Roswitha Scholz

 

A MÁSCARA DA MORTE VERMELHA

 

Capitalismo de casino, movimento feminista e desconstrução

 

 

 

Nota Prévia * Juventude, capitalismo de casino e “(des)construção” * A estetização da oposição radical * (Mulheres) em movimento à moda antiga após o colapso do bloco de Leste * Baile de máscaras dos sexos e alienação * Desconstrução e (etno)fundamentalismo * Após a desconstrução… * Bibliografia * Notas

 

 

 

 

 

“Mas o Príncipe Próspero era alegre, destemido e sagaz. Quando seus domínios estavam meio despovoados, convocou à sua presença um milhar de amigos saudáveis e joviais de entre os cavaleiros e damas da corte e com eles se recolheu à profunda reclusão de um dos seus castelos fortificados. Era uma extensa e magnífica estrutura, criação do gosto excêntrico mas augusto do príncipe. Uma muralha forte e altiva a circundava. Esta muralha tinha portões de ferro. Após entrarem, os cortesãos trouxeram fornalhas e martelos maciços e soldaram as travas. Eles decidiram não deixar nenhum meio de entrada ou de saída pelos impulsos súbitos de desespero ou de fúria a partir do interior. O castelo estava amplamente abastecido. Com tais precauções os cortesãos poderiam desafiar o contágio. O mundo exterior deveria tomar conta de si. Entretanto seria tolice lamentar-se ou ficar a cismar. O príncipe havia providenciado toda a sorte de prazeres. Havia bobos e poetas improvisadores, havia bailarinos e músicos, havia beleza, havia vinho. No castelo havia tudo isto e segurança. Fora havia a Morte Vermelha. Foi por volta do final do quinto ou sexto mês de reclusão, enquanto a pestilência assolava furiosamente lá fora, que o Príncipe Próspero convidou o seu milhar de amigos para um baile de máscaras da mais extraordinária magnificência.”

 

(Edgar Allan Poe, A Máscara da Morte Vermelha)

 

 

 

 

Nota Prévia

 

Este texto foi escrito no primeiro semestre de 1994. Material posterior e subsequentes discussões foram consideradas apenas esporadicamente e de forma não sistemática. O artigo não estava originalmente destinado a ser publicado na Krisis, dado que se destinava em primeira linha a um público do movimento feminista. As tentativas para acomodá-lo (numa versão mais curta) nas respectivas publicações não foram completamente bem sucedidas; o tema foi considerado "importante". Como ainda não há um compromisso firme e o artigo se refere às tendências do actual espírito do tempo (ou seja, a publicação não deve ser adiada), decidi publicá-lo primeiro na Krisis.

 

Embora o texto apresente uma crítica de certas correntes do movimento feminista e das tendências mais recentes na elaboração teórica / investigação feminista, também pode ser lido em muitos aspectos como uma crítica ao espírito do tempo em geral, incluindo correntes mais recentes de oposição radical (salientei isso ocasionalmente). Escusado será apontar especialmente que há pelo menos tantos príncipes Prósperos como princesas Prósperas (do chauvinismo do bem-estar), que são o foco do meu raciocínio.

 

O ressurgimento da peste na Índia, em resultado de processos da modernização, deu a posteriori um fundo mais que macabro à história de Edgar Allan Poe por mim metaforicamente utilizada como mote inicial e final. Questionei-me se, nestas circunstâncias, uma referência a A Máscara da Morte Vermelha não poderia ter efeitos diametralmente opostos às minhas intenções (principalmente no que respeita a esforços implícitos de exclusão de não-brancos e não-europeus). No entanto, dado que, na minha opinião, esta história sintetiza excelentemente em termos literários certas facetas da condição pós-moderna, acabei por decidir-me a deixá-la como "suporte" das minhas teses.

 

 

Desde o final dos anos oitenta algo mudou no movimento das mulheres e na teoria feminista. Concepções em destaque no feminismo teórico, como o marxismo, a psicanálise ou a abordagem das “mulheres de Bielefeld", são empurradas para segundo plano e em vez delas ocupam o centro das atenções abordagens da teoria do discurso e interaccionistas. As orientações teóricas mais recentes são agora ansiosamente recebidas nos media e entre as mulheres do movimento. Pergunta-se em que relação estão estas novas orientações com as mudanças e turbulências sociais (mundiais) desde a década de oitenta, e por que despertam tão grande interesse as concepções construcionistas justamente desde o início dos anos noventa, juntamente com o aumento simultâneo de padrões de interpretação antropológico-biologistas na sociedade. As considerações seguintes procuram encontrar respostas a estas questões, em parte de forma especulativa, com especial atenção para as motivações e intenções dos sujeitos "pós-modernos" e do público "pós-moderno". Sobretudo na parte final das minhas reflexões, entro ainda em perspectivas (teóricas) na minha opinião mais frutíferas do que as oferecidas pelas concepções construcionistas. Cujas ideias fundamentais, no entanto, é preciso expor brevemente antes de mais.

 

Especialmente o livro de Judith Butler Gender Trouble causou grande furor. Ela critica aí a distinção até agora assumida entre "sexo" e "género". Em ligação com várias teóricas e teóricos, mas especialmente com Foucault, desenvolve uma perspectiva em que o "sexo" pode ser totalmente absorvido no "género", mesmo o sexo "biológico", dado que o corpo seria na verdade um produto do discurso. Género e identidade de género são, assim, marcados por processos de caracterização, sendo masculinidade e feminilidade constructos culturais, que é preciso literalmente atacar através da desconstrução na teoria do discurso. Uma vez que para Butler o "sexo" é apenas performativo e não constitui uma categoria expressiva, ou seja, ele tem de ser representado (repetida e ritualmente), ela vê na subversão interna do dualismo de género por meio de práticas parodísticas repetitivas, que na sua opinião se pode encontrar nas subculturas gays e lésbicas, uma via para tornar a identidade de género radicalmente implausível (ver Butler 1991).

 

Também a etnometodologia considera masculinidade e feminilidade como constructos culturais, embora a partir de uma tradição teórica diferente da de Butler. A nossa própria cultura é aqui considerada como uma cultura estranha, para assim chegar à pista das auto-evidências culturais no quotidiano (e de como a consciência quotidiana se reflecte na ciência e na teoria). Também aqui o "sexo" não é algo que temos, mas algo que "fazemos". Também as concepções etnometodológicas deixam certamente o "sexo" desaparecer no "género", porque o sexo tem que ser produzido de forma interactiva como um constructo social – também se fala de "trabalho de interacção" – e não pode ser ou não pode ser inteiramente derivado da constituição biológica. Por isso a pesquisa transexual é um campo preferido da pesquisa de género etnometodológica.

 

Assim, para algumas defensoras desta abordagem, no plano científico e teórico trata-se também da "desconstrução" do processo de classificação sexual, ou seja, a estrutura binária básica tem de ser questionada. No plano político-prático, pelo contrário, esta abordagem é difícil: não resta senão insistir à maneira habitual na diferença ou na igualdade, dependendo da situação, dado que simplesmente existe uma verdadeira hierarquia de género – embora ambas as estratégias acabem por ir dar de certo modo numa reificação real da sexualidade (na vida política), como tem sido a organização do movimento das mulheres como um movimento de mulheres em geral; o que também se aplica à concepção de Butler (cf. Gildemeister/Wetterer 1992).

 

A questão agora é por que as concepções de género construcionistas têm estado em alta nos estudos das mulheres na Alemanha desde o final dos anos oitenta. Quase se tem a impressão de que estas abordagens abriram à força um alçapão, e isto apesar de ter sido constatado ainda em 1992 um "bloqueio na recepção" da posição etnometodológica na Alemanha (Gildemeister/Wetterer 1992, p. 203). Isto dificilmente pode ser explicado apenas pela alegria exuberante de grande parte do movimento das mulheres e dos estudos das mulheres, que agora puseram de parte esboços rudimentares de "nova feminilidade" através de conceitos teóricos sofisticados. Para não ser mal interpretada desde o início: Eu não nego que género, masculinidade e feminilidade são culturalmente/socialmente e historicamente constituídos e não podem ser imediatamente derivados de dados biológicos – nem possivelmente até mesmo definidos ontologicamente (volto a isso mais tarde); problemática parece-me, sobretudo, a hipostasiação actual de questões teóricas culturalistas em muitas partes dos estudos das mulheres e de género.

 

Especialmente nas abordagens construcionistas, a realidade social só é interessante na medida em que diz respeito à questão formal da "construção da (dupla) sexualidade", enquanto as questões económicas, políticas e também de certo modo psicossociais, bem como uma concomitante orientação político-social e teórico-social, perderam importância. Isto corresponde a uma tendência para "a relação social com a natureza, a pobreza e a exploração no Terceiro Mundo, as políticas de guerra e paz (...) serem percebidas, no máximo, como tópicos especiais para especialistas; já não são preocupações colectivas do movimento das mulheres" (Holland-Cunz, 1994, p. 25). Parece quase como se nas abordagens construcionistas, com a negação da "inocente" hipótese de uma diferença fisiológica entre homens e mulheres (da qual, em minha opinião, não se segue de modo nenhum uma natureza supra-histórica em termos de metafísica de género), se escamoteasse igualmente a tomada de conhecimento dos perturbantes problemas sociais (mundiais), que também não se detêm à porta da própria casa. Este "biologismo invertido" que aqui também se torna visível – "invertido" na medida em que estas concepções partem ostensivamente do princípio de que nem mesmo as diferenças corporais entre os sexos devem existir, porque arrastam consigo necessariamente diferenças sociais (assim Nagl-Docekal 1993, referindo-se à concepção de Butler) – poderia facilmente exigir, através da sua excentricidade, de certo modo pela lei do discurso, uma tendência contrária de pontos de vista antropológicos ou biologistas, que já agora estão na moda nas tendências conservadoras de direita e radicais de direita.

 

Justamente também as inúmeras críticas que entretanto, como reacção a Butler, reclamam veementemente a existência do corpo, poderiam no caso constituir uma fase de transição para um novo pensamento antropológico-biologista , que talvez volte a aparecer alegremente no mainstream do "discurso" em poucos anos. Em meados dos anos noventa o clima na Alemanha de facto melhorou, mas não a situação objectiva-estrutural. Um problema constante também no futuro será, por exemplo, a garantia de subsistência dos desempregados. Está para se ver como isso vai afectar permanentemente a atmosfera social no seu conjunto. Nas reflexões que seguem a questão para mim não é tanto um debate em termos de conteúdo das concepções construcionistas, pelo contrário, parece-me que se impõe com urgência seguir as relações com a história contemporânea e os panos de fundo materiais da sua carreira fulgurante, colocando-as neste contexto.

 

 

Juventude, capitalismo de casino e “(des)construção”

 

Die Woche: Norman Mailer descreveu-a no seu grande artigo na "Esquire" como "a melhor artista viva". O seu comentário?

Madonna: Obrigada, Norman Mailer.

 

Die Woche: Ele também escreveu que lhe desagradou a decoração do seu apartamento, porque Mussolini se teria sentido bem lá.

Madonna: Ele pensou que me tinha insultado. Na verdade, também senti isso como um cumprimento. Eu adoro o design fascista.

 

Die Woche: A sério?

Madonna: Oh, sim! Também gosto da arquitectura fascista.

 

Die Woche: Há tantas cidades na Europa que foram desfiguradas por construções fascistas (...)

Madonna: Não só na Europa. No México, existem alguns belos edifícios fascistas.

 

Die Woche: Mas como pode você separar a obra do seu significado? Nunca se pode ver um edifício sem saber também o que ele representa.

Madonna: A sua arrogância decidida fascina-me. Há muitas coisas que me atraem que têm uma conotação negativa. Por exemplo, de violência ou brutalidade. Por outro lado, fascinam-me o romantismo e o sentimento. Coisas de natureza exactamente oposta (isso é que era bom, se se considera o fascismo / nacional-socialismo, R. S.). Eu acho que o melhor é tomar um pouco de tudo.

