O socialismo como modelo descontinuado

 

 

Robert Kurz

 

 

O socialismo real foi na realidade "uma verdadeira economia burguesa do estado de necessidade", cuja coerção impiedosa não podia ser quebrada, nem mesmo pela "participação democrática" dos trabalhadores? Robert Kurz responde à análise de Kurt Hübner sobre a economia da RDA e às suas propostas para melhorar a situação desta (KONKRET 1/90) com uma crítica à "mentira vital fundamental" dos teóricos de esquerda, "de que um 'mercado', mesmo planeado, poderia constituir uma reprodução socialista".

 

1.

Que tipo de socialismo era esse que se desfez em pó perante os nossos olhos no lapso de tempo da "história em directo"? Por mais dolorosa que seja a constatação, o colapso desta formação social aponta para uma mentira vital, não só dos Srs. Honecker, Mittag, Ceausescu, Li Peng e outros, mas de quase toda a esquerda marxista. Esta mentira vital refere-se menos à superestrutura estalinista, cujas estruturas são facilmente abominadas como "antidemocráticas" e que está hoje absolutamente em saldo, do que às determinações formais da base social, cuja falência é apostrofada com prazer pela imprensa ocidental como a de uma "economia de Marx". O que permanece oculto é que a "economia soviética" nunca poderia ser uma consequência prática da crítica da economia política de Marx, mas que o seu verdadeiro modelo histórico foi, de facto, a economia de guerra do Império Alemão: uma verdadeira economia burguesa do estado de necessidade.

 

Lenine, o pragmático do estado de necessidade cujo partido foi levado ao poder numa situação desesperada de uma sociedade em grande parte ainda subdesenvolvida do ponto de vista capitalista, postulou, num salto mortal ideológico, a renomeação como "socialismo" das formas básicas de uma economia de guerra burguesa, através de uma mera mudança de sinal político: com o partido proletário no poder, as mesmas estruturas económicas básicas deveriam subitamente ser utilizadas para fins diferentes e contrários. Os múltiplos escrúpulos em relação a este constructo, que ainda podem ser encontrados em Lenine, foram, no entanto, eliminados com o desenvolvimento progressivo da sociedade soviética, e de modo nenhum apenas por Estaline e pelos seus. No entanto, esta origem da mentira vital do socialismo real não se deve apenas à situação histórica de coerção e subdesenvolvimento da Rússia, mas reflecte o conceito truncado de socialismo de todo o antigo movimento operário.

 

A crítica da economia política de Marx diz a todos os que sabem ler que o "socialismo" só pode ser, em primeiro lugar, a consequência de uma crise de sobredesenvolvimento e de reprodução do capital e, em segundo lugar, pelo seu próprio conteúdo, apenas a abolição positiva do mercado, ou seja, da "relação mercadoria-dinheiro". No início do século XX, no entanto, ainda não havia condições suficientes para isso em nenhum lugar do mundo, nem mesmo no Ocidente. O movimento operário marxista reflectiu inconscientemente esta situação com um truque ideológico. Permitiu que a "revolução política", por um lado, e a definição económica do socialismo no sentido marxiano, por outro, fossem separadas por toda uma época, possivelmente de séculos. Pelo meio era suposto existir uma "sociedade de transição" nebulosamente definida, na qual "o proletariado" tinha tomado o "poder", mas ao mesmo tempo as categorias burguesas básicas de "valor", mercadoria, dinheiro e mercado continuavam a existir, porém sendo agora "aproveitadas" com toda a inocência pelo "Estado proletário" de acordo com um plano e aplicadas "para o bem do povo". Não admira que, neste contexto ideológico, a economia de guerra alemã pudesse ser considerada, por princípio, susceptível de ser instrumentalizada num sentido "socialista". Em contraste com o paradigma marxiano da abolição do mercado, o paradigma do socialismo real implica assim a impossibilidade lógica de um "planeamento do mercado", o que equivale grosso modo à quadratura do círculo, ou seja, o planeamento sob a forma de não-planeamento, a consciência sob a forma de inconsciência ou a visão sob a forma de cegueira.

