Roswitha Scholz

 

 

MAIO CHEGOU

 

 

O padrão de digestão ideológica da crise nos contextos da crítica do valor

 

 

 

Da mesma forma que a crise dissolve a capacidade de reprodução da "classe média", que até agora se considerava em segurança, também a esquerda é tomada pelos padrões de elaboração ideológica que, pelos vistos, a ela estão ligados forçosamente. Roswitha Scholz demonstra neste texto que a "crítica do valor" surgida ao longo destes anos também disso não está a salvo. Os conceitos fundamentais da crítica do valor tiveram que ser implementados na esquerda, a custo, só no princípio dos anos noventa, por isso é que hoje se põe o problema da sua banalização, não só por uma recepção superficial nas diversas "cenas" da esquerda, como também pelas próprias tendências regressivas numa parte do anterior círculo da crítica do valor. Neste cenário, representado não apenas pelo resto da "Krisis", recorre-se agora à "preocupação" e a um "quotidiano" amplamente acrítico, bem como a uma ligação populista de esquerda com um mais vasto público do movimento. Há, no entanto, um perigo de recuperação por parte da direita e de posições conservadoras, se porventura, em caso de agravamento da crise, for esquecida a constituição da subjectividade da concorrência patriarcal-burguesa. Como fundamento desta crítica ideológica a uma versão banalizada da própria teoria crítica do valor designa Scholz o pano de fundo social comum de todas as tendências correspondentes: nomeadamente, "a transformação dos homens em donas-de-casa" (Claudia von Werlhof), incluindo nos círculos teóricos de esquerda, no domínio dos média etc., e "a queda da classe média" (Barbara Ehrenreich). Uma "crítica de trabalho" reducionista, bem como um conceito androcêntrico reduzido da "realidade social" têm que dar o mote da crítica do valor na colectânea "Dead Men Working"; racismo, anti-semitismo e sexismo são outra vez degradados a contradições secundárias com novas vestes, em vez de serem compreendidos no seu entretecimento com as disparidades económicas, a relação entre sexos e a construção da "raça", como faz a crítica da dissociação-valor. (Resumo na Revista EXIT! nº 2)

 

 

 

O tema previsto para este ensaio era inicialmente “Racismo e anti-semitismo como ideologias de crise”. Pus de lado por agora esse tema, para posterior elaboração – sendo que pode ser lido algo de relevante sobre o essencial do assunto no meu artigo na Exit! A nova crítica social e o problema das diferenças (Scholz, 2004). Pois “algo aconteceu entretanto” que agora, infelizmente, tem de exigir em primeiro lugar interesse específico, como contexto ideológico particular: a cisão da Krisis, que acabou por levar à fundação da nova revista teórica EXIT! Vejo as razões essenciais para esta separação, encenada da parte do grupo Krisis residual com métodos desonestos, numa conduta de associação masculina de concorrência patriarcal, na problemática edipiana que lhe está associada e, não em útimo lugar, na questão “materialista vulgar” do poder de administração da “caixa”, justamente num contexto de associação masculina em tempos de crise, em que a existência material se torna cada vez mais precária. Em termos de conteúdo, no entanto, trata-se também de concepções – de modo nenhum independentes de tais motivações – no que diz respeito à importância não apenas do sexismo, mas também da importância do racismo e do anti-semitismo para a constituição da modernidade no seu conjunto e justamente também no contexto actual. Por isso também a última questão mencionada, a abordagem estrutural de racismo, sexismo e anti-semitismo na Krisis residual, terá de ser objecto do presente artigo.

 

É certo que muitas vezes é difícil ter de facto em conta estas diferentes dimensões na exposição concreta. O que também se aplica aos autores e autoras da EXIT! Mas é diferente se tal pretensão constitui um princípio – como no contexto da EXIT! – ou se sexismo e racismo são tratados como meras manifestações derivadas “do valor”. Não é por acaso que o tema original do seminário de 2004 “Digestão ideológica da crise” foi posto de lado pelo grupo Krisis residual, depois de ter conseguido a golpe uma maioria ilegítima na assembleia de sócios, para em vez dele estabelecerem como tema do seminário de Maio da Krisis residual a temática reducionista do seu novo livro contra o trabalho Dead Men Working, que significativamente tem por subtítulo “Instruções de uso (!) para a crítica do trabalho e da sociedade em tempos de amoque social” (Lohoff e outros, 2004). A relação com a crítica do racismo/anti-semitismo e também do sexismo, a meu ver, tem de ser assim particularmente examinada, entretanto justamente também no contexto da Krisis. Do meu ponto de vista, na circunstância é utilizada pela Krisis residual e pelo seu campo de referência a elaboração ideológica em vez da crítica da ideologia, quando se procura ligação entre outros à consciência imediata (do movimento), que também é bem capaz de exclusão social ideologicamente legitimada se o seu interesse estiver ameaçado. Neste sentido ocorre apenas uma pseudo-tematização táctica, superficial e subordinada do racismo, do anti-semitismo e do sexismo.

 

É certo que também a crítica do valor até agora só pôde surgir necessariamente na forma de mercadoria, como produção de textos; afinal ela teve e tem de ser publicada. Novidade, no entanto, é que ela também deva ser arvorada em mercadoria aos berros, na forma de um postulado de preocupação, mesmo de acordo com o intento dos actores, quando a própria existência se torna precária e uma pessoa se ilude com a sua vantagem no mercado. Aqui, na actual situação de barbarização social (mundial), um neo-populismo “de crítica social” encontra-se com o mercado. Neste contexto é preciso enfatizar que a crítica da dissociação-valor não pode ser uma empresa de marketing, nem uma empresa de agitprop barata, que ande atrás das actuais conjunturas (anti-)políticas num capitalismo em decadência, mas tem de permanecer mesmo crítica social por princípio, que não está simples e incondicionalmente de olho num público crescente, como acontece entretanto com o grupo Krisis residual (ver sobre isso designadamente a última carta aos membros da Krisis de Dezembro de 2004, Trenkle 2004 a). É verdade que também a crítica da dissociação-valor pretende evidentemente alargar-se, mas não a qualquer preço. Se necessário, ela também tem de se estar nas tintas para o sucesso e contentar-se com poucos/as companheiros/as de armas, se o sucesso só for possível rebaixando a crítica (da ideologia). A postura de distanciamento “selectiva” é uma exigência ainda mais premente justamente na actual situação tornada difícil de “colapso da modernização” (Robert Kurz). Se se cede ao postulado da preocupação, uma 'crítica do valor' reducionista pode ser vendida ao desbarato, como quem vende sabonetes ou aspiradores, pelo vendedor de bugigangas pós-moderno que, após a alta do capitalismo de casino e a subsequente queda, vagueia agora por toda a parte no começo da primeira década do século XXI.

 

Se a própria crítica do valor corre assim o risco de ela mesma se tornar ideologia é preciso então, passando para segundo plano as querelas da dinâmica de grupo e para lá de meras ofensas pessoais, fazer demarcações rígidas de conteúdo, ou seja, é preciso constatar expressamente que as diferenças que se pretende serem meramente pessoais se baseiam muito mais em diferenças de conteúdo decisivas do que o grupo Krisis residual até agora quer conceder. Estas demarcações em termos de conteúdo, justamente no que respeita à crítica da ideologia, são tanto mais necessárias quanto não é inverosímil que, com o agudizar da crise, uma crítica reducionista do valor venha a ser aproveitada ainda mais fortemente não apenas em contextos de esquerda, mas também em contextos conservadores de direita, pois neste relacionamento, afinal, em determinada recepção parcial expurgada da acerba crítica da ideologia, ela também pode sucumbir ao centro social mais fortemente orientado para a direita, o qual ele próprio se torna cada vez mais obsoleto e por isso se sente ameaçado.

 

Obviamente que as teorias de esquerda nunca estão livres de tentativas de apropriação pela direita; isto aplica-se tanto à teoria crítica da “Dialéctica do Iluminismo” de Horkheimer e Adorno, como à abordagem da teoria do discurso de Foucault, e também as publicações da anterior crítica do valor foram objecto de tentativa de apreensão por órgãos como a Jungen Freiheit (1), à maneira de frente transversal (2). Novo agora, no entanto, no desenvolvimento recente de determinadas posições de crítica do valor no contexto mais restrito ou mais amplo da Krisis residual, é que estas mesmas posições, de certa maneira a partir de dentro, se aproximem daquelas posições de direita, recorrendo a um interesse populista do quotidiano, fetichista da imediatidade e neste sentido negador das abstrações.

 

Ora, desde a cisão da Krisis, depois de alguns textos estarem nas mãos da Krisis residual e do seu círculo nebuloso, podem ser plenamente comprovados os receios de ter ocorrido no contexto da Krisis uma verdadeira viragem à direita desde o putsch, o que, segundo a opinião de alguns, teria sido afirmado pela autora na sequência do crash da Krisis apenas com intuito denunciatório, sendo que também os esperados apaziguamentos não se fariam esperar e entretanto se poderiam comprovar. Tentaram assim denunciar tais tendências apenas em relação a outros, como a ATTAC, enquanto elas continuavam também a ser ocultadas e encobertas no seu próprio contexto. Algumas das coisas que vou dizer de seguida já foram referidas em textos de Robert Kurz na homepage da EXIT! Mas, em todo o caso, eu não gostaria de deixar de assumir pessoalmente o agarrar mais uma vez explicitamente este tema, depois de o meu texto sobre o desvio de direita, então ainda interno, ter sido visto como pura denúncia. Assim se verá que no caso das divergências da posição da Krisis residual, que agora se tornam claras, não se trata de modo nenhum de um mero “narcisismo da diferença mínima” em termos de conteúdo, nem de uma incompatibilidade de “culturas de discussão”, como se afirmava numa circular aos membros da Krisis por ocasião do conflito cisionista.

 

Gostaria, no entanto, de começar por apresentar algumas facetas do conceito de ideologia no sentido da crítica da dissociação-valor, que também é relevante para a discussão com o contexto da Krisis residual – ainda que o pleno desenvolvimento de um conceito de ideologia não possa obviamente ser feito aqui e por isso ele terá de ficar provisório. Depois será examinada à lupa a ideologia de crise que se desenvolve no contexto restrito e alargado da Krisis residual.

 

 

1.

 

Ideologia, também no sentido da crítica da dissociação-valor, é necessariamente falsa consciência, que digere as contradições sociais de modo irracional/destrutivo inteiramente com a contribuição pessoal dos sujeitos, mantendo as raízes e motivações deste pensamento um carácter inconsciente. Um interesse particular é feito passar superficialmente por interesse humano geral. Isto aplica-se tradicionalmente não apenas à “burguesia”, mas também ao proletariado concebido à maneira do antigo marxismo, o qual, como sujeito particular, foi considerando como devendo salvar toda a humanidade. Assim se diz num dicionário filosófico da RDA: “Uma vez que a libertação da classe operária coincide com a libertação humana, ela é simultaneamente ideologia humana universal” (Klaus/Buhr, 1964, p. 252). O conceito de ideologia torna-se assim positivista.

 

A teoria da dissociação-valor, no seu conceito crítico de ideologia, rompe com o modelo base-superstrutura e tem em conta a totalidade da constituição material-económica, cultural-simbólica e sócio-psicológica. As formações ideológicas que ocorrem são por ela vistas neste contexto complexo. O pensamento ideológico é sempre também pensamento reificado, que arranca elementos do contexto total, não tem em conta a sua processualidade e os imagina de uma forma francamente vulgar. Contrariamente a diversos marxismos, no entanto, não vejo este pensamento fundado apenas na forma do valor / da mais-valia, mas sim simultaneamente na dissociação-valor, como princípio social formal. Contra o pensamento ideológico como pensamento reificado no sentido tradicional exige-se, portanto, um pensamento que tenha realmente em conta as contradições, rupturas, ambivalências e também diferenças, e que não as classifique de novo simplesmente por assim dizer de modo hegeliano em termos de teoria da forma.

 

Em tempos de pós-fordismo e após o colapso do socialismo realmente existente já não há ideologia no sentido de uma ideologia de grandes grupos (oposição proprietários do capital – classe operária), que ainda foi característica da ascensão do patriarcado produtor de mercadorias, tornando-se agora total a ideologia do capitalismo que dura eternamente. Ao contrário da sociedade moderna clássica de grandes grupos, hoje a ideologia fragmenta-se. No entanto, também no contexto da individualização é preciso ter particularmente em atenção se não se constituem, justamente nos ambientes das chamadas novas classes médias arruinadas, formas e conteúdos de consciência que também apresentam momentos ideológicos sexualmente mediados.