 

(Entrevista: Detlef Diederichsen em Die Woche nº 43, 21.Out.1994).

 

Landwehr/Rumpf constatam, em seminários na Universidade, que as jovens estudantes se sentem especialmente atraídas pelas abordagens construcionistas mais recentes, ao contrário das professoras e docentes mais velhas, e justificam isso com a diferente experiência de fundo da geração mais jovem. Nas últimas décadas as relações de género modificaram-se, também pela existência e pela luta do movimento das mulheres, entre outras coisas. Relações que agora já não são vividas pelas feministas mais jovens como campo de batalha na mesma medida em que o eram antes (cf. Landwehr/Rumpf 1993, p. 3 sg.).

 

Penso que esta afirmação acerta quando muito em parte, e é decididamente de curto alcance. A experiência dos jovens adultos que agora se podem encontrar nas universidades é o capitalismo de casino patriarcal dos anos oitenta e noventa, que até recentemente comemorou triunfos literalmente ruidosos. Ele era festas de celebridades, trapos Benetton, Thomas Gottschalk, RTL, Sat 1, etc., e não em último lugar um mundo adulto quase amansado pela febre do consumo, que já não ia de férias para a Itália, mas para os EUA ou para a Austrália, que encomendava o prato mais requintado e o vinho mais caro em locais de luxo, exigia um equipamento de vídeo em cada quarto, celebrava festas de caviar e champanhe etc., e tudo isto mesmo que a bolsa não o permitisse. A realidade de fantasia foi confundida com a realidade em geral. Alienação, sofrimento e sentimento ficaram atordoados na segunda metade dos anos oitenta pelo espetáculo mediático, pelo boom Yuppie e pela postura de luxo. A "nova superficialidade" marcou amplamente o espírito do tempo, apesar ou talvez justamente porque o buraco do ozono, as chuvas ácidas, a "nova pobreza" etc. cada vez mais davam nas vistas. De facto a violência contra as mulheres aumentou, e as mulheres, apesar da boa formação e do aumento do emprego, continuam a ser até hoje as principais responsáveis pela lida da casa e pelas crianças, ao contrário dos homens. Apesar disso, surgiu na opinião pública a avaliação optimista de que as mulheres se vão tornando imparáveis "lenta, mas poderosamente".

 

Esta ideia revela-se hoje uma ilusão, devida ela própria à irrealista percepção fantasiosa dos anos oitenta, que sobrevalorizou as mudanças nas últimas décadas e as tomou já quase pelo todo. A chamada "questão da mulher" corre agora o risco de se tornar novamente uma "contradição secundária", perante o agravamento da crise económica e o aumento do racismo, do radicalismo de direita e do nacionalismo (cf. beitrage 35, 1993). Além disso, o feminismo orientado para a concorrência da CSU de Mathilde Berghofer-Weichner também não consegue enganar ninguém. Há muito tempo se torna claro para os contemporâneos que não há só a realidade dos media, questões de estilo e equipamentos caros. A moda da "nova modéstia" e do "mórbido" nos anos noventa não é apenas uma simples moda, pelo contrário, aqui faz-se da necessidade virtude.

 

Esta evolução, no entanto, ainda não chegou ao feminismo académico, em termos de teoria feminista. Problemas económicos e sociais são tratados de modo mais empirista e não teórico pelos "seus impactos sobre as mulheres." Assim conceitos teóricos à la Butler estão em alta e não é de admirar que a geração jovem socializada no capitalismo de casino, com a sua realidade de discoteca, se lhes refira enfaticamente; esta abordagem descarnada e dessubjectivada, e em última instância afastada da realidade, oferece possibilidades de anestesia e de escapismo semelhantes às dos filmes dos novos canais de TV e dos vídeos de aluguer, no entanto adequadas a um público universitário de modo extremamente elaborado. Ela nutre com a sua linguagem teatral – fala-se de encenação, paródia, mascarada – a ideia do mundo como uma aparência mais ou menos agradável, em que "determinadas configurações culturais da identidade de género tomaram o lugar do 'real' (entre aspas! R.S.)” (Butler 1991, p 60).

 

Barbara Duden falou das suas experiências com jovens estudantes na Universidade: "O que me preocupa é uma estudante com quem falei no outro dia. Ela procura confiar no texto de Butler porque é escrito por uma mulher e porque, como ela diz, serve como remédio para remover o seu desconforto na vida quotidiana, juntamente com a sua corporalidade” (Duden, 1993, p. 33, nota 12) O estímulo para enfrentar a hierarquia de género, de modo nenhum desaparecida, pode ser perdido desta maneira. Dado que masculinidade e feminilidade são no fundo percebidas como ficções, o "mal-estar dos sexos", mas especialmente o "mal-estar nos sexos" é provavelmente também ficcionado e, assim, finalmente escamoteado. Mas é precisamente aí que reside o perigo do texto de Butler, especialmente nos tempos que correm, em que a ênfase da emancipação, que já se crê amplamente realizada, se revela ela própria como ficção. "Madonna" é de facto celebrada por alguns (pelo menos no que respeita à sua apresentação nos anos oitenta) como "milagre desconstrucionista", que supostamente torna ridícula e reduz ao absurdo a "feminilidade", através do desempenho paródico e da fixação no dinheiro provocatoriamente ostensiva que lhe está associada. Aqui impõe-se a suspeita de que muitas pessoas, demasiado pós-modernas no seu quotidiano estilizado, mais simulam a simulação do que jogam com a realidade sexual forçada a que elas próprias realmente ainda estão submetidas (sem aspas!).

 

Teorias com uma retórica de ficção parecem falar principalmente à juventude pós-moderna, cujo fundo de experiência é o maluco capitalismo festivo dos anos oitenta. Portanto, a questão não pode ser simplesmente um "exame verdadeiro e sério ... dos interesses que orientam a geração mais jovem em termos de teoria política", como exigem Landwehr/Hull (1993, p. 4), pois esta geração parece, pelo menos em parte, não estar disposta a levar-se a si mesma a sério. Em vez disso, os seus interesses terão de ser objecto de “um exame verdadeiro e sério”, criticamente e sem equívocos.

 

O mesmo se aplica à própria Butler, com suas estratégias teóricas e políticas clownescas. No entanto deve dizer-se honestamente que o seu livro, publicado inicialmente em 1990, em grande parte ainda não é perturbado pelas rupturas epocais que só surgiram depois; e por isso já deve ser hoje considerado um documento de uma época (1) dos anos oitenta. A concepção da etnometodologia que simultaneamente entrou em alta não era de facto nova; no entanto, a sua entrada eufórica no quadro do movimento das mulheres na década de noventa não foi por acaso e estava em sintonia com o espírito do tempo simulativo dos anos oitenta. Por exemplo, também as concepções etnometodológicas se servem, em parte, de uma linguagem do teatro: fala-se de "performance" (por exemplo, em Goffman, embora com um significado diferente do de Butler) e de encenação, e parte-se por princípio de símbolos flutuando livremente, que apenas são feitos como tais por homens e mulheres em interacção. Assim, o impacto da ficcionalidade também é encorajado, mesmo que estas abordagens enfatizem repetidamente que o quotidiano também é na verdade "real" e a construção simbólica é nele incontornável (daí que a estratégia de subversão de Butler seja considerada dispensável). Isto aplica-se ainda mais quando se trata de "sentimentos", uma vez que estes são apenas mera emanação da "construção" e, assim, parecem ter por princípio um carácter móvel e solto, por exemplo, ao serem considerados apenas "como resultado do seu próprio agir" (Gildemeister/Wetterer 1992, p. 247; ver também Hagemann-White, 1993, p. 77) (2).

 

No entanto, em minha opinião, é particularmente a concepção de Butler que hipoteca a década de oitenta, quando a prosperidade (do Estado de bem-estar) a chegar ao fim nos países industrializados altamente desenvolvidos já lançava as suas sombras de miséria, devido a mudanças estruturais e epocais em todo o mundo (por exemplo, o alargamento do fosso entre ricos e pobres no chamado "Primeiro Mundo" e entre este e o "Terceiro Mundo"), e quando uma viragem conservadora de direita – não apenas na Alemanha – se anunciava, a qual então ninguém levou a sério adequadamente. Butler, como figura destacada, é por assim dizer uma espécie de Princesa Próspera, que "significa” e "simboliza" a retirada tola de muitos para um mundo de ilusão, como se via justamente também em não poucas partes do movimento das mulheres, com a sua ilusão de emancipação na ilha da institucionalização patrocinada pelo Estado social. Esta retirada pode ser simultaneamente acompanhada por uma fuga para o “quotidiano vil” inquestionado, que os/as etnometodólogos/as tomam por objecto.

 

Essa atitude é particularmente evidente na simuladora juventude Benetton dos anos oitenta. Bodo Morshäuser (3) escreve: "Os jovens dos anos oitenta... não tinham a meta da identidade. Gostavam de se orientar por filósofos de inspiração francesa que mencionavam uma centena de razões pelas quais o sujeito se foi e ficou a história. Moda eram teorias de simulação, em que já não aparece qualquer sujeito social, mas sim contribuintes sob controle remoto, que se comportavam adaptativamente, sem que fosse preciso ninguém dizer-lhes. Uma máquina que se move por si, escreveu-se. Referindo-se ao que nos anos sessenta e setenta se chamava "sociedade". Os jovens dos anos oitenta puseram a ridículo o conceito de identidade e o que ele representava. Ao mesmo tempo, os de direita descobriam este termo como uma metáfora positiva. (...) Os símbolos foram (na juventude dos anos oitenta, R. S.) privados do seu conteúdo e entendidos como signos. A vantagem de quem sabe que é um jogo, enquanto os outros vão reagir como se fosse sério, era uma vantagem típica da juventude dos anos oitenta contra os mais velhos. Diziam estes: 'Isso é uma cruz suástica'. Respondiam os jovens: É somente uma cruz suástica, não, apenas representa uma cruz suástica; os signos são livremente disponíveis, quem os leva a sério é por sua própria culpa'. Réplica dos mais velhos: 'Esta é verdadeiramente uma cruz suástica'. Resposta dos mais novos: 'Então manda uma abaixo, se isso te interessa tanto" (Morshäuser 1993 p. 42 sg. e 44 sg.; ver também o extracto da entrevista acima com Madonna, a estrela de "novo feminismo" e de muitos da “esquerda hedonista” que ainda hoje mantém claramente tais atitudes). Não poderá o que Morshäuser aqui escreve ser aplicado, de acordo com o "espírito do tempo", também à concepção de Judith Butler e em parte também aos/às etnometodólogos/as e à sua ávida leitura pela geração mais jovem?

 

É verdade que a palavra "construção" (justamente também para os "oposicionistas residuais" que restam na sociedade) promete tornar-se a palavra da década dos anos noventa, tal como os termos "reificação" nos anos setenta e "mundo da vida" nos anos oitenta. Mas, por outro lado, o tempo dos signos (pelo menos na sua variante "inocente" dos anos oitenta) está objectivamente passado nos anos noventa. Desde 1989 mudou muita coisa, como se sabe: a "realidade" como tal reingressou na consciência e mostra muito claramente que "realmente" é de carne e osso: nas muitas guerras civis em todo o mundo e em ataques racistas e anti-semitas, que de modo nenhum representam meros eventos mediáticos. A situação económica está a deteriorar-se a olhos vistos. Tendências de direita, etnonacionalistas e fundamentalistas estão a espalhar-se. A "nação" reaparece por toda a parte e especialmente também na Alemanha após a "reunificação".