 

O dilema elementar desta posição criou um campo de forças ideológicas não só entre os ideólogos da legitimação soviética, mas também entre a esquerda ocidental, no qual a relação entre base e superestrutura foi gradual e clandestinamente virada de pernas para o ar: Sob o pretexto de uma crítica do "economismo", surgiu um marxismo "politicista" que se centrava apenas na viabilidade política e na mudança da superestrutura, enquanto as formas básicas burguesas do sistema de produção de mercadorias eram vedadas à crítica teórica e prática e praticamente tornadas tabu. Os críticos ocidentais de esquerda da União Soviética limitaram-se assim a denunciar as estruturas ideológicas e de dominação estalinistas, sobretudo através do impotente conceito sociologista de "burocracia", cuja derivação da problemática da "industrialização atrasada" as desculpava, enquanto a base social na forma de mercadoria da economia planificada permanecia intocada. Um triste exemplo disto é a análise de Kurt Hübner sobre a falência do socialismo real com o exemplo da RDA (KONKRET 1/90). Quando Hübner conclui que é "a confusão teoricamente infundada entre mercado e capitalismo" que impede que o "debate sobre a transformação" seja conduzido de uma "forma integrada na perspetiva", esta afirmação não só é teoricamente infundada, como também transmite com a maior evidência a fundamental mentira vital do socialismo real, ou seja, que um mercado, por mais "planeado" que seja, possa constituir uma reprodução socialista.

 

Teoricamente um mercado não-capitalista poderia ser no máximo um mercado pré-capitalista. Mas não pode haver regresso a estas formas de produção de mercadorias só aparentemente idílicas. A máquina modernizadora da revolução burguesa não só catapultou as forças produtivas e as necessidades para além da velha sociedade agrária e do nicho de produção de mercadorias nela incluído (foi a isto que Marx chamou o seu lado positivo ou "missão civilizadora"), como, ao mesmo tempo, transformou irreversivelmente o dinheiro num fim-em-si fetichista, assim transformando todo o trabalho social em "trabalho abstracto". Esta transformação da mercadoria numa forma de reprodução social total provocou, como é sabido, uma inversão entre fim e meio na base económica da sociedade. O objectivo do trabalho já não é a produção de bens de consumo úteis, mas a "auto-representação" de quantidades de trabalho social abstracto como dinheiro, ou, por outras palavras, a transformação do trabalho vivo em trabalho morto e a sua acumulação.

 

Esta referência fetichista e tautológica do trabalho abstracto a si mesmo só faz "sentido" em termos puramente quantitativos através do princípio da mais-valia: o facto de as mercadorias produzidas terem um "valor", isto é, "representarem" um quantum de trabalho social abstracto, só se torna uma forma de reprodução para a sociedade como um todo pelo facto de o output abstracto de "valor" (trabalho morto) em cada período de reprodução ser maior do que o input prévio. Todo o processo da vida social se desintegra, assim, em processos abstractos de rentabilização dos seres humanos e da natureza na economia empresarial; os indivíduos desta sociedade são reduzidos cada vez mais na sua totalidade a mónadas de rentabilização do trabalho abstracto. A partir do momento em que a forma de mercadoria se apodera do processo de reprodução social total, o mercado deixa necessariamente de ser uma simples instância mediadora de bens de consumo para passar a ser a "esfera de realização" do trabalho abstracto: o lugar social onde se dá a transformação do trabalho vivo em trabalho morto, isto é, em dinheiro, e realmente em "mais dinheiro" do que custaram os "factores de produção" postos em movimento.

 

Nem esta sequência de etapas das categorias capitalistas básicas foi abolida pela economia de guerra, nem é de todo possível fazê-lo colocando qualquer outra capa política em torno do monstruoso fetiche do princípio abstracto da mais-valia. Qualquer intervenção no processo de reprodução que deixe intocada a base de "mercadoria-dinheiro" tem de acabar por ser envergonhada pelas leis que lhe são inerentes. O mercado, enquanto esfera de realização do trabalho abstracto, tal como não pode ser comandado ditatorialmente por uma camarilha bizantina do Estado, como teve de aprender para seu horror Deng Xiaoping e não só ele, também não pode ser levado a fins bem intencionados por uma "democratização", porque é por natureza uma máquina de socialização cega e destrutiva. Uma vez que Hübner, tal como os ideólogos legitimadores do decadente "mercado planificado", é incapaz de reconhecer qualquer identidade fundamental entre o mercado e o fetiche do capital, (1) tem de continuar a viver a velha mentira vital com as habituais invocações enfadonhas de democratismo, limitando-se a lamentar o "exercício do poder por um partido estatal" que "fixou objectivos de desenvolvimento económico sem legitimação democrática ou mesmo sem a participação dos trabalhadores". É um segredo seu o sentido de uma "participação democrática" dos trabalhadores nos constrangimentos impiedosos da lógica de rentabilização da economia empresarial, que significam objectivamente a sua própria exploração e empobrecimento, mas cuja abolição não é sequer apontada como opção. Será que as experiências catastróficas da outrora muito elogiada autogestão operária jugoslava ainda não são suficientes?

