tipos de controlo social que encontramos chega até nós sob o disfarce de uma medida razoável. E em alguns deles pode até ser possível reconhecer traços cómicos [...]" (Packard 1964, 7f.).
Aqui Packard não só vê o totalitarismo no meio da sagrada primeira democracia da economia de mercado, como também se refere explicitamente à contínua realização do "1984" de Orwell. Mas, como mero crítico empírico, não vai além de contrastar a encarnação fordista do liberalismo com os ideais liberais eles próprios já orwellianos, e de reivindicar o "direito à privacidade". Packard não repara que essas "forças indeterminadas" (não por acaso, a formulação recorda o poema de Enzensberger sobre esse algo inominável "que não tem cor, que não cheira a nada") emergem precisamente das condições constitucionais capitalistas dessa suposta "liberdade privada" em si, que não lhe ocorre questionar. Com uma regularidade cansativa, verifica-se que tanto os autores como as vítimas, tanto os defensores como os críticos, descrevem a matriz dos mecanismos benthamianos de condução e controlo, que se tornou cada vez mais densa no decurso do desenvolvimento capitalista, sem nunca atingir a consciência deste arquiliberal, tão clara como pérfida, sobre o verdadeiro carácter da democracia e da economia de mercado, sobre a identidade da liberdade capitalista com o controlo total.
Assim, Packard também encontra muitos estudos de casos de intrusão não solicitada e impertinente de investigações burocráticas e comerciais, de intrusão e assédio na esfera pessoal, desde o comércio de dados pessoais para fins de publicidade dirigida à caixa de correio (então já comum nos EUA) à chamada telefónica de vendas não anunciada, sem que o carácter de uma sociedade comprador-vendedor total seja mencionado. Além disso, é claro, a natureza totalitária do capitalismo fordista pleno não se revela apenas no aumento dos mecanismos de investigação e controlo, mas ainda mais na observação e controlo mútuo forçado dos membros funcionalmente aparados da sociedade, mesmo na vida quotidiana; finalmente na auto-observação e autocontrolo do "trabalhador" individual pelo seu superego fordista: Sou eu, és tu, somos nós suficientemente eficientes, suficientemente bonitos, suficientemente adaptados? Estou em sintonia com a tendência, estou a acompanhar os tempos, sou competitivo? A "polícia do pensamento" da democracia fordista é também muito mais sofisticada e inescapável a este respeito do que a intromissão de toda a polícia secreta nas formas grosseiras, meramente estatal-totalitárias de imposição.
E isto também se aplica a essa "linguagem orwelliana", à "novilíngua" que afinal tem sido durante mais de duzentos anos basicamente a linguagem do liberalismo, a cujo nome ele mesmo se aplicam todos os atributos desta enigmática linguagem esquizofrénica. Se em nome do "Grande Irmão" se diz: LIBERDADE É ESCRAVIDÃO, então basta dar a volta a esta frase central para obter a máxima arquiliberal: ESCRAVIDÃO É LIBERDADE, nomeadamente a submissão incondicional e alegre às "leis naturais" da física social do mercado livre, desde Hegel filosoficamente legitimada na frase totalitária: "A liberdade é o reconhecimento da necessidade". Isto também se aplica aos outros dois slogans do partido no Estado do "Grande Irmão": GUERRA É PAZ – ninguém conhece isto melhor do que a NATO, ou seja, a "comunidade democrática de Estados" na sua qualidade de polícia mundial autonomeada; e IGNORÂNCIA É FORÇA – quem poderia subscrever esta máxima com melhor consciência do que o consumidor democrático de massas, o prudente produtor de mercadorias destruidoras do mundo, e o gestor de mente estreita da economia empresarial, cuja capacidade de viver e ter sucesso pressupõe uma ignorância social sistemática? Questionar este mundo de um sistema fechado de alucinação social a partir da base, mesmo apenas mentalmente, já é estar "fora" e ser um estranho na própria sociedade, ou, como se diz em "1984": "A crimideia não implica a morte: a crimideia é a morte" (Orwell 1995/1949, 28), nomeadamente a morte social. O que Orwell diz sobre o sistema do "Grande Irmão" e o "duplipensar" que nele prevalece aplica-se à totalitária economia de mercado democrática fordista em muito maior medida e muito mais intensamente do que às ditaduras protofordistas:
"Bastava apenas uma série infinda de vitórias sobre a memória. ‘Controlo da realidade’, chamava-se; ou, em novilíngua, ‘duplipensar’ [...] Saber e não saber, ter consciência de completa veracidade ao exprimir mentiras cuidadosamente arquitectadas, defender simultaneamente duas opiniões opostas, sabendo-as contraditórias e ainda assim acreditando em ambas; usar a lógica contra a lógica [... ...] esquecer tudo quanto fosse necessário esquecer, trazê-lo à memória prontamente no momento preciso, e depois tornar a esquecê-lo; e, acima de tudo, aplicar o próprio processo ao processo. Essa era a subtileza derradeira: induzir conscientemente a inconsciência, e então, tornar-se inconsciente do acto de hipnose que se acabava de realizar. Até para compreender a palavra ‘duplipensar’ era necessário usar o duplipensar" (Orwell, op. cit., 34s.).
