O Livro Negro do Capitalismo
Capítulo 8
História da Terceira Revolução Industrial
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Secção 2
A racionalização que elimina o ser humano
O real desenvolvimento de uma revolução industrial, como a história demonstrou desde os finais do século XVIII, ocorre de forma desigual e com períodos de incubação mais ou menos longos. O nascimento de novas tecnologias não desencadeia imediatamente a correspondente convulsão socioeconómica; e a respectiva tecnologia de base em si exige também um certo período de maturação e de interacção com inovações a outros níveis. A invenção do automóvel, por exemplo, data dos anos 80 do século XIX, mas foi apenas em conjunto com a "ciência do trabalho" de Taylor e os novos métodos de produção de Ford a partir de 1913 que foram lançadas as bases para a Segunda Revolução Industrial que, após a primeira tentativa falhada na crise económica mundial, experimentou o seu avanço mundial muito mais tarde, por volta de 1950. Um desenvolvimento tão irregular, estendido ao longo de mais de meio século, dá naturalmente lugar a interpretações múltiplas e contraditórias, até que o verdadeiro carácter da convulsão epocal finalmente se manifeste.
As inovações tecnológicas da Terceira Revolução Industrial surgiram numa altura em que a Segunda ainda nem sequer tinha terminado. A qualidade de cada um dos três grandes avanços de desenvolvimento industrial pode ser facilmente caracterizada no que diz respeito à sua actividade no processo de produção capitalista: Se o conteúdo principal da Primeira Revolução Industrial foi substituir a força muscular humana pela força da máquina, a característica da Segunda Revolução Industrial foi "racionalizar" ou, por assim dizer, robotizar a força de trabalho humana activa no sistema da máquina. A característica central da Terceira Revolução Industrial só poderia então ser tornar o trabalho humano supérfluo no processo de produção industrial, com uma "racionalização que o elimina" graças a mecanismos de controlo automático e sistemas informáticos.
Duas inovações foram essencialmente decisivas para isso. Por um lado, era necessária uma nova forma de "ciência da organização", que já não era uma "ciência do trabalho" no sentido de Ford e Taylor, mas uma "ciência do controlo" para agregados técnico-económicos – ou seja, independente do "dispêndio de nervos, músculos e cérebro" do ser humano e totalmente abstracta, para a regulação de "processos" sistémicos de todos os tipos. Isto foi encontrado precisamente na cibernética, um termo primeiro cunhado por Norbert Wiener (da palavra do grego antigo para "arte do timoneiro") no seu livro com o mesmo nome publicado em 1948. Wiener utilizou-a para descrever uma ciência recentemente surgida na fronteira entre matemática, tecnologia e biologia (neurofisiologia), que tinha como objecto as "leis dos mecanismos funcionais" – um ramo interdisciplinar da ciência feito por medida para o funcionalismo capitalista. Aplicada à sociologia, esta ciência só poderia significar tecnocracia social em grande escala, com automatização tecnológica e "racionalização por eliminação" da força de trabalho humana na economia empresarial. O aparelho conceptual da cibernética, tal como entrou desde então no vocabulário geral, trata das inter-relações de comunicação, informação, memória e feedback ou "reacoplamento" de uma forma muito específica, interessada na "regulação" automática. Numa primeira descrição geral da nova ciência, que rapidamente se tornou incontornável, diz-se da sua génese e conteúdo, partindo da publicação de Wiener que formou o conceito:
"O aparecimento deste livro teve o efeito de um núcleo de cristalização numa solução supersaturada: por assim dizer de um só golpe, cristais acumulados, tudo o que estava 'no ar' nos mais diversos campos e nos mais diversos países ganhou subitamente forma, unido – e a ciência da 'cibernética' apareceu! [...] Havia a chamada 'engenharia de controlo', ou seja, a teoria dos dispositivos técnicos de controlo, a sua construção e a sua introdução na indústria [...] Em biologia e fisiologia tinha começado um desenvolvimento semelhante, só que, por assim dizer, na direcção oposta. Já há muito tempo se sabia que a 'regulação' dos processos fisiológicos desempenha um papel nos organismos [...] Foi então que alguns fisiologistas e biólogos, na sua busca de métodos com os quais pudessem descrever este comportamento dos organismos e a interacção tremendamente complexa dos processos fisiológicos nos seres vivos, começaram a adoptar os conceitos e sobretudo os métodos matemáticos dos engenheiros de controlo – na Alemanha, o primeiro a fazê-lo foi o fisiologista de Munique R. Wagner, já em 1925. Reciprocamente, a partir deste contacto com a biologia, os técnicos puderam aprender novamente muito para a teoria e para a construção dos seus 'controladores'. Um segundo campo em que os problemas correspondentes já tinham sido tratados era a engenharia das comunicações [...] Com o rápido aumento das comunicações a nível mundial, que ao mesmo tempo tiveram de percorrer distâncias cada vez maiores, surgiram muitos problemas novos para os engenheiros de comunicações, como por exemplo: Como pode o máximo de mensagens ser transmitido às maiores distâncias com o mínimo esforço e no menor tempo possível? Qual o papel das inevitáveis 'interferências'? Como reduzi-las […]? Aqui surgiram inevitavelmente questões sobre a formulação de mensagens, ou seja, problemas de linguagem, de escrita, de ‘codificação’ de mensagens, da perceptibilidade dos sinais [...]. No decurso destas investigações, foi descoberto e desenvolvido um conceito completamente novo, o de 'informação'. Desenvolveu-se um ramo separado da ciência, a teoria da informação, ela própria uma ciência numa terra incognita entre engenharia das comunicações, teoria da linguagem, lógica simbólica, matemática etc., que depois se tornou novamente de importância crescente para a engenharia de controlo e para a biologia [...] Tudo exigia efectivamente uma unificação, uma síntese [...]" (Flechtner 1984/1966, l, 6s.).
A velha metáfora capitalista da máquina para o contexto mundial em geral, que já tinha encontrado a sua expressão específica nas duas primeiras revoluções industriais, foi também repetida para a cibernética na sua definição como uma "ciência formal geral das máquinas", onde foi explicitamente acrescentado "que aqui por 'máquinas' devem também ser entendidos seres vivos, comunidades, economias e afins" (Flechtner, op. cit., 9). O próprio Norbert Wiener definiu a "sua" ciência numa conferência em 1960 do seguinte modo: "A cibernética é a ciência do controlo e da informação, independentemente de estarmos a lidar com seres vivos ou máquinas" (citado em Flechtner, op. cit., 9). Ironicamente, porém, foi precisamente esta abrangente "ciência das máquinas" que tornou o ser humano obsoleto como máquina capitalista, e foi precisamente esta "ciência do controlo" que deveria finalmente colocar o capitalismo fora de controlo, como o próprio Wiener tinha previsto.
Por outro lado, foi literalmente necessário um novo tipo de máquina para tornar a cibernética eficaz em grande escala e para pôr em marcha a Terceira Revolução Industrial. Este novo tipo de máquina foi o autómato de cálculo, a máquina de cálculo electrónica, cujo desenvolvimento esteve intimamente relacionado com o nascimento da cibernética desde o início. A ideia como tal e as formas simples da sua execução são muito antigas. Já existiam na Idade Média ideias matemáticas preliminares sobre o assunto. Leibniz prosseguiu o programa de uma "formalização universal" do mundo em ligação com a construção de autómatos de cálculo. Todas estas opções permaneceram na sua infância porque não havia "capacidade de memória" suficiente e a velocidade das operações de cálculo era demasiado lenta. Ainda assim, já na Primeira Revolução Industrial houve teares mecânicos a funcionar com um controlo de cartões perfurados: "Bonchon, por volta de 1725, utiliza um cartão perfurado para transferir padrões mecanicamente [...] Em 1805, Jacquard melhora o controlo dos cartões perfurados ligando cartões perfurados em série – uma primeira entrada no processamento de dados" (Coy 1985, 47). E em 1890, ainda na véspera da Segunda Revolução Industrial, o engenheiro germano-americano Hermann Hollerith (1860-1929) inventou a máquina de cartões perfurados. Mas foi só no século XX que a ideia básica entrou na agenda do desenvolvimento tecnológico e científico sob o capitalismo em grande escala. Em 1936, o matemático inglês A. M. Turing criou o modelo ideal de uma máquina com o seu nome, que formalizou a "noção de computabilidade ou construtibilidade" (Coy 1985, 31):
"A máquina de Turing é [...] um modelo matemático de uma máquina de computação. Com um programa adequado, pode realizar qualquer cálculo que uma pessoa possa descrever num papel [...] Mais tarde ficou claro que este modelo matemático de máquina é equivalente a todos os cálculos formais conhecidos de computabilidade [...] Turing estava ciente da convertibilidade do autómato de cálculo matematicamente definido. Durante a guerra trabalhou numa máquina deste tipo, no projecto 'Colossus', numa secção de decifração do exército britânico. Em 1947, como resultado deste projecto, foi construído o primeiro computador britânico" (Coy, op. cit., 30s.).
