Sociólogo comenta ação
contra Microsoft
Monopólio vencerá governos, diz Kurz
RODOLFO LUCENA
Editor de Informática
O sociólogo alemão Robert Kurz tem se notabilizado pela
avaliação que faz do processo de globalização e do poder das
megaempresas. Nesta entrevista exclusiva, via e-mail, ele comenta
a ação contra a Microsoft. Diz que a empresa pode até ser
derrotada, mas isso não deterá o processo econômico.
Folha - A Microsoft é um
monopólio? Isso é bom ou ruim?
Robert Kurz - Um monopólio absoluto é logicamente
impossível numa economia de mercado, mas hoje há um processo de
concentração de capital de dimensões inusitadas. Em breve,
apenas 10% ou 20% das empresas multinacionais dominarão todos os
ramos mercantis, e não só o mercado dos softwares. A Microsoft
não passa de um exemplo particularmente ilustrativo, que revela
a tendência geral do sistema global de mercado. O problema, em
primeiro lugar, é que pouquíssimas pessoas, por falta de
recursos, podem dispor dos avanços da comunicação
microeletrônica, uma vez que os próprios conhecimentos
necessários para tanto só são acessíveis a uma minoria. Dessa
forma, cava-se um abismo que ultrapassa a tradicional
polarização entre pobres e ricos: pela primeira vez na
história, apenas uma parcela da humanidade toma parte num novo
desenvolvimento das forças produtivas, ao passo que a maioria
fica para trás e é excluída. Porém, isso é um problema
social generalizado, que não remonta à posição específica de
uma empresa como a Microsoft.
Folha - Qual será o resultado da atual ação do governo
norte-americano contra a Microsoft, na sua opinião?
Kurz - Ainda que a Microsoft saia derrotada nesse
processo, ou mesmo que o Congresso norte-americano opte por uma
"lex Microsoft", um processo estrutural não pode ser
refreado, em última instância, com meios jurídicos. O direito
formal é expressão das relações sociais, mas não pode
reverter sua evolução. É bem possível que, nos próximos
anos, os Estados se insurjam cada vez mais contra as
megaempresas. Mas eles serão sempre os perdedores.
Folha - Fala-se da criação de "baby
Microsofts"...
Kurz - É uma ilusão ideológica, fruto de um
liberalismo cuja origem remonta à Segunda Grande Guerra, supor
que a concentração de capital pode ser evitada através da
"dissolução" jurídica de empresas que dominam o
mercado. Em toda parte, as leis antitruste são tão lacunosas
quanto queijos suíços, e nenhum país dispõe de um aparato
público anticartéis suficientemente forte. E, a propósito: por
que 20 ou 30 monstros seriam melhores do que um monstro único e
colossal?
Folha - O sr. pretende usar o "Windows 98"?
Kurz -Uso um sistema da Microsoft, mas não o de última
linha. Também não acho isso tão importante. Para uma reflexão
inteligente, é decisivo sobretudo o conteúdo, e para tanto
basta um lápis e um bloco de papel. A tecnologia deve servir
para preparar conteúdos e comunicá-los globalmente. No momento,
todavia, tenho a impressão de que a tecnologia torna-se cada vez
mais um fim econômico em si mesmo.
São Paulo, quarta, 1 de julho
de 1998