 

2.

É fácil provar que o socialismo real sempre se distinguiu da forma ocidental do fetiche do capital apenas na medida em que essa distinção já era verdade para as economias de guerra com base no mesmo princípio da mais-valia. Este facto, em contraste com a sua evidência muda no Ocidente, foi mesmo proclamado alto e bom som nas primeiras páginas dos órgãos centrais, onde a realização do plano foi celebrada como um excedente abstracto de trabalho morto "representado" para além das necessidades humanas: "No concurso para o 40º aniversário da RDA [...] os trabalhadores da VEB Edelstahlwerk [...] cumpriram e ultrapassaram o plano até ao final de agosto [...] No conjunto da empresa, o objectivo de ultrapassar a produção líquida prevista de 800.000 marcos foi ultrapassado em cerca de meio milhão de marcos" (Neues Deutschland, 19.9.89). Se não estamos a falar de trabalho abstracto e do processo de mudança de forma da mais-valia, de que estamos a falar então? E na medida em que este princípio fetichista, que está necessariamente subjacente ao mercado social total, já não aparece entretanto como objecto de uma absurda argumentação da imprensa, mas, tal como no Ocidente, se reduz à "compulsão muda das relações" (Marx), ele subjuga ainda mais as pessoas.

 

Não é por acaso que o actual debate dos reformadores se caracteriza por contradições flagrantes, incertezas e formações de palavras "arejadas"; de modo nenhum, porém, por uma equação (em última análise perfeitamente adequada) de mercado e capitalismo, como afirma Hübner, mas, pelo contrário, precisamente pela ofuscação desta identidade básica. Enquanto o pastor Schorlemer, do "Despertar Democrático", se pronuncia com alarme moralizador "contra o domínio do dinheiro", o professor de economia de Berlim Leste Morgenstern exige que a "economia da RDA descubra o dinheiro". Este desamparo errante tem naturalmente um fundo muito real. É claro que o "mercado planificado" não tem de "descobrir" primeiro o dinheiro, ele sempre existiu na sua abstracta falta de conteúdo. Mas, no entanto, o socialismo real sempre careceu de um estimulante decisivo do capitalismo, no qual baseasse efectivamente a sua distinta identidade.

 

Em ambos os sistemas a produção abstracta de mais-valia dos processos de rentabilização da economia empresarial tem de passar igualmente pelo mercado para se poder realizar na forma encarnada no dinheiro; mas se no Ocidente isso acontece à mercê de sujeitos económicos concorrentes, o ponto crucial do socialismo real consiste no facto de aqui o mercado aparecer apenas como uma esfera formal da transformação do trabalho vivo em trabalho morto (dinheiro), movido externa e mecanicamente por comandos estatais, sem que a instância de controlo cego da concorrência entre em funcionamento. Enquanto esta última apenas permite, sob pena de falência, a acumulação fetichista de quantidades de trabalho morto no "nível de validade" da produtividade do mercado mundial e do valor de uso técnico óptimo (mesmo sendo destrutiva em termos do seu conteúdo, sob a forma de centrais nucleares, automóveis de alta potência para transporte individual ou tranquilizantes), os quanta de trabalho abstracto produzidos como "valor" são em qualquer caso resgatados como dinheiro pelo mercado sob comando estatal – independentemente do valor de uso e da produtividade.