No mesmo ano, 1936, o engenheiro alemão Konrad Zuse construiu uma "calculadora numérica" que podia "resolver com programas equações para cálculos estáticos" (Coy, op. cit., 63). A Segunda Guerra Mundial acelerou o desenvolvimento de máquinas electrónicas de cálculo automático para calcular trajectórias de projécteis, decifrar códigos de mensagens inimigas, e, não menos importante, construir a bomba atómica; mais uma vez, a guerra foi a mãe de todas as coisas capitalistas na base tecnológica da Terceira Revolução Industrial. Mas os computadores operados com base em válvulas electrónicas ainda eram demasiado pesados e caros para se tornarem parte de um novo tipo de produção em massa. Em 1948, ao mesmo tempo que a criação da cibernética por Wiener, o avanço técnico decisivo foi alcançado: nos laboratórios Bell, às portas de Nova Iorque, os engenheiros John Bardeen, Walter Brattain e William Shockley inventaram o transístor – a "célula nervosa da era da informação". Em 1956 foi-lhes atribuído o Prémio Nobel por esta invenção. O transístor, um elemento amplificador electrónico feito de material semicondutor, evitava o sobreaquecimento da válvula electrónica e não só era muito mais pequeno desde o início, como também podia ser ainda mais miniaturizado. No final dos anos 50, foi finalmente criado o microchip integrando vários transístores. Todos os elementos básicos da revolução microelectrónica estavam assim disponíveis:
"Em termos de teoria da inovação, o transístor e a tecnologia microelectrónica que o seguiu são interessantes porque, como inovação básica [...] representam um elemento central de uma mudança estrutural tecnológica, o controlo automático das máquinas, cujas consequências para a tecnologia de produção são tão abrangentes que não é por acaso que se fala de uma "revolução industrial" [...]" (Halfmann 1984, 60).
O debate sobre automação no final da década de 1950 e início da década de 1960 já não era, portanto, mera ficção científica, pois já tinha um verdadeiro contexto tecnológico, enquanto o boom fordista ainda estava a desenrolar-se. O transístor expandiu rapidamente a gama de aplicações de controlos electrónicos. No congresso de 1965 do sindicato dos metalúrgicos IG Metall, Walter P. Reuther, presidente do Sindicato dos Trabalhadores do Sector Automóvel dos EUA, relatou as primeiras tendências do novo tipo de automação:
"Há dez anos, quando o nosso sindicato editou um texto sobre os efeitos da automação, também citámos alguns exemplos sensacionais, tais como um torno automático que podia, ele próprio, reajustar ou, se necessário, substituir as suas ferramentas de corte; tornos e brocas que eram controlados por dispositivos electrónicos ou fita perfurada e podiam substituir trabalhadores altamente qualificados; e depois uma máquina com uma memória electrónica capaz de estudar de perto uma cambota, detectar quaisquer irregularidades e memorizá-las, depois parar a cambota e remover automaticamente as irregularidades [...] Essencialmente o mesmo quadro emerge para quase todos os ramos da indústria [...] Em quase todo o lado se espera um aumento da produção, mas o progresso técnico irá abrandar ou mesmo reduzir o crescimento do emprego" (Reuther 1965, 1078ss.).
No entanto, houve ainda um certo período de incubação do desenvolvimento, de certo modo uma dupla corrida: Por um lado, entre a expansão dos mercados fordistas e a nova racionalização microelectrónica; por outro, entre o cálculo de custos da economia empresarial e a miniaturização e o conexo barateamento dos computadores e sistemas de controlo. A Terceira Revolução Industrial amadureceu no regaço da Segunda:
"A automação começa com a engenharia de processos na indústria química e na petroquímica, na indústria siderúrgica, mineração, produção de energia e produção alimentar. A automatização da indústria metalúrgica é bastante mais difícil devido à complexidade e diferença de cada etapa de produção, e só começa em escala maciça em meados dos anos setenta, após a introdução do microprocessador como dispositivo barato de regulação e controlo [...]" (Coy 1985, 64).
Enquanto forças antagónicas empurravam a reprodução social em diferentes direcções, as consequências finais da Terceira Revolução Industrial ainda não eram claras, e o optimismo histórico dos sindicatos e de teóricos como Fourastié ainda não parecia praticamente refutado. Embora a expansão fordista dos mercados já se tivesse esgotado no final dos anos 60, as ondas do debate sobre a automação abrandaram de novo. A chamada "crise do petróleo" virou inicialmente as atenções numa direcção diferente. Mas quando se tornou claro que o início do novo desemprego em massa à escala global já não podia ser imputado apenas ao choque dos preços do petróleo, a questão das consequências socioeconómicas da automação também voltou; agora, porém, de forma muito mais desconfortável e menos optimista do que quinze ou vinte anos antes.
O maciço desemprego tecnológico ou entretanto chamado "estrutural", que aumentou cada vez mais desde o início dos anos 80 em paralelo com a ascensão da revolução microelectrónica, indicava uma característica que teria de ser profundamente perturbadora para a consciência capitalista: o desemprego tinha-se tornado estrutural, no sentido em que já não subia ou descia em correspondência com o ciclo económico, mas crescia de forma constante, independentemente dele. Não só o crescimento abrandava em termos relativos, como o ciclo era apenas sobreposto como uma modulação fraca a um desemprego maciço e absolutamente crescente, cuja "base" iria posteriormente crescer de forma constante até ao final do século XX. Este problema tornou-se o principal problema social, uma crise global permanente que ofuscava todos os outros problemas ou cada vez mais era a sua principal causa.
O dito de Hannah Arendt sobre a "crise da sociedade do trabalho" não só se tornou agora relevante para um grande público social pela primeira vez, como também assumiu um tom ameaçador. Em 1983, o sindicato dos metalúrgicos IG Metall publicou um estudo sobre o desemprego tecnológico em massa, cujo título, "Eles querem máquinas – não nós, humanos!" soava absolutamente miserável em comparação com o optimismo dourado de 1965. A reflexão teórica era agora correspondentemente sombria ou endurecida. Já em 1977, o filósofo Günther Anders escreveu sobre a "natureza antiquada do trabalho":
"A maioria dos que trabalham hoje ainda não pertencem à categoria dos servidores da automação. Mas a tendência é imparável: no ano 2000, prevê-se que a maioria dos trabalhadores serão trabalhadores da automação. Isto não significa, claro, que todos os 'dispostos a trabalhar' estarão então a trabalhar para ou em automatizações. Pois existe uma regra de ferro de proporção inversa que diz que à medida que o número de automatizações aumenta, o número de trabalhadores necessários diminui. Por outras palavras, é inevitável que, como um 'subproduto', por assim dizer, um monte de milhões de desempregados [...] saia das automatizações [...] No Japão já existem 'fábricas sem pessoas'. Em breve haverá também 'escritórios sem pessoas', uma vez que os computadores de hoje [...] calculam milhões de vezes mais depressa do que os seus constructores [...] A humanidade não se transformará num colossal lumpenproletariado? [...] Pois o desemprego que agora se avizinha fará parecer inofensivo o que prevaleceu há 50 anos. Quando se considera que o desemprego daquela época já foi uma das principais causas do nacional-socialismo, então pode-se perder a coragem de imaginar o que o próximo desemprego irá provocar. Não é de todo impossível que os fornos a gás de Auschwitz (que na altura eram economicamente absurdos) forneçam os modelos para "lidar" com o facto de, em comparação com as oportunidades de trabalho, 'existirem demasiadas pessoas' [...]" (Anders 1987/1977, 94ss.).