 

Neste contexto, também "masculinidade" e "feminilidade" recuperam um significado "pesado": entretanto, após a celebração boba e exagerada dos "Swinging Singles", em toda a parte surge o discurso lamurioso da desagregação da família, e não é apenas o ex-candidato presidencial Heitmann que deseja as mulheres de volta ao lar doméstico. Mesmo em muitos ex-esquerdistas e progressistas se podem encontrar de repente ideias antropológico-biologistas. Já não são tabu hipóteses ontologizadoras a isso associadas, sobre a relação de género entre outras. Aponta-se aqui, por exemplo, para a educação falhada da prole das gerações posteriores a 68 e ao protesto, que servirão como prova empírica de que, na verdade, nem tudo é "socialmente" condicionado (por exemplo, no agora muito discutido Schneider 1993, p. 139 sg.).

 

Em tais argumentos permanece geralmente ignorado que as velhas fixações de género ainda estão sempre presentes inconscientemente nos pais, mesmo contra a sua intenção, e que as crianças assumem isso como que por osmose. Nem é reflectido que continuam a existir em outros lugares na publicidade, nos filmes, etc. (ou seja, no nível simbólico) imagens típicas do género, que não deixarão de ter o seu efeito. A ignorância a este respeito é ainda mais notável quando se considera que, diferentemente, a violência excessiva nos média e o aumento da violência real são perfeitamente colocados num contexto. E também já sobe no feminismo, que agora anda com a cabeça à roda nas regiões nebulosas do sistema de linguagem, um novo-velho pico da metafísica do género, sendo saudado como digno de atenção, por exemplo, o "essencialismo barulhento" de Camille Paglia, com que as páginas culturais muito se congratulam (4).

 

Num futuro não muito distante, poderá então talvez dizer-se na elaboração teórica, em dicção biologista ou pelo menos antropologista, também para o mainstream (de estudos das mulheres ou de género de orientação emancipatória então ainda existentes?): recentemente, quando masculinidade e feminilidade não tinham qualquer significado; à semelhança do título do ensaio de Morshäuser: "Recentemente, quando a cruz suástica não tinha qualquer significado", ou seja, era apenas um signo. Sabe-se que os ressentimentos racista e misógino estão intimamente relacionados (o que, naturalmente, não significa que as mulheres não sejam por isso racistas) e pode-se esperar que esta ligação se revele mais do que nunca no futuro. Esta ligação é agora evidente nas violações em massa na ex-Jugoslávia (cometidas certamente não apenas pelos "sérvios") e não só. Até que se chegue a esse ponto neste país, o feminismo, com a vigorosa ajuda do "imperativo de desconstrução" proveniente de Butler, poderá ter explodido no ar, e depois já não haverá nenhuma resistência a interpretações biologistas da realidade, nem qualquer política contra o sexismo, o racismo e o anti-semitismo, justamente do lado daquelas partes do movimento das mulheres em que se chegou a uma crítica da polaridade de género. Paradoxalmente, a "desconstrução" teria apenas ajudado a voltar à vida aquilo contra o qual outrora se mobilizou de forma muito exaltada, pois até mesmo a mera diferença física entre homens e mulheres não deveria mais existir. Seria também de questionar, no entanto, em que medida as concepções construcionistas não vêm mesmo a calhar, justamente também para necessidades de demarcação versus "outras mulheres" (sobre isso mais abaixo).

 

Perante todas as novas tendências bárbaras na sociedade (mundial), a abordagem de Butler chuta impotente para o ar, e corre o risco de voltar-se contra si mesma. Gays e lésbicas, a quem segundo Butler caberia particularmente o papel de eliminar o sistema cultural dos dois sexos no jogo com os símbolos, são eles próprios alvos dos ataques de direita, como se sabe, e também os direitistas italianos, por exemplo, se mobilizam em massa contra os homossexuais, como se vê amplamente na imprensa. Com isto não quero dizer que gays e lésbicas não devam vir a público, ou que as acções "bi" devam ser escondidas – pelo contrário, isso é talvez mais importante do que nunca. Mas duvido que a abordagem cheia de truques de Butler e a estratégia correspondente de "política queer" sejam adequadas, em sua superficialidade, para conseguir modificar realmente alguma coisa na realidade coercivamente heterossexual e patriarcal, com todas as suas implicações. Igualmente impotente funciona a concepção interaccionista (como a de Gildemeister/Wetterer 1992, p. 247 sg.), cujas propostas de prática política funcionam mais bem colocadas no feminismo e por si nem têm ligação à teoria, opondo-se-lhe mesmo francamente.

 

De certa maneira, um pensar da des-construção descarnado apoia mesmo inadvertidamente tendências bárbaras do "espírito" do tempo, ou corresponde-lhes. Pode parecer chocante à primeira vista, mas não corresponderão tais abordagens às novas formas "pós-modernas" de violência juvenil, predominantemente por jovens do sexo masculino, em certa medida regando-as subterraneamente? Em toda a parte é relatado nos mass media que esta violência não conhece quaisquer limites: mesmo se o/a outro/a já está no chão e se dá por vencido/a, continua a ser batido/a até sangrar. "Há muitos criminosos que se sentem como se 'eles próprios' não estivessem realmente envolvidos nas suas acções. Sentem-se como se não tivessem realmente batido no outro até à morte, como se tudo isso fosse 'apenas televisão'. As teorias da simulação obtêm uma confirmação absurda na incapacidade de distinguir entre realidade e cinema" (Enzensberger, 1993, p. 69 sg.) (5).

 

Parece quase como se esses jovens não soubessem da existência do corpo e das suas sensações e, precisamente por isso, tivessem de assegurar-se do seu em acções marciais. Eles tratam-no realmente como se tivesse apenas a qualidade dum signo, e como se fosse apenas um produto do discurso, sem base física nem psíquica. Certamente que algo assim não corresponde à intenção das teóricas construcionistas no feminismo. Butler não se ocupa com as mudanças na realidade social através de novos media; no entanto, em minha opinião, a sua abordagem é já expressão e efeito dessas mudanças, embora também não exclusivamente, porque teria de ser aqui tido em conta o conjunto total, patriarcal e na forma de mercadoria, das relações sociais, produzido em algumas óbvias tendências de desenvolvimento.

 

Neste contexto, as novas tendências biologistas poderiam também ser interpretadas como uma fuga, através de processos de aceleração na era das gigantescas redes de informação, de uma realidade tornada fluida (Virilio, 1992), em que nada é absolutamente seguro; como uma espécie de contraponto objectivo à teoria de Butler, que abraça justamente essa fluidez de forma irreflectida e acrítica. Que em Butler “realidade e cinema” ronronam juntos é o que se exprime, por exemplo, no seguinte ponto: "A tese de que a identidade de género é uma construção não diz nada da sua ilusão ou artificialidade, porque estes termos são parte integrante de um sistema binário em que se lhes contrapõem o 'real' e o autêntico" (Butler 1991, p. 60).

 

Butler opera aqui um ficcionar radical da realidade. Ela parece absolutamente determinada a acabar radicalmente com a realidade, expondo até mesmo a aparência de certo modo como aparência enquanto mero reverso da realidade. O show, então, não é menos real do que a realidade, e a realidade não menos artificial do que o show, o que significa que na "realidade" tudo se torna show, se “verdadeiro” e “falso” se dissolveram no ar. Depois, em última análise, a própria estratégia de "show" também já está sempre "legitimada". Butler faz isso ao considerar o problema da "realidade" como desinteressante e irrelevante, tratando-se para ela então apenas da "genealogia da ontologia do género” e da aparente naturalidade do género e da identidade de género neste contexto (sendo que ela, na formulação, evita se possível o “aparente”, embora depois fale de "género e identidade de género" como "ficções reguladoras") (Butler 1991, p. 60 sg.).

 

Um "truque" está também no facto de Butler colocar o “'real' e o autêntico" (ver citação acima) numa série; assim se exclui que algo possa ser historicamente real e no entanto não “autêntico” em sentido ontológico (ver também sobre isto a crítica de Lorey 1993 a Butler, em ligação com Foucault, especialmente p. 16 sg.). Ao ler Gender Trouble surge no leitor um trouble: "Tudo isto é apenas imaginação tua. Mas para ti – 'para ti' no fundo também não existe nada!".

 

Em ambos os casos, na violência juvenil pós-moderna bem como no acolhimento que as concepções construcionistas encontram especialmente nas estudantes mais jovens, parece reflectir-se uma tendência social geral para a falta de sentimento e de sensibilidade, que se mostra também na busca de aventura, de emoção e de diversão na "sociedade do evento" (Gerhard Schulze). Esta tendência pode expressar-se também, por exemplo, na participação em bailes de máscaras travestistas (6), mesmo que apenas na secretária.

 

Aqui a abordagem de Butler e em parte a dos/as etnometodólogos/as ao mesmo tempo têm fatalmente um efeito tranquilizador, ainda que tenha de se evidenciar um “mal-estar” no que respeita às repetidas manchetes do dia na década de 1990: guerras civis, desastres ambientais, experiências radioactivas em prisioneiros e deficientes americanos, violência juvenil e ataques anti-semitas e racistas ao virar da esquina e assim por diante? Não se preocupe. Ainda bem que a mulher realmente não tem corpo, que é apenas produto do discurso e construção cultural, e isso se aplica a outros igualmente! E no que respeita à engenharia genética, já não é realmente assim tão importante, haja ou não homens e mulheres fisicamente reais. Mesmo se homens e mulheres são mental, física e socialmente cultivados como os tomates da Holanda, o que importa é que a realidade social é sempre produzida de modo puramente social/cultural/discursivo. E quem se incomoda com isso é por sua própria culpa. Onde está a norma?

 

 

A estetização da oposição radical

 

A juventude dos anos oitenta foi quiçá a vanguardista: apenas no início dos anos noventa é que, na República Federal da Alemanha, as teorias do pós-modernismo e do construcionismo ganharam maior relevo nos meios académicos e nos estudos das mulheres, os quais agora, finalmente, se transmutaram em estudos de género. Um olhar aos catálogos Fischer e Suhrkamp é suficiente para constatar este facto. Na aprendizagem dos jovens dos anos oitenta, com base numa crescente mediatização, informatização (7) e sobretudo comercialização da sociedade, as experiências passam cada vez mais para segundo plano, ou pelo menos não são tidas (ou não se quer tê-las) em conta. De acordo com as minhas observações, é sem relutância que alguns(algumas) (ex-)activistas dos restos dos antigos movimentos de protesto, incluindo do movimento das mulheres, se deixam inspirar por ideias pós-estruturalistas à la Butler, bem como pelas ideologias da juventude dos anos oitenta. Entretanto, as teorias pós-modernas são, em grande medida, o pilar de muitos oposicionistas radicais dos anos noventa.

 

Sintomático disso é a publicação da revista Die Beute [O Saque] desde a primavera de 1994. Embora as teorias pós-modernas, no que à sua força “progressista” de transformação da sociedade diz respeito, se tenham mostrado não totalmente sem problemas, principalmente depois de “Rostock” (a), há aqui, no entanto, novamente uma clara tentativa de, por assim dizer, contrapor ao espírito do tempo de direita um animado “apesar de tudo” dentro do espírito do tempo, sob disfarce de oposição. A esquerda (tradicional) e o pensamento pós-moderno são, portanto, apresentados de forma análoga e conjugada.

 

No entanto, a questão que se coloca é se a atitude dos opositores ao espírito do tempo não corresponde imediatamente às relações sociais vigentes, em vez de engenhosamente as contestar: pelo menos num tempo da “sociedade do evento”, dos “jogos de sorte” e da invenção (seja do “político”, do “pornográfico” ou de mil e uma outras coisas mais), em que o imperante é “A vida como obra de arte” (Michel Foucault), na qual se acredita que cada indivíduo é ou pode ser um artista (Joseph Beuys), e em que têm grande saída as concepções teóricas que afirmam “Todos nós fazemos teatro” (Erving Goffmann) e/ou ontologizam o ser humano por assim dizer como homo theatralicus, de acordo com o lema “O homem é por natureza um ser artificial” (Helmut Plessner).