 

O facto de não poder haver aqui perdedores na economia empresarial conduz a fenómenos grotescos há muito conhecidos: "Se a produção for medida por máquinas acabadas, haverá falta de peças sobresselentes. Se os objectivos de planeamento na organização dos transportes forem medidos por quilómetro, as possibilidades óptimas de transporte são negligenciadas. Se os castiçais forem medidos pelo peso, tornam-se desnecessariamente pesados. Se o tecido for medido pelo comprimento, torna-se demasiado estreito" (Strotmann, 1969). Todas as tentativas da burocracia do plano para parar ex post esta produção deliberada de sucata e desperdício, através de um sistema de "índices" de características de qualidade em constante expansão, continuam a ser um empreendimento sem esperança. Com efeito, na medida em que o interesse da economia empresarial constituído por este sistema consiste em despender formalmente a maior quantidade possível de trabalho e de material, sem qualquer valor de uso de conteúdo-material, em princípio poderiam ser produzidos milhões e milhões de cubos e octaedros completamente sem sentido. Deste modo o ethos do trabalho abstracto do antigo movimento operário conduz-se a si próprio ad absurdum.

 

A concorrência volta a existir, mas apenas como resultado secundário da economia de escassez necessariamente resultante deste "mercado planificado", no qual as empresas são obrigadas a enganar-se mutuamente ao nível do valor de uso, em prol do cumprimento óptimo do plano num sentido puramente formal. Com lágrimas nos olhos, o director de uma fábrica relatou, no Diálogo com os Cidadãos de domingo, em Leipzig: "Ano após ano atiramos para a sucata dezenas de toneladas das mais valiosas matérias-primas. A nossa empresa tem a tarefa de montar motores eléctricos para exportação. Para o efeito recebemos bobinas e cárteres de outras empresas. Mas as bobinas são enroladas com fio de cobre cujo diâmetro não corresponde à encomenda. Por isso temos de desenrolar todo o fio e deitá-lo fora. Depois ficamos semanas à espera que o fio de uma terceira empresa seja enrolado, antes de podermos finalmente montar o motor".

 

É natural que a eficiência do mercado e a necessidade de produtividade soem como palavras mágicas aos ouvidos dos reformadores e opositores de um sistema tão absurdo. E, uma vez que todas as tentativas de reforma desde a Segunda Guerra Mundial só têm aparecido como uma eterna ladainha de um repetidamente falhado "desenvolvimento das relações mercadoria-dinheiro", a única alternativa parece ser o desencadear da concorrência segundo o modelo ocidental: ou seja, após 70 ou 40 anos de economia a passo de ganso, a transição do princípio da mais-valia de formas de economia de guerra para o banal capitalismo normal. A este respeito, o "se é já, então é já" dos reformadores do mercado livre é ainda mais consciente da realidade do que as ilusões teóricas de um socialista ocidental como Hübner, que se agarra à "reconciliabilidade" do mercado e do socialismo. O facto de o aumento da produtividade e da iniciativa pessoal, a salvaguarda do valor de uso e a satisfação das necessidades a um nível elevado poderem ser alcançados de forma diametralmente oposta, através da abolição definitiva do fetiche da rentabilização da economia empresarial e das tão apregoadas "relações mercadoria-dinheiro", não passa pela cabeça de ninguém em todo este debate.

 

3.

Que nem a economia do socialismo real nem a economia ocidental conhecem uma orientação primariamente para o valor de uso pode ser visto nos processos de destruição ecológica em ambos os lados do Elba. Independentemente de ser "livre" ou "planificado", o robô social da mais-valia não consegue distinguir entre bolos de chocolate e bombas atómicas; os recursos sociais são dirigidos com violência cega para os caminhos da transformação material que parecem mais favoráveis ao abstracto fim-em-si da representação monetária – por princípio completamente sem consideração pelos conteúdos e consequências desta rentabilização insensata dos seres humanos e da natureza. O avassalador poder destrutivo deste sistema de produção de mercadorias tornado geral constitui hoje à escala global a maravilhosa alternativa de envenenamento ou empobrecimento. Ainda nos anos 70 os sindicatos fordistas (e os conselhos de empresa da indústria nuclear até aos dias de hoje) decidiram sem rodeios a favor do envenenamento e contra o empobrecimento, ou seja, mobilizaram-se contra os ambientalistas em nome do fetiche da rentabilização da economia empresarial.