Este duplipensar, como uma espécie de dialéctica negativa da inconsciência social (e, mais uma vez à semelhança de Gottl-Ottlilienfeld, uma cruel caricatura da atitude conscientemente negadora do pensar e agir emancipadores), foi praticado nas ditaduras do século XX de uma forma estatal-totalitária, mas nesta forma permaneceu relativamente fácil de perceber e tão superficial como o mero conformismo ideológico. Naturalmente, processos de internalização de um novo tipo já estavam em curso aqui, como se pode observar, a propósito, em todas as seitas religiosas e políticas, e em geral em todos os conformismos de grupo baseados na socialização forçada repressiva. Mas pode-se deixar uma seita, e pelo menos entrar em "emigração interior" do Estado totalitário, ou seja, simplesmente realizar um conformismo totalitário como um exercício físico, sem se deixar agarrar mais interiormente. Mas não se pode abandonar o mercado totalitário, e a "emigração interior" só é possível aqui num sentido muito abstracto, precisamente porque a própria subjectividade já foi compulsivamente condicionada ao processo de mercado, à forma do dinheiro, ao consumo de mercadorias, à concorrência e aos media capitalistas.
Não se pode fugir de si próprio como de uma mera imposição externa. E aqui começa já o duplipensar exigido pelo mercado totalitário: os constrangimentos são certamente experimentados como constrangimentos, mas ao mesmo tempo como a própria forma de vontade, porque de outro modo não se "chegaria a lado nenhum". A consciência está ligada ao mecanismo omnipresente do mercado, calculando incessantemente o seu próprio benefício abstracto e, ao mesmo tempo, enganando-se propagandisticamente: O TORMENTO DO TRABALHO É AUTO-REALIZAÇÃO, O MEDO DA CONCORRÊNCIA É AUTO-AFIRMAÇÃO, A MANIA DO DESEMPENHO É AUTO-EXPERIÊNCIA, A DEPENDÊNCIA É RESPONSABILIDADE PESSOAL, A AUTO-ENTREGA É AUTO-EMANCIPAÇÃO, numa simples palavra: A ESCRAVIDÃO É LIBERDADE. Ou, para o dizer com Rimbaud, que já sabia quase cem anos antes aquilo em que a autoconsciência interior do homem fordista das democracias do mercado mundial se deveria tornar: "EU É UM OUTRO".
Liberdade é saber o que o "Grande Irmão" ou "o Benfeitor", o mercado totalitário, pode querer de mim, antecipá-lo e conformar-me com ele em inquestionável obediência antecipada, rastejar sempre sob o jugo adequado dos mercados de trabalho. E este mercado totalitário castiga imediatamente qualquer "mau comportamento" desencadeado pelo "crime do pensamento"; mais implacável do que qualquer voz de altifalante de um sistema de vigilância burocrático é a paranóica "voz na cabeça". A liberdade, portanto, é exactamente o oposto de um propósito livre e autodeterminado dos membros da sociedade, que precisamente não decidem em acordo consciente sobre a utilização dos recursos comuns e altamente socializados. Só na configuração fordista é que o sinistro poder anónimo e sem sujeito da máquina capitalista se torna uma relação mundial total; só agora é que o mecanismo económico e técnico chega à plena cobertura.