 
Ainda que seja mais do que louvável que exista uma rejeição da velha esquerda petrificada, da esquerda liberal e dos grupos feministas conservadores, tenho dúvidas que seja aconselhável fazê-la no 
design solto e arrojado do espírito do tempo, até porque as estratégias da ultra afirmação, como eu quero acreditar que seja a concepção global da Beute, se revelaram como uma variedade da oposição 
dos anos oitenta, ela própria falhada e em parte até cínica (ver também os excertos da entrevista supra de Madonna) e contemporizadora com as condições sociais. Mas também esta “estratégia” 
já passou à história.
 

Por outro lado, Die Beute é já em si um produto paradoxal destas conclusões, quando, por exemplo, o seu objectivo é superar a falta de comunicação entre a oposição política e a artística dos anos noventa (ver Die Beute 1/1994, p. 7) e operar uma correspondente práxis de comunicação. Nesta perspectiva, na sua “consciência infeliz” de reivindicação de oposição, ela reflecte a mudança de época para a era pós-socialista (tem, no entanto, de se lhe conceder que uma “consciência mais feliz” é tudo menos fácil de atingir).

 

Vista no seu conjunto, Die Beute perde-se nas perturbações atmosféricas do universo do capitalismo de casino, uma vez que ainda o trata com um hedonismo de esquerda, sem o contestar seriamente. Deste modo ela torna-se – em especial por hábito – parte integrante do baile de máscaras pós-moderno, dando mesmo a sensação de que o futuro iniciado nas subculturas dos anos oitenta é alcançado e, até, celebrado em mais larga escala, depois de se ter generalizado (ainda que de uma maneira questionável). Com estas objecções não se pretende aqui repudiar e condenar globalmente, por princípio, as atitudes hedonistas (nem, de resto, as teorias pós-modernas em geral), mas criticam-se aquelas que contam com a sua integração num trivial capitalismo consumista hedonista vulgar e de protesto – mesmo contra melhor conhecimento –, procurando obter daí um ganho ideológico, material e até “profissional”. Um tal hedonismo ameaça, precisamente nos teóricos da década de noventa – contra o que eles pretendem – virar-se contra si próprio; na sua radical oposição, ele vive à custa dos “outros”, contra cuja exclusão ele intervém tão energicamente em termos de conteúdos. Neste contexto há também o perigo de contribuir para uma estetização do terror e do mal, entretanto desenfreada (ver a esclarecedora análise sobre a estetização do terror constante no ensaio de Jacob de 1994), em tempos que se tornam economicamente cada vez mais precários.

 

Assim, alguém que se move na esfera de influência da Beute e também já lá publicou escreve também noutro contexto (no qual não por acaso também participaram fazedores/as da Beute): “A bohème de que eu falo é um segmento da nova 'pequena burguesia', a qual mais ou menos ganha o seu dinheiro nas chamadas profissões criativas, vivendo, portanto, do seu capital cultural (gosto, ideias, conhecimento, perversidade, boa disposição), levantando-se com toda a força contra a desvalorização ou revalorização que ela própria acumulou. Isso também influi na constituição desses comités de bem-estar [uma associação composta por artistas de esquerda, intelectuais e grupos políticos face à progressão da direita, R.S.]. Por fim, com todo o entusiasmo por esses princípios de auto-reflexão [ou seja, pela repolitização da esfera da boémia de esquerda dos anos oitenta, a qual antes tinha ignorado amplamente a dimensão social/política, R.S.], deve-se ter em atenção que se mantenha ou se consiga capacidade de acção, pois o trabalho cultural subsidiado não cai do céu. A acentuação da capacidade de dançar entre um e outro evento, que Hans Nieswand apelidou de Jam-cum-Symposium, parece-me quase desnecessária: Se nesses comités de bem-estar alguma coisa se desenvolve, à qual melhor será não dar a ridícula designação de “movimento”, será a não necessidade de ensinar essas pessoas a dançar” (Diederichsen 1994, p. 21).

 

É óbvio que na realidade não há assim um confronto tão brusco entre a juventude dos anos oitenta e a geração “mais velha” como aqui se assume para fins ilustrativos. Na verdade, a geração “mais velha” contribuiu, ela própria, para a atmosfera da simulação. “Recordo-me como, de repente, a maquilhagem voltou a estar na moda. Por volta de finais dos anos 70, a boca ressaltava, sensual, na cara, como se permanentemente fosse a de uma estrela do cinema: conscienciosamente provocantes, as mulheres ofereciam-na como um fruto proibido; tal perversidade era como uma ferida aberta numa ideia de si traída. Mas tudo se transformou em pó e cinza. A imagem da mulher embelezada foi ultrapassada pelo movimento com uma sensação de alívio, porque ele teve sempre um desejo frustrado de criação de uma linha orientadora viável de “estética feminina”. Subitamente, a nova mulher saída do figurino publicitário surge de novo em seminários e eventos” (Schaad 1993, p. 83).

 

Algumas criaram então a ilusão de que, através da “autoformação” (8) do patriarcado, se tornavam algo diferentes, celebrando essa diferença como uma libertação, sem sequer terem a noção de que assim voluntariamente assumiam “velhos” momentos de identidade compulsiva, e com eles os respectivos estados emocionais, mesmo se a era yuppie conservadora-liberal tinha exigido um novo “tipo de mulher” no qual o velho tipo “foi rejeitado”, e, nesta nova amálgama, novos constrangimentos (aparentemente de escolha livre) se tornavam evidentes: “a mulher que tudo quer”, como é referido no spot publicitário do café Eduscho, mas que na realidade se sente permanentemente sobrecarregada. Não é por acaso que já há muito tempo a questão da identidade no feminismo (e nas próprias mulheres) é periclitante. Não obstante a exigência feita às mulheres, como pertinentemente se pode ler num artigo da Beute, “de, numa só pessoa, serem versáteis e flexíveis, mãe e pai, companheira e amiga, amante e camarada, mulher de carreira e de limpeza, foi sempre concebida e classificada como parte da divisão sexista do trabalho. Hoje, pelo contrário, a mulher poderia acreditar, com Butler, ver por detrás de tudo aquilo o brilho da liberdade.” (Eichhorn 1994, p. 43).

 

 

(Mulheres) em movimento à moda antiga após o colapso do bloco de Leste

 

O “desenvolvimento-design” a que Schaad se refere, que globalmente visto nos anos oitenta ainda estava imbuído de “conteúdos” (problemática ecológica, procura de formas de vida alternativas, etc.), atingiu no início dos anos noventa de certo modo o seu ponto máximo. Os novos movimentos sociais (movimento ecológico, pela paz, alternativo, das mulheres) foram considerados durante algum tempo como o pólo oposto à atmosfera yuppie, sendo que os anos oitenta contudo foram tidos “mais como uma década da superfície… que de profundidade” (Morshäuser 1993, p. 41). Por isso os meios sociais do movimento também não foram afectados no seu âmago. Talvez isto se deva àquela falsa imediatidade da qual estes movimentos ainda assim sempre estiveram impregnados.

 

Aqui esteve sempre como pano de fundo sobretudo a velha construção teórica da esquerda. O desmoronamento do socialismo realmente existente nos anos oitenta e a consequente obsolescência das suas teorias causaram bastante dor, que importava ser anestesiada. O colapso do marxismo emudeceu imediata e amplamente os/as manifestantes da altura, lançando-os/as numa crise de identidade. Também isto me parece uma razão para a popularidade daquelas teorias que operam com uma retórica ficcional: O modo de ser Biedermeier pós-moderno, irrompido da história, já não é apenas o que gosta de calçar as pantufas em casa e de se remeter à redescoberta do valor da “familia” e /ou da vida privada, ele agora também gosta de frequentar bailes de máscaras, principalmente quando o baile de máscaras, como em Butler, se vende como “político”, podendo ser habilidosamente integrado na velha identidade do movimento, agora com as novas necessidades Biedermeier pós-modernas.

 

Ainda que os elementos do movimento dos anos oitenta e seus/suas suportes nas universidades, que forneciam a música de fundo intelectual, estivessem não raro distantes do ideário marxista e socialista, ainda assim podiam encontrar-se neles frequentemente referências mais ou menos difusas. A perda deste sistema de referência da teoria e da política social desempenha manifestamente um papel importante na “enfermidade do feminismo ocidental” (segundo Thürmer-Rohr 1993, p. 192), durante anos observável ou por muitos apenas temida, feminismo que vive fortemente (ainda que de modo inconsciente) dos ideais de “esquerda”.

 

É especialmente notório em Butler o quanto ela está indirectamente presa ao marxismo em alguns pontos-chave. Ilde Landwehr também constatou isso: “A concepção teórica de Butler pode ser descrita como uma mera reversão do modelo base-superestrutura do marxismo vulgar: aqui a base significa a relação do Homem com a natureza, a respectiva organização do trabalho (determinada pela relação entre forças produtivas e relações de produção) que determina todas as outras relações da forma. Em Butler o que antes era a base passou a ser superestrutura da superestrutura: o modo como o homem se posiciona em relação à natureza já não pode ser discutido. Na sua perspectiva, a construção de um conceito de natureza (na subcategoria do corpo) serve apenas para autonomizar e confirmar as diferenças encontradas no discurso. Estas, ou seja, todas as formas de representação ocupam as posições teóricas da 'base'” (Landwehr 1993, p. 16).

 

Em Butler não apenas transparece um “biologismo invertido”, como de certo modo também um “marxismo invertido”. O “valor como sujeito automático” é agora banido pelo sistema de linguagem e pelo deus-discurso. E até uma espécie de sujeito revolucionário lá está: as subculturas gays e lésbicas deverão “agitar” o sistema dos dois sexos, através do “jogo com as identidades” institucionalizado. Assim, já foram certificados a Butler “um traço messiânico”, no que diz respeito ao questionamento da identidade de género, bem como certas tendências “românticas”, como as que podem ser encontradas em Foucault (Trettip 1992, p. 77; Hirschauer 1993, p. 58). O facto de na concepção de Butler haver uma anulação de facto da vida interior ou afim, e de nela em última instância apenas a atitude exterior contar, interessa ao velho movimento (feminista), ainda que permaneça um mal-estar difuso. Crianças queimadas têm medo do fogo e, por isso, gostam de pensar o mundo como signos, com os quais se pode brincar (como tendem a sugerir as abordagens etnometodológicas no feminismo).

 

Butler integra assim habilmente, na negação abstracta (implícita), alguns pressupostos básicos da concepção de Marx – também aqui sem imposições histórico-filosóficas (as ex-activistas do feminismo poderiam assim, possivelmente, vir a ser confrontadas com a sua própria biografia), os quais como teoremas de base até determinaram o próprio discurso da década de oitenta, mesmo que apenas na demarcação consciente. Tais teoremas e o ímpeto que lhes estava associado, que ficou agora apagado, ainda impregnam obviamente (inconscientemente) as (antigas) mulheres do movimento, ora empalidecidas até aos ossos já inexistentes. E o que torna a concepção de Butler particularmente agradável é o facto de tudo isto ser feito com um imenso e sério esforço argumentativo, de tal modo que conduz a algo não vinculativo, mostrando apenas “em última análise a imaginação da realidade” (Maihofer, citado por Lorey 1993, p. 21, nota 11), transmitindo às receptoras a impressão que o mundo é feito de sonhos e ilusões. A seguidora alemã, Barbara Vinken, escreveu mesmo um ensaio intitulado, “A substância da qual são feitos os corpos” (Vinken 1993 a).