 

Entretanto, porém, este antagonismo foi ecleticamente erodido entre os provisoriamente vencedores do mercado mundial como a RFA; os sindicatos e os partidos parecem estar ecologicamente purificados, pelo menos verbalmente, enquanto os Verdes, por seu lado, se transformaram numa componente bastante vulgar do sistema fetichista burguês. O teor geral burguês-proletário e direita-esquerda é agora: à economia empresarial o que é da economia empresarial e à ecologia o que é vosso. Na famigerada práxis isto equivale desde logo a uma forma intermédia entre o envenenamento moderado de toda a população e o empobrecimento limitado de uma parte da população, em que se exige a cogestão democrática deste processo moderado de destruição e se baptiza tudo com o belo nome de "realismo".

 

Sobre esta questão a análise de Hübner à RDA e ao socialismo coloca-se perfeitamente na pose da esquerda campeã mundial das exportações, saciada e estabelecida, que acredita poder promover um programa de luxo de um "capitalismo ecológico". Por um lado, segue o paradigma da "crítica das forças produtivas" infiltrado na esquerda a partir do pessimismo cultural burguês; a lógica desta crítica visa sem qualquer mediação os fundamentos científicos e a produtividade tecnológica do valor de uso das sociedades industriais, em vez de visar a forma básica fetichista da "relação mercadoria-dinheiro". Assim Hübner acusa o "sistema de objectivos" da economia planificada da RDA de "quantitativismo", expresso por exemplo na principal tarefa do Plano de Sete Anos de 1959, "alcançar e ultrapassar" a RFA "através do aumento da produtividade do trabalho". Critica igualmente este "reducionismo produtivista" nos actuais "debates de transformação" dos reformadores da RDA, que na sua opinião se caracterizam "quase universalmente por uma crença nas forças produtivas já não conhecida nos círculos de esquerda do Ocidente". No entanto, as monstruosidades verbais como "quantitativismo" e "produtivismo", que se tornaram cativantes nos "círculos de esquerda do Ocidente", apenas assinalam um elevado grau de ofuscação dos problemas. Embora designem fenómenos reais do abstracto fetiche da rentabilização da economia empresarial, não designam este pelo seu nome nem o penetram logicamente. Os conceitos permanecem assim na penumbra, entre a crítica da economia política e a crítica (reaccionária) das forças produtivas. Cada um pode pensar o que quiser e o que corresponde à sua imaginação. Uma vez que no conceito de produtividade não se distingue entre o potencial de valor de uso do trabalho concreto e a lógica de rentabilização do trabalho abstracto, uma crítica nebulosa do "quantitativismo" implica a imposição da renúncia ao consumo: talvez uma opção ideológica no Ocidente para as camadas sociais ainda não empobrecidas, mas uma impertinência intolerável para as massas ávidas de consumo do Leste.

 

Por outro lado, o socialista da "economia política" Hübner não encontra nada de errado em postular exactamente o contrário da sua crítica das forças produtivas. Assim deplora, quase no mesmo fôlego que a "crença nas forças produtivas", "o insuficiente nível de produtividade da economia da RDA em relação à sua posição no mercado mundial", acusando o "mecanismo de gestão central" de não ser capaz de orientar as empresas para a "recuperação dos custos e o aumento da produtividade". E agora, camarada Hübner? Não poderia ser um pouco mais contraditório? As contradições gritantes desta argumentação reflectem o ecletismo dos "círculos de esquerda do Ocidente", que acreditam poder enganar as contradições reais da máquina de modernização burguesa. A esquerda do Leste, evidentemente, não pode dar-se a esse luxo. Tal como nos Estados do Terceiro Mundo, os países do socialismo real em declínio enfrentam a alternativa do envenenamento e do empobrecimento em toda a sua impiedosa nitidez, e talvez consigam ambos em conjunto. Enquanto a lógica abstracta da rentabilização se mantiver inabalada a nível mundial, a RDA ou a Polónia, na posição de perdedoras do mercado mundial, podem ter tão pouca consideração pelos fundamentos naturais da vida como o Brasil ou as Filipinas. A importação de resíduos tóxicos com o objectivo de obter divisas e a redistribuição relativa dos potenciais destrutivos dão aos "círculos de esquerda do Ocidente" precisamente a margem de manobra ideológica para as palavras críticas das forças produtivas; e é por isso que as massas do Leste, com toda a razão, não darão ouvidos a este cinismo dos reformistas ocidentais.

 

4.