 

Justamente na crise, podem surgir como recurso pontos de vista particulares mediados pela concorrência que, de modo pseudoconcreto e fetichista da imediatidade, tomam por critério a própria preocupação numa determinada situação objectiva. Um novo racismo e um novo anti-semitismo têm não em último lugar também aqui a sua origem. Decisivo aqui, mais uma vez, é que na formação ideológica essência e aparência são confundidas, por exemplo, quando se pretende culpar os migrantes pela situação desoladora do mercado de trabalho ou responsabilizar “os mercados financeiros” por “o mundo se ter tornado numa mercadoria”.

 

Na modernidade e por maioria de razão na pós-modernidade a indústria cultural ou os “novos média” em geral assumem um papel decisivo na formação da ideologia. No entanto parto do princípio que há sempre uma dialéctica entre o indivíduo e a sociedade, ou seja, de que a questão não é simplesmente que a indústria cultural “manipula”, mas também que tem de cair em terreno fértil nos próprios indivíduos; mesmo se hoje “a sociedade (mundial)” em geral tem sem dúvida preponderância estrutural.

 

As ideologias estão sujeitas à mudança social e devem ser vistas no contexto histórico específico, mas nunca justamente como simples “reflexos”. Assim é preciso suspeitar que o “carácter autoritário” como carácter social acabou o seu serviço em tempos de identidades flexíveis compulsivas. No entanto ocorrem aqui constelações, situações sociais e sensibilidades que promovem atitudes e opiniões anti-semitas, racistas e autoritárias (cf. Bischoff/Müller, 2004). Seria preciso acompanhar isso com mais detalhe, para lá das perspectivas teóricas da política do ponto de vista e outras, que nada querem saber da crítica da ideologia ou a “externalizam” instrumentalmente.

 

Mas, em todo o caso, racismo, anti-semitismo e sexismo são questões sempre vivas, também constituintes da estrutura fundamental do capitalismo e que surgem com particular violência nos tempos de crise, em que os sentimentos de precariedade e “abandono” (Hannah Arendt) ganham terreno; mas nesta situação a formação ideológica tem de ser simultaneamente apresentada na sua processualidade histórica e o conceito de ideologia não pode voltar a ser apresentado de forma reificada como definição descontextualizada.

 

 

2.

 

Ora salta à vista que a Krisis residual se ajusta à imagem (descrição) da esquerda radical nos últimos anos ou já se lhe adapta de modo francamente jubiloso, sendo que esta esquerda de modo nenhum está ela própria livre das ideologias dominantes. Se isso significava, nos anos noventa de alta bolsista e consumismo, em que o capitalismo de casino viveu o ponto mais alto, que o consumidor de luxo seria o verdadeiro dissidente e que a sobre-afirmação (consumista) seria a crítica no fundo genuína, hoje a esquerda tenta conferir dignidade magnificamente dissidente aos motes da indústria cultural e dos (novos) média que dizem, por exemplo: a avareza é fixe, quero barato, manter-se um ser humano – vale muito nos tempos actuais (spot publicitário às caixas de poupança com Iris Berben), elegante e barato etc.

 

Correspondentemente também o mote da apostilha do movimento da esquerda radical que é a revista Arranca diz logicamente: “A apropriação está in, a lamentação está out” (Arranca, nº 28, 2003). Hardt/Negri descobrem “convenientemente” o protesto não só especialmente nos novos trabalhos imateriais e entre os migrantes per se, mas simplesmente numa “multitude” amorfa. Após os desagradáveis anos noventa, em que se tinha preparado o consumidor como dissidente, algo está a acontecer hoje na esfera da crítica da globalização. A esquerda reage aqui como se tivesse tomado anfetaminas. Assim se diz na introdução do livro Radikal global publicado em 2003: “O trabalho para este livro, que foi concebido há um ano, parecia uma montanha russa de sentimentos e foi desde curtos momentos de euforia até fases da mais profunda depressão” (Bruns, 2003, p. 16). Justamente neste sentido animado, Thomas Seibert defende na mesma colectânea, no artigo The people of Genua, uma “esquerda pós-vanguardista”, de certa maneira no sentido de um leninismo da diferença parecendo paradoxalmente pós-moderno (Seibert, 2003). E todos os homens da velha esquerda desaparecidos nos anos noventa se arrastam agora dos seus buracos e voltam a fazer-se importantes.

 

Por toda a parte se descobrem “formas embrionárias” no interior do capitalismo que supostamente apontam para além dele. Com isto também a própria preocupação e a própria miséria (material) voltam a ser o primeiro critério da crítica social. Embora já em tempos, justamente no passado decénio dos anos noventa, se soubesse algo sobre o racismo, voltam a ser aqui assumidos um ponto de vista da imediatidade e um interesse primário com referência à própria pessoa. Já no saque do consumo pop (refiro-se à revista Die Beute [O saque], surgida nos anos noventa) esta atitude estava presente na problematização meramente hedonista do racismo (para a crítica ver Scholz, 1995 a). Se agora se acabou a brincadeira, com a decadência da era de consumo pós-moderna, a renúncia tem de ser assim, mais uma vez, amenizada com gosto, no decurso do “colapso da modernização”.

 

Por outras palavras: não poucas partes da esquerda enganam-se, pensando que o Sr. Meier, dono de casa pós-moderno de brinco na orelha e gel no cabelo, poderia agora ser activado mais uma vez como potencial de emancipação em si. Isto mostra que a esquerda veste constructos da indústria cultural, ou a indústria cultural na crise empresta as correspondentes sensibilidades, que depois também a esquerda pretende considerar transcendentes. Neste ponto a indústria cultural apodera-se ainda da condição material precária, que ganha a sua influência, pois a sua estrela também se vai aproximando cada vez mais do ocaso com a decadência do capitalismo.

 

No entanto “o comum”, como normalidade, já foi sempre construído na ficção da esquerda como potência socialmente transcendente. Assim escreve Lorenz Glatz na Streifzüge, com toda a seriedade, hoje – e aqui já antecipamos a crítica à Krisis residual: “A saúde psíquica só pode ser definida como medida média, mais ou menos estável e portanto normal da doença. Em tempo de crise do contexto social este estado perde estabilidade a olhos vistos, acumulam-se por todo o lado os mais diversos estádios patológicos para lá da medida 'normal'” (Glatz, 2004). Glatz abandona aqui todos os padrões da teoria crítica, usando o conceito de patológico já não como simples invectiva, mas com toda a seriedade, como constatação positivista, e pretendendo introduzir critérios de “saúde” e “doença”; um ideologema compatível com as piores tradições da história da ideologia e da modernização ocidental e especialmente alemã. Assim se arvora ele também ainda em avaliador e “médico junto ao leito de enfermo do sujeito” (Robert Kurz), que pensa poder atribuir pontos a quem está “com juízo” ou não.

 

Uma tal posição, precisamente no contexto da “crítica do valor”, de dividir a sociedade em “saudáveis” (ou “realtivamente saudáveis”) e “doentes”, em “normais” e “anormais”, vai de encontro às atitudes autoritárias que Heitmeyer, numa pesquisa recente, constata existirem hoje em pelo menos 80,1% dos inquiridos na Alemanha: “Para defender a lei e a ordem seria preciso proceder com mais vigor contra os marginais” (Heitmeyer, 2002, p. 59 sg.). A ideologia da patoligização assume aqui a viragem previsível. Uma vez que a Krisis residual e a Streizüge também já não têm muito a ver com a “lei”, em Glatz ultimamente assumir-se-ia mais a “paz e ordem” como intenção subjectivamente transcendente da sociedade contra os patologizados.

 

Mesmo na actual pose de multitude-multiplicidade mostra-se a ficção e ilusão de uma existência-quotidiano-normalidade pós-moderna, numa indiferença de conteúdo que por princípio se associa com tudo. No entanto – isto para clarificação – a perspectiva da multitude pelo menos não parte de uma “teoria” da patologização, a qualquer momento instrumentalizável por interesses próprios imanentes e atitudes de discriminação, na qual sempre transparece também um sentimento contra o “estranho”/“outro” que agora se pode encontrar na Krisis residual ou na Streifzüge.

 

 

3.

 

Embora hoje a esquerda em grande parte se dê assim por optimista, é-lhe certificada por Lohoff & Cª uma baixa acamada. Aqui surfam na mesma onda: “O amoque do terror da economia clama francamente por um contramovimento e por um renascimento da crítica social. E, no entanto, a oposição anticapitalista está como que paralisada, mostra-se conformada com o destino e sem orientação (apesar de todo o novo voluntarismo! R. S.). Longe de ajudar a indignação que desponta a exprimir-se, ela própria emudece e apresenta-se como tudo menos o núcleo da cristalização de uma possível resistência” (Lohoff e outros, 2004, p. 8).

 

Neste contexto consuma-se o balançar da Krisis residual para o oportunismo do movimento. Centrais são palavras de ordem como “apropriação (3) dos recursos” e “preocupação” (4), como se tais slogans eufóricos não mediados fossem a sua descoberta mais própria. Assim se diz, por exemplo, em Karl-Heinz Lewed: “Está na ordem do dia a formulação de um ponto de vista que propague o acesso consciente ao contexto social e aos recursos sociais. Este aspecto fundamental tem de unir toda a resistência, por muito diferentes que sejam e tenham de ser as abordagens individuais, mesmo em termos de conteúdo” (Lewed, 2004, p. 184). Se durante anos o debate teórico esteve em primeiro lugar, agora ele é bem orientado para a práxis; “chegou o tempo” em que (supostamente) a teoria deve agora comprovar de imediato a sua relevância prática. Que kairós para as frases “críticas do valor” sobre a práxis! Mercado e Estado colocam-se a si mesmos fora de combate, está quase a ser alcançada uma perspectiva de apropriação emancipatória para o anti-sujeito já agora extremamente preocupado! O recurso a uma nova preocupação exprime-se aqui traiçoeiramente, entre outros, no seguinte ponto: “Esta paralisia (da esquerda hoje, R. S.) parece desde logo ser consequência de um desvanecimento temático. Guerra e paz, racismo, sexismo, ecologia e solidariedade internacional mobilizaram repetidamente a esquerda nas últimas décadas e desencadearam debates violentos. A realidade social (!) e do trabalho na própria terra (!!!), pelo contrário, já quase não aparecia nas discussões e quase não desempenhava qualquer papel para o auto-entendimento da esquerda. Por isso o regresso da 'questão social' coloca a oposição anticapitalista na terra incognita de um campo de conflito social desconhecido. Obviamente que não devem ser apenas as conjunturas políticas a ser responsabilizadas pelo abandono das questões da reprodução quotidiana no capitalismo. O desinteresse sistemático deve-se também, e sobretudo, à estranha perspectiva de que o pensamento anticapitalista já tratava habitualmente deste círculo de problemas e em todo o caso ainda hoje trata. A nova esquerda nunca entendeu a realidade social e do trabalho como objecto de crítica autónomo. Em vez disso – em conformidade com a herança marxista – subordinou persistentemente o debate destas questões à mal-afamada 'questão das classes'” (Lohoff e outros, 2004. p. 9).

 

No Manifesto contra o trabalho, a propósito, isto ainda soava de maneira diferente: “Em vez de interligar as lutas sociais concretas defensivas, dirigidas contra determinadas medidas do regime de apartheid, com um programa geral contra o trabalho, tais reivindicações (de um rendimento mínimo garantido, R. S.) pretendem produzir uma universalidade da crítica social que é falsa, e que – em todos os aspectos – continua a ser abstracta, imanente ao sistema e inútil. A concorrência social, própria da crise, não pode ser superada por esta via. Ignorando os factos, continua a pressupor-se que o funcionamento da sociedade global do trabalho é eterno: de onde haveria de vir o dinheiro para o financiamento do dito rendimento mínimo garantido pelo Estado, se não do sucesso dos empreendimentos de valorização do capital? Quem conta com este «dividendo social» (o termo já explica tudo) tem de ao mesmo tempo apostar, embora disfarçadamente, na posição privilegiada do «seu» país na concorrência global, pois só a vitória na guerra mundial dos mercados permitiria provisoriamente alimentar alguns milhões de «supérfluos» comensais à mesa doméstica do capitalismo – obviamente excluindo todos os que não tenham Bilhete de Identidade nacional”. Entretanto também o pessoal da Krisis residual se compatibilizou com palavras de ordem redutoras como “rendimento mínimo”, preparado não em último lugar com a enfatização do quadro nacional na “realidade social” da “própria terra”.

