Robert Kurz
Robert Kurz comenta a Nova Economia e a Internet. Kurz analisa o futuro da nova economia e afirma que falta sustentação às empresas virtuais: 90% da Internet vai falir, diz sociólogo. Para quem acredita no final do trabalho como o capitalismo o imagina, não é radicalismo dizer que, nos próximos anos, 90% das empresas de Internet vão falir. Aliás, para o sociólogo alemão Robert Kurz, os pequenos e recentes empreendimentos virtuais jamais terão lucros reais. Kurz faz parte de um grupo de estudos chamado Krisis, fundado por ex-ativistas de movimentos sociais alemães. Ele esteve em São Paulo na semana passada, quando falou a estudantes da USP sobre crise do trabalho e reformulação das teorias marxistas. Em entrevista exclusiva à Folha, Kurz falou sobre Internet, "Napster" e comércio eletrônico.
Folha - A nova economia difere da economia tradicional?
Robert Kurz - Não. Ainda temos de lidar com a mesma economia capitalista e suas contradições. Novos desenvolvimentos tecnológicos não produzem por si mesmos uma nova economia. Eles atuam sobre a economia capitalista, mas isso é outra coisa.
Folha - Como o senhor avalia a concorrência entre as empresas de Internet? Há espaço para todas? Ou as fusões e aquisições levarão a uma brutal concentração?
Kurz - Desde março deste ano, os "novos mercados" de ações das empresas de alta tecnologia e de Internet nos Estados Unidos e na Alemanha presenciaram uma grande correção para baixo, e, atualmente, reina a estagnação. A queda prosseguirá até que a bolha financeira arrebente. Provavelmente, mais de 90% das empresas de Internet quebrarão nos próximos anos. Contra isso, as fusões já não servem de proteção. Isso significará uma violenta anulação de fortunas especulativas e repercutirá negativamente na conjuntura global.
Folha - A entrada das grandes corporações na rede começa a pôr "ordem na casa", do ponto de vista da economia tradicional?
Kurz - A Internet continuará sendo uma mídia subversiva. Quanto mais importante o papel tecnológico da rede, menores serão as possibilidades de controle pelo Estado, polícia ou conglomerados. Ninguém conseguirá pôr "ordem" durante muito tempo nesta mídia universal. As relações capitalistas de direito e propriedade também não podem mais ser impostas com rigor na Internet.
Folha - Os programas de troca de arquivos como o "Napster" seriam, então, uma forma de contestar o capitalismo?
Kurz - Ainda que o "Napster" tenha de terminar, sempre existirão novas formas de apropriação não comercial por meio da Internet. O domínio do dinheiro encontra aqui seus limites. A acumulação ilimitada de informação, a troca de idéias e as discussões não são, afinal de contas, acumulação de capital. Na medida em que se rompem as formas e regras tradicionais do consumo, a Internet perturba o capitalismo, em vez de insuflar-lhe vida nova.
Folha - Mas a Internet não é um combustível para o capitalismo?
Kurz - O absurdo econômico se manifesta em empresas virtuais com menos de cem empregados cuja capitalização em bolsa é tão grande ou até mesmo maior que a da Volkswagen, por exemplo. Marx associava o capitalismo à existência da força de trabalho humana. A Internet, nesse sentido, é um sinal do próprio final desse sistema. As tendências das novas tecnologias confirmam a teoria do grupo Krisis de que a produção de riqueza torna-se desvinculada da aplicação da força de trabalho humana. Fica cada vez mais difícil reduzir o indivíduo à condição de "força de trabalho". Esta redução, porém, é a essência do capitalismo. Por isso, ele não poderá, a longo prazo, deleitar-se com as novas tecnologias de comunicação.
Folha - A Internet seria uma das causas do desemprego, ao substituir, em parte, o trabalho humano?
Kurz - O comércio eletrônico pode produzir, nos próximos anos, um novo tipo de desemprego. Isso porque o B2B (em inglês, sigla para "business-to-business", negócios entre empresas) torna supérfluos setores inteiros de compras e administração, que ainda não haviam sido afetados pela racionalização microeletrônica. Muitas estruturas comerciais intermediárias são extintas. Por sua vez, as empresas na própria Internet geram pouquíssimos postos de trabalho em relação aos milhões que se tornam supérfluos.
Folha - Qual sua expectativa para quem migra agora para a Internet?
Kurz - O comércio eletrônico constitui uma segunda fase do cassino-capitalismo especulativo. As inúmeras pequenas empresas de Internet, que nos últimos dois anos entraram na bolsa, jamais terão lucros reais. O capital é apenas "queimado" para obter lucros com a elevação especulativa das cotações das ações. Se a relação entre a cotação das ações e os lucros reais na indústria tradicional é de cerca de 30 para 1 -duas vezes mais que a média histórica-, nas empresas de Internet, ela é de 200 para 1 ou de 300 para 1. Esta inflação dos valores das ações é a única diferença econômica entre as empresas tradicionais e as empresas de Internet. O capitalismo-Internet é o centro da "exuberância irracional" sobre a qual Alan Greenspan nos adverte há anos.
Folha - Por que o senhor acredita que o retorno esperado para a UMTS, futura rede de telefonia celular européia, com acesso à Internet, não justificaria os enormes investimentos das empresas?
Kurz - O fim do boom especulativo faz-se anunciar também pela tecnologia UMTS (sigla para sistema universal de telecomunicação móvel). Os investimentos em licenças, tecnologia e infra-estrutura já ultrapassam os lucros especulativos esperados. As empresas envolvidas em UMTS devem, portanto, "queimar" em investimentos um capital maior que os lucros reais e especulativos que um dia poderão ter. Já começou na Alemanha, após o leilão das licenças, a grande ressaca. As grandes teles vão ao governo pedir a devolução do dinheiro que este planejou aplicar de outro modo. Isto mostra como se age de forma irracional e nada profissional.
Folha - O senhor costuma acessar a Internet e usar e-mail?
Kurz - Uso a Internet para enviar e-mails, travar discussões teóricas ou, por exemplo, procurar e comprar livros usados. Até o momento, não tenho uma conexão particular, porque temo ser inundado por um lixo de informações. Atualmente, a universalidade da rede serve menos à comunicação intelectual do que à proliferação de tagarelices pós-modernas sem sentido. A Internet ainda está longe daquilo que poderia ser como mídia de oposição.
8 Nov. 2000