O dilema argumentativo do economista político 1/4 marxista em relação à ecologia reproduz-se na questão social. Tal como o vira-casacas tem de virar a cabeça por assim dizer 360 graus sob a pressão das circunstâncias, também a argumentação de Hübner no contexto do problema do Estado social surge de repente perigosamente revirada. O que é que o "capital" faz numa crise de reprodução? Como é sabido, faz a política de austeridade contra os rendimentos das massas. Mesmo na gloriosa RFA, vencedora do mercado mundial, isto ainda é ocasionalmente denunciado pelos "círculos de esquerda" como "desmantelamento do Estado social", "sociedade dos dois terços" etc. Mas a situação parece ser bem diferente quando o tema desta política já não pode ser definido de forma tão sucinta com a fraseologia marxista, embora as "leis coercivas" (Marx) da mesma lógica social básica estejam por detrás dela. Para a sua análise da RDA, Hübner enverga naturalmente a roupagem do ideólogo da coerção objectiva, quando afirma "que o processo económico não liberta recursos suficientes para poder financiar a política de pacificação sociopolítica iniciada pelo governo de Honecker no princípio dos anos 70 sem repercussões perturbadoras no sistema de reprodução". Lambsdorff ou Blüm não poderiam ter dito melhor. Porque ignora, tal como qualquer economista burguês, a diferenciação crítica entre a potência concreta do valor de uso e a lógica abstracta da rentabilização, Hübner confunde os recursos materiais com a sua forma social fetichista. Com a base material das forças produtivas actuais, mesmo na RDA ou na América Latina, nenhuma pessoa teria de passar fome ou frio, viver mal ou ser "pobre". O chamado problema do financiamento resulta unicamente do facto de, independentemente das necessidades e dos recursos disponíveis, os processos de produção concretos só serem postos em marcha sob o aspecto da valorização abstracta e bem sucedida do dinheiro – mas em caso algum resulta da falta de recursos materiais propriamente ditos (como na Idade Média, por exemplo). No capitalismo ocidental isto é visível no facto de, em caso de recessão económica, fábricas intactas de produção de bens de consumo serem encerradas em massa, ou no facto de, na CE, oito mil milhões de quilos de fruta e legumes terem sido deitados para o lixo para apoiar os preços só nos últimos cinco anos.

 

Se não for possível realizar adequadamente a reprodução fetichista do capital, então as massas ou parte delas já não "rentabilizáveis" são informadas, com o maior e mais honesto pesar, de que agora, infelizmente, têm de ser postas a pão e água; ou então o Estado subsidia uma "política social" através de empréstimos ou da impressão de dinheiro. De facto não foi apenas o governo de Honecker que recorreu a este meio. Estes subsídios sociais, artificialmente financiados pelo crédito estatal, existem também em todo o terceiro mundo e mesmo nos países da OCDE. É embaraçoso constatar que o sistema de subsídios sócio-políticos da RDA seja confusamente semelhante a sistemas como os criados pelo ditador argentino Perón ou pelo chefe fascista Franco (incluindo, aliás, garantias de emprego). Mas em vez de criticar do ponto de vista do valor de uso dos recursos humanos e materiais reais as subvenções através da impressão de dinheiro, com a ajuda da qual o princípio da valorização da mais-valia não pode afinal ser contornado, o virtual socialista do estado de necessidade Hübner quer seriamente submeter a vida das pessoas na RDA, especialmente as "socialmente fracas" (uma expressão em si mesma perversa), à "capacidade de financiamento", ou seja, em última análise torná-las dependentes do sucesso no mercado mundial. Aqui ele é um economista, aqui é-lhe permitido sê-lo.

 

O camarada Hübner fala em clara linguagem thatcheriana. Na RDA tinha-se verificado uma "sobrecarga sociopolítica da economia (!) socialista", tinha-se cometido o erro de um "desacoplamento entre desempenho (!) e rendimento" etc.; "inevitável" será, portanto, "um redimensionamento do sistema de política social". É a linguagem de uma economia de mercado que marcha sobre cadáveres, muito idêntica à do capitalismo. Na "jovem democracia" da Polónia, que introduziu a "economia de mercado como terapia de choque" sob a direção do FMI, um quilo de pão custa actualmente mais de 10 marcos em comparação com os padrões alemães. No jornal diário do "Solidariedade", cuja ala sindicalista começa a fazer frente ao regime católico da camarilha Mazowiecki-Walesa, lê-se uma caricatura: "Um velho com um carrinho de compras enfia a mão num cesto de pães no supermercado e tira uma caveira [...] até o pão está tão caro que é quase um artigo de luxo para os reformados" (Süddeutsche Zeitung, 8.1.90). Tudo isto faz já lembrar fortemente o Terceiro Mundo, onde na Argentina, por exemplo, segundo a imprensa, o último "programa de reabilitação" do regime de Menem foi descrito como "genocídio contra a população", mesmo nos círculos militares.