 

Vê-se aqui que a realidade “social” e do trabalho se tornam francamente uma única e mesma coisa, como se “o social” pudesse ser localizado apenas na realidade do trabalho. Aqui se ignora propositadamente o facto de o movimento feminista ter tematizado o “social” e a “reprodução do quotidiano” já não apenas no interior da esfera da actividade profissional, mas também fora dela. Além disso é também de certo modo digno de nota que o racismo, como determinação social, seja sediado fora do “social”; para já não falar dos problemas materiais da maioria do migrantes, não só os ilegais mas até os legais. Mais ainda: o racismo e o sexismo, como momentos integrais “do social”, mostram-se justamente também fora do domínio imediato do trabalho, eles atravessam toda a sociedade – não em último lugar também materialmente! Isso exige uma consideração sistemática do racismo e do sexismo na análise social (não apenas externalizada à maneira de alibi).

 

Continuando neste reducionismo, constata-se ainda mais: “Trata-se de levar a sério a 'questão social' também com referência ao próprio quotidiano e à própria situação de vida. Não no sentido de uma 'política na primeira pessoa', como no desvanecido movimento alternativo, mas como solidariedade que ultrapassa todos limites traçados pelo capitalismo, para lá da política de representantes e da romantização de um sujeito revolucionário fantasiado”, sendo que hoje “para cada vez mais seres humanos as anteriores formas de compromisso oposicionista (se transformam) num serviço psico-social de luxo dificilmente ainda integrável a prazo” (Lohoff e outros, 2004. p. 10).

 

Não ocorre a Lohoff & Cª a ideia de se debaterem no próprio quotidiano, como sujeitos capitalistas, com os racismos e sexismos neles existentes. “Somos todos vítimas”, homem, mulher, negro, branco, vermelho ou atravessado, todos nos damos as mãos e ultrapassamos as barreiras erguidas entre nós pelo capitalismo “a partir de fora”. Sim, quando reflectimos sobre a nossa preocupação muito própria com a vida quotidiana, somos muito nobres e generosos para com 'os outros', nós não os pomos sob tutela, não pretendemos ser os seus representantes e não abusamos deles como fantasmas do sujeito revolucionário – pois isso é o que nós próprios, nomeadamente, somos agora de novo, secreta e silenciosamente, se é que é preciso acrescentar.

 

O homem do Ocidente, “transformado em dona de casa” pelas relações sociais de um capitalismo de crise globalizado, numa situação material precária, estiliza-se aqui como a vítima principal focalizada. Ouçamos a propósito Claudia von Werlhof, que já há mais de vinte anos falou do homem “transformado em dona de casa” que estava a chegar. Werlhof e as chamadas de Bielefeld, com o seu princípio da subsistência, são bastante culpadas relativamente ao fetichismo da imediatidade e ao próprio pensamento biologista. Apesar disso as considerações de Werlhof, por ela formuladas já no início dos anos oitenta, são em muitos aspectos ainda hoje impressionantes no que diz respeito a determinadas formações ideológicas, de modo que decidi tê-las aqui em conta.

 

Escreve Werlhof: “Tudo o que as mulheres fazem tem de ser proveitoso e tem de ser grátis, como o ar que se respira. Isto aplica-se não apenas às crianças, mas também ao restante trabalho de casa e ao trabalho assalariado, à atenção emocional adicional com os colegas, à amizade, à submissão, ao estar sempre disponível, ao sarar todas as feridas, ao ser sexualmente prestável (...), ao aguentar todos, ao poder substituir a todos (…), ao ser invisível e estar sempre presente (...), ao compor activamente as coisas, ter fantasia e ser emocional, à firmeza e disciplina de um soldado (…). Tudo isso constitui a capacidade de trabalho feminina. É serviço completo (…). Creio que a reestruturação da nossa economia vai ser a tentativa de educar também os homens para a capacidade de trabalho feminina (…). É essa capacidade – e não o nosso trabalho assalariado – que constitui o modelo do nosso futuro” (von Werlhof, 1983, p. 29).

 

E continua: “Todas as formas de trabalho que estes trabalhadores não assalariados (trabalhadores estrangeiros, exército industrial de reserva, força de trabalho feminina nas indústrias deslocalizadas no Terceiro Mundo etc., R.S.) desenvolveram, tiveram de desenvolver e ultimamente preenchem por decisão superior são para nós interessantes, porque em breve as vamos experimentar. A cena alternativa já começou com isso, seja na quinta, seja na oficina, seja em casa como homem da casa. O Estado já começou com isso, por exemplo, para além da campanha “As mulheres conseguem melhor”, para além da propaganda do trabalho social voluntário, com a participação generalizada nos municípios dos cidadãos e dos desempregados obrigados a trabalhar (…). E as empresas começaram, através do despedimento de trabalhadores assalariados livres e da utilização de cada vez mais trabalhadores assalariados não livres, 'feitos donas de casa', 'naturalizados', incluindo muitas mulheres, tal como também os homens estão dispostos a descer do alto cavalo do proletário, do igual e do livre e a aceitar tais condições de trabalho” (Werlhof, 1983, p. 130).

 

À vista de Dead Men Working tem-se simplesmente a sensação do déjà vu. Assim se apresentam os autores orgulhosamente, por exemplo, nas seguintes auto-apresentações no fim do livro: “Lothar… (…) pai de dois filhos de 6 e 18 anos. Auxiliar de enfermagem. Desde 1986 empenhado em diversos movimentos sociais e nos contextos de esquerda. Algumas situações: sala de operações, funcionário de partido, lar de idosos invisuais, unidade de cuidados intensivos. Actualmente membro da comissão de trabalhadores a tempo inteiro numa clínica. Desempregado voluntariamente a tempo parcial”. “Achim… (…) conhece, mais ou menos igualmente bem, o mundo da formação (professor, analista de sistemas, investigador da religião), do trabalho e do desemprego. Depois de muitos anos a patinar com gosto na liga comunista, ergueu-se a trabalhar duramente na crítica do valor. Hoje redactor da Krisis” (Lohoff e outros, 2004, p. 299 sg.) etc.

 

É preciso ver que, na clientela que aqui temos em vista, esta “transformação em dona de casa” está em estreita ligação com aquilo que se chama a “queda da classe média” (Barbara Ehrenreich), um fenómeno que Werlhof ainda não podia ver no início dos anos oitenta. Com a revolução microelectrónica das forças produtivas e a fuga que lhe está associada do capital (monetário) para os mercados financeiros diminui a quota-parte do trabalho produtor de mais-valia. As novas classes médias que se tinham formado nas últimas décadas, engenheiros, professores, assistentes sociais, informáticos etc. estão agora ameaçadas de queda. Tanto o trabalho material como o trabalho imaterial neste sentido são agora dizimados e está a ser recrutado um exército de supérfluos como nunca se viu em tais camadas e meios (cf. também Kurz, 2004).

 

E, tal como outrora entre os alternativos, agora também se pode constatar entre os homens de Dead men working, num estádio avançado de ruína da nova classe média, algo que Claudia v. Werlhof descrevia na situação de então: “As mulheres – como de resto também os 'de cor' – entre os 'alternativos' continuam a não aparecer, nem sequer nas entrelinhas. Os conhecimentos do movimento das mulheres são ignorados ou plagiados, situação em que são completamente deturpados ou postos para trás sem retirar quaisquer consequências (...)” (v. Werlhof, ibid., p. 131 sg.).

 

Correspondentemente tão pouco ocorre uma crítica sistemática da ideologia em Dead men working (mesmo se ocasionalmente a vida burguesa é insultada de passagem), e de facto não apenas no que diz respeito ao sexismo, mas também ao racismo e anti-semitismo: o homem branco ocidental é sobretudo atendido como homem-vítima. Mas pode-se estar certo que se procura por mulheres-alibi da Krisis (e estas também poderão ser encontradas), que legitimem os fundamentos androcêntricos escondidos e ao mesmo tempo os refutem superficialmente na aparência

 

Como foi dito, pretende-se anular a incómoda possibilidade de uma quota-parte própria de racismo, anti-semitismo e sexismo e o confronto com eles, considerados como algo apenas exterior à própria pessoa, que no entanto também ela própria é construída socialmente. Também não passa aqui despercebido que, mais uma vez, se instala um esquema base-superstrutura (aqui “realidade do trabalho”, lá “fora” ideologia), agora, porém, numa base de crítica do valor e do trabalho, que mais uma vez degrada não só o sexismo, mas também o racismo e o anti-semitismo à “superstrutura”.

 

 

4.

 

Sexismo, racismo e anti-semitismo são assim o que também eram no marxismo tradicional de modo diferente: “contradições secundárias”. Isto exprime-se na citação acima do texto introdutório de Dead man working e não só. Está na homepage da Krisis um esboço de texto de Lohoff com o título Sujekt der Emancipation oder Emancipation der Subjekt [Sujeito da emancipação ou emancipação do sujeito] em que racismo e sexismo são amplamente desconsiderados justamente no que diz respeito à questão e à constituição do sujeito (Lohoff, 2004a). Já na Krisis 24, Peter Klein, entretanto admitido no círculo restrito de coordenação da Krisis residual em substituição da autora expulsa, escrevia um artigo sobre Das Wesen des Rechts [A essência do direito], em que também a exclusão racista e sexista passa despercebida como constituinte essencial do direito (Klein, 2001).

 

Diferentemente parece proceder, ainda assim, Karl-Heinz Lewed à primeira vista, no texto Ausschluss und Zwang. Migration, Rassismus und prekäre Arbeitsverhältnisse [Exclusão e compulsão. Migração, racismo e relações de trabalho precárias], incluído na coletânea Dead Men Working: “Este racismo da exclusão não constitui uma manifestação meramente espontânea ou fortuita, nem um desvio do problema criado apenas pela manipulação dos média e pela classe dominante, mas tem raízes profundas no sistema da mercadoria e do dinheiro.” Segundo Lewed, existem aqui “ressentimentos que legitimam o poder, a exclusão, a perseguição e a submissão, resultantes (!) da razão moderna”. Neste contexto se coloca depois também a “desvalorização das mulheres” (Lewed, 2004, p. 170). E mais: “Uma reflexão adequada e crítica sobre as relações sociais tem de ter em conta o contexto interno e a contrariedade do processo capitalista de base e as formas de digestão política. A transição para um regime de apartheid do trabalho, com cobertura racista e assegurado por medidas estatais, não é emanação de uma vontade política decisora autónoma e soberana, mas apenas consequência da crise do trabalho e da soberania estatal. Obviamente que isto não pode significar constatar o processo de crise de modo meramente objectivista. Pelo contrário. Apenas através do esclarecimento crítico sobre o plano em que se deve posicionar um movimento social contra os desaforos e exclusões poderá este ganhar a necessária força de irradiação e de imposição” (ibid., p. 178).

 

Lewed, portanto, fazendo lembrar a afirmação de Werlhof, ergue-se como representante do homem precarizado e transformado em dona de casa, que está disposto a descer “do alto cavalo do proletário, do igual e do livre” e aconselha ou ordena isso mesmo também a todos os chamados outros. Com estas citações, escolhidas a título de exemplo, já se torna claro que Lewed, ao contrário de Klein, tematiza de facto a exclusão (o que, de resto, no anterior contexto da Krisis, teve de ser introduzido a partir do lado feminista à força e com veemência), mas depois, ao mesmo tempo, vê-a como simples fenómeno derivado e não a considera como pertencendo à própria constituição fundamental da essência. É o que se mostra bem claramente se o racismo e o sexismo “têm raízes” profundas no sistema da mercadoria e do dinheiro, mas os ressentimentos que legitimam a exclusão e a marginalização depois são novamente considerados como meros “resultados” (secundários) da razão moderna. Lewed usa a palavra inocente “resultados” para manter pura a própria lógica essencial, em vez de ver que se trata de um componente essencial da “razão moderna”, como “outro” igualmente seu.

 

O “novo regime de apartheid”, nesta dicção universalista-objectivista, é mera consequência da crise do trabalho e da soberania estatal. Não é visto tendo por fundo um contexto total capitalista constituído essencialmente de modo racista e sexista, que seria preciso perceber num plano material, sócio-psicológico e cultural-simbólico e assim também entender do lado subjectivo, como plano de análise autónomo, em vez de derivado de modo meramente dedutivo da socialização da forma de mercadoria / do valor, como Lewed faz em última instância. A subjectividade, no fundo, não é percebida aqui também no plano dos sujeitos racistas, também constituintes da totalidade capitalista; em vez disso, justamente o racismo, a exclusão e a discriminação são derivados apenas secundariamente da forma da mercadoria, ou o caminho para a subjectividade é procurado a partir daqui! (ver Lewed, 2004, p. 170). Significativamente a subjectividade só entra em jogo depois, quando se trata do plano do movimento social hoje e o homem transformado em dona de casa, que agora deixa magnanimamente valer como contradição secundária todos os “outros” virados androcentricamente em termos de crítica do valor, se permite imaginar-se no centro desse movimento.