Aqui, com uma angústia carregada de maus pressentimentos, já estão a ser tiradas as consequências mais negras do colapso iminente dos mercados de trabalho, apontando para os vestígios de fantasias liberais de extermínio contra as massas de pessoas capitalistamente "supérfluas", durante a grande crise de transformação da Primeira Revolução Industrial. Como tantos críticos antes dele, porém, Anders, embora ocasionalmente e como que de passagem falando de capitalismo, atribui o problema catastrófico abruptamente e como razão última à "tecnologia", tornando-o assim insolúvel. É verdade que usa uma expressão adequada quando fala do "totalitarismo dos dispositivos" (loc. cit., 109); mas isto é apenas porque nestes "dispositivos" as forças produtivas já estão ligadas de uma forma especificamente capitalista, cuja lógica não é "técnica" em si mesma, mas a lógica económica do uso do "trabalho abstracto". A própria linha de argumentação de Anders revela indirectamente o carácter destrutivo da racionalidade da economia empresarial; pois não é mais credível em 1977 do que foi em 1844 ou em 1999 que "máquinas economizadoras de trabalho" devam, por razões puramente "técnicas", mergulhar massas de pessoas na miséria. Isto não pode ser causado pela tecnologia enquanto tal, mas apenas pela forma de organização social que leva a consequências tão absurdas do desenvolvimento técnico.
Mas se Anders pelo menos chama a brutalidade sistémica pelo seu nome, mesmo que falhe o contexto condicional socioeconómico, Ralf Dahrendorf, cinco anos mais tarde, no 21º Congresso dos Sociólogos Alemães, fala com toda a franqueza do seu coração liberal e introduz um raciocínio que, precisamente como económico, explica a "crise da sociedade do trabalho" à clássica maneira da economia anglo-saxónica e, ao mesmo tempo, sugere indirectamente uma "solução" infame, ainda que o grande pensador do liberalismo contemporâneo não queira acreditar nela:
"Toda a gente fala de desemprego. Pode-se compreender porquê. Ainda em meados dos anos 70, nos países da OCDE, a percentagem de pessoas desempregadas era de três ou no máximo quatro por cento [...] Hoje, em 1982, a média dos desempregados da OCDE é de 10 por cento [...] Friedrich von Hayek argumentou que numa verdadeira economia de mercado não poderia haver desemprego; o preço do trabalho fixar-se-ia a um nível que proporcionasse emprego para todos [...] Enquanto a dimensão dos salários reais não mudar, eles explicam o desemprego mas não são adequados para o combater. Os salários reais que conhecemos hoje são o resultado de uma longa e importante evolução, [...] a evolução dos direitos de cidadania. Isto é especialmente verdade se considerarmos as medidas de segurança no posto de trabalho e, sobretudo, de segurança do posto de trabalho , ou seja, se falarmos de rendimentos reais em sentido lato. Todos estes desenvolvimentos tornam o trabalho caro. O desemprego baseia-se no preço do trabalho [...] O sucesso crescente dos trabalhadores é, portanto, a força motriz da sociedade do trabalho, o que no final leva à sua abolição [...] Diz-se frequentemente que a causa do desemprego, que não é claramente cíclica, reside no desenvolvimento técnico. De facto, não se pode negar que os empregos estão a ser substituídos por processos técnicos [...] É que, ao contrário da visão dos trabalhadores da sociedade, o progresso técnico não é uma "lei da natureza". A tese da destruição de postos de trabalho pela tecnologia é de muito curto alcance. A tecnologia há muito que se tornou uma consequência e não uma causa de desenvolvimentos sociais, parte das relações de produção e não uma força produtiva. Sem o aumento dos salários reais, o desenvolvimento técnico continuaria a ser puramente teórico durante longos períodos. As inovações técnicas são introduzidas porque são mais baratas; e não são mais baratas em si mesmas, mas em comparação com o trabalho humano. O chamado desemprego 'estrutural' ou 'tecnológico' é, estritamente falando, desemprego devido à vantagem de preço da tecnologia sobre o trabalho" (Dahrendorf 1983, 25ss.).
É a velha e familiar rabulice do liberalismo clássico que volta a falar sem rodeios. "Com pesar" se salienta que a causa "real" da miséria é o nível "demasiado elevado" dos salários reais. Num certo sentido, a consciência liberal hegemónica sorri aqui com desdém: Se não tivesse havido "desenvolvimento com pesadas consequências" dos "direitos sociais", aumento do nível salarial, melhoria da protecção laboral etc., se o antigo movimento operário e o Estado social não tivessem sido tão "bem sucedidos" (na realidade com resultados apenas muito moderados), então não haveria de facto qualquer problema. Mas assim veio o que tinha de vir; a força de trabalho tornou-se "demasiado cara" – e agora estamos bem arranjados! Logicamente, portanto, os slogans dos extremistas da economia estariam "de facto" na ordem do dia: salários baixos, sem benefícios sociais, acabar com a "ladainha" dos direitos de protecção social! Isto, continua a retórica liberal com uma voz melosa, não é de modo nenhum desejável, e certamente não se quer isso, nenhum de nós quer isso – mas então, infelizmente, também terão de se suportar as consequências, sejam elas quais forem!
Este argumento falacioso é absurdo num duplo sentido. Mesmo dum ponto de vista puramente sistémico, a redução radical do nível dos salários reais e dos benefícios sociais não pode oferecer uma saída. O regresso em massa dos "trabalhadores pobres", como a consciência liberal na verdade (e fiel à sua tradição) deseja sinceramente, teria de fazer explodir o modo de produção capitalista no nível historicamente alcançado de acumulação desde logo e por razões económicas puramente objectivas, se não houvesse qualquer resistência social. Dahrendorf, no início da nova crise, parece já ter esquecido tudo o que o debate no interior do capitalismo tinha produzido em termos de auto-reflexão há um bom século; desde a concessão de Bismarck de algumas "gotas de óleo social" até ao reconhecimento fordista da necessidade sistémica de consumo "de investimento" em massa de automóveis, maquinaria doméstica etc.
Dahrendorf repete uma falácia típica que caracterizou o pensamento microeconómico pré-keynesiano em economia: o que é "bom" para a empresa individual ao nível da economia empresarial para se afirmar na concorrência (redução de custos) é suposto ter um efeito igualmente positivo ao nível macroeconómico da reprodução social global, em virtude da "mão invisível". O facto de uma redução radical dos salários reais ao nível da produção fordista só poder ter um efeito macroeconómico catastrófico e dever, por conseguinte, repercutir-se a nível empresarial é simplesmente ignorado. Dahrendorf actua subitamente como se não soubesse quão indispensável e inelutável a coerência laboriosamente posta em marcha entre produção industrial em massa, rendimentos em massa sob a forma de dinheiro e consumo em massa de mercadorias já se tornou para a existência do próprio capitalismo.
Em contrapartida, porém, também o argumento macroeconómico keynesiano centrado nos grandes fluxos da economia se tornou obsoleto, uma vez que o inflaccionamento do sistema monetário já há muito que tinha atingido a concepção do “deficit spending”. Por conseguinte, a mera insistência nesta concepção, representada em particular pelo keynesianismo académico de esquerda até aos dias de hoje, já não podia oferecer uma solução – o keynesianismo tinha-se esgotado completamente. Mas isto só significa que a partir de agora a lógica microeconómica e a macroeconómica já não poderiam ser feitas coincidir. Enquanto o ponto de vista microeconómico exigia uma redução radical dos salários reais e dos benefícios sociais nas novas condições, o ponto de vista macroeconómico sugeria, pelo contrário, um novo aumento dos rendimentos de massas para não pôr em perigo o crescimento. Por outras palavras, a autocontradição interna do capitalismo tinha amadurecido para uma nova qualidade, que abala o sistema. Claro que nem keynesianos nem liberais como Dahrendorf gostariam de tirar exactamente esta conclusão. Assim, o campo keynesiano, cada vez mais forçado à defensiva e a derreter-se, continuou a defender o “deficit spending”, embora esta concepção estivesse irremediavelmente esgotada; enquanto Dahrendorf regressou implicitamente à velha e consistente concepção microeconómica que tinha falhado antes do keynesianismo e apenas por isso lhe tinha dado origem. Isto já deu a entender o impulso da intelligentsia capitalista na aurora da nova crise sistémica: a fuga para a frente – de volta ao passado liberal!