 

É preciso muito descaramento para se apresentar diante dos desempregados, dos reformados e das crianças na pose do economista político especialista, para lhes falar de "desempenho" insuficiente e para lhes impor a pobreza, a fome e a desesperança, em nome do automovimento do dinheiro. Ao mesmo tempo, torna-se assim claro o que pensar dos debates sócio-políticos da mesma esquerda reformista no Ocidente, nos quais, pelo contrário, se discute precisamente um "desacoplamento entre desempenho e rendimento" (rendimento mínimo garantido). Se tais "garantias" só são válidas em caso de sucesso no mercado mundial do respectivo fetiche do capital "próprio", mas podem ser anuladas a qualquer momento, então o capitalismo social revela-se tão quimérico como o capitalismo ecológico, ou então este luxo tem de ser, mais uma vez, à custa dos perdedores do mercado mundial.

 

5.

Independentemente do embaraço argumentativo em relação ao "produtivismo" e à "política social", Hübner actua, por outro lado, como um vigilante socialista em relação à RDA, quando constata um "consenso político de pilhagem" do capital da RFA e dos seus partidos. Aqui de repente volta a ser socialista, aqui é-lhe permitido sê-lo. Potenciais de crescimento capitalista inimagináveis ameaçam supostamente despontar: "Uma capitalização integral da economia actual da RDA abriria ao capital da Alemanha federal um campo de acumulação e de crescimento que daria esperanças fundadas de um segundo milagre económico". Estas palavras saem da boca do professor de economia keynesiana Hankel, que, no entanto, prometeu à RDA, no Handelsblatt, o suposto novo milagre. A realidade, porém, parece diferente. Segundo o Wirtschaftswoche, só a modernização das infra-estruturas da economia da RDA custaria pelo menos 1,3 biliões de marcos alemães. Hübner fala de um "montante disfarçado de custos". Como assim? É claro que a Siemens teria um volume de negócios e de lucros, por exemplo, se a divisão correspondente da empresa fosse encarregada da extensão da rede telefónica da RDA, da instalação de ligações de telefax etc. Seria uma grande fatia de dinheiro. De facto, uma grande quantia. No entanto alguém tem de pagar por esta pequena coisa, e em moeda forte, porque a Siemens não é propriamente conhecida como uma agência de assistência social para economias em dificuldades. Seria realmente estranho que um economista especializado como Hübner tivesse esquecido a pequena diferença entre o capital individual e o capital total, o facto de cada volume de negócios e de cada lucro ter de aparecer noutro lado sob a forma de custos bem reais. Referir este lado da questão é tudo menos "ofuscante". Com efeito, na fabulosa economia de mercado, o que se exige é a solvabilidade e nada mais.

 

Qual é, então, o grau de solvência da RDA? Ou inversamente: se a RDA for anexada à RFA, quem pagará estes enormes custos? A própria RDA já não está em condições de obter, através do comércio externo, as divisas para as importações mais necessárias, tendo sido ultrapassada nos mercados de exportação mais importantes por novos operadores como Taiwan, Coreia do Sul e Singapura. A dívida externa em dólares ascende a pelo menos 20 mil milhões, com tendência para aumentar; a RDA, à semelhança da Polónia e da Hungria, mergulharia no "programa de reabilitação" já com uma crise de dívida incipiente. É o mesmo círculo vicioso que já conduziu grandes partes do terceiro mundo para o abismo: Para sobreviver no mercado mundial, seriam necessários mega-investimentos de modernização; mas para poder pagar esses investimentos, esse sucesso no mercado mundial já seria uma condição prévia. Em primeiro lugar, não há capitais próprios para os investimentos necessários, em segundo lugar, os mercados mundiais são estreitos e estão ocupados, e em terceiro lugar, mesmo os modestos êxitos de exportação teriam de ser utilizados para pagar o serviço da dívida. Pelo contrário, as "tentativas de reestruturação" conduzirão, em primeiro lugar, à redução do poder de compra das massas e ao desemprego. O consumo de massas, que Hübner também privilegia como injecção de crescimento (ele que estava agora mesmo a redimensionar os rendimentos das massas), só poderia ocorrer como fenómeno secundário do sucesso do mercado mundial, mas como ponto de partida é ilusório e baseia-se numa confusão entre necessidade de consumo e procura solvente.