 

Consequentemente diz-se de modo correspondentemente reducionista: “Trata-se de formular a resistência contra a administração repressiva da crise da sociedade das mercadorias no plano da sua constituição fundamental de valor e trabalho” (Lewed, 2004, p. 178). Os feios “resultados”, que portanto não pertencem a esta “constituição fundamental”, de repente voltam a ser correspondentemente obnubilados no plano fundamental, de modo que a “constituição fundamental”, como tal não afectada por isso, possa ser tomada como objecto independente das “contradições secundárias”. Aqui Lewed faz grande esforço para, num plano descritivo sobretudo empírico, acentuar MORALMENTE a grande importância do racismo e do sexismo – fica a impressão de que para esconder a sua verdadeira classificação como contradições secundárias do trabalho e do valor. Assim, por exemplo, na seguinte citação tirada do jornal Die Zeit: “Estas mulheres (empregadas ilegais, R. S.), que trabalham como empresas unipessoais sem qualquer segurança social, conseguem por vezes uma cansativa ocupação a tempo inteiro trabalhando em várias casas por dia. Do lado do empregador a informalidade vale dinheiro; não se paga segurança social, nem seguro de saúde, nem férias (…) Na Alemanha calcula-se em até 1,5 milhões o número de pessoas que vivem assim fora do domínio da vigência do direito à protecção no trabalho. O posto de trabalho doméstico, amplamente guardado da vista do público, torna-se assim um nicho e uma solução de emergência para imigrantes indocumentados. A lista das situações insustentáveis é longa: salário baixo, frequentemente inferior ao rendimento mínimo, dia de trabalho longo, horas extraordinárias não pagas, chegando-se ao não pagamento do salário (…), frequentemente há relatos mesmo de violência e de assédio sexual” (Die Zeit, cit. por Lewed, 2004, p. 173).

 

São passagens como esta que sugerem muito bem como se tomam tais problemas a sério. Trata-se aqui de meros acessórios morais, para disfarçar que se está a manter livre desta miséria meramente empírica o plano da lógica essencial. Neste contexto, voltamos a lembrar-nos como na introdução foi destacado que hoje tem de tratar-se antes de mais da “realidade social e do trabalho” e mais precisamente “na própria terra”, sendo que entre outros os “temas” racismo e sexismo eram opostos externamente a esta perspectiva. A importância secundária, o carácter meramente subordinado destes temas exprime-se também, de resto, na apresentação do autor Lewed no fim do livro: “Foco da actividade nos últimos anos: crítica do iluminismo e crítica da forma jurídica na perspectiva da dissociação” (Lewed e outros, 2004, p. 300). Assim, nesta formulação, poderia ser também sob qualquer outra “perspectiva”, por exemplo, na perspectia da defesa dos animais. A generalidade abstracta e o “tema especial” estão cuidadosamente, e já em termos semânticos, estabelecidos em planos diferentes. A formulação faz lembrar suspeitosamente os títulos de trabalhos académicos que acabam com o floreado “tendo em conta...”, o que já sugere que o fundamental é algo completamente diferente.

 

Mesmo que isso não corresponda a uma minoria de artigos em Ded Men Working, a direcção da ofensiva no conjunto está assim indicada sem margem para dúvidas. Isso aplica-se também ao artigo de Lohoff a concluir, em que ele tenta mais uma vez uma visão global e se esforça por incluir também “sistematicamente” “aspectos” que antes ficaram pouco claros – mas justamente como derivados do valor e a ele imanentes. Os correspondentes títulos dizem, por exemplo: “A comunidade dos que trabalham” (no sentido de comunidade nacional), “Valor-trabalho e os que não merecem viver” (tratando-se também, por uma vez, o “problema” e a ligação “Holocausto-trabalho”) e ainda: “O trabalho é patriarcal”. Lamenta-se aqui, em primeira linha, que as actividades de reprodução delegadas nas mulheres para lá do domínio do trabalho não tenham qualquer “reconhecimento”. Como se fosse apenas o “trabalho” e não também o chamado trabalho doméstico que é patriarcal e na sua execução real alienado de um modo próprio (Lohoff, 2004 b).

 

Mas o homem transformado em dona de casa vê aqui, secretamente, menos o reverso da mesma socialização negativa do que um campo de actividade romantizado para lá do trabalho abstracto, de certa maneira uma reserva que tradicionalmente já foi sempre saqueada com gosto nas utopias androcêntricas (de esquerda), sem contabilizar os aspectos sombrios e a estrutura patriarcal que lhe está associada. Neste contexto eu não me cansei de escrever nos meus textos que a dissociação-valor designa um contexto social total que “atravessa” todas as esferas da sociedade (privada e pública, domínio do trabalho, ciência, política etc.) e não apenas uma determinada esfera. Mas, em vez disso, Lohoff volta a trazer aqui uma “análise do patriarcado” extremamente simplificada, sem a complexidade e reificada. Além disso, as actividades de reprodução são declaradas factos ontológicos, quando ele escreve: “Nenhuma sociedade pode existir sem que se tome conta das crianças e sem que pessoas tratem da reprodução quotidiana para si e para outros” (Lohoff, 2004 b, p. 291). Como se esta separação e distinção entre trabalho e “trabalho” doméstico não fosse ela própria já constitutiva do patriarcado produtor de mercadorias, as actividades de reprodução voltam aqui a ser naturalizadas como sendo das mulheres (para a crítica cf. Scholz, 2000).

 

Dead Men Working não está sozinho. Nos últimos tempos pode ver-se generalizadamente que, perante a crise e a precarização social crescentes, a “raça” e o sexo voltam a ser degradados a contradições secundárias. Assim constata também Cornelia Klinger: “É necessário insistir neste ponto, dado que ultimamente voltam a começar a mostrar-se tendências para subordinar os outros temas ao conceito de classe (…), seria preciso lembrar as experiências do passado: a subsunção da análise da subordinação sexual no conceito de classe não constituiu qualquer caminho viável. Por muito 'inclusivo' que o conceito de classe possa ser concebido, trata-se de campos categoriais diferentes” (Klinger, 2003, p. 45, nota 64). Na Krisis residual a categoria “classe” é simplesmente trocada por “trabalho” e “questão social”, não se ficando, portanto, nada atrás do desacreditado marxismo das classes neste ponto.

 

Para se conseguir ver isto é preciso uma análise algo mais exacta, senão os adjectivos e formulações moralizantes obscurecem a vista, sugerindo escândalo que, no entanto, vendo melhor, não ocorre, pois o escândalo (no plano meramente empírico), visto assim, vira desdramatização (no plano categorial). Caso em que não passa de uma trafulhice quando justamente Lohoff atesta a Robert Kurz “elogiosamente” que este tenha agora “finalmente” tido em conta sistematicamente a dissociação-valor no seu livro Blutige Vernunft [Razão sangrenta], e já não a tenha acrescentado apenas qual “cauda encaracolada lilás” (Lohoff 2004 c), como em publicações anteriores. Como se justamente Lohoff tivesse aqui sido chamado para juiz, como se este “ter em conta” já tivesse existido há muito e verdadeiramente desde sempre no contexto da Krisis! O mesmo Ernst Lohoff que escreve o texto Subjekt der Emanzipation oder Emanzipation der Subjekt [Sujeito da emancipação ou emancipação do sujeito] ignorando quase completamente o género tem o descaramento de fazer tais julgamentos! Como se a diferente determinação da relação de género, nomeadamente saber se esta é uma relação fundamental pertencente à lógica da essência em si fragmentária ou se é uma relação meramente acidental, não se tivesse tornado, afinal, uma causa central da separação!

 

 

5.

 

Desta forma assim reducionista, o sexismo, o racismo e também o anti-semitismo, que vamos abordar de seguida, são tornados pela Krisis residual completamente secundários e “externalizados” como tema-alibi. Assim escreve também Trenkle que “racismo, anti-semitismo, nacionalismo e teorias da conspiração de todo o tipo (...) estão em alta conjuntura por todo o mundo. Nem os movimentos sociais disso estão livres. Sobretudo tendências anti-semitas entram muitas vezes em argumentações aparentemente críticas do capitalismo, ou pelo menos são transportadas e toleradas de modo completamente irreflectido” (Trenkle, 2004 b, p. 81). E num artigo recente na Streifzüge, Entsorgung nach Art des Hauses. Zur Verharmlosung antisemitischer Tendenzen durch den wissenschaftlichen Beirat von Attac-Deutschland [Remoção do lixo à moda da casa. Sobre a minimização das tendências anti-semitas pelo Comité Científico da Attac-Alemanha] trata-se de forma (aparentemente) crítica radical da questão no tema anti-semitismo (Trenkle, 2004 c). Isto seria apenas de saudar se se tratasse aqui de começar a olhar para os próprios defeitos. A autora interveio a este respeito durante anos no antigo contexto da Krisis e ficou com as orelhas a arder, tanto em grupos de discussão como à mesa da cervejaria. Assim, por exemplo, houve uma luta para fazer passar o meu artigo Die Metamorphosen des teutonischen Yuppie. Wohlstandschauvinismus, 90er-Jahre-Linke und kasinokapitalistischer Antisemitismus [As metamorfoses do yuppie teutónico. O chauvinismo do bem-estar, a esquerda dos anos noventa e o anti-semitismo do capitalismo de casino] que se opunha ao dogma de pôr tudo debaixo do chapéu do valor de maneira objectivista, bem como tinha em consideração centralmente as diferenças específicas nacionais, justamente no que respeita ao anti-semitismo eliminatório na Alemanha; também para a avaliação da situação actual (Scholz, 1995 b).

 

Poder-se-ia dizer que não interessa, que os rapazes já viram a coisa, se não tivesse havido nos últimos tempos publicações que mostram pouca vontade de mudar nesta questão. Assim, por exemplo, no artigo de Franz Schandl para a brochura antibelicista Scharfe Schafe (2003) encontram-se algumas posições questionáveis, que de facto eram ofensivamente problematizadas no contexto da antiga Krisis por alguns, que hoje colaboram quase todos na EXIT!, mas no conjunto eram “transportadas e toleradas” pelo contexto global da Krisis. Por exemplo: “A Shoah serve (…) de desculpa e justificação para diversos crimes, bombardeamentos, invasões, ataques, torturas etc. – Após 1945 foi sobretudo esse o método de os ideólogos dos EUA e outros ideólogos da Guerra Fria desgastarem permanentemente (...) a desmedida comparação nazi: Assim o péssimo pode ser evitado, ele é formalmente invocado para se dar a mão ao mau e mesmo ao pior. O possível superlativo desculpa qualquer positivo ou comparativo real” (Schandl, 2003, p. 31). A instrumentalização do holocausto para legitimar as guerras imperiais de ordenamento mundial merece de facto ser criticada; mas em Schandl a tónica é posta nos “EUA e outros guerreiros da guerra fria”, quando cá na terra seria preciso realçar a participação especificamente alemã (por exemplo, através dos verdes-vermelhos). Mas a referência à história especificamente alemã e ao anti-semitismo eliminatório nela incluído é feita desaparecer por Schandl notoriamente no “anti-semitismo em geral” e na “história ocidental em geral” e neste contexto as suas observações tornam-se extremamente duvidosas, sobretudo se as relacionarmos com outras expressões aparentadas. Ernst Lohoff, por exemplo, falou uma vez em 2001 justamente neste sentido da “moca do anti-semitismo”, o que o anti-alemão hardore e belicista Justus Wertmüller depois aproveitou na revista Konkret (Lohoff, cit. por Wertmüller, 2002). Esta versão foi então corrigida o mais rapidamente possível, mas sem uma crítica de fundo à traiçoeira falta de tacto de Lohoff.

 

E, depois do 11 de Setembro, o ensaio de Ernst Lohoff Von Auschwitz nach Bagdad [De Auschwitz a Bagdad] (Krisis 11/91; Streifzüge 1/2002), objectivista duma ponta à outra, que já tinha sido criticado no meu artigo sobre o “Yuppi teutónico” de 1995, voltou a ser publicado na Streifzüge, porque ele – tal como Schandl – continua a meter para debaixo do tapete a especificidade alemã relativamente ao Holocausto, assim apresentando traços que se enquadram no que se designa por “anti-semitismo secundário” na literatura especializada.

