Roswitha Scholz
EM MEMÓRIA DE UDO WINKEL
(1937-2015)
Conheci Udo na Primavera de 1984. Um seminário sobre a Escola de Frankfurt no meu curso exigia alguns conhecimentos básicos sobre Marx e O Capital e assim me inscrevi num curso introdutório da “Initiative marxistische Kritik”. Aí encontrei então Udo, entre outros, que insistiam na teoria de Marx, procurando uma nova orientação contra o espírito do tempo, o qual visava sobretudo criticamente a técnica e as forças produtivas e colocava em primeiro plano a política na primeira pessoa, a preocupação. Udo era um antigo soixante-huitard que tinha fundado a SDS (1) na Universidade de Erlangen-Nuremberga com Robert Kurz e outros. No entanto não foi este o ponto de partida da sua carreira político-teórica.
Udo Winkel cresceu como se diz em condições humildes, marcado por seu pai, que tinha um ponto de vista comunista. Após a conclusão do ensino secundário e a formação como galvanizador concluiu o curso de engenheiro mecânico de precisão. Udo politizou-se logo no início dos anos de 1960 com o movimento Ostermarch (2) e envolveu-se também fortemente na oposição extra-parlamentar. Estudou depois politologia, sociologia e história em Erlangen. Concluiu o curso com uma dissertação sobre Rosa Luxemburgo apresentada perante Kurt Lenk, um discípulo de Adorno que então leccionava em Erlangen. Udo realçou ao longo de toda a sua vida que era luxemburguista, não em último lugar contra os marxistas dos anos setenta que apoiavam o marxismo-leninismo. Nos anos setenta juntou-se ao grupo dissidente “Arbeiterstimme” [A voz do trabalhador] que, no entanto, logo se dividiu e dissolveu.
Para além da sua profissão como engenheiro na Siemens, Udo trabalhou no arquivo da cidade de Nuremberga, como cronista da cidade, e até se reformar publicou muitos ensaios, designadamente sobre os primeiros tempos do movimento operário em Nuremberga. Mas nas últimas décadas já não era um marxista do movimento operário e esteve envolvido na discussão por uma nova crítica do valor, que mais tarde se desenvolveu para crítica da dissociação-valor. Ao longo dos anos ele permaneceu como “revolucionário profissional”, para usar aqui uma terminologia antiga. O móbil do seu estudo e engajamento era a crítica social radical. Não lhe passaria pela cabeça fazer compromissos duvidosos na Universidade para depois conseguir um lugarzinho, como hoje acontece com alguns jovens. Pelo contrário, a academização do marxismo era para ele insuportável.
Por outras palavras: Udo era um intelectual de esquerda de alma e coração. Isso via-se também no seu estilo de discussão que irritava alguns. Às vezes entrava na discussão de tridente em punho. A sua intervenção corria frequentemente o risco de se desviar e alguém tinha de lhe chamar a atenção para o tema. No entanto Udo era inquestionavelmente querido no contexto da EXIT, as pessoas simplesmente se apercebiam que era movido pela paixão pelo tema e que tinha um profundo conhecimento, não só de teoria social, mas de todas as áreas possíveis, que ele sempre alargava e apresentava com grande ímpeto crítico-social. Isto também se manifestava no facto de que se deparava com verdadeiros problemas com a imensa quantidade de livros ao mudar de casa. Onde param todos os interessantes livros? Frequentemente era preciso não simplesmente empacotar os livros, mas pôr-se de cócoras no apartamento para fazer aprazíveis estudos assistemáticos, andando de livro em livro. Udo não era nada virado para os novos média e nem tinha ligação à Internet, mas apesar disso estava sempre detalhadamente informado, para muitos de forma surpreendente.
Alguns consideravam Udo alienado da vida. É preciso no entanto questionar se será, por exemplo, por uma vida de família normalizada e por um mergulhar nas trivialidades do quotidiano, com necessidades de bolo de ameixa bio (vegano), que vale a pena esforçar-se, num percurso de vida, além disso, coercivamente flexibilizado com hábitos de jogging. É justamente o renascimento do pequeno-burguês e uma “necessidade de normalidade” (Cornelia Koppetsch) que se instalam por toda a parte no fim da pós-modernidade, depois do completo circo de multiplicidade e anything goes que dominou os últimos 25 anos após a queda do muro.
Udo manteve-se até ao fim “no seu posto”, uma conduta já rara em tempos pós-modernos. Nos últimos anos escreveu sobretudo recensões para a EXIT, que testemunham o seu grande conhecimento histórico. Por fim notavam-se no nosso círculo de trabalho em Nuremberga cada vez mais os seus interesses anarquistas, que também eram favorecidos pelo seu luxemburguismo, sem que ele desistisse da crítica da dissociação-valor; também dessa maneira se via o carácter indomável da sua crítica social, que não se instalava confortavelmente numa crítica do valor quase neutral, como se pode ver no caso de muitos notáveis da crítica do valor, que se instalaram num sucesso precário na base de uma pretensa crítica radical / crítica do valor que procuram explorar.
Udo Winkel, o mais velho de entre nós, morreu a 26 de Janeiro de 2015, com 77 anos de idade, num hospital de Nuremberga. Cabe agora aos mais novos continuar a tradição de resistência de Udo.
(1) SDS: Sozialistisch Demokratischer Studierendenverband: Associação de Estudantes Democratas Socialistas(Nt. Trad.)
(2) Ostermarch: manifestações do movimento pacifista e antinuclear, normalmente por ocasião da Páscoa, que começaram no fim dos anos cinquenta e tiveram grande expressão (Nt. Trad.)
Original ZUR ERINNERUNG AN UDO WINKEL. Publicado na revista EXIT! Krise und Kritik der Warengesellschaft, nº 13 (01/2016), pag. 23-24, [EXIT! Crise e Crítica da Sociedade da Mercadoria, nº 13 (01/2016)], ISBN978-3-89502-400-9, 192 p., 13 Euro, Editora: Horlemann Verlag, Lindenallee 9, 16278 Angermünde, Deutschland, E-mail: info@horlemann-verlag.de, http://www.horlemann.info/.
Tradução de Boaventura Antunes (03/2016)