 

O mercado mundial de 1990 já não é o mercado mundial de 1960. Ou será que a sobreacumulação fordista de capital, sobre a qual os socialistas académicos de esquerda escreveram tão diligentemente nos últimos anos, deveria ter desaparecido subitamente no ar, por consideração pela RDA ou pelo pensamento inconsistente desses "círculos de esquerda"? A modernização total da RDA, bem como o consumo de massas dos seus cidadãos, teria de ser, em última análise, patrocinada pelo Ocidente numa escala gigantesca, dado o potencial de valorização futuro altamente incerto. No entanto, em primeiro lugar, os biliões de capitais privados estão, por um lado, orientados para as expectativas de rentabilidade a curto prazo e, por outro lado, continuam a ser mais prováveis os investimentos de carteira nos mercados financeiros internacionais do que a modernização da Europa de Leste. Em segundo lugar, porém, as massas de dinheiro do crédito ocidental já têm de cumprir outra tarefa de patrocínio extremamente precária: Estão a financiar os desequilíbrios comerciais sem precedentes históricos dos países da OCDE, especialmente os enormes défices externos dos EUA e da Grã-Bretanha. Este potencial de crise iminente no próprio Ocidente, que se deve à sobreacumulação "fordista" de capital, fez subir de forma forçada e irreversível o nível das taxas de juro internacionais, sendo assim indiretamente responsável pela já manifesta crise de reprodução do Terceiro Mundo e do socialismo real, que, enquanto componentes mais fracos do sistema mundial de produção de mercadorias, têm de ser eles a começar por se debater com problemas. Um desvio para a RDA dos 100 mil milhões de marcos de capital monetário que a RFA transfere actualmente todos os anos para outros países do Ocidente faria vacilar e talvez desmoronar a superestrutura de crédito internacional há muito abalada, pondo assim fim à liderança da RFA no campeonato mundial das exportações. Por isso cálculos de merceeiro como os do velho keynesiano Schiller não deveriam mesmo ser copiados pelos socialistas.

 

O que é que ficará como resultado final? Certamente que a exploração da opção dos baixos salários pelo capital ocidental, mas limitada a algumas indústrias de subcontratação. Certamente toda uma série de joint ventures e talvez fábricas independentes de alta tecnologia, mas limitadas a uma produção insular de alta qualidade para o mercado mundial. Isto também existe no México (por exemplo, a VW). Em alguns sectores a RDA é ainda hoje competitiva, como é o caso do cimento e das máquinas de impressão. Mas o mesmo se aplica ao Brasil. Por outras palavras, não pode haver um novo milagre económico em resultado do colapso da RDA (uma estranha associação de ideias, aliás). Nos próximos meses e anos, a Europa de Leste será lançada no terceiro mundo, com todas as consequências para a maioria da população. Quando as nuvens de poeira ideológica da euforia da democratização e da economia de mercado elogiada como cura milagrosa tiverem assentado, tornar-se-á visível um panorama de empobrecimento e de barbarização. Mas, para que as vantagens (extremamente limitadas) deste desenvolvimento se tornem efectivas para o capital ocidental, há uma condição de base absolutamente lógica: Os "custos sociais" de uma incorporação apenas sectorial no processo de reprodução capitalista, com o empobrecimento simultâneo da maioria, têm de ser deixados aos próprios Estados destas zonas de terra queimada do mercado mundial. Por isso, no caso particular da Alemanha, a reunificação não seria um triunfo do "4º Reich" dos guerreiros da guerra fria, mas antes um processo catastrófico a ficar fora de controlo.

 

 

(1) Marx entendeu isto como a submissão da produção concreta de bens de consumo à autovalorização abstracta do dinheiro.

 

 

Original “Sozialismus als Auslaufmodell” in www.exit-online.org. Originalmente publicado em konkret nº 3/1990, pag. 18ss. Tradução de Boaventura Antunes.

http://www.obeco-online.org/

http://www.exit-online.org/