 

Num comentário recente de Schandl aflora de novo tal modo de proceder pela calada, agora em relação ao Estado de Israel. Israel, como é sabido, tem todos os atributos de uma construção estatal capitalista e, neste plano, a crítica de esquerda no interior de Israel deve ser apoiada; mas, simultaneamente, em virtude da importância ideológica central do anti-semitismo moderno particularmente no contexto do Holocausto,  não é mesmo “um Estado como qualquer outro”. Sobre isso também há da parte da crítica da dissociação-valor afirmações claras: “Israel é sempre ambas as coisas ao mesmo tempo: um Estado capitalista periférico sob condições capitalistas numa região de crise central, por um lado; e um produto específico da resistência contra a última reserva da ideologia de crise do imperialismo, de sinal anti-semita, por outro. Daí que a existência do Estado de Israel tenha, como já se referiu, uma qualidade diferente da de todos os outros Estados. Enquanto já não pode estar no horizonte da emancipação social que os palestinianos constituam um Estado próprio, pois aqui já se tornou actual a perspectiva pós-estatal de libertação, a existência e defesa do Estado de Israel mantém-se uma condição decisiva para flanquear a constituição de um movimento de emancipação global e transnacional de tipo novo, que não deixe perder a ânsia de libertação através da abertura da válvula da ideologia anti-semita” (Kurz, 2003, p. 153).

 

Esta afirmação manteve-se incontroversa no contexto da Krisis. Schandl, sobre isto, de facto apenas ficou calado (possivelmente por causa da acção comum contra o belicismo anti-alemão), obviamente sem partilhar realmente esta posição. Se assim não fosse ele não poderia escrever, no mencionado comentário titulado Bombenlogic [A lógica da bomba] (a propósito do receado armamento atómico do Irão): “Não apenas os EUA, mas também a China, a Rússia, a França, a Grã-Bretanha, o Paquistão, a Índia, Israel e a Coreia do Norte devem ser livres da bomba atómica” (Schandl, 2004 b). Israel é aqui francamente incluído como “Estado nuclear entre Estados nucleares” (e indirectamente relativizando a posição iraniana). Se o duplo carácter específico de Israel não pode ser suficientemente explicado num pequeno comentário, teria sido necessário não co-expor aqui Israel; isso não teria prejudicado nada a argumentação. Mas incluir Israel na série sem qualquer relativização só pode ter sido com segunda intenção. Isso torna-se ainda mais claro se olharmos para o contexto posterior da argumentação de Schandl. Aí “os Estados Unidos e os seus aliados” (onde se inclui naturalmente também Israel), em comparação com o Irão, são considerados “uma máfia ainda maior” e também aí se diz ainda: “Não foi o Iraque nem o Irão que invadiram os EUA ou os ameaçaram com uma intervenção” (Schandl, ibid.). Sem a inclusão de Israel, a argumentação aparentemente ingénua e abstractamente correcta seria sobretudo insignificante, mas com essa inclusão torna-se um meio para, sem referir o carácter específico de Israel, de passagem o deixar cair no meio da “máfia maior” e dos “verdadeiros” Estados párias. Mas, naturalmente, não às claras, mas sim à socapa. Vejamos o que acontece – se acontecer! E aconteceu. Até agora não houve um alarido público com o modo de argumentação de Schandl, simplesmente, pela calada, isso foi referido no contexto “de crítica do valor”. Para o efeito Schandl já foi louvado, em oposição aos violentamente atacados Comunistas de Leipzg, críticos do valor, num panfleto dos Autónomos de Leipzig, “anti-sionistas” da crua luta de classes, onde simultaneamente se diz com clareza: “A afirmação de que o Estado de Israel seria necessário para defesa dos judeus de todo o mundo é um absurdo sem fundamento” (“Feierabend” nº 14). E, entretanto, também os neonazis do “Aktionsbüro West” pretendem “libertar das armas nucleares” especialmente Israel, como se diz na sua convocatória para uma manifestação (www.demo-essen.tk).

 

No que respeita aos métodos de Schandl, já Günther Rother mostrou, numa crítica difícil, que a sua crítica a Haider, vista detalhadamente, equivale a uma verdadeira “ode a Haider” (Rother, 2005). “Assim funciona na Alemanha o 'ajuste de contas com o passado'” escreve Trenkle na sua crítica ao Comité Científico da Attac, no que diz respeito a tendências anti-semitas e sua desvalorização pela Attac (Trenkle, 2004 c); “assim funciona o ajuste de contas com o passado na Krisis alemã”, digo eu deprimida e enraivecida.

 

Trenkle problematiza de facto dessa maneira o recalcamento do passado alemão pela Attac, mas isso só acontece brevemente no início, sob o aspecto do “anti-semitismo na esquerda”, para depois, num plano teórico que em Trenkle constitui a parte principal dos seus comentários, ele próprio voltar a argumentar independentemente do país e do contexto e a afirmar que “qualquer (!) anti-semitismo (apresenta) afinal traços eliminatórios” (Trenkle, 2004c). E lá se vai outra vez a especificidade alemã!

 

Aqui já se pode então entrar em cena a sério como homem da Krisis residual contra a Attac-Alemanha, como se os homens da Krisis a este respeito já fossem sempre “tropa de intervenção rápida”: “Demorou muito tempo até a Attac-Alemanha levar a sério a crítica das tendências anti-semitas nas suas fileiras. Após diversas intervenções de dentro e de fora abriu-se agora finalmente um debate que também era amargamente necessário” (Trenkle, 2004 c). De resto manifesta-se (na Attac) em quase “todos os textos uma enorme pressão para minimizar as tendências anti-semitas, torná-las invisíveis e negá-las (…) Parece mesmo como se o Comité Científico só tivesse entrado na discussão porque a pressão do exterior foi muito forte e a própria reputação está em jogo” (Trenkle, 2004 c).

 

Quanto ao artigo de Trenkle, aplica-se em relação ao contexto da Krisis residual (particularmente Schandl e Lohoff) o que ele atesta em relação ao Comité Científico da Attac: “Condenações abstractas no plano dos comunicados e olhar para o lado quando aparece” (Trenkle, 2004 c), nomeadamente, para Trenkle, no próprio contexto de “crítica do valor”. Aqui se faz no contexto da Krisis residual justamente aquilo que Trenkle condena relativamente ao anti-semitismo no Comité Científico da Attac: são ligados os “lançadores de fumo” (Trenkle, 2004 c).

 

Significativamente, no mesmo número da Strefzüge em que Trenkle faz grande alarido em não ser atingido nem pelo cheiro do anti-semitismo e em ser o seu crítico mais acerbo, Lorenz Glatz refere-se positivamente a um texto de Ulrich Weiß (participante na discussão naquele espectro a que a Krisis residual se “abre”) no jornal Freitag, que mostra bastante directamente pontos de ligação com um anti-semitismo estrutural do lado da “crítica do valor”, como já vou mostrar (Glatz, 2004, nota 3). Aqui não se leva a sério, justamente da parte da Krisis residual, aquilo de que Trenkle tenta convencer Thomaz Sablowski (Attac): “Nem todo aquele que tem expressões de cunho anti-semita é anti-semita. No entanto, deve ser responsabilizado por aquilo que exprime, isso tem de ser levado a sério como aquilo que é. Todavia Sablowski faz o contrário. Ele afasta e põe debaixo do tapete onde seria necessária uma crítica impiedosa” (Trenkle, 2004 c).

 

Ora escreve Ulrich Weiß: “O próprio produzir poderia ser necessidade humana! Esplêndido! (sic!) Como se a finalidade da valorização não prejudicasse severamente o domínio do poder abstracto (!) sobre o todo, o uso do poder humano (…) O software livre desvaloriza a Microsoft, outras firmas e mercadorias e ao mesmo tempo torna o mundo objectivamente mais rico. Montes de advogados (!) pressionam o ambiente capitalista em geral no sentido de amarrar esta criação novamente nas formas da propriedade e do valor. Tal como a terra dos índios em Chiapas tem de ser transformada em objecto do direito e mercadoria, também nas metrópoles não pode haver qualquer espaço livre da valorização (...) Partes crescentes do povo (!) pressentem que aqui já não há nada de humano para ganhar. Fundamentalmente são desconfianças para com a política (os políticos) e boicotes eleitorais, felizmente, os primeiros passos de um movimento geral de busca (…) O que significa se as pessoas, nas actuais condições, se relacionam entre si como seres humanos, não como clientes, vendedores, trabalhadores assalariados, chefes, não como máscaras de carácter, se se convertem em crianças que agora realmente não contam nada, em pessoas idosas, em amor, que chega sempre à totalidade – se elas, portanto, se livram ainda que apenas parcialmente, mas conscientemente dos desaforos da valorização, das carreiras, do vender-se a si mesmo? O 'meu filho', cantava Gundi Gundermann, 'é já hoje a revolução'. O futuro hoje já não pode ser ganho como luta de classe contra classe, de Estado contra Estado, mas apenas através do imediato (!) fundamentar e defender de uma vida para lá da classe, do Estado, da valorização. O já existente como comunista em toda a história pode agora real e finalmente ter impacto histórico. Isto é, o 'louco' – o suposto impossível torna-se o único realista. Produção de aço, hospitais, educação? Perguntas e perguntas que teriam de ser respondidas, e também poderiam ser respondidas, se fosse afirmado o 'querer ser um ser humano' (!), se em novas formas de práxis, como por exemplo em associações de freaks de free software, as pessoas se opusessem ao mainstream e desenvolvessem novos hábitos e mentalidades” (Weiß, 2004).

 

Ocorre-nos aqui o anúncio às caixas de poupança, com Iris Berben: “Manter-se um ser humano vale muito nos tempos actuais”. Por baixo move-se sempre o letreiro a propósito: “Caixas de poupança para a Alemanha”.

 

O artigo de Weiß no fundo também poderia ter saído no Jungen Freiheit (1). Poderia agora objectar-se que Weiß se encontra mais na periferia da Krisis e não tem nada a ver directamente com a Krisis residual. Mas, mesmo assumindo que nem todos os homens da Krisis residual procuram jogar dessa forma vistosa e tosca o aparentemente “concreto-imediato” contra o “abstracto” – mesmo assim, com base numa leitura do artigo de Moishe Postone Nationalsozialismus und Antisemitismus teria tido de se saber, até na mais remota região da Krisis, que um ponto de vista da imediatidade emparelhado com um vago arrazoado contra o fetiche “abstracto” da mercadoria, do direito e do dinheiro pode ser a água para o moinho do anti-semitismo estrutural e o movens para atitudes conservadoras quando não mesmo reaccionárias. “Trabalho” é aqui simplesmente trocado por actividade ou actividade livre. Sem mediação, o “imediato fundamentar e defender de uma vida para lá da classe, do Estado, da valorização”, ele próprio abstracto no mau sentido, é contraposto ao valor abstracto, ao direito abstracto, como se esta “vida” já não fosse ela própria socialmente constituída, mediada por essa abstracção real (e pela dissociação sexual de qualquer modo naturalmente não tematizada por Weiß), e como se os indivíduos não fossem ele próprios marcados pelas relações sociais patriarcais-capitalistas (cf. Haarmann, 2004). Através da personalização, por meio da formulação dos “montes de advogados” que impõem o mau abstracto contra o “povo”, cintila obviamente o cliché anti-semita. Até onde deverão ir verdadeiramente os limites da tolerância “crítica do valor” no próprio ninho?

 

Se, em defesa do interesse próprio precarizado, o trabalho abstracto é simplesmente combatido para lhe contrapor imediatamente um concreto difuso de “actividades livres”, então, além disso, também se aplica neste contexto mais uma vez o que Werlhof já tinha constatado para os alternativos: “Por 'trabalho não pago' entende-se a maior parte das vezes qualquer 'sector' informal, uma 'economia clandestina', 'invisível', 'secreta' ou 'cinzenta', trabalho 'sombra' ou trabalho 'autónomo', 'economia de subsistência' ou mesmo 'dual' (Huber), até aquilo que desde logo mais não é que trabalho doméstico no capitalismo se pretende que seja grotescamente trabalho 'autónomo' no capitalismo (…) Os 'alternativos' não nasceram em virtude de conclusões finais, mas porque os proletários foram e são despedidos e agora têm de encontrar novos meios de vida, uma nova auto-afirmação, identidade e base de poder” (Werlhof, 1983, p. 132 sg.). E neste contexto – pois sim, “o meu filho já é uma revolução”. O “culto da criança” e a ocupação narcisista da criança pelos pais nas últimas décadas tem sido um tema permanente da sociologia e das páginas culturais desde os anos oitenta. Crianças, cozinha e copyleft poderia, assim, ser o mote do homem recentemente transformado em dona de casa e em dificuldades (de poder).

 

No que diz respeito a ideias de dominação e tendencialmente também de personificação, Ernst Lohoff, que agora se encontra verdadeiramente no centro da Krisis residual, entretanto – depois de eu já ter formulado esta crítica – está ainda muito mais em regressão do que Weiß: “Não foram os manifestantes (referência às manifestações de segunda-feira contra o programa Hartz IV) que puseram fim ao consenso de cinquenta anos na Alemanha Federal, mas sim a economia e a política, com o seu programa de tabula rasa abertamente laboral-terrorista e social-darwinista”. E mais: “Com a sua estratégia de etnicização do social, a política alemã prossegue objectivos políticos de poder brutal. Os que condenam os manifestantes de segunda-feira na esquerda, pelo contrário, maquinam sobretudo motivações de política de identidade. Confunde-se a abstracção do próprio ponto de vista com radicalidade e procura-se refúgio em pretensos exercícios de crítica da ideologia (!) para vender, a si e aos outros, a própria capitulação como o seu contrário. Deste modo, a crítica ao movimento social torna-se mais importante do que a crítica ao objecto, a Hartz IV” (Lohoff, 2004d).