 

Um verdadeiro antidepressivo, portanto, quando os sonhos feministas de mudança social finalmente se revelaram tais que, sensivelmente já a partir de meados dos anos oitenta, a mulher começou a sepultá-los no quotidiano da institucionalização, numa altura em que, além disso, as “perspectivas de guerra civil” e a ameaça de uma catástrofe ecológica e económica são assustadoras e a “guerra civil molecular” (radicalismo da direita, violência juvenil, episódios amoque, etc.) se evidencia na proximidade (Enzensberger 1993). Com isto, no entanto, já então se vê que a concepção de Butler seguirá o curso de todos os marxismos e de todos os ismos, e que a suposição de que a realidade é sempre pura imaginação se revela ela própria como imaginação. Num tempo incerto em todos os aspectos, procura-se refúgio não somente em nichos new age e psycho, mas também numa espécie de falsa mediatidade num pós-estruturalismo esotérico, onde aparentemente ninguém consegue algo para uma pessoa.

 

 

Baile de máscaras dos sexos e alienação

 

A concepção de Butler não belisca as relações sociais, orientando o protesto por vias nas quais pode desmentir-se a si próprio. As discriminações específicas de género de modo algum podem ser objecto de escândalo com esta concepção. A este respeito Butler, na minha opinião, é contra qualquer análise aos elementos-chave da “revolta”. A popularidade de Butler vive da aceitação superficial de gays e lésbicas, que de momento se pode observar na sociedade, a qual contudo é simultaneamente acompanhada por um reforço de atitudes autoritárias e de pressupostos teóricos de controlo, na esfera pública e na teoria. Por conseguinte, o “baile de máscaras dos sexos” (Barbara Vinken) actualmente moderno, mesmo entre heterossexuais nas metrópoles dos EUA e da Europa, deveria ser recebido com cepticismo, tal como também toda a adopção parcial dos simbolismos do sexo oposto por homens e mulheres. A lésbica por moda, bem como o gay por moda, facilmente despirão o seu fato masculino ou o seu “vestidinho preto” quando a moda passar e, como é sabido, isto poderá acontecer de um momento para o outro. Quem, das pessoas “mais velhas”, não se recorda do destino de algumas activistas lésbicas dos anos setenta? A utilização de acessórios do sexo oposto protege tanto da homofobia como as viagens frequentes a países longínquos, os jantares em restaurantes chineses ou a posse de um tapete persa protegem contra atitudes racistas.

 

Tanto mais problemático é quando Butler fundamenta tais posturas através das suas sugestões teóricas. Com a sua concepção, ela apenas mergulha no “nirvana do dinheiro” (Kurz 1994) travestido, certificando afinal aquilo que realmente mais não é do que o falso brilho e glamour de um mundo amplamente comercializado, sem tocar realmente na cada vez mais intensa discriminação contra mulheres, gays e lésbicas, nem lhe oferecer uma resistência associada ao objectivo político de abalar nos seus fundamentos a heterossexualidade patriarcal compulsiva predominante. Não apenas Madona realiza assim o programa de Butler, também a completamente irreflectida travesti mediática Mary, ao fazer publicidade à geleia Zentis e, como se pode ver, oferecendo a um amplo público, como chiste televisivo, o cúmulo da “arte da subversão” de Butler. Mesmo em tempos pós-modernos, no entanto, é diferente, se ela se chama Meyer e mora na porta mesmo ao lado.

 

A alienação, como produto dos mecanismos de socialização heterossexual patriarcal forçada, não é tema para Butler. Para ela, a alienação toma forma mais na teoria, na medida em que ela praticamente deixa passar o outfit, a atitude, a paródia, a encenação, etc. apenas na sua dimensão ritual e performativa, em vez de a visar criticamente, o que obviamente contradiz por princípio o espírito pós-moderno, para o qual, no colorido universo da mercadoria, já é suficiente uma apalhaçada falsa dissolução da polaridade sexual. Esta tendência torna-se especialmente evidente no “femininismo tutti-frutti” intelectual da sua seguidora Barbara Vinken, quando esta aplaude o jogo irónico com os papéis de género nas novas colecções dos criativos da moda e, precisamente neste contexto, louva o “baile de máscaras dos sexos” nas metrópoles dos países ocidentais. (Vinken 1993 b).

 

A Bultler e Vinken, em toda a sua orientação teórica, simplesmente não interessa que o padrão cultural sexual – mesmo na própria paródia – ainda esteja profundamente enraizado na psique dos homens e das mulheres, e que possa ainda vir a expressar-se sob novas formas. O “sexo” não pode ser simplesmente mudado como quem muda de roupa, como poderá parecer às leitoras da abordagem desconstrucionista e da teoria do discurso, mesmo que Butler, apesar de toda a linguagem teatral inflacionariamente usada, quase só por hábito proteste nos seus textos contra as interpretações voluntaristas e insista na necessidade de uma praxis institucionalizada amplamente dessubjectivada. Mas também neste discurso a identidade de género não é simplesmente constituída de modo meramente performativo (ver também Benhabib 1993 a, p. 107s.). Por isso seria de exigir, designadamente, o retomar de concepções da tradição psicanalítica com ponto de vista crítico em termos de teoria social (por ex. Chodorow 1985; Benjamin 1990), as quais de momento se encontram algo em segundo plano, porque nelas a sexualidade não tem um carácter assim tão fluido como sugerem as concepções construcionistas, que vão mais ao encontro da crença que o público pós-moderno tem na arbitrariedade.

 

Embora as relações familiares e as condições de vida se tenham modificado nos últimos trinta anos, as crianças, depois da separação/divórcio dos pais, ficam normalmente com a mãe (a qual passa a exercer as funções de ambos os pais) e o pai torna-se agora ainda mais distante do que nos tempos que antecederam a pós-modernidade. Seriam necessários estudos de base psicanalítica que tivessem em conta as mudanças de estilos de vida (sem cair na lamechice à moda conservadora sobre a decadência da família tradicional), justamente em ligação com as novas formas pós-modernas de violência juvenil, as quais são essencialmente exercidas por jovens do sexo masculino, e sem esquecer o papel das mulheres/moças. (ver aqui também Meyer 1993).

 

Neste âmbito e tendo em conta a (re)masculinização generalizada da sociedade, o volumoso estudo de Theweleit sobre a disposição psíquica dos homens-soldados na modernidade, “Fantasias Masculinas”, deveria também ser analisado sob o ponto de vista de hoje, considerando ainda a questão da dimensão físico-corporal. Pois, como diz Theweleit numa entrevista ao Taz: “Sobre as questões do corpo e da 'diferença sexual', impera de momento um enorme silêncio no espaço (alargado) de língua alemã” (Theweleit 1994).

 

Durante muito tempo, a própria psicanálise participou no estabelecimento da norma heterossexual compulsiva. Entretanto vai havendo esforços para a formulação de alternativas à “psicanálise na posição de missionário” (Benjamin 1992, p. 833), que levem em conta uma possível multiplicidade de orientações sexuais, sem contudo cair no erro de declarar não existente o profundo enraizamento das imagens dos sexos masculino e feminino nas camadas psíquicas profundas, como é o caso nas concepções construcionistas (e também nas etnometodológicas) (com limitações, Rauchfleich 1994 dá sobre isso indicações importantes). Há de facto entretanto – justamente também como reacção ao conceito descarnado de Butler – bastantes esforços para pôr em jogo novamente a dimensão corporal, se bem que frequentemente apenas no contexto de um novo “fenomenologismo” de proveniência foucaultiana ou mesmo fenomenológica, que apenas está interessado na questão do “como”, ignorando, no seu reducionismo positivista, a perspectiva psicológica profunda (ver, por exemplo, artigos relevantes em Feministischen Studien [Estudos Feministas] 2, 1993).

 

“A alienação”, no entanto, também na abordagem etnometodológica se torna método: “A alienação”, na própria cultura das nações industriais altamente desenvolvidas, é instrumentalizada no seu estranhamento através da (suposta) visão externa. O dia-a-dia de cada um surge agora na tela e aí é “exposto”. Ele, em jeito de método, é submerso numa luz irreal, pretendendo-se que cause deste modo a impressão de “imitação”. É assim que, em última análise, o “efeito cinema” aqui é trabalhado. Mesmo nos processos de identificação que se desenvolvem automaticamente no quotidiano e nos concomitantes processos emocionais, esta exoterização da vida quotidiana e do próprio “ser” é reforçada pela ênfase da própria “acção”, que discursivamente transmite a sensação de ser-exterior. Tal exterioridade e a concomitante experiência de ficcionalização naturalmente também são de muito agrado da juventude dos anos oitenta e das antigas activistas, pois também assim é ganha a aparência de arbitrariedade e pressentida a possibilidade do baile de máscaras.

 

Em Butller e não só, numa perspectiva estruturalista sem sujeito, mas especialmente na abordagem etnomedológica, é preciso, com base na teoria de acção, constantemente “ser feito“, “ser elaborado”, “ser construído”, etc. num plano micro-sociológico. Aos muitos “trabalhos”, incansavelmente debatidos nos estudos das mulheres (trabalho doméstico, trabalho emocional, trabalho de relacionamento), acresce aqui mais um “trabalho” (se o “materialismo” é rejeitado, não é aqui certamente!): o trabalho de interacção que tem de ser feito no “doing gender” mesmo que inconscientemente (mais sugestões: que tal o trabalho respiratório, digestivo, de dormir, etc., que então a bem-aventurança eterna estaria de certeza assegurada à mulher perante o Deus protestante!). Já quase se fica com a impressão de que, após a escassez estrutural do trabalho remunerado nos últimos anos, teriam agora de ser adquiridos noutras áreas direitos celestiais nos estudos das mulheres da república federal. Também isto diz muito às antigas activistas, pois durante anos tentaram encaixar o trabalho “feminino” de reprodução na abordagem de Marx, para a qual o “trabalho” representa a característica do género humano por excelência (9).

 

A ênfase produtivista da etnometodologia, em muitos dos seus aspectos, faz recordar efectivamente a produção industrial, mesmo estando esta a ser transferida para processos de execução automática. Um aparte: assim também se frustra a pretensão de olhar para a própria cultura sob a perspectiva de um estranho. Como é do conhecimento geral, todas as sociedades não europeias e pré-modernas não tinham nem têm de modo nenhum uma “mania da actividade” como as ocidentais. Pelo contrário, esta, não raras vezes, teve de lhes ser incutida à força (ver Gronemeyer 1991). A etnometodologia, contudo, a julgar pelo seu discurso, sente-se obviamente comprometida com a ética protestante, a qual desempenhou um papel importante no desenvolvimento das estruturas capitalistas na cultura cristã ocidental, num tempo em que, não por acaso, começou a formar-se também o moderno sistema dos dois sexos. Por isso ficaria bem não menos que a “desconstrução” do “trabalho” ontologizado, do eterno “fazer” e “produzir” como fetiche tornado histórico-cultural, o qual, partindo de uma área de atracção cultural limitada, atingiu uma efectividade fatal sem precedentes na história da humanidade, descambando num delírio de fazibilidade destruidora.

 

O distanciamento superficial da vida quotidiana, no entanto, beneficia os/as receptores/as pós-modernos/as num tempo em que, ao contrário do que era usual, os desenvolvimentos sociais mundiais já nem sequer as nações altamente industrializadas poupam de tal quotidiano. No entanto, parodoxalmente, o distanciamento do dia-a-dia pode coexistir com o simultâneo refúgio em si: pessoas haverá que já há muito recusam a leitura de jornais diários. Se em Butler se fica com a impressão de que ela simplesmente equipara a realidade dos media com a realidade, a leitura da abordagem interaccionista tem um efeito contrário: aqui o quotidiano já é metodicamente mediatizado. No fim, o resultado é o mesmo: O mundo torna-se um filme.

 

Do que se trata, pelo contrário, é de criticar a alienação, de ter em conta simplesmente a sua experiência e o “sofrimento” dela advindo, em vez de deixar que se tornem teoria ou método. Foi o que, por exemplo, constatou Elisabeth List: “O trabalho profissional moderno – não só nas áreas das ciências e da economia, mas também na arquitectura e no planeamento – ainda pressupõe como natural a tradicional divisão de trabalho entre os sexos, particularmente a disponibilidade das mulheres para os cuidados do dia-a-dia. O seu androcentrismo irreflectido – assim se pode resumir a crítica feminista – é a causa não só da cegueira de género na cultura científica moderna, mas também do seu esquecimento do ambiente, da sua negação da contingência e da corporeidade como momentos essenciais da vida humana”. (List 1993ª , p. 140).