Não é de modo nenhum uma mera mudança estrutural na reprodução social, a ser descrita de forma neutra, quando os últimos vestígios do "sector tradicional" são absorvidos pelo mundo fordista das mercadorias. Este mundo é um mundo totalmente com preços marcados: todos os objectos de uso, desde livros a escovas de dentes, desde copos de vinho a maçãs, desde CDs a esferográficas, têm presas desagradáveis pequenas etiquetas de preço, que, a propósito, são uma dor para remover; é preciso raspá-las, deixando manchas feias, muitas vezes danificando a superfície dos objectos, ou a resistente cola fica nos dedos. Há milhões de tais insignificâncias em que a objectivação material do mercado totalitário se reflecte, e que já não são percebidas pela consciência como os absurdos que são.
Sejam crianças e idosos impotentes diante de máquinas de bilhetes com a sua grotesca complexidade de preços, sejam consumidores que se põem a adivinhar o funcionamento dos aparelhos para poderem fazer a utilização pretendida, sejam "empregados" em gigantescas cadeias de produção a montarem coisas cujo significado está completamente fora das suas possibilidades de determinação: O ser humano fordista globalmente realizado segue a par e passo os sistemas de sinais capitalistas que coagularam no "ambiente" objectivo, pára quando exigido, começa a mover-se quando o sinal para o fazer acende, sente pena ou indignação conforme os media o pré-programam avassaladoramente, toma "decisões pessoais" cujas alternativas há muito foram preparadas e onde só pode "marcar uma cruz".
O "controlo da realidade" capitalista parece completo. Já não é a censura burocrática das ditaduras totalitárias do Estado, reminiscente do velho absolutismo, que determina o conteúdo dos massmedia sociais fordistas acabados, mas sim a autocensura programada das instituições mediáticas. Isto não é de modo nenhum apenas a conhecida "tesoura na cabeça", na representação e interpretação de eventos explosivos ou expositivos, ou seja, a consideração consciente do conformismo económico do mercado, da razão democrática de Estado, dos interesses dos clientes e comitentes, dos humores populistas do material humano que podem ser ligados e desligados nos seus sentimentos quase à vontade etc. Pelo contrário, a censura pré-estruturante ocorre de certo modo por osmose na orientação comercial, de facto já na forma tecnológica dos media, que na sua constituição capitalista funcionam de modo plenamente inconsciente.
Estes media não têm a ver com a organização de uma comunicação social global, para a livre troca de informações, ou para a discussão aberta de assuntos comuns, mas sim, também a este respeito, com uma separação estrutural entre produtores e consumidores, que funciona não comunicativamente mas inconscientemente: Em todos os canais é sempre o "Grande Irmão" que fala, e tanto mais quanto mais são orientados comercialmente. Se, nos media político-estatais (ditatoriais ou democráticos), ainda existem formas cuidadas de debate e de cultura ideologicamente pré-filtradas de acordo com a razão de Estado e os limites do que é desejável (também aqui, a censura não é claramente definida, mas funciona como que por si só e apenas meio consciente), os media comerciais funcionam de qualquer modo apenas de acordo com critérios de lucro e, portanto, de acordo com "índices de audiência".
O resultado é então inevitavelmente a redução do conteúdo a nervosos contactos emocionais (sensações) de um público esgotado pelo trabalho fordista, e já tão embotado pela uniformidade mecânica ou burocrática da sua existência que precisa de estímulos extremamente grosseiros e sensações brutas, através da aparência do inédito e do nunca visto, para ser alcançado. Também a este respeito, o sistema capitalista, na sua forma desenvolvida até à maturidade totalitária, funciona como um sistema em feedback consigo mesmo: depois de as pessoas terem sido degradadas pela relação coerciva objectivada a aborrecidos robôs funcionais de um fim-em-si que lhes é pressuposto, é-lhes permitido desenvolver a sua "vontade consumista" ainda possível a este nível de redução mental, e as condições do seu embotamento podem ser-lhes reflectidas de volta como sendo a sua própria decisão livre.
Original Der totalitäre Markt, pags. 295-303 de Schwarzbuch Kapitalismus. Ein Abgesang auf die Marktwirtschaft. Tradução de Boaventura Antunes (4.2021). Original integral online: www.exit-online.org/pdf/schwarzbuch.pds. Tradução portuguesa em curso em http://www.obeco-online.org/livro_negro_capitalismo.html.