 

Mesmo sendo certo que há algo de extremamente intolerante, por exemplo nas críticas anti-alemãs contra as manifestações de segunda-feira, por sua vez o método extremamente polarizador aqui utilizado – os bons para um lado, designadamente os manifestantes; os maus para outro (5), designadamente “política e economia” (a sub-rogação para o bom velho inimigo de classe “de fora”) – é extremamente questionável; como se não houvesse, justamente também entre o “bom povo”, fartas tendências social-darwinistas (ver sobre isso Rentschler, 2004). É verdade que também Lohoff vê em acção momentos racistas e de direita entre os manifestantes, mas vistos no seu conjunto eles são de algum modo bons. Contra isso a palavra de ordem teria de ser: contra Hartz IV, mas também contra aquilo que, mesmo no protesto contra ele, inclui este programa ou momentos dele. Como se não se pudesse e devesse ser contra Hartz IV e contra as motivações ideológicas duma ponta à outra igualmente enviesadas de tais manifestantes. Quando em Lohoff se fala de “etnicização do social”, com isso ele quer referir com toda a seriedade sobretudo a pretensa caça ideológica recíproca entre alemães orientais e alemães ocidentais, “os de cor” já nem aqui aparecem e estão per se excluídos na construção mediada pela concorrência que, de forma embrionária, também já tem outra vez culpados personalizados. Uma versão resumida deste artigo encontra-se, a propósito, no mesmo número da Streifzüge (nº 32, 2004) em que Trenkle repreende severamente o Comité Científico da Attac sobre o tema anti-semitismo, no entanto corrigida de modo a branqueá-lo em alguns pontos problemáticos que aqui referi. Impõe-se a suspeita de que as formulações da Krisis residual e da Streifzüge, que na Attac são atacadas espectacularmente como escândalo, depois, no caso de Lohoff e no seu próprio contexto, são metidas pela calada para debaixo do tapete, para, por exemplo no caso dos manifestantes de segunda-feira contra Hartz IV, as voltar a legitimar de novo clandestinamente.

 

 

6.

 

A Krisis prossegue aqui, portanto, a mesma dupla estratégia e dupla moral de que Trenkle acusa o Comité Científico (marxista-tradicional) da Attac, simplesmente virada à maneira “da crítica do valor”, segundo o mote: “Remoção do lixo à moda da casa Krisis”. Mais ainda: “Condenações abstractas no plano dos comunicados” (Trenkle) e “olhar para o lado quando aparece” no próprio contexto de crítica do valor (nomeadamente em Lohoff, mas também em Schandl e outros). Na Krisis residual existe assim uma certa divisão de tarefas neste ponto. Trenkle, como fabricante profissional de alibis, deita fora “indignado” o que em Lohoff, Schandl, Glatz, Weiß & Cª é igual, em parte de forma já bastante aberta, em parte de forma mais ou menos fofa. Tudo visto, assim se chega entretanto na Krisis residual e na sua entourage à hipostasiação e à romantização do “concreto” e do pretenso imediato, mesmo com propensão para o anti-semitismo.

 

Daí que também seja bem-acolhida uma curta contribuição do exterior na perspectiva da teoria da ideologia (possivelmente na ausência de uma análise própria de crítica da ideologia) sobre a fetichização da proximidade, do “natural” e do “sentimento próprio” etc. (como prova de quão “aberto” se é e naturalmente, mais uma vez, como conveniente oportunidade de apresentar alibi) de Thomas Seibert, na Streifzüge; pretende-se que ela torne invisíveis tais tendências no interior do próprio contexto da Krisis residual (os “lançadores de fumo” voltam a ser ligados!), pois – numa perspectiva redutora da sociologia das classes – convida o leitor a tornar-se “migrante” e constata, em ligação com Negri, que a “nação” é um “pedaço de merda” (Seibert, 2004, p. 41).

 

Verificou-se, no entanto, no decurso das minhas exposições, que nos contextos da critica do valor não se é assim tão inocentemente contra a “pátria” como se pretende sugerir de modo nebuloso e significativamente através de contribuições do exterior, pelo contrário, pretende-se, e nem sequer muito dissimuladamente, pelo menos aderir de modo populista a tais sentimentos, nestes tempos difíceis e precários. A “pátria”, justamente quando ela se dissolve no decurso da globalização, está de momento in por toda a parte, designadamente na forma do patriotismo, seja na CDU ou mesmo de certa forma também em alguns contextos de “crítica do valor”. Em vez disso ficaria bem, justamente hoje, fundar uma “pátria dos sem pátria” (Giacommo Marramao), que não poderia ter nada em comum com os fundamentos (abismos) discursivos de um arrazoado “crítico do valor” fingido, que recorrem positivamente ao “social na própria terra”.

 

Justamente quando assim se pode contar que a crítica do valor (mesmo em interpretações e recepções menos limpas) encontre de futuro maior receptividade – e aqui voltamos nós ao ponto de partida – existe a obrigação de se prevenir antecipada e inequivocamente contra tais tendências e não virar a casaca, de olho nos seguidores, para problemáticos slogans na moda como “apropriação”, necessidades vitais “imediatas” entre outros, ainda que com algumas reservas e contorções, nem orientar-se por um mau voluntarismo no sentido do impulso abstracto para mudanças sociais agitando bandeiras. Isso desacredita a crítica do valor em geral e não demora assim tanto tempo. Não se pode simplesmente sacudir a água do capote para o marxismo tradicional, como Trenkle gostaria de fazer.

 

A propósito, parece-me que volta a ser particularmente tabu a relação hierárquica de género na sociedade em geral, apesar de o género se tornar o mainstream e apesar da sua presença permanente nas publicações de esquerda em geral, como “aspecto” importante, mas justamente apenas como tal (como em Lewed) e não como lógica da dissociação no plano do conceito de totalidade. Talvez justamente por isso a crítica da dissociação como princípio basilar se torne inócua e, posta para lá de uma mediação, possa então a dissociação, quer dizer, o dissociado romantizado ser erguido e instrumentalizado como momento utópico androcêntrico ingénuo.

 

 

7.

 

Estou certa, no entanto, que as mediações aqui em falta fazem-se notar e são notadas logo na própria práxis social. É simplesmente abstracto e corresponde a uma lógica dedutiva acreditar que hoje a perspectiva de apropriação e a perpectiva para lá do mercado e do Estado decorrem da lógica do valor, por assim dizer por si mesmas, e que se teria simplesmente de agarrar a oportunidade de modo subjectivamente voluntarista. Tudo visto, na Krisis residual ocorre uma análise abstraindo da complexidade e a partir daí são retiradas conclusões igualmente abstraindo da complexidade. Os processos da globalização, que durante muito tempo até ao início do nosso decénio foram um tema querido dos média, dificilmente são tematizados pela Krisis residual, mesmo em caso de necessidade; a sua perspectiva em Dead Men Working vem unilateralmente de baixo, a perspectiva da rã é a privilegiada: os entrelaçamentos internacionais, a necessidade de redes internacionais, já em tempos postas no centro das atenções pelos críticos da globalização, quase já não aparecem.

 

Aqui também não se reconhece um movimento pendular, improfícuo e irreflectido nos contextos dos movimentos nos últimos anos. Das grandes conferências, cuja participação não foi de grande proveito, saltou-se novamente, sem mediação, para o plano local, regional e nacional; em vez de se reflectir criticamente sobre esta tendência, agora é credenciada como solução, com retórica empolada, e não apenas na Krisis residual, uma tacanha e repentina perspectiva de apropriação, que pode servir uma motivação completamente não emancipatória, tal como pôr-se a andar “com o ganso debaixo do braço”. (6)

 

Neste contexto, é preciso constatar na Krisis residual uma tendência para a reflexão abstraindo da complexidade, também em relação a perspectivas futuras. Questões como, por exemplo, um “plano” para o conjunto da sociedade, que é indispensável nas condições altamente complexas de socialização mundial, ainda que de modo completamente diferente do “socialismo real”, para poder partilhar os recursos adequadamente de modo realmente global (onde também seria preciso colocar a questão da “qualidade” dos recursos actuais!) deixaram de ser pensadas – isto, obviamente, já não se coaduna com a perspectiva da rã da ideologia da preocupação.

 

Aí ganha expressão também uma reificação da crítica do valor / do trabalho. “O valor” (e já até a dissociação-valor!) não é reflectido como categoria da totalidade, caso em que estaria na posição de esclarecer também outros “fenómenos” fora de si mesmo, da sua imediatidade sócio-económica e portanto do “domínio” do trabalho, pelo contrário, valor e trabalho são apresentados à maneira da agitprop como “domínios” e “esferas” delimitados, simplesmente disponíveis e “acessíveis do exterior”; e como tais são buscados e a partir deles no fundo tudo se esclarece. O punho calejado aponta simplesmente apenas para baixo e justamente não se aguenta para cima.

 

Neste contexto considero errado acreditar que, pelo facto de o “trabalho alemão” ter desempenhado um grande papel no anti-semitismo eliminatório do nacional-socialismo, isso teria de ser também necessariamente válido para as actuais posições de direita. Bernd Rabehl mostrou como as coisas se passam. Assim escrevem Peter Kratz e Lorenz Schrötter: “Novas são as observações político-sociais de Rabehl. Com o 'Direito à preguiça'... será talvez possível uma alternativa alemã às propostas de solução de orientação americana do paper Schröder-Blair (…) Rabehl pretende discutir a 'redefinição de profissão, actividade, perda do emprego, ética do trabalho e identidade' como 'superação positiva do trabalho', 'no entanto, tendo consciência de que a forma social, o nível de produtividade mundial e a pobreza mundial não permitiriam a abolição do trabalho na Europa Ocidental ou na América do Norte', como se diz no convite para o seminário (de Rabehl)” (Krat/Schrötter, 1999, p. 37). Segundo informações de Anselm Jappe, também já na “Crisis” francesa de direita terá vindo a ser feita a “crítica do trabalho”. Em conformidade com isso, é errado manter de forma reificada o recurso positivo ao trabalho como critério absoluto para as tendências anti-semitas e racistas, porque ele chegou até ao anti-semitismo eliminatório no nacional-socialismo na época fordista. Na sequência do “Colapso da modernização” ocorre justamente não apenas um recurso afirmativo ao trabalho, mas também contra ele. Considero mesmo esta tendência a mais provável no futuro. Uma crítica do trabalho redutora, ainda por cima invocando o “social” considerado estritamente no “próprio país”, pode ser preenchida em termos de frente transversal.

 

Caso em que também é completamente errado e mecanicista argumentar como Lohoff; e toda a sua argumentação pessoal fala aqui contra ele – ainda que, como mostrei, virada à esquerda – quando ele próprio se torna personalizador e atribui falsamente à economia e à política uma vontade abstracta de poder. Perante a possibilidade de preenchimento conservador de direita da “crítica do trabalho”, é ignorância reducionista quando ele escreve: “Na época da crise da sociedade do trabalho, basta um teste decisivo para separar os protestos sociais emancipatórios dos regressivos: a questão do trabalho. A oposição começa com o desprezo deste princípio básico sagrado da sociedade das mercadorias (onde está a dissociação-valor como princípio básico? R. S.). A crítica social que reconhece o primado do trabalho não é crítica social nenhuma. A crítica do trabalho inclui, naturalmente, a ruptura decisiva com o entusiasmo da esquerda para com o povo. O culto do povo pela esquerda não por acaso festejou obstinadamente as amplas massas como criadoras exploradas de todos os valores. A identificação com o princípio universal do trabalho e com o seu portador universal, o povo (trabalhador), são idênticas, tanto lógica como ideologicamente. A referência positiva ao trabalho constitui a base comum do entusiasmo com o povo, tanto na esquerda como na direita. Só um anticapitalismo que consequentemente abra mão e coloque em causa sistematicamente esta base merece o nome de anticapitalismo” (Lohoff, 2004 d).