 

Este esquecimento do corpo e da vida, passando pelos modos de socialização patriarcal, por sua vez mediados, de comercialização, informatização, mediatização etc., acaba por conduzir, pelo menos em parte, a uma dissolução da consciência e do sentido da realidade. Entra-se “num processo de ficcionalização da realidade”, como constata Axel Honneth, (em critica simultânea às teorias sociais pós-modernas) em ligação com Baudrillard, desembocando-se assim numa “destruição das infra-estruturas de comunicação do mundo da vida”, a qual vai de par com tendências para a individualização (Honneth 1994, p. 14 sg.). Tais desenvolvimentos não têm deixado o feminismo e as teorias feministas indiferentes nos últimos tempos, como mostram as teorias construcionistas e a sua ampla recepção, sem no entanto deixar que a ordem hierárquica do género, enquanto princípio social basilar, tivesse saído dos eixos; pelo contrário, também ela foi ficcionalizada.

 

Neste contexto, outros aspectos para além dos aqui discutidos merecem também atenção para explicar a popularidade das concepções construcionistas: ressalta, desde logo, que estas concepções tiveram grande sucesso na teoria dos movimentos feministas precisamente nos primeiros anos da década de noventa quando, em paralelo, uma série de actos violentos da extrema-direita dominava os media. Possivelmente a explicação para tal reside no facto de ser justamente nesta altura que a famosa sociedade do ego, do acotovelar e da aventura atinge o seu ponto culminante provisório, na sequência da propagação, desde 1989, da política e da ideologia neoliberal. Especialmente a concepção de Butler representa, por assim dizer, o expoente máximo da “libertação no singular”, uma tendência que já desde há alguns anos tem vindo a ser constatada nos movimentos das mulheres brancas (Thürmer-Rohr 1990). Ainda que Butler rejeite isso em si mesma, ela pressupõe implicitamente, na sua abordagem, um “conceito estético […] da liberdade individual”, cuja adopção Honneth identifica em praticamente todas as teorias sociais pós-modernas, o qual só se torna possível por meio do “desenvolvimento lúdico das diferenças individuais”, e assim também por meio do jogo com as identidades de género (Honneth 1994, p. 15 e sg.). É de supor que os/as leitores/as pós-modernos/as dos textos de Butler tenham uma reacção especial a esta subliminar mensagem. Em Butler, a “liberdade no singular” manifesta-se também no facto de ela se esforçar, na desconstrução, por impossibilitar teoricamente a referência à categoria “mulher” (como também Gildemeister/Wetterer 1992): “Na minha opinião, as rupturas entre as mulheres e no seu meio-ambiente têm de ser protegidas e valorizadas, sim, esta constante divisão deveria até ser aprovada enquanto razão sem fundamento da teoria feminista” (Butler 1993, p. 50).

 

Assim visto, na desconstrução do sujeito e da sexualidade binária, em que a constituição do eu não desempenha qualquer papel e o “eu” apenas leva uma “existência” marginal (ver a este propósito a crítica a Butler de Benhabib 1993 a, p. 107 e sg.), ocorre no público pós-moderno, de modo aparentemente paradoxal, a mais alta celebração do ego. A “perda” de si e um egocentrismo radical vão de braço dado, tal como na violência juvenil (de direita), ainda que naturalmente de outra maneira (10). Perante este pano de fundo, uma mulher fica forçosamente com a impressão de que, ainda que o mundo se desmorone, as princesas Prósperas do movimento feminista branco ocupam-se intensivamente com os seus próprios egos na primeira metade dos anos noventa, como mostra a forte resposta às concepções construcionistas; ainda que, por outro lado, se constate ao nível prático e empírico que o espaço de manobra perante a crise económica se vai reduzindo. Ambos os lados se consolidam na busca da “autonomia individual”. É significativo que o debate simultâneo do próprio racismo no movimento (branco) das mulheres, principalmente desde 1989, tenha ocorrido frequentemente apenas do ponto de vista da preservação e do respeito pelas “diferenças”.

 

 

Desconstrução e (etno)fundamentalismo

 

As concepções construcionistas são geralmente tidas como “imunes ao racismo”, de tal modo que, com elas, até a própria artificialidade da categoria “raça” não raramente é comprovada. Aliás, elas parecem ter uma particular vocação para demonstrar o “absurdo” dos ideais colectivos de identidade e representam o “antifundamentalismo” por excelência. Na citação supra de Butler, porém, torna-se evidente que a insistência num fundamentalismo identitário (seja ele individual ou de vários grupos de mulheres) é um pressuposto imprescindível da sua abordagem desconstrucionista. Pois apenas quando individual e colectivamente se insiste numa “diferença por princípio”, ficam reunidas as condições para que Butler possa deitar a língua de fora a toda a gente e dizer: Estão a ver, a categoria de mulher universal não existe de todo! Só assim é que o termo “mulheres” perde a sua forma fixa e se torna, na terminologia eufemística de Butler, “um teatro de permanente abertura e possibilidade de reinterpretação” (Butler 1993, p. 50).

 

Porém, na actual situação social, isso significa principalmente que estão ainda a ser apoiados sobretudo os conflitos etnofundamentalistas e a “guerra civil molecular”, se apenas as “diferenças” devem poder ser dissecadas e as semelhanças são praticamente sentidas como uma ameaça, sendo que, decididamente, há uma enorme diferença entre serem os “humilhados e ofendidos” a insistir na sua “diferença étnica” ou ser a direita alemã. Na sua concepção sem critério, Butler, que se reivindica de “democrática”, basicamente não prevê a unificação numa base comum supra-individual ou entre facções, concepção esta que por sua vez apenas provocaria o protesto na “lógica de discurso”; pelo contrário, para ela o termo “mulheres” deverá em última instância ser levado ad absurdum num discurso persistente. De certo modo, o seu antifundamentalismo vive praticamente do fundamentalismo, o qual se deverá auto-contradizer permanentemente “no jogo”.

 

Do mesmo modo a concepção interaccionista está necessariamente dependente da “construção” do outro como “totalmente outro”: “Os Minankabau na Sumatra, os Hopis no Sudoeste dos EUA, o povo de Bali são exemplos muito citados como culturas com uma organização de género que não assenta na dominação masculina. Também são interessantes as culturas em que não existem apenas duas, mas várias categorias de género distintas, entre as quais as pessoas podem mudar (…) Se nós (…) na nossa sociedade vemos o tornar-se homem ou mulher como produto da socialização, ou seja, como um apropriação simbólico-linguística da sexualidade binária, então podemos distanciar-nos dos padrões e modelos pré-definidos de diferença sexual e procurar alternativas” (Brück u.a. 1992, p. 89; ver também similarmente Gildemeister/Wetterer 1992, p. 208).

 

Do que não se pode tratar aqui é de uma uniformidade absoluta das relações de género em todos os tempos e em todo o globo terrestre. Tão pouco deve ser contestado o particular valor explicativo das concepções construcionistas para a teorização feminista, desde que não invoquem exclusivamente o paradigma culturalista. Mas se o fizerem corre-se o risco da exoticização radical do “outro”, em perspectivas exageradamente historicistas e de relativismo cultural. Tal tendência é óbvia na citação de Brücke, designadamente porque o sistema simbólico linguístico é tomado teoricamente como base, do ponto de vista do relativismo cultural (também Butler vê a práxislinguística como decisiva para a constituição do género; porém não cabe aqui entrar nas diferenças entre as duas concepções). Só desta maneira, e tendo como pressuposto básico uma “alteridade” dos outros “desde sempre” por princípio, é que, nas abordagens etnometodológicas feministas, a Princesa Próspera branca consegue a tão desejada possibilidade de distanciamento dos padrões do papel dos géneros daqui e a busca de alternativas. Esconde-se aqui que tal distanciamento nem sequer é possível nem está acessível nas sociedades não-modernas (e não somente nelas), ao contrário do que acontece em algumas esferas sociais dos países altamente industrializados. Tal como outrora os movimentos de libertação do “Terceiro Mundo” foram usados pela “nova esquerda” nos anos setenta para os seus fins, e o projecto “cabana da menstruação” foi usado pelas correntes orientadas para a diferença e reaccionárias no feminismo do início dos anos oitenta também para os seus fins, também agora, nos anos noventa, a Princesa Próspera branca mais uma vez instrumentaliza “os outros”, em captura interaccionista, para os seus objectivos.

 

Desta feita, praticamente já quase não existe discussão sobre o tema “diferença de género” nos movimentos dos anos noventa sem que alguém tire da cartola uma “sociedade diferente” ou uma “etnia diferente” em que tudo, absolutamente tudo, se relacione de “modo completamente diferente”, a fim de alicerçar o mito pós-moderno da arbitrariedade. Hoje em dia ocorre uma exoticização radical dos “outros” mas já não através de naturalizações, como aconteceu repetidamente desde o século XVIII, mas sim através de uma frequentemente constatada “culturalização do social” na sociedade e das concomitantes ciências sociais em geral. Para afirmar a radical falta de sentido da “pequena diferença”, é necessária a “grande diferença cultural”. Mesmo que a intenção seja outra, objectivamente tais abordagens estão em linha com os pressupostos de diferença cultural que também podem ser encontrados na “nova direita”. É verdade que uma enorme diferença (entre outras) entre as concepções da direita e as feministas reside naturalmente em que um entendimento ontologizante de “a mulher” é combatido justamente no feminismo desconstrucionista. Apesar disso, no entanto, a Princesa Próspera branca, com a sua vontade desconstrucionista, não defende nada menos os interesses ocidentais-eurocêntricos.

 

É significativo que concepções de uma “nova feminilidade” (por vezes ontologizada), que nos anos oitenta dominavam a discussão mainstream (e a meu ver também merecedoras de crítica, o que, porém, não é o propósito deste artigo) não tenham muito crédito nos anos noventa. Como é possível? Habitualmente são precisamente estas abordagens que têm sido associadas à “nova direita”. Seguindo esta lógica, a “nova feminilidade” teria forçosamente de desempenhar um papel central no feminismo dos anos noventa. Enquanto a revista konkret, nos preparativos para o congresso “Was tun” [“Que fazer”] no Verão de 1993, colocava em sentido mais retórico a questão “O movimento alemão das mulheres – uma outra BDM?(b) (questão que mais tarde voltou a ser descartada), justamente nesse mesmo ano, em que a violência racista em série não parava, as concepções construcionistas desabrochavam em força na Alemanha e encontravam ampla ressonância. E finalmente são consideradas entretanto na esquerda (inclusive também entre os grupos feministas com orientações pós-modernas) como o “último grito” em geral, misturado com algum materialismo marxista, quiçá de proveniência althusseriana.

 

Mas será que a nova moda do dirndl [vestido tradicional da Baviera] e do Trachenjanker [casaco tradicional dos Alpes] e uma in“corporação” das concepções descontrutivistas, consideradas “tipicamente americanas”, não representam talvez uma contradição social tão grande como à primeira vista parece? É que em tempos de crise, as necessidades de demarcação (e exclusão?) do movimento das mulheres brancas e alemãs, que até agora no conjunto apenas teve genericamente sucesso em casos formais, específicos ou pontuais, pode finalmente ser satisfeita contra “as outras mulheres”. Nestas circunstâncias, alguns sinais com a cabeça relativos à “diferença” feminina de Butler, tendem mais a ser inconscientemente (!?) estratégicos; afinal, a sua ideia de diferente já não se refere ao velho avental materno. Poderão possivelmente as novas concepções construcionistas oriundas “dos EUA” servir muito mais o novo interesse alemão na defesa dos direitos adquiridos, que se pauta por uma orientação competitiva profunda (mesmo entre as mulheres brancas com passaporte alemão), do que os velhos ideais de uma “nova feminilidade”?