Mas a argumentação de Dahrendorf também seria absurda, mesmo que este regresso ao ponto de vista radicalmente microeconómico e, portanto, a redução dos salários reais pudesse realmente funcionar a uma escala macroeconómica. Basta considerar a grotesca imposição que ele sugere aos assalariados: É suposto entrarem numa "competição de custos" com os potenciais de racionalização da Terceira Revolução Industrial e, assim, numa espécie de corrida de desvalorização entre os seus próprios salários e os preços das novas tecnologias de controlo. Por outras palavras, segundo Dahrendorf, a única forma de garantir "emprego" seria que os assalariados travassem o progresso tecnológico, baixando voluntariamente o seu próprio nível de vida cada vez mais. Depois, claro, isto não seria uma medida pontual, mas uma espiral permanente de redução salarial e desenvolvimento tecnológico, uma vez que o interesse concorrencial dos fornecedores de tecnologia de racionalização exige o seu constante barateamento. Nesta estranha "concorrência" contra o progresso tecnológico, os salários teriam assim – nas condições da Terceira Revolução Industrial – de cair cada vez mais até chegarem a zero ou até se tornarem negativos. Pois tendo em conta os saltos de produtividade gigantescos e em constante expansão dos agregados microelectrónicos, o preço da força de trabalho teria de baixar desproporcionadamente; afinal, a redução de custos dos meios de produção microelectrónicos pode ser combinada com uma produtividade técnica cada vez maior, enquanto que a eficiência da força de trabalho humana é absolutamente limitada e teria, portanto, de competir apenas no lado dos custos.
Esta consequência microeconómica, completamente insana e socialmente suicida em vários aspectos, é aparentemente a última palavra dum sistema inerentemente insano. Nem nos seus sonhos Dahrendorf pensa em esboçar a única consequência razoável. Esta seria, evidentemente, não entrar numa competição insana contra o progresso técnico, mas reclamar mais lazer para todos de acordo com este progresso, com a plena participação de todos nos frutos do tremendo aumento da produtividade. Esta única conclusão razoável, porém, é absolutamente impossível no terreno da racionalidade da economia empresarial. Assim, o grande pensador liberal só pode desenvolver um florescente disparate, confiando numa internalização tão avançada e geral do sistema capitalista de fim-em-si que mesmo este absurdo óbvio é engolido como um sério argumento teórico. Ao mesmo tempo, o próprio Dahrendorf, no final do seu artigo, descreve quase um pouco surpreendentemente o completo disparate a que conduz a racionalização por eliminação do "trabalho" na continuação das condições capitalistas:
"A luta entre aqueles que têm de trabalhar e aqueles que não têm de trabalhar levou ao sucesso total: aqueles que não tinham de trabalhar antes tornaram-se agora aqueles que ainda podem trabalhar, enquanto aqueles que tinham de trabalhar antes já não podem trabalhar. A luta de classes pelo trabalho levou à completa inversão das frentes" (op. cit., 34).
No contexto de Dahrendorf, a aporia do "trabalho" é imputada aos trabalhadores assalariados "demasiado bem sucedidos". Mas na verdade é a aporia do próprio capitalismo, e os trabalhadores assalariados são no máximo culpados por terem abraçado historicamente as restrições do "trabalho abstracto" em geral e por terem internalizado a categoria do trabalho. Dahrendorf, por outro lado, formula a aporia no sentido de que as condições capitalistas de existência são inalteráveis e irreversíveis. Se os critérios da "sociedade do trabalho", juntamente com todas as formas económicas a ela associadas, têm de permanecer, mas "a própria sociedade do trabalho começa a cair" (loc. cit., 34), então levantam-se questões elementares, que Dahrendorf só é capaz de colocar afirmativamente e, portanto, num tom repressivo já claramente audível:
"Por exemplo: ao longo de que corrimão pode ser ordenada a vida das pessoas se faltar a disciplina (!) através da organização do trabalho? Ou: como garantir o sustento das pessoas se já não se baseia no desempenho do trabalho? [...]" (op. cit., 34).
Boas perguntas, cuja resposta é fácil: a "disciplina" do material humano é tão supérflua como o próprio capitalismo; as pessoas podem regular os seus assuntos sem a coerção externa de aparelhos alienados e de "fazedores" capitalistas desordeiros comportamentais. Na pergunta de Dahrendorf fala a velha lógica de Bentham, que agora se leva ela própria ao absurdo. E nada é mais fácil do que assegurar o "sustento das pessoas" com as novas forças produtivas, utilizando-as para além da lógica capitalista e distribuindo os produtos muito simplesmente, independentemente do "desempenho do trabalho" dos indivíduos. Que mais? Para o teórico liberal, isto só levanta "questões insolúveis" porque ele não pode nem quer imaginar outras respostas que não as respostas capitalistas tornadas impossíveis.
Alguns anos antes, Günther Anders também tinha encontrado a aporia capitalista que se manifestou na Terceira Revolução Industrial; ele falou do "facto de hoje terem sido trocados meios e fins" (Anders 1987/1977, 99). Fundamentalmente, no entanto, esta inversão aplica-se à lógica capitalista de fim-em-si em primeiro lugar e desde o início; é notável, no entanto, que se tenha podido agora apresentar abertamente ao observador imparcial, mesmo sem os instrumentos teóricos da crítica fetiche de Marx. E, apesar de atribuir erroneamente o problema directamente à "tecnologia", Anders chega como que por si mesmo ao irracional fim-em-si do modo de produção capitalista, que sob as condições da racionalização microelectrónica teria, evidentemente, de ser óbvio até para um cego:
"Mas enquanto no passado o objectivo do trabalho era satisfazer as necessidades através do fabrico de produtos, hoje a necessidade visa o emprego; a criação de emprego torna-se a tarefa, o próprio trabalho se torna o produto a ser produzido [...]" (Anders, op. cit., 99).
Nunca foi diferente no capitalismo; aquela relação "simples" de necessidade e processo de produção, que Anders tem em mente como original, é na realidade pré-moderna. Mas a escassez artificial gerada pelo capitalismo, que paradoxalmente acompanhou o crescimento constante das forças produtivas, podia ser ideologicamente fingida como relação de necessidades e recursos, enquanto o crescimento capitalista ainda tivesse uma margem histórica de desenvolvimento à sua frente. Na mesma medida em que a Terceira Revolução Industrial se tornou manifesta, contudo, o facto louco do "trabalho em si" como um "produto a ser fabricado" ficou agora abertamente à vista – sem, contudo, levar a uma crítica radical desta exigência paradoxal, como ainda está implícito na Anders. Em vez disso, surgiu aquele uivo horrível por "empregos" que ainda hoje nos enche os ouvidos, e muito pior do que há quinze ou vinte anos atrás.
Uma vez que a ultrapassagem do contexto condicional capitalista, apesar do seu absurdo que já não podia ser ignorado, foi consistentemente excluída num acordo tácito em todos os campos sociais, tudo o que restava era um prognóstico de futuro compulsivamente optimista repetido mais ou menos regularmente de um novo boom secular; em geral inteligentemente relativizado por ominosas referências à inescrutável "complexidade" da "sociedade moderna", como ela agora é. A ideia básica era simplesmente que a Terceira Revolução Industrial, tal como as duas anteriores, conduziria em última análise a um aumento de grande alcance do crescimento e do "emprego". As graves quedas das décadas de 1970 e 1980, tal como o desemprego em massa a elas associado, seriam apenas um fenómeno temporário da crise de transformação que já tinha caracterizado as anteriores quebras estruturais. Neste sentido, desde 1983, o Banco Mundial, o Ministério Japonês do Comércio e Indústria Internacional, a Prognos AG com sede em Basileia, o Instituto Ifo com sede em Munique e o Instituto Kiel para a Economia Mundial, bem como numerosos gurus de gestão na Europa e nos EUA, previram uma "inversão de tendência" positiva para os anos 90.
Em meados da década de 1980 foi publicada uma antologia na Alemanha com o típico título encorajador "Vêm aí os dourados anos noventa?" (Jänicke 1985), que colocou em debate a esperada "onda longa" de uma nova retoma a longo prazo. O teorema da "onda longa" estabelecido por Schumpeter e Nikolai Kondratieff não coincide com o conceito mais amplo de revoluções industriais, porque é apenas uma teoria alargada do ciclo económico; mas assume uma ligação fundamental entre "novas tecnologias básicas" e "ascensão a longo prazo", como foi de facto o caso das duas primeiras revoluções industriais, após um período de incubação agonizante com vítimas em massa (embora nunca no sentido de um "aumento do bem-estar" geral, mas sempre apenas como uma expansão do sistema capitalista). Aplicada à Terceira Revolução Industrial, a concepção de "ondas longas" levou assim aos "destruidores criativos" schumpeterianos do novo empreendedorismo (principalmente microelectrónico), mergulhando inicialmente as velhas indústrias fordistas em crise ("negros anos oitenta"), mas depois transformando-se eles próprios no motor do crescimento e do emprego com as suas novas indústrias emergentes ("dourados anos noventa"). Seguindo este padrão, deu-se, por assim dizer, o fim de alerta para a época:
"A maioria dos autores concorda agora que a última onda longa de motorização de massas atingiu e ultrapassou o seu pico com a recessão de 1967 e o chamado choque petrolífero de 1973 [...] Os velhos complexos industriais – por exemplo, a indústria automóvel, a indústria de produtos eléctricos produzidos em massa, ou as indústrias com chaminés do carvão e do aço – entraram em crises gerais de sobrevivência [...] É igualmente previsível que, para além da crise, as coisas voltem a subir. Isto é trivial, na medida em que as condições gerais das ondas longas continuam a existir: uma cultura em que prevalece a razão instrumental; pessoas numa luta pronunciada pelo poder e pelo lucro; personalidades pioneiras na ciência e na tecnologia, bem como na economia e na política e – por último mas não menos importante – uma corrente ininterrupta de desenvolvimentos científico-técnicos, que podem ser explorados economicamente no momento apropriado [. ...] Estas novas tecnologias estão ligadas entre si de muitas maneiras e ao mesmo tempo permeiam as antigas [...] O complexo electrónico encarna o novo projecto-chave industrial [...] As forças de impulso e apoio para a ascensão de uma onda longa estão assim dadas [...]" (Huber 1985, 67ss.).
É uma enumeração bastante grosseira de "factores" que aqui se vende como uma teoria da ascensão a longo prazo: da interacção de "razão instrumental" (o que ainda era um conceito de crítica na teoria crítica de Horkheimer e Adorno já aqui figura como uma condição positiva), de "personalidades pioneiras" em luta pelo poder e pelo lucro (motivações que parecem exemplares à maneira de Mandeville) e de "novas tecnologias", supõe-se que surja um novo "modelo de acumulação" por excelência; esta ligação é simplesmente axiomaticamente pressuposta, para já não ter de a justificar concretamente. A mera experiência analiticamente não processada do boom fordista para uma minoria global aparece assim como um "modelo" geral extrapolado para todos os futuros. Esta ingénua "orientação para uma nova onda longa" (Huber, op. cit., 71) tornou-se o acordo tácito dos teóricos liberais, conservadores, socialistas e verdes-alternativos nos anos 80.
A vontade de fazer soar o fim de alerta antes mesmo de a crise ter realmente começado foi combinada – também em todos os campos – com a referência estereotipada à necessidade de mexer nas necessárias "condições de enquadramento". O interesse passou assim da análise do crescimento capitalista real e das suas condições internas para o enquadramento externo, para a "configuração política" e os pressupostos institucionais – Günther Anders disse cheio de pressentimentos no seu ensaio sobre a "natureza antiquada do trabalho": "[...] desconfio da palavra 'gestalten' (configurar), ela pertence à lista negra, à lista das palavras proscritas" (Anders, op. cit., 98). Foi assumido pelos propagandistas esperançosos da "configuração política" que, à semelhança da Segunda Revolução Industrial na década de 1920, embora os pressupostos internos ao capitalismo para um novo boom já tivessem sido criados ao nível da tecnologia e da racionalização, as mudanças estatais-institucionais ainda tinham de se seguir. Até certo ponto, esta interpretação da crise já seguia o imperativo de Dahrendorf, porque o problema das "condições de enquadramento" acabou por se revelar bastante rapidamente o da "adaptação" às novas condições capitalistas – e "adaptação", claro, significa mais uma vez submissão social incondicional.
Mas embora o desemprego estrutural em massa tenha alastrado como um incêndio, desde a declaração de Dahrendorf no início dos anos 80 de que os salários reais e os benefícios sociais tinham de facto caído de forma constante em todo o mundo e mesmo nos países capitalistas centrais, as taxas de crescimento mantiveram-se baixas ou em muitos países caíram por completo. Hoje, no final dos anos 90, ainda não há sinais de um novo boom secular em lado nenhum. A espera do "boom a longo prazo" da Terceira Revolução Industrial acabou por se revelar uma espera por Godot. Enquanto com cada impulso de racionalização microelectrónica outros segmentos dos mercados de trabalho ficam em ruptura, as instituições capitalistas ajustaram-se a uma administração da crise que ameaça tornar-se permanente.
As previsões optimistas de tempo livre de um Fourastié há muito que se afundaram no esquecimento, para não falar das "terapêuticas" quinze horas semanais que Keynes tinha em mente, com um aumento correspondente das forças produtivas. É verdade que ainda nos anos 80 os sindicatos estavam a tentar resolver a "crise do trabalho" de uma forma intra-capitalista, reduzindo o horário de trabalho acordado colectivamente para menos de 40 horas por semana (no máximo para 35 horas). Mas este cálculo de senso comum não pôde resultar; esbarrou, como era de esperar, na racionalidade da economia empresarial socialmente irracional. Na medida em que novas reduções do tempo de trabalho puderam ser efectivamente negociadas em alguns países capitalistas centrais (e mesmo aí apenas em alguns sectores), há muito que estas têm sido minadas e completamente corroídas na prática no decurso dos anos 90: em parte através de horas extraordinárias (cada vez mais até mesmo não remuneradas!), em parte através da retirada das associações vinculadas por acordos colectivos, em parte através da violação aberta dos contratos. Na esmagadora maioria dos países e sectores, não houve sequer uma redução nominal do tempo de trabalho como reacção à crise, mas sim uma divisão crescente entre pressão do trabalho e mesmo alargamento do tempo de trabalho, por um lado, e desemprego em massa e aumento da pobreza, por outro. Entretanto, o modelo de redução do tempo de trabalho desapareceu no esquecimento entre os sindicatos mesmo dos países mais desenvolvidos – um sinal de capitulação incondicional e de auto-sacrifício. "A época da redução geral do tempo de trabalho está a chegar ao fim" (Süddeutsche Zeitung, 2.7.1997) – justamente num tempo de automatização e de desemprego em massa.
O público burguês, bem como os governos e os aparelhos estatais, recusam-se contra todas as evidências a perceber a "crise da sociedade do trabalho" na sua verdadeira dimensão de ruptura sistémica. É certo que há muito que já não se fala de uma nova ascensão secular a longo prazo. Mas a grande esperança não foi substituída pela admissão de que o capitalismo está a tornar-se incapaz de reproduzir a sociedade nas condições da revolução microelectrónica, mas apenas por "business as usual" ao lidar com a crise que avança. Aqui surgiram duas abordagens complementares. Enquanto a esfera pública dos media, do jornalismo e do establishment científico académico discutem ou se limitam a encenar "concepções de solução" inofensivas e completamente inconsequentes, as instituições do poder tomam medidas contra o material humano "supérfluo" com restrições sociais cada vez mais severas.
A elaboração de conceitos para a luta de moinhos de vento contra a "miséria do emprego" tornou-se quase um desporto para os chamados "pensadores transversais", mas em todo o caso um ramo de negócio rentável. Desde a partilha de empregos, passando pelo trabalho a tempo parcial até à "valorização" do "trabalho cidadão" comunitário, na torrente de falsas esperanças todos eles têm uma coisa em comum: falham o cerne do problema, porque pressupõem axiomaticamente que qualquer solução concebível tem de ser compatível com a "economia de mercado" e as leis do seu sistema. Apenas os sintomas podem ser discutidos, não as causas. É por isso que este falso debate cobre apenas áreas marginais e formas especiais não generalizáveis de "emprego", enquanto o centro social, o bloco dominante do "trabalho abstracto", permanece completamente escondido. Este tipo de "ofertas de solução", lançadas no mercado de forma destemida, tornou-se entretanto tão transparente na deficiência das suas análises, tão baratas e contraditórias em si mesmas, que até uma criança pode ver claramente como são infundadas. Na medida em que existe algum conteúdo que se veja, é que a reparação das "condições de enquadramento" se traduz sempre em salários baixos e restrições sociais. O ruído deste discurso peculiar afoga as medidas da administração capitalista do trabalho, cujo objectivo mais nobre há muito tempo tem sido o de tornar o desemprego em massa tão silenciosa e suavemente "invisível" quanto possível:
"Em muitos países industriais desenvolvidos, cujos governos não há muito tempo estavam empenhados no objectivo do pleno emprego, os números oficiais do desemprego já são perturbadores em termos sociais [...] O número real de desempregados é provavelmente muito superior ao que os números oficiais sugerem. O número de desempregados é uma questão política sensível, pelo que as estatísticas oficiais apenas enumeram aqueles que se enquadram na definição oficial. Na Alemanha, por exemplo, esta definição foi repetidamente revista, de modo que outras categorias, como os beneficiários de assistência social, escondem agora um número substancial de pessoas genuinamente desempregadas. Em vários países industriais desenvolvidos, incluindo a Alemanha, apenas aqueles que procuram emprego são descritos como desempregados, e os subsídios de desemprego também são pagos apenas durante um determinado período de tempo. Em tais condições, um número desconhecido de candidatos ao emprego desiste da procura após repetidos fracassos e contenta-se com a assistência social [...]" (Kidron/Segal 1996, 142).
Basicamente, as estatísticas do desemprego são completamente falsificadas em quase todo o lado por razões de óptica política. Por um lado, grandes massas de desempregados já não aparecem nas estatísticas, porque o seu verdadeiro estatuto foi falsificado; não apenas transferindo-os para a assistência social, mas também através de "empresas de emprego" estatais ou patrocinadas pelo Estado, de "esquemas de criação de emprego" (Arbeitsbeschaffungsmaßnahmen, ABM) e das chamadas "requalificações", bem como da reforma antecipada. Muitas mulheres, tanto esposas e mães de família como "monoparentais", são indirectamente forçadas a "voltar ao lar" e muitas vezes caem completamente fora do registo. Por outro lado, pelo contrário, aparece nas estatísticas dos "empregados" um número sempre crescente de trabalhadores assalariados que na realidade têm apenas empregos sazonais ou a tempo parcial, ou são mesmo contratados à hora.
Nos Estados Unidos, é considerado um "posto de trabalho" se alguém for autorizado a segurar os sacos aos clientes no supermercado, literalmente por um punhado de dólares, durante uma ou duas horas por semana. As estatísticas sobre postos de trabalho e empregos são ainda mais flagrantemente distorcidas pelo facto de a redução dos salários reais em muitos países industrializados estar a forçar cada vez mais trabalhadores assalariados a aceitarem um segundo ou mesmo um terceiro emprego para além do seu trabalho regular. Em Nova Iorque, por exemplo, já não é invulgar que um operador de máquinas tome à pressa a sua refeição nocturna após o trabalho e depois trabalhe durante várias horas como vigilante, ou como empregado de mesa aos fins-de-semana – sem qualquer pagamento, apenas pelas gorjetas. Só através de um estilo de vida tão ruinoso é que a fachada de normalidade (seguro de saúde, habitação, automóvel) pode ser mantida. É preciso algum descaramento para chamar a tais condições, que há muito começaram a alastrar também na Europa, um "milagre do emprego". Assim, as estatísticas do desemprego de hoje dão basicamente uma imagem distorcida e eufemística da situação real. No entanto, mesmo através do véu dos números oficiais, a expansão explosiva do desemprego estrutural em massa pode pelo menos ser adivinhada, se se continuar a acompanhar o desenvolvimento desde a primeira grande onda entre 1980 e 1985 até ao final dos anos 90:
Desemprego (em milhões)
|
1980 |
1985 |
1990 |
1995 |
RFA |
0,889 |
2,304 |
1,883 |
3,210 |
França |
1,467 |
2,442 |
2,205 |
2,980 |
Inglaterra |
1,513 |
3,179 |
1,556 |
2,454 |
EUA |
7,637 |
8,312 |
7,047 |
7,404 |
Japão |
1,140 |
1,560 |
1,350 |
2,098 |
Fonte: Instituto Federal de Estatística, Anuário Estatístico para Países Estrangeiros, 1998.
Estes números e as suas alterações reflectem consistentemente não tanto uma relação entre crise e recuperação relativa, mas sim os limites da capacidade burocrática de dissimulação: Após cada manipulação para baixo dos números do desemprego (especialmente entre 1985 e 1990, e especialmente nos países anglo-saxónicos), estes são novamente empurrados para cima pela continuada racionalização microelectrónica. Em termos absolutos, há um aumento a longo prazo do desemprego de base. Na RFA, onde a marca dos quatro milhões já foi oficialmente ultrapassada, estima-se que na realidade já estejam desempregadas até sete milhões de pessoas. Nos EUA e na Inglaterra, o número oficial tem de ser não apenas duplicado, mas triplicado ou mesmo quadruplicado. O economista americano Lester C. Thurow faz um cálculo completamente diferente do oficial:
"O desemprego americano assemelha-se a um iceberg – a maior parte dele está invisível debaixo de água. Uma taxa de desemprego ligeiramente superior a cinco por cento equivale a mais de sete milhões de desempregados [...] Mas, para além destes mais de sete milhões de desempregados oficiais, outros seis milhões de pessoas descrever-se-iam como desempregados se lhes fosse perguntado. Contudo, não são oficialmente considerados desempregados porque não satisfazem um ou outro dos requisitos – que teriam de ter procurado activamente trabalho na semana anterior, por exemplo. Além disso, há 4,5 milhões de trabalhadores a tempo parcial que gostariam de trabalhar a tempo inteiro [...] Oito milhões de trabalhadores americanos trabalham apenas temporariamente. Mais dois milhões que trabalham apenas quando o seu empregador os chama [...] Destes milhões, ninguém é considerado desempregado [...] Quase seis milhões de homens entre os 25 e 60 anos de idade também desapareceram das estatísticas (!). De acordo com os censos, eles existem, mas não aparecem nas estatísticas do trabalho. Eles não trabalham, não estão desempregados, não são estudantes nem estão na prisão. Como ganham o seu sustento (através de actividades ilegais?), ninguém sabe [...]" (Thurow 1996).
Na Grã-Bretanha, o método de contagem dos desempregados foi alterado nada menos de trinta vezes desde 1979 – com o resultado regular de que o exército dos desempregados diminuiu no papel (Lütge 1997). E no Japão, de acordo com os actuais (e já manipulados) critérios estatísticos dos países europeus, 10 a 15 por cento dos empregados estariam desempregados. Quão enganosa esta contagem pode ser também é demonstrado pela situação em Espanha, o país com maior desemprego na União Europeia (com uma média há muitos anos de 20 a 25 por cento), onde actualmente (1999) está a ser proclamado um "milagre do emprego", uma vez que se diz agora que a taxa caiu para 18 ou mesmo para 10,8 por cento, dependendo do método de pesquisa. O muito elogiado "milagre do emprego" holandês também faz triste figura:
"Os investigadores do mercado de trabalho que tentam localizar o chamado desemprego oculto chegam a resultados assustadores. Ainda recentemente um estudo da consultora de gestão McKinsey causou agitação. Desta vez foram os Países Baixos que estiveram sob escrutínio. Em vez dos 6,3 por cento oficiais, que indicam enormes progressos na luta contra o desemprego, 20 por cento estão à procura de emprego, de acordo com a McKinsey. Os investigadores contaram todos aqueles que oficialmente não estão à procura de trabalho mas que no entanto querem e podem trabalhar. E isto inclui também aqueles que no passado foram declarados inaptos para trabalhar em grande escala e são agora considerados inválidos (!)" (Lütge 1997).
O facto é que em todo o lado os empregos industriais regulares estão a derreter como neve ao sol. Só na RFA, segundo o Instituto Federal de Estatística, o número de assalariados em "actividades produtivas" diminuiu cerca de três milhões entre 1991 e 1997, após a rápida redução de postos de trabalho neste sector central já ao longo dos anos 80. Se excluirmos o sector artesanal, a redução no sector industrial real deveria ter sido ainda mais drástica. Em suma, pode dizer-se que a taxa de desemprego nos países industriais capitalistas, que segundo Dahrendorf tinha subido para 10% no início dos anos 80, pode ter duplicado em termos reais (ou seja, após a limpeza de todas as manipulações e "deslocações" estatísticas para outras categorias) para cerca de 20% no final dos anos 90, enquanto oficialmente aumentou na maioria dos casos apenas para ordens de magnitude entre 10 e 15%.
Na RFA, o aumento particularmente drástico dos números absolutos deve-se também à incorporação da RDA em colapso, o que levou a taxas de desemprego de 30% e mais em várias cidades e regiões da Alemanha Oriental. Normalmente, isto é visto como um factor especial externo, decorrente do legado do socialismo de Estado. Para além do facto de mesmo na antiga RFA o desemprego em massa ter aumentado inexoravelmente, esta afirmação defensiva é infundada por outra razão. Pois os regimes capitalistas de Estado não eram um contra-sistema que tivesse representado uma sociedade categorialmente diferente, pós-capitalista, para além do "trabalho abstracto", mas apenas variantes de "modernização atrasada" na periferia capitalista – no caso da RDA uma espécie de aborto histórico, porque aqui (como conta pelo desencadeamento da Segunda Guerra Mundial pela Alemanha) a parte separada de um país já capitalistamente desenvolvido foi sujeita a um regime da periferia, contra o sentido da história. Se se sabe que estamos apenas a lidar com diferentes fases de desenvolvimento e, por assim dizer, com "estados agregados" de um mesmo sistema mundial produtor de mercadorias, então o colapso do capitalismo de Estado pertence à história de crise da própria Terceira Revolução Industrial e não é um factor externo de um legado "alienígena"; o que se vê já pelo simples facto de a "abertura" à variante capitalista concorrencial ocidental avançada apenas ter agravado, em vez de aliviar, a crise no Leste.
A incorporação da ex-RDA na RFA é apenas especial na medida em que, ao contrário do anterior curso global da crise, uma economia nacional vítima da Terceira Revolução Industrial foi integrada da periferia directamente no interior económico de um país capitalista central. Através deste processo sem precedentes, a RFA, como herança da história alemã, infectou-se justamente com a crise muito mais avançada nos países periféricos. Pois a queda da RDA foi, afinal, parte de um processo em que, desde o início dos anos 80, não só todo o sistema de industrialização atrasada agrupado em torno da "economia soviética" foi varrido para o abismo, mas também grandes partes do antigo Terceiro Mundo, na Ásia, América Latina e sobretudo África, foram invadidas pelas consequências da racionalização microelectrónica numa medida muito pior do que os "senhores do mercado mundial" ocidentais (com consequências posteriores também nos países do sudeste asiático do boom de curta duração).
Pois verificou-se sucessivamente que quase todos os países da periferia capitalista, e isso significa a esmagadora maioria da humanidade, já não podia suportar os custos de capital da Terceira Revolução Industrial – ou podia apenas ao preço de cair na armadilha da dívida externa sem esperança. O efeito da revolução microelectrónica aqui não é directo, mas sim indirecto, mediado pelo mercado. O que se passa a nível das empresas nos centros capitalistas afecta economias nacionais inteiras na periferia: elas são arruinadas pela investida da concorrência microelectronicamente melhorada.
Assim, por um lado, o desemprego estrutural em massa directamente tecnológico, causado pela "racionalização" microelectrónica que elimina a força de trabalho – este momento surge sobretudo nos centros capitalistas, que podem "exportar" parcialmente o problema através da concorrência no mercado mundial. É precisamente por esta razão que o novo desemprego em massa, por outro lado, é mediado através do mercado mundial – nomeadamente, através da ruína de indústrias que precisamente não podem utilizar os agregados microelectrónicos, ou só os podem utilizar de forma extremamente modesta. Este caso é a regra nos países da periferia, para os quais, apesar das constantes reduções de preços, a tecnologia de controlo e automação é ainda demasiado cara e está mesmo a tornar-se relativamente mais cara, uma vez que os preços dos seus próprios produtos de exportação, que não são fabricados de acordo com o novo padrão de produtividade, estão a cair mais acentuadamente do que as importações dos países centrais se estão a tornar mais baratas em resultado do desenvolvimento das forças produtivas microelectrónicas. Desde os anos 80, portanto, têm estado sujeitos a um círculo económico vicioso que só podem contrariar através do extremo esgotamento da sua força de trabalho: A crise da Terceira Revolução Industrial nos países centrais está a progredir, mas nos países já por si pobres da periferia capitalista está a crescer relativamente ainda mais depressa, levando a colapsos periódicos de toda a economia nacional.
Assim, o desemprego estrutural em massa é mais elevado aí, e as estatísticas são ainda menos significativas do que no Ocidente. Pois aqui são acrescentados factores que nos países capitalistas desenvolvidos por enquanto ainda são desconhecidos ou só produzem efeitos em menor escala. Assim, o fenómeno do "subemprego", ou seja, das pessoas que não têm um emprego regular, ganham um pouco de dinheiro apenas esporadicamente com base num salário horário ou diário e estão efectivamente desempregadas, está muito mais difundido em todo o Terceiro Mundo do que mesmo nos EUA, e há muito que se tornou o estado normal para a grande maioria. Aqueles que aparecem nas estatísticas do desemprego já pertencem a uma minoria privilegiada. A este respeito, é simplesmente grotesco quando um país como o Brasil relata uma taxa de desemprego de apenas 5,71% para 1997 e o México de apenas 3,6% em 1998. Em tais países, e noutros que já nem sequer têm estatísticas de desemprego, uma grande parte da população pertence aos "excluídos", estranhos no seu próprio país:
"Para muitos países pobres, não existem números disponíveis, ou estes aplicam-se apenas a um sector relativamente pequeno da economia, a cidades ou mesmo apenas à capital" (Kidron/Segal 1997, 142).
Onde há números ou estimativas menos manipulados de organizações independentes, o nível de desemprego está naquilo que só pode ser descrito como uma ruptura sistémica completa; por exemplo, é de 90% no Afeganistão, 50% em Moçambique, 45% na África do Sul, 40% a 50% no resto da Jugoslávia, 40% na Jordânia, 35% na Argélia e no Líbano, e assim por diante. (Fontes: Kidron/Segal 1997, Fischer Weltalmanach 1999). Para a China, que comunicou oficialmente uma taxa de desemprego de 4% em 1997, estimativas independentes revelaram uma taxa real de 30%. Um estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) em Genebra teve de declarar em meados da década de 1990:
"Na sequência da maior crise do mercado de trabalho desde a depressão dos anos trinta, 820 milhões de pessoas em todo o mundo, ou 30% da força de trabalho total, estavam desempregadas no início de 1994" (citado em: Handelsblatt, 7.3.1994).