 

Esta “crítica”, que continua agarrada a uma constelação passada, também mostra que a Krisis residual nem se aproxima da análise e da crítica substanciais do sujeito. Pois a subjectividade e a objectividade são aqui contrapostas abstractamente uma à outra, sendo que a última triunfa maciçamente. Não se chega sequer simplesmente a abordar o conceito de sujeito patriarcal-capitalista; cujas motivações (de movimento) não interessam realmente, por muito que o sujeito e a subjectividade tenham sido tematizados e invocados difusamente nos últimos tempos, e a objectividade em última análise se vire depois mesmo num tosco subjectivismo, como Lohoff já esboçou na sua crítica à crítica do sujeito de Robert Kurz (cf. Lohoff, 2003 c). Neste contexto – e tendo presentes as minhas anteriores exposições globais em geral – questiona-se simplesmente quando será dado explicitamente, em termos teóricos, o passo cínico e desamparado no sentido da tematização de uma beata “ética crítica do valor”, que pretensamente nada terá em comum com o interesse próprio, mas em compensação faz regulamentos para todos os “outros” e assinala um interesse pela educação “das boas pessoas”! Tal como se pode comprovar no texto de Urich Weiß, contra o qual não foi levantada qualquer objecção pela Krisis residual, com o suprimir da mediação o “povo” também volta mesmo a ser novamente apresentável “em termos de crítica do valor”!

 

Ao contrário do que acontecia nos anos noventa, a teoria da ideologia e a crítica da ideologia em relação ao sexismo e ao racismo já não são um tema da moda. Mas, se a própria crítica do valor é ela mesma apanhada na corrente para se tornar ideológica, ou é interpretada correspondentemente e sem oposição – e aqui voltamos novamente ao ponto de partida – então é mais que tempo de uma crítica da dissociação-valor reflectida se virar ela própria para este tema e não de procurar justamente associar-se com o “povo” incondicionalmente por causa da grande alegria de ter muita repercussão. Receio que não se farão esperar tais colheitas da crítica do valor em contextos conservadores de direita, que vão apalpando o terreno até ao centro; “trabalho sem dinheiro” já está a ser propagado nos trabalhos a um euro, pagos de modo meramente simbólico.

 

 

8.

 

Seria ingénuo acreditar que a mera ênfase nas mediações defende da falsa imediatidade. As mediações podem ser simplesmente omitidas ideologicamente, para depois colocar no lugar delas o simples “fundamentar imediato” (Ulrich Weiß).

 

Uma “perspectiva para lá do mercado e do Estado”, a que se pode dar a volta desta maneira, está na verdade decididamente predestinada a estratégias de frente transversal. Há muito se tornou visível que a força explosiva do racismo e do anti-semitismo aumentou dramaticamente em simultâneo com o reforço da virulência da “questão social”. Por isso é preciso pensar o racismo, o sexismo e as disparidades materiais já sempre como princípios constitutivos essenciais da socialização da dissociação-valor, em vez de os jogar uns contra os outros. Neste contexto, está-se a brincar com o fogo quando se coloca no centro das atenções, de forma tacanha, a preocupação própria na “própria terra”.

 

Perante este pano de fundo, a sobriedade da crítica social nunca foi tão preciosa para a posição da teoria da dissociação-valor como hoje; constitui justamente a sua mais nobre obrigação apresentar as complexas ligações e mediações sem cuja consideração também a própria situação social não pode à partida ser modificada emancipatoriamente. Aqui se mostra em contextos da crítica do valor, no que respeita à “dimensão utópica”, e em Ulrich Weiß isso é bastante claro, que não estamos confrontados simplesmente com quaisquer romantizações. O “kitsch do movimento”, como Robert Kurz o designou acertadamente, também se pode constatar em Hardt-Negri; mas em Ulrich Weiß ocorre um recurso à comunidade e um ataque ao abstracto que não poderia ser mais típico da “ideologia alemã”.

 

Com isto não quero dizer que se deva abstrair da própria situação de vida precária em toda a parte – eu mesma estou bem preocupada com isso. Penso até que nolens volens não poderemos evitar a apropriação. As pessoas precisam de um tecto para se abrigar, precisam de ter alguma coisa para comer e de poder movimentar-se. No entanto não se pode atribuir a esta perspectiva, que antes de mais é devida bastante pragmaticamente à luta pela sobrevivência, uma orientação à partida emancipatória, se não forem tidas em conta decididamente a dimensão da crítica da ideologia e a questão da reprodução social global. Caso em que se exige necessariamente aos projectos de apropriação que assumam uma distância crítica face a si mesmos e não se tomem apressadamente pelo todo emancipatório. Só um longo fôlego e um esforçado trabalho de auto-reflexão protegem do sorvedouro da “falsa imediatidade” e, ultimamente, da absorção pela administração capitalista da crise. Neste contexto trata-se de se desligar à partida de um interesse próprio particular e imediato, que justamente também é formulado furtivamente do ponto de vista do homem transformado em dona de casa nas sociedades ocidentais, que se pretende afastar do interesse de classe e da ilusão da “vontade livre” e assim possivelmente ainda cai em águas conservadoras de direita.

 

Nesta perspectiva, na minha opinião não se deve tratar em caso nenhum duma difusa “abertura” da crítica do valor, como propaga a Krisis residual, bem pelo contrário, deve tratar-se dum fechamento contra tais tendências. Onde essa “abertura” levou torna-se claro nas listas da open theory que, com um gesto pretensamente emancipatório e anti-autoritário, dão espaço até aos chamados “fascistas mundiais”, dispensando-me eu de fazer aqui a correspondente citação desse lugar (ver, por exemplo: www.opentheory.org/maenner/text.phtml).

 

Mas também a autora tem de se questionar por que não procedeu no passado com muito mais veemência contra as tendências problemáticas no contexto da Krisis. Assim escreve Günther Rother, com razão: “No que diz respeito ao passado comum, tanto a Krisis residual como os ex-membros da Krisis devem pôr-se a questão (ou admiti-la) de saber como se chegou ao ponto de se ter oferecido um meio de expressão no contexto da crítica do valor a autores (como Franz Schandl, R. S.) com tais padrões de pensamento” (Rother, 2005).

 

Também tem de se colocar particularmente esta questão a Robert Kurz, que a meu ver se juntou com falsos aliados, como por exemplo Schandl, na crítica em si correcta ao belicismo anti-alemão. Em todo o caso, é preciso ter em conta a seu favor que nas discussões ele sempre se esforçou por corrigir Schandl objectivamente em termos de conteúdo, mesmo se isso também não aconteceu com a dureza necessária. A polémica que Kurz conduziu contra os belicistas anti-alemães teria sido adequada, justamente também nas próprias fileiras, virada contra Schandl & Cª! Esta polémica, que aparecia como unilateral, trouxe-lhe junto de algumas pessoas a fama de ser ele próprio um carácter autoritário, mesmo um anti-semita disfarçado. A subtil crítica de Günter Rother a Schandl mostra com que pezinhos de lã retóricos pode vir da esquerda um pensamento inclinado para a direita, sem qualquer polémica nem “indecência”. Não é a polémica que constitui o problema, mas sim contra quem e em torno de quê ela se desenvolve. E aqui teria sido correcto ligar a polémica contra o belicismo anti-alemão simultaneamente com uma polémica contra a “outra escola” do anti-sionismo de esquerda, até à versão disfarçada de Schandl, em vez de evidenciar aqui considerações “estratégicas”.

 

A mesma questão teria de se colocar sobretudo também Andreas Exner que, por exemplo em Dead Men Working, por um lado, condena tendências anti-semitas na Attac, por outro lado, no entanto, continua ainda hoje a trabalhar com Schandl no contexto comum da Streifzüge (ver Exner, 2004), fechando obviamente ambos os olhos. Parece-me que de futuro a EXIT! tem de procurar aliados de preferência fora de tais contextos “de crítica do valor”, enquanto aqui não ocorrerem quaisquer processos de auto-reflexão nem as correspondentes demarcações incisivas internas em termos de crítica do valor. Por outro lado, vejo há muito tempo em progresso processos de fermentação nos movimentos de crítica da globalização, justamente também em partes da Attac na compilação repreendida por Trenkle Globalisierungskritik und Antisemitismus [Crítica da globalização e ant-semitismo], como mostra a brochura sobre “anti-semitismo estrutural” deste ângulo.

 

Pelo menos partes da crítica da globalização estão há muito tempo encaminhadas numa orientação diferente da dos nossos escribas da Krisis residual, encharcados em populismo, no que diz respeito ao tomar a sério o anti-semitismo eliminatório, especialmente (!) no contexto alemão. Designadamente, por exemplo, justamente Gallas, que de resto é acusado com razão de tradicionalismo do lado da crítica do valor (ver sobre isso também a crítica de Carsten Weber nesta edição da EXIT!), aponta acertadamente para deficits (Gallas, 2004, p. 48 sgs.), enquanto a abordagem crítica do valor na Krisis residual se limita a uma “explicação macro-estrutural”, a ela sendo subordinados designadamente os contextos específicos nacionais justamente em relação ao anti-semitismo eliminatório, como Trenkle volta a mostrar exemplarmente logo na sua crítica à Attac. Neste caso é simplesmente descarado e denunciatório que justamente Trenkle da Krisis residual escreva sobre esta compilação da Attac: “Com excepção de um único artigo (o de Heinz Düx que, no entanto, da sua parte lança um olhar muito selectivo sobre a esquerda do pós-guerra), em todos os textos fala uma enorme pressão para minimizar, esconder e negar as tendências anti-semitas” (Trenkle, 2004 c). Não se vê o argueiro no próprio olho e procura-se tirá-lo do olho alheio.

 

Neste contexto é de esperar apenas que a concorrência desagradavelmente imanente com a EXIT! obrigue a Krisis residual a pôr ela própria em questão o desvio de direita que ocorreu desde a cisão da Krisis, agora que fizeram desaparecer os correctivos anteriores decisivos, e que ao menos por razões de reputação tomem a sério as objecções contra a sua posição universalista tendo por fundo a colocação como absoluto do valor / do trabalho abstracto na lógica da identidade, em vez de permanecerem simplesmente numa crítica projectiva do estranho.

 

Mas, qual quê, todo o meu artigo é simplesmente pura denúncia!

 

Neste contexto gostaria ainda, para concluir, de prevenir um equívoco e de acentuar que para mim não se trata de modo nenhum de afirmar uma inevitável perspectiva de ponto de vista, que é representada por algumas abordagens epistemológicas, designadamente em ligação com Lukacs. Para mim a posição da Krisis residual representa simplesmente uma variante, entre outras, de como são digeridas ideologicamente na decadência as relações precárias de emprego por uma identidade masculina já sempre construída, em tempos de uma desconstrução real pós-moderna, no decurso dos processos de globalização, ou seja, num estádio culminante da civilização da dissociação-valor. Também há ainda outras possibilidades de digestão para além das aqui criticadas. De acordo com a teoria da dissociação-valor, subjectividade e objectividade não se dissolvem assim tão facilmente uma na outra, no sentido duma teoria leninista do reflexo, já sempre aferrada ao sujeito, nem mesmo se ela toma em conta os interesses particulares da nova classe média, no sentido do homem transformado em dona de casa, justamente num contexto individualizado. Isto também se aplica obviamente às mulheres, como indivíduos sociais concretos que de modo nenhum têm de ser resistentes, como já tenho mostrado várias vezes (entre outras, Scholz 1992, 1999. 2000, 2004), questão que no entanto não foi aqui abordada.

 

 

 

BIBLIOGRAFIA

 

Arranca 28, Novembro de 2003

 

Bischoff, Joachim/Müller, Bernhard: Moderner Rechtspopulismus. In: Bischoff, Joachim/Dörre, Klaus/Gauthier, Elisabeth u.a. Moderner Rechtspopulismus. Ursachen, Wirkungen, Gegenstrategien [Populismo moderno de direita. Causas, efeitos, contra-estratégias], Hamburg, 2004.

 

Bruns, Theo: radikal global - Eine Einleitung. In: Buko (Hrsg.), radikal global. Bausteine für eine internationalistische Linke [Global radical. Elementos para a construção de uma esquerda internacionalista], Berlin, 2003

 

Exner, Andreas: Geld ist genug da! Essen kann man’s trotzdem nicht. Attac und die Krise der Arbeitsgesellschaft [Dinheiro não falta. Mas não se pode comer. A Attac e a crise da sociedade do trabalho] In: Lohoff e outros (orgs.): Dead Men Working. Gebrauchanweisungen zur Arbeits- und Sozialkritik in Zeiten kapitalistischen Amoklaufs [Dead Men Working. Instruções de uso para a crítica do trabalho e da sociedade em tempos de amoque social]

 

Gallas, Alexander: Ökonomismus und politische Irrwege. Zur Kritik an Moishes Postones Variante marxistischer Antisemitismustheorie [Economismo e caminhos políticos errados. Para a crítica da variante de teoria marxista do anti-semitismo de Moishe Postone], in: Wissenschaftlicher Beirat von Attac Deutschland (Hg.), Globalisierungskritik und Antisemitismus. Zur Antisemitismusdiskussion in Attac, Reader Nr. 3 des Wissenschaftlichen Beirats von Attac Deutschland, 2004.