 

A temporária “barreira à recepção” contra as concepções teóricas americanas no feminismo da República Federal até ao início dos anos noventa, em que não em último lugar se podem perceber também tons acentuadamente anti-americanos na esfera pública, puderam, visto assim e justamente por isso, ter sido superados porque estas concepções possivelmente vêm agora ao encontro das novas aspirações nacionalistas, as quais se podem facilmente apresentar em vestes pós-modernas. Nestas circunstâncias, penso de resto que não será de excluir que se desenvolvam, mesmo entre a direita contemporânea, posições altamente diferentes sobre a “questão de género”, que serão tratadas num pseudodiscurso. Neste contexto, também não seria descabido pensar em que medida, apesar dos cenários de guerra civil global, a discussão em torno da “desconstrução” terá possivelmente nos EUA um significado diferente de aqui entre nós, onde ela em última análise poderia muito mais correr o risco de, ao contrário da sua intenção actual, desembocar em hipóteses institucionais forçadas, quiçá em consonância com Gehlen. Em Schäuble, por exemplo, que não defende certamente a institucionalização das relações travestidas como Butler, mas mais a institucionalização acabada das famílias da velha burguesia, isso torna-se já claro agora (ver Schäuble 1994, especialmente p. 110s.).

 

Uma mulher corre aqui naturalmente o risco de, com a desconstrução da categoria “mulheres”, também a titular do interesse na “defesa dos direitos adquiridos” os ver desaparecer. Talvez seja especialmente esta situação ambivalente que determina o actual abrir a boca no movimento das mulheres (brancas). Caso as aspirações reducionistas da Princesa Próspera aos direitos adquiridos levem a que o movimento feminista se atire ao mar como um lemingue, ou que pelo menos se dê por satisfeito com a sua existência marginal, haverá a possibilidades de, no decurso da continuação dos desenvolvimentos sociais, acabar por se voltar a envolver com o pós-novo orgulho masculino alemão e (co)criar teorias da diferença de género pós-pós-modernas?

 

Aqui, de resto, está na linha de queda do desenvolvimento objectivo da crise social que as reivindicações propagadas desde há alguns anos no feminismo, de que as relações de género, de classe, de etnia/nação teriam de ser tratadas de igual modo tanto na praxis política como na investigação, acabe por conduzir à “vitória” da etnia/nação, sendo a dimensão do “género” (para a qual isto devia ser perfeitamente claro) posta para trás dos interesses étnicos e raciais e completamente cilindrada. Penso que a categoria género (independentemente da classe, da “etnia”, etc.) pode tornar-se, ainda que a um outro nível social, facilmente de novo invisível, uma vez que é considerada “a mais evidente” e “a mais natural” relação social, ainda que no fundamental este entendimento pareça ter sido um tanto ou quanto arranhado nos últimos anos. Tal poder-se-á dever ao facto de a “questão das mulheres” se ter tornando presente de forma constante apenas ao nível “simbólico”, deixando-a assim em lume brando, enquanto na política e na sociedade real já não acontece grande coisa no que às relações de género diz respeito (como se pode constatar na actualidade).

 

Na minha opinião, o abandono do conceito universal de “mulher” pelo movimento feminista nos últimos anos foi muito precipitada e superficialmente associado às reivindicações (muitas vezes legítimas) de “outras mulheres” (mulheres negras, mulheres judias, mulheres do “Terceiro Mundo” etc.). Provavelmente estas reivindicações dificilmente seriam ouvidas se não correspondessem à necessidade de “diferenciação” da Princesa Próspera (implicitamente também à necessidade de separação?). Um conceito universalista de “a mulher”, que especialmente na primeira metade dos anos oitenta ainda era bastante consensual, obrigaria na década de noventa a um mais elevado compromisso de solidariedade com “as outras mulheres”, principalmente quando está em causa um compromisso de asilo sórdido e quando é premente travar a real violência racial existente, o que de facto não veio a acontecer. Assim a mulher nas manifestações pôde empunhar cansada uma faixa discreta: ”Razões específicas das mulheres têm de ser reconhecidas como motivo de asilo”, ou não raramente cair em acusações mútuas de “racismo” na mera “ocupação com as coisas próprias”, porque “os outros” não são reconhecidos no seu “ser-outro” (totalmente), e simultaneamente as construções de um “outro-ser” não foram percebidas.

 

Se “a mulher” no fundo já não existe nem na “própria cultura” e sociedade, por maioria de razão as “mulheres estrangeiras” (mesmo aquelas que há muito vivem na Alemanha, mas que pertencem às chamadas minorias étnicas), principalmente se insistem na sua “identidade étnica”, podem ser tratadas como uma espécie vinda de Marte, perante as quais uma mulher na “cultura dominante” (Birgitt Rommelspacher) não está obrigada a nada (compare-se o envolvimento feminista em relação a Chernobyl nos anos oitenta e ainda na Guerra do Golfo!). Tais interpretações, até mesmo nas versões bem-intencionadas de insistência, são baseadas na alteridade abstracta dos “outros”, uma vez que partem de uma alteridade absoluta, que pretende ser movida pelo respeito. Pois tais posições também podem facilmente ser revertidas e voltar-se assim contra si próprias, se for alterado o fundamento normativo.

 

O indolente compromisso político das feministas contra o extremismo de direita e o racismo é, não raras vezes, mais ou menos implicitamente legitimado através de uma consciência de culpa de cumplicidade das mulheres brancas, seguindo esta lógica confusa: porque as mulheres não foram apenas vítimas, mas desde sempre cúmplices (racistas) do patriarcado, por isso nada posso fazer e continuo portanto cúmplice. Por causa das objecções das “outras mulheres”, uma mulher sente-se “confusa”. Ainda que não necessariamente, a “confusão” pode ser uma atitude defensiva, para não ter de admitir uma intenção própria “impura” mesmo perante si própria. Uma mulher fica então como que paralisada, nada pode fazer, as “coisas” seguem o seu curso e talvez “se” encaixem de modo não completamente contra a sua própria vantagem. Neste contexto, também seria digno de análise crítica a ênfase na cumplicidade, mesmo o narcisismo da cumplicidade (para não dizer o prazer da cumplicidade), que se tornou usual no movimento das mulheres desde meados dos anos oitenta, principalmente no que diz respeito ao complexo mulheres-e-extremismo/racismo-de-direita na investigação feminista na década de noventa.

 

É dentro deste constante tom histérico sobre a cumplicidade das mulheres que se confirma de maneira absurda a tese da cumplicidade de Thürmer-Rohr. Impõe-se a má suspeita de que nesta situação as concepções desconstrucionistas chegam mesmo a fazer da diferença entre as mulheres o seu fundamento, a pretender manter e realçar as divisões e rupturas entre as mulheres e a dar a bênção teórica à práxis da dessolidarização. Aliviam psiquicamente, principalmente na sua forma estruturalista sem sujeito e, com isso, no fundo tornam as transformações apenas imagináveis no plano lúdico dos signos, para lá de qualquer compromisso razoável com a realidade – mesmo em relação aos interesses sociais sérios da própria Princesa Próspera.

 

De forma alguma se trata aqui para mim de uma renovada argumentação (universalista abstracta) indiferente à diferença no feminismo, que, com um gesto colonial, subsuma “as outras” ao que lhe é próprio (sempre ainda privilegiado, apesar da repressão das mulheres); mas sim de uma crítica às posições de exoticização radical e de acentuação unilateral das diferenças, posições em que – como me parece – as coisas comuns estão a ser des“construídas” como antes as diferenças eram “desconstruídas”, e através das quais a Princesa Próspera tenta hoje de novo tirar proveito, na medida em que até as objecções dos “outros” são ainda co-processadas. Também deve dar que pensar o facto de, depois do conceito alimentado ao longo dos anos pelo movimento das mulheres da categoria universal “mulher”, a “verdade” passe a ser agora exactamente o oposto. Modificando uma afirmação de Habermas, o qual disse um dia que cognitivamente na noite da totalidade todas as vacas são pretas, poder-se-ia dizer: na noite da teoria do sistema simbólico da linguagem e da desconstrução (de resto ela mesma procedendo sempre ainda à maneira universalista), todas as vacas são diferentes; simplesmente brancas, amarelas, azuis, pretas, cor-de-rosa, etc.

 

Nas concepções construcionistas, a negação ostensiva da identidade mostra-se em alguns aspectos porventura mais como salvação da “própria” identidade roubada e duvidosa da Princesa Próspera branca, na sua triste figura patriarcal, a qual em tempos de crise pós-modernos tenta preservar os seus interesses como interesses de concorrência. Por conseguinte, não se trata simplesmente de utilizar a identidade como arma, como com razão é constatado frequentemente nos anos noventa, mas também da sua (aparente) negação na transformação em crisálida no casulo tramado com as concepções eficazes para o público pós-moderno justamente ao jeito de Butler, que parecem possibilitar a luta (pretensamente sem sangue e “sem custos”) na passividade. Aqui se tenta simultaneamente simular mais uma vez o ambiente de festa dos anos oitenta, agora apenas de um modo ainda mais acanhado e com menos fôlego.

 

 

Após a desconstrução...

 

Nas reflexões anteriores, a questão para mim foi o facto de as concepções construcionistas estarem assentes no contexto histórico contemporâneo da “festa dos anos oitenta” (Morshäuser 1993) e do seu prolongamento pelos anos noventa adentro. O que torna hoje estes conceitos tão atraentes é precisamente a circunstância (aparentemente paradoxal) de eles nem terem contribuído nada para a análise dos contextos sociais (globais) e dos daí resultantes problemas ecológicos, económicos e sociais, nem fazerem justiça à dimensão da experiência (como as abordagens da teoria do ponto de vista no feminismo dos anos oitenta, que ainda perduram), excluindo obviamente as pseudo-experiências simuladas dos anos oitenta e noventa, atrás das quais as sujeitas (feministas) gostam de se entrincheirar perante as experiências reais ameaçadoramente vivenciadas. O interesse que as concepções construcionistas actualmente despertam e as discussões que provocam parecem-me ser em grande parte uma mera defesa perante as enormes exigências à teoria social, que se colocam pelo menos desde 1989, e às quais o feminismo teórico reage com maior distância da práxis e o movimento das mulheres com uma espécie de reflexo de fazer-se de morto. Mais ainda: em simultâneo, nelas se exprimem decididamente os conflitos, medos e até alguma perfídia, etc. da década de noventa; no entanto, bem ao gosto do prezado público: de forma desdramatizada e codificada.

 

A questão agora é saber quais as concepções teóricas / movimentos de pensamento / reflexões, além dos já mencionados, poderiam dar resposta, pelo menos até certo ponto, aos grandes problemas sociais. Questão que, naturalmente, só pode ser aqui abordada por tópicos e fragmentariamente. Tratar-se-ia, antes de mais, num plano muito fundamental, de uma redefinição da relação do ser humano com a natureza e da conexa relação de género, de conseguir ter em conta emancipatoriamente o plano sócio-ecológico, e de evitar a perspectiva entretanto tornada moda de considerar “a” natureza quase exclusivamente sob os aspectos teórico-culturais ou nominalístico-culturais (com tendência, por conseguinte, para a ficção), sem com isso cair em modos de ver ontologizantes. Aqui também o “sexo”, como categoria analítica, teria de ser tido em consideração e começar a ser introduzido como objecto de investigação na República Federal.