No entanto, este número inclui também os países capitalistas centrais, de modo que este desemprego de 30% reflecte a taxa mundial – de acordo com as estimativas ainda cautelosas da OIT. Em 1999, pelo menos mil milhões de pessoas em todo o mundo já são consideradas desempregadas (Handelsblatt, 15.3.1999). Só no Sudeste Asiático, segundo a OIT, 24 milhões de postos de trabalho foram permanentemente destruídos durante a crise de 1997/98. Além disso, em grandes partes do mundo, especialmente nos países do antigo bloco de Leste, China, Cuba, ex-Jugoslávia etc., existe o fenómeno das "indústrias fantasmas". Estas são normalmente as indústrias estatais da antiga "industrialização atrasada" que ainda não foram oficialmente liquidadas e que nominalmente ainda "empregam" muitos milhões de pessoas que na realidade são economicamente "mortos de férias". Estas indústrias produzem agora apenas em parte, pagam salários apenas esporadicamente, ou não pagam de todo, quando não remuneram os seus "empregados" em espécie:
"A crescente insolvência de instituições privadas e estatais na Rússia já resultou em salários e pensões em atraso e dívidas a fornecedores no valor de 26 mil milhões de marcos. Cada vez mais empresas são obrigadas a pagar trabalhadores e reformados em espécie – os fabricantes de loiça pagam com panelas, fábricas de confeitaria com alguns quilos de chocolate, editoras com pilhas de livros. As empresas em Kursk dão agora cereais e leitões vivos como pensão. Alguns empregados organizam vendas de rua dos substitutos salariais para angariar dinheiro – muitas vezes longe do local de produção. Até agora, a empresa Volgograd Armina, que tem vindo a reembolsar os salários mensais dos seus empregados (cerca de 42 marcos) há três anos sob a forma de uma média de oito sutiãs, tem tido pouco sucesso. As criações, que não são particularmente comercializáveis, também são dadas como ajuda material em caso de nascimento ou morte [...]" (Der Spiegel 8/1997).
Naturalmente que estes só podem ser fenómenos transitórios até ao encerramento completo das fábricas. Já não se pode negar que uma grande parte da população mundial está a viver fora do capitalismo, e também fora da sociedade oficial – e, portanto, apenas vegetando. Milhares de milhões de pessoas foram atiradas de volta para uma miserável economia de subsistência baseada na família e largamente isolada das forças produtivas modernas geridas de forma capitalista.
O resultado global é que a Terceira Revolução Industrial, em apenas duas décadas, precipitou a maior crise mundial desde 1929. Nos centros capitalistas, o desemprego em massa, que se pensava ter sido finalmente ultrapassado, regressou, e na periferia, juntamente com o "trabalho abstracto", a economia monetária já entrou em colapso em muitos países. Ao mesmo tempo, o potencial de automatização e racionalização da microelectrónica está longe de esgotado. A "racionalização" por eliminação do trabalho humano do processo de produção capitalista, que começou no final da década de 1970, continuará na próxima década. Este processo ocorre em surtos, sempre interrompido apenas temporariamente pelo rebaixar do preço da força de trabalho ou por problemas de interface tecnológica. Por um lado, a automatização continua a cada nova geração de microchips e de desenvolvimentos de software, e acelerou novamente na segunda metade dos anos 90:
"A automatização recuperou uma importância significativa para as empresas fabricantes nos últimos anos [...] Por exemplo, são cada vez mais utilizados na montagem pequenos robots de mesa de baixo custo, com os quais tarefas mais simples podem ser bem automatizadas [...] A tendência da automatização é também apoiada pela diminuição dos preços dos componentes. Por exemplo, os robôs industriais tornaram-se até 40% mais baratos nos últimos anos e oferecem uma gama melhorada de tecnologia de controlo, sensores e interfaces de operador em comparação com modelos mais antigos. O campo de aplicação dos robôs industriais está a aumentar, a robótica está a penetrar cada vez mais em áreas que até agora dificilmente tinham sido objecto de esforços de automatização, como na indústria do mobiliário ou da construção, ou mesmo na tecnologia médica [...]" (Neugebauer 1999).
Por outro lado, a racionalização organizativa está também a aumentar com a ajuda da microelectrónica e de novos programas de software. Neste processo, actividades e níveis completos da empresa, desde o planeamento da produção até à comercialização, não são automatizados como tal, sendo simplesmente tornados supérfluos por novas formas de organização integradas electronicamente. E, como consequência destes impulsos de automatização e racionalização de maior alcance, o colapso indirecto dos mercados de trabalho na periferia, mediado através do mercado mundial, continuará também, naturalmente, a aumentar. A ruína de economias inteiras não irá abrandar, mas sim acelerar e a intensificar os seus efeitos.
Embora as instituições oficiais do capitalismo ainda o neguem, naturalmente, está à vista o horizonte de uma nova crise sistémica, uma crise que promete deixar na sombra todas as catástrofes transformacionais anteriores desde o início da industrialização. A questão da qualidade especial da Terceira Revolução Industrial em relação às duas primeiras é, portanto, inevitável. Consiste, como está a tornar-se cada vez mais claro, numa espécie de mobilização final de auto-contradição capitalista. O movimento compensatório que começou na Primeira e Segunda Revoluções Industriais após as graves crises de transformação não aparece, apesar de todas as invocações.
É verdade que, desta vez, também se pode observar um sucessivo barateamento da nova tecnologia microelectrónica básica e dos seus produtos. As capacidades informáticas, para as quais ainda era necessário o poder de capital das grandes empresas ou instituições estatais há algumas décadas, são agora dadas às crianças como presentes de Natal sob a forma de todo o tipo de brinquedos. O computador pessoal, ainda um meio de produção relativamente caro no início dos anos 80, entrou há muito tempo no domínio do consumo de massas. Mas um efeito de acumulação e "emprego" análogo ao do fordismo continua ausente. A razão é muito simples: a microelectrónica como um todo torna muito mais "trabalho abstracto" supérfluo do que pode ser criado de novo pelo barateamento dos seus produtos e pela consequente expansão dos mercados. Isto deve-se principalmente ao facto de a capacidade microelectrónica de racionalização ser muito superior à da produção de fluxo fordista, e de poder ser utilizada universalmente: racionaliza de antemão a sua própria produção.
A relação entre inovação de produtos e inovação de processos foi invertida – os novos produtos adicionais que entram no consumo em massa são ultrapassados pelos potenciais de "racionalização eliminatória". Assim, o sempre precário sistema de bola de neve industrial pára irreversivelmente. A Primeira Revolução Industrial tinha arruinado sobretudo os produtores artesanais independentes tornados "desempregados" em massa, só gradualmente os integrando no sistema fabril num nível de vida mais baixo. A Segunda Revolução Industrial tinha primeiro conduzido a um grande colapso no terreno do próprio capital industrial na crise económica mundial, a fim de impor o capitalismo total com o apoio do keynesianismo na história do pós-guerra. Na Terceira Revolução Industrial, o capitalismo despede os seus filhos. O sistema mundial de transformação da energia humana em dinheiro, que se alimenta de si mesmo, acabou por se reduzir definitivamente ao absurdo. A profunda irracionalidade deste modo de produção torna-se palpável e completamente insustentável – ironicamente, na mesma medida em que é declarado sem alternativa, e simultaneamente se pretende que determine para sempre o destino da humanidade.
Original Die Wegrationalisierung des Menschen, pags. 346-360 de Schwarzbuch Kapitalismus. Ein Abgesang auf die Marktwirtschaft. Tradução de Boaventura Antunes (5.2021). Original integral online: www.exit-online.org/pdf/schwarzbuch.pds. Tradução portuguesa em curso em http://www.obeco-online.org/livro_negro_capitalismo.html.