 

Glatz, Lorenz: Warum nichts mehr geht…Überlegungen zu den persönlichen Bedingungen eines Ausbruchs aus der Warengesellschaft [Por que já nada funciona… Considerações sobre as condições pessoais de evasão da sociedade das mercadorias] (http://www.streifzuege.org/2004/warum-nichts-mehr-geht), 2004

 

Gruppe Krisis: Manifest gegen die Arbeit, Köln, 1999. [Manifesto contra o Trabalho]

 

Haarmann, Petra: Copyright und Copyleft. Vermittlung im Falschen oder falsche Unmittelbarkeit [Copyright e copyleft. Mediação em falso ou falsa imediatidade]. In: Exit! Krise und Kritir der Warengesellschaft (2004), 184-200.

 

Heitmeyer, Wilhelm (Hrsg.): Deutsche Zustände [A situação na Alemanha], Folge 1, Frankfurt/Main.

 

Klaus, Georg/Buhr, Manfred (Hrsg.): Philosophisches Wörterbuch [Dicionário filosófico]. Berlin, 1964.

 

Klein, Peter: Das Wesen des Rechts. Ein Versuch zur Rehabilitierung der Rechtsphilosophie und ihrer Kritik [A essência do direito. Uma tentativa de reabilitar a filosofia do direito e a sua crítica]. In: Krisis 24 (2001), 51-59.

 

Klinger, Cornelia (2003), Ungleichheit in den Verhältnissen von Klasse, Rasse und Geschlecht [Desigualdade nas relações de classe, raça e género], in: Knapp, Gudrun-Axeli / Wetterer, Angelika (Hrsg.), Achsen der Differenz. Gesellschaftstheorie und feministische Kritik II [Eixos da diferença. Teoria social e crítica feminista II], Münster, 2003

 

Kurz, Robert: Weltordnungskrieg. Das Ende der Souveränität und die Wandlungen des Imperialismus im Zeitalter der Globalisierung [A Guerra de Ordenamento Mundial. O Fim da Soberania e as Metamorfoses do Imperialismo na Era da Globalização], Bad Honnef, 2003. Trad. port. parcial:http://obeco.no.sapo.pt/livro_guerra_ordenamento.htm (acesso em 28.02.2014).

 

Kurz, Robert: Das letzte Stadium der Mittelklasse. Vom klassischen Kleinbürgertum zum universellen Humankapital [O último estádio da classe média. Da pequena burguesia clássica ao capital humano universal]. In: www.exit-online.org, 2004.

 

Kratz, Peter/Schröter, Lorenz: An den schönen braunen Danubia I. In: Konkret 11, 1999.

 

Lewed, Karl-Heinz: Ausschluss und Zwang. Migration, Rassismus und prekäre Arbeitsverhältnisse [Exclusão e compulsão. Migração, racismo e relações de trabalho precárias]. In: Lohoff e outros (orgs.): Dead Men Working. Gebrauchanweisungen zur Arbeits- und Sozialkritik in Zeiten kapitalistischen Amoklaufs [Dead Men Working. Instruções de uso para a crítica do trabalho e da sociedade em tempos de amoque social]

 

Lohoff, Ernst: Von Auschwitz nach Bagdad [De Auschwitz a Bagdad]. In: Strefzüge 1/2002.

 

Lohoff, Ernst a): Subjekt der Emanzipation oder Emanzipation vom Subjekt [Sujeito da emancipação ou emancipação do sujeito] (http://www.krisis.org/2001/subjekt-der-emanzipation-oder-emanzipation-vom-subjekt/), 2004

 

Lohoff, Ernst b): Arbeitsterror und Arbeitskritik [Terror do trabalho e crítica do trabalho]. In: Dead Men Working. Gebrauchsanweisungen zur Arbeits- and Sozialkritik in Zeiten kapilalistischen Amoklaufs [Dead Men Working. Instruções de uso para a crítica do trabalho e da sociedade em tempos do desenvolvimento do amok capitalista], Münster, 2004.

 

Lohoff, Ernst c): Tabula rasa. Aufklärung ist kein Versprechen, sondern eine Drohung: Mit „Blutige Vernunft“ will Robert Kurz den „geistigen Gesamtmüll des Abendlandes“ entsorgen [Tabula rasa. O iluminismo não é uma promessa, mas uma ameaça. Com “Razão sangrenta” Robert Kurz pretende remover o “lixo intelectual” do Ocidente]. In: Junge Welt, 6.12.04

 

 

Lohoff, Ernst d): Negative Sozialromantik. Manchen Linken ist die Kritik an der Bewegung wichtiger als die Kritik an Hartz IV [Romantismo social negativo. Para algumas esquerdas a crítica ao movimento é mais importante que a crítica a Hartz IV]. In: Jungle World Nr. 40, 2004

 

 

Lohoff, Ernst/Trenkle, Norbert/Lewed, Karl-Heinz/Wölflingseder, Maria (Hrsg.): Dead Men Working. Gebrauchsanweisungen zur Arbeits- and Sozialkritik in Zeiten kapilalistischen Amoklaufs [Dead Men Working. Instruções de uso para a crítica do trabalho e da sociedade em tempos do desenvolvimento do amok capitalista], Münster, 2004.

 

Rentschler, Frank: Der Staat muß seine Bürger zur Arbeit verpflichten. Über den gemeinsamen Nenner von Hartz 4 und Anti-Hartz-Protest [O Estado tem de obrigar os seus cidadãos ao trabalho. Sobre o denominador comum do programa Hartz IV e do protesto contra Hartz IV]. In: Incipito 14, 2004.

 

Rother, Günter: Links schreiben - rechts denken. Eine analytische Auseinandersetzung mit dem Essay "Fan und Führer" von Franz Schandl [Escrever à esquerda – Pensar à direita. Um confronto analítico com o ensaio “Fan und Führer” de Franz Schandl ]. In: www.exit-online.org, 2005.

 

Schandl, Franz: No fun! No play! Finale Bemerkungen zum Funwert-Papier aus Leipzig und zum Antideutschtum überhaupt [No fun! No play! Notas finais sobre o paper de Leipzig que dá para rir e sobre o que é anti-alemão em geral]. In: Krisis Redaktion (Hrsg.): Scharfe Schafe. Geschorenes zum antideutschen Bellizismus, Wien, 2003.

 

Schandl, Franz: Bombenlogic [A lógica da bomba]. In: www.krisis.org, 2004.

 

Scholz, Roswitha: Der Wert ist der Mann. Thesen zu Wertvergesellschaftung und Geschlechterverhältnis [O valor é o homem. Teses sobre a socialização do valor e a relação entre os sexos] In: Krisis. Beiträge zur Kritik der Warengesellschaft 12 (1992), S. 19-52.

 

Scholz, Roswitha a): Die Maske des roten Todes. Kasinokapitalismus, Frauenbewegung und Dekonstruktion [A máscara da morte vermelha. Capitalismo de casino, movimento feminista e desconstrução]. In: Krisis 15 (1995), 27-78.

 

Scholz, Roswitha b): Die Metamorphosen des teutonischen Yuppie. Wohlstandschauvinismus, 90er-Jahre-Linke und kasinokapitalistischer Antisemitismus [As metamorfoses do yuppie teutónico. Chauvinismo do bem-estar, esquerda dos anos noventa e anti-semitismo do capitalismo de casino]. In: Krisis 16/17 (1995), 127-160.

 

Scholz, Roswitha: Die Verwilderung des Patriarchats in der Postmoderne [O asselvajamento do patriarcado na pós-modernidade]. In: Krisis 21/22 (1999), 84-114.

 

Scholz, Roswitha: Das Geschlecht des Kapitalismus. Feministische Theorien und die postmoderne Metamorphose des Patriarchats, Bad Honnef, 2000. Trad. port. parcial: O Sexo do Capitalismo. Teorias Feministas e Metamorfose Pós-Moderna do Patriarcado in

 http://obeco.no.sapo.pt/livro_sexo_capitalismo.htm

 

Scholz, Roswitha: Neue Gesellschaftskritik und das Problem der Differenzen. Ökonomische Disparitäten, Rassismus und postmoderne Individualisierung. Einige Thesen zur Wert-Abspaltung in der Globalisierungsära [A nova crítica social e o problema das diferenças. Disparidades económicas, racismo e individualização pós-moderna. Algumas teses sobre o valor-dissociação na era da globalização]. In: Exit! 1 (2004), 15-43.

 

Seibert, Thomas: The people of Genua. Plädoyer für eine post-avantguardistische Linke [The people of Genua. Alegações finais por uma esquerda pós-vanguardista]. In: Buko (Hrsg.), radikal global. Bausteine für eine internationalistische Linke [Global radical. Elementos para a construção de uma esquerda internacionalista], Berlin, 2003

 

Seibert, Thomas: Sich fremd werden. Globalisierungs- und ideologiekritik [Tornar-se estrangeiro. Crítica da globalização e crítica da ideologia]. In: Streifzüge 32, 2004

 

Trenkle, Norbert a): Rundschreiben Krisis [Circular Krisis], 15 Dez.

(www.giga.or./others/krisis/rundschreiben1204%20End%2015htm.), 2004

 

Trenkle, Norbert b): Antipolitik in Zeiten kapitalistischen Amoklaufs. Thesen zur neoliberalen Krisenverwaltung und den Perspektiven sozialer Emanzipation [Antipolítica em tempos de amoque capitalista. Teses sobre a administração da crise neoliberal e as perspectivas de emancipação social]. In: Lohoff, Ernst e outros (Hrsg.): Dead Men Working. Gebrauchsanweisungen zur Arbeits- and Sozialkritik in Zeiten kapilalistischen Amoklaufs [Dead Men Working. Instruções de uso para a crítica do trabalho e da sociedade em tempos do desenvolvimento do amok capitalista], Münster, 2004.

 

Trenkle, Norbert c): Entsorgung nach Art des Hauses. Zur Verharmlosung antisemitischer Tendenzen durch den wissenschaftlichen Beirat von Attac-Deutschland [Remoção do lixo à moda da casa. Sobre a minimização das tendências anti-semitas pelo Comité Científico da Attac-Alemanha] (https://www.streifzuege.org/2004/entsorgung-nach-art-des-hauses), 2004.

 

 

Weiß, Ulrich: Warum nicht selbst Geschischte schreiben [Porque não escrever a própria história]. In: Freitag 28, 2004.

 

Werlhof, Claudia von: Das Proletariat ist tot. Es lebe die Hausfrau? [O proletariado morreu. Viva a dona de casa?], in: Werlhof Claudia von/Mies Maria/Bennholdt-Thomsen Veronica: Frauen, die letzte Kolonie [Mulheres, a última colónia], Reinbek, 1983.

 

Wertmüller, Justus: Unter Bauern [Entre camponeses]. In: Konkret 1/2002.

 

 

 

 

NOTAS DO TRADUTOR

 

(1) Semanário alemão que se assume como porta-voz da nova direita.

 

(2) Traduz-se aqui Querfront literalmente por frente transversal. Na Alemanha o conceito foi cunhado na República de Weimar, no início dos anos de 1930, para designar uma estratégia de aliança da extrema direita, visando acentuar ou promover pontos comuns com as diversas posições políticas, com vista à tomada do poder de Estado. Esta variante do “unidos venceremos” levou historicamente muitos militantes socialistas e revolucionários ao partido nacional-socialista e o nazismo ao poder.

 

(3) Aneignung, literalmente apropriação, tem em alemão um âmbito semântico maior, cobrindo também fenómenos como ocupações de casas e de terras, para além de, por exemplo, a chamada pirataria informática. Optou-se aqui pela tradução literal para poder cobrir todas essas situações.

 

(4) Betroffenheit traduz-se aqui por preocupação, contra tentativas anteriores de tradução por "consternação", "perturbação" ou "afectação". O "postulado da preocupação" é abordado com detalhe no presente ensaio, pondo em evidência como a esquerda residual tenta fazer passar de contrabando os seus interesses de classe média como interesse geral, insistindo no escândalo das situações imanentes às categorias e assim impedindo que se veja escândalo das próprias categorias, cuja caducidade começa a entrar no campo de visão.

 

(5) A expressão usada em alemão (Die guten ins Töpfchen... die schlechten ins Kröpfchen – literalmente: os bons para o prato… os maus para o papo) parece ser retirada do conto dos Irmãos Grimm Cinderela / A gata borralheira

 

(6) Expressão do conto dos Irmãos Grimm João Sortudo / João, o felizardo

 

 

 

http://obeco-online.org/

 

http://www.exit-online.org/