 

Bárbara Holland-Cunz, a este propósito, faz uma chamada de atenção crucial no seu livro “A natureza do sujeito social” (Holland-Cunz 1994). Escreve ela: “Considero (...) a categoria marginalizada ‘sexo' (...) uma possibilidade categorial essencial para reimplementar e reintegrar na elaboração teórica feminista (...) o material, o corpo, a sua finitude temporal e espacial, a sua lógica e modo de funcionamento definida de modo não exclusivamente social, o seu contexto de mediação com a natureza não humana, a sua identidade e não-identidade com a ‘naturalidade’ extra-humana. Se o ‘sexo’ fosse concepcionalizado de modo não-ontologizante, talvez com base nesse conceito se pudesse criar um acesso a uma mediação analítica, não-analogizante entre relação natural e relação de género. (...) Em ligação com Jaggar e Grimshaw gostaria de (...) sugerir o ‘sexo’ não como campo de sedimentação biologista para naturalizações, mas como conceito a re-estabelecer dialecticamente mediado com o género: o sujeito social torna-se pensável na corporalidade humana historicamente adquirida; em que a participação ‘do’ humano na natureza e na sociedade teria sido possibilitada; como contrapeso a um conceito exclusivamente construcionista de 'género', como lugar de teorização não 'da natureza’, mas da relação dos indivíduos com a natureza, tal como consigo próprios” (Holland-Cunz, 1993, p. 206 a 208) Na minha opinião, uma posição assim diferenciada também é necessária para poder contrapor algo teoricamente exigente e plausível ao discurso antropologista e biologista, ou seja, para voltar a por em jogo a “natureza” de uma maneira não reaccionária.

 

Justamente na perspectiva histórico-ecológica aqui propagada teria de ser simultaneamente mostrado, na situação dos anos noventa, que os “(des)construcionismos desmaterializantes” (Holland-Cunz 1994, p. 208) de momento adorados e os antropologismos e biologismos que simultaneamente se podem encontrar como seu polo oposto são, na verdade, as duas faces de uma e mesma moeda social da pós-modernidade ingressada em estado de crise. Estes pontos de vista antropológicos gozam actualmente de muito sucesso, certamente também porque o rotineiro empreendimento académico que perdeu força nas ciências sociais e humanas (e também nos estudos das mulheres) apenas muito pouco de substancial tem a dizer sobre as violências em série, os cenários de guerra civil e a “guerra civil molecular”. A mera argumentação (des)construcionista (também relativamente à nação, ao racismo, etc.) é aqui efectivamente de pouco préstimo. Pelo contrário, também as estruturas objectivas (no seu tornar-se androcêntricas e euroêntricas) teriam de ser levadas em conta.

 

Este contexto e a questão da dinâmica de crise social (global) a ele associada, perceptível pelo menos desde finais dos anos oitenta, chama a atenção para uma outra dimensão, nomeadamente, para a relação dinheiro-mercadoria e suas referências sexuais, as quais na modernidade tiveram de estar ligadas com anteriores considerações sobre alienação, descorporização, esquecimento da “natureza” e a dissociação a isso associada do chamado “feminino” historicamente construído. Neste aspecto existem entretanto conceitos teóricos que podem contribuir decisivamente para o esclarecimento dos desenvolvimentos sociais (mundiais) (colapso do bloco de Leste, desenvolvimentos de guerras civis, etc.) e ajudar a ir além da crítica do antigo marxismo, e até mesmo renunciar a ele, na medida em que, designadamente, reconhecem o “socialismo real” como sistema produtor de mercadorias, sendo, além disso, o seu declínio explicado no contexto dos processos da crise global, que acabam por desembocar em cenários de guerra civil (cf. Kurz 1994). Neste contexto, seria de retomar os trabalhos das “mulheres de Bielefeld”, embora os seus tendenciais biologismos e as suas aspirações retrógradas tenham de ser alvo de crítica. Muitas das alterações registadas nos tempos mais recentes (aumento mundial de favelas, formação de estruturas mafiosas, aumento do racismo e do sexismo, etc.) já desde os anos oitenta foram previstas por estas investigadoras a partir da tendência global (cf. Bennholdt-Thomsen; Mies; Werlhof 1988).

 

Particularmente a temática da relação dinheiro-mercadoria já desde a segunda metade da década de oitenta sucumbe à tendência de “repulsa” perante todo e qualquer sinal de pensamento abrangente (Dieckmann 1994, p. 19) nas concepções teóricas da pós-modernidade, mas é sobretudo desde o colapso do bloco de Leste que existe um “bloqueio à recepção”, como diziam Gildemeister/Wetterer ainda em 1992 em relação ao “doing gender”. Justamente também nas concepções construcionistas propaga-se um pensamento sem conteúdo e apenas são admitidas atitudes pensantes que “legitimem” a impossibilidade de um pretensão de verdade e se curvem ao imperialismo do “como”. E, justamente nesta ausência de conteúdo, tais concepções correspondem às necessidades teóricas da Princesa Próspera nos anos noventa, a qual se emancipou (aparentemente) no seio do brilhante mundo das mercadorias, sem se importar muito com as “qualidades”.

 

Também Irmgard e Maria Schaffrin criticam a postura pós-moderna de “Princesa Próspera” no seio do movimento feminista branco: “Porque hoje a autonomia é apenas mediada pela mercadoria, impôs-se entre muitas feministas a “defesa dos direitos adquiridos”. Elas reclamam para si “independência económica” parecendo que, se as mulheres conseguirem realizar a sua força de trabalho em dinheiro, i.e., um salário, já será suficiente para se permitirem a sua vida feminista autónoma. A questão de saber se o seu trabalho assalariado é um valor útil concreto para a sociedade perde pelos vistos cada vez mais a importância. Em vez disso a motivação é no sentido de ocupar-se com os mecanismos do mercado que confirmam através da procura se o seu esforço foi 'valorizado'. Esta busca de autonomia individual aceita o trabalho assalariado, indiferentemente da actividade perante a sociedade e perante a natureza e sem ter em consideração o conteúdo. Muito simplesmente para o fim em si mesmo de curto prazo (…) Toda a crítica existente do dinheiro e do capital (como dinheiro que gera dinheiro) foi parar à estrumeira da história. As lentes anti-capitalistas são assim, graças à deusa, postas de lado. Uma mulher praticamente já não enxerga nada das condições internas da produção capitalista de mercadorias” (Schaffrin 1993, p. 27 e 29) (11).

 

A este respeito tem que ser feita uma chamada de atenção para um paradoxo que poderá trazer alguma irritação aos/às observadores/as do espírito do tempo. O supra citado livro de Robert Kurz O Colapso da Modernização e o livro Gender Trouble de Butler tornaram-se “populares” na mesma altura. A explicação para tal reside no facto de existirem entre os dois uma série de pontos comuns, dos quais apenas citarei alguns: ambos fazem uso de uma perspectiva estruturalista sem sujeito (ainda que Kurz o faça sob uma “perspectiva do sistema” diferente daquela que é a tradição estruturalista, incluindo as suas metamorfoses pós-estruturalistas); o que em Butler é o discurso sobre a construção do género e a identidade de género, é em Kurz “o valor” como sujeito automático, que na sua dinâmica histórico-social (para além do pensamento da luta de classes do velho marxismo) é “responsável” pelos problemas sociais mundiais da actualidade. Assim, ambos contribuem hoje – cada um à sua maneira – para a exoneração da acção; os dois têm, sem dúvida, uma tendência estilística e de conteúdo para a excentricidade e para o excesso; e, inquestionavelmente, ambos satisfazem as necessidades de um público “sedento de aventura” (no que a Butler concerne, ver acima).

 

Kurz faz isso através de um estilo de escrita emocionantemente assustador, que provoca arrepios. Neste aspecto também ele tem em consideração a necessidade pós-moderna de fazer um filme da realidade. Trata-se de uma espécie de “escrita da realidade”. Mas é precisamente isso que constitui a razão pela qual ele não causou como Butler uma mudança de paradigma em discussões análogas (que, com a sua perspectiva de totalidade, são tidas como anacrónicas e amplamente marginalizadas no discurso geral). Em Kurz, nomeadamente, a representação do terror coincide com o terror realmente vivenciado pelo público, ao contrário da Reality-TV, que faz parecer a realidade aí mostrada ainda assim como artificial (sobre a relação da Reality-TV com o público ver Jakob 1994, p. 64 e 74). Em certo sentido há aqui, diga-se de passagem, também paralelos com as abordagens etnometodológicas (no feminismo), as quais, através de uma perspectiva transexual, mostram ao público de um modo “inofensivo”, mas que não deixa de ser empolgante, o seu próprio quotidiano (nada excitante), retirando-lhe assim o pavor a todos os níveis (principalmente ao nível material); como se viu é precisamente aqui que reside o segredo do seu actual sucesso. Em Kurz, ao contrário da Reality-TV, o terror já não pode ser consumido de forma distanciada, desaparecendo assim a possibilidade da mera fruição estética. O declínio social pode entretanto atingir qualquer pessoa e este medo entranha-se até aos ossos. E são precisamente as tendências sociais (reais) assim descritas em O Colapso da Modernização que levam ao baile de máscaras de Butler, que agora por toda a parte é mais atractivo, porque ele, ao contrário da teoria “nas nuvens” de Kurz e da sua simultânea análise empiricamente saturada, se desvanece numa cósmica água para tudo experimentalmente pobre de um etéreo desejo de desconstrução, no qual sempre ainda se pode sorver um espumante muito bem conservado (ainda que agora também mais barato) (12).

 

Principalmente desde meados da década de oitenta, e ainda hoje-em-dia, grande parte da teoria feminista e do movimento das mulheres tem criticado veementemente, e com razão, um universalismo de esquerda. A questão que se coloca, contudo, é se tal crítica é ainda necessária. Pois desde o colapso do bloco de Leste que ele é fundamentalmente repudiado na elaboração teórica de esquerda, estivesse ou não agarrada ao modelo do socialismo de Estado do Leste, até nas “mulheres de Bielefeld”, que na verdade já saltaram fora do esquema direita-esquerda. Em textos do movimento das mulheres e da teoria feminista, no entanto, fica-se frequentemente com a impressão de que seria ainda este o inimigo principal. Quantas vezes terá ainda este morto de ser matado? Uma tal atitude ignora que há muito que o diferente, o não idêntico, de certo modo em livre flutuação, literalmente faz das suas de maneira sangrenta; correspondentemente também o “essencial”, a busca da “essência” de uma coisa, o “essencialismo” e que tais são o bode expiatório número um nas concepções pós-modernas. E, justamente nessa perspectiva, o anti-essencialismo e o fundamentalismo que insiste na diferença e na identidade constituem uma paradoxal unidade social (mundial); pois pretende-se que o sujeito (masculino) do iluminismo (e com ele, por vezes, também a bissexualidade cultural, como em Butler) seja apenas desconstruído, mas não abolido no espectáculo pós-moderno.

 

Numa formulação muito incisiva poder-se-ia mesmo dizer, desviando uma célebre citação de Horkheimer: quem fala do sujeito desconstruído, também não deveria ficar em silêncio perante as novas tendências violentas como nacionalismo étnico, racismo e anti-semitismo. A pós-modernidade não desemboca simplesmente numa era feliz, cujos sujeitos finalmente se libertaram dos rígidos limites do Eu (assim soa um pouco em Keupp, 1994), mas também em ataques violentos e conflitos bélicos. Assim constata já Brigitte Rauschenbach, em teorização dos anos sessenta, para o desenvolvimento pós-moderno ainda não amadurecido: “Três anos após a queda do muro, é óbvio que na luta concorrencial dos paradigmas o discurso da diferença agiu mal filosófica e politicamente com os críticos e desdenhadores. (…) Hoje pode questionar-se se a libertação de agressões sangrentas, com a derrocada do antigo regime padronizado à maneira socialista, não torna realidade uma nova era de guerra civis, que o pensamento da diferença augurava um quarto de século antes, quando denunciava o terror da conciliação. Não pode obviamente ser negada ao discurso da diferença uma capacidade de diagnóstico quase visionária” (Rauschenbach 1993, p. 60).

 

A atitude de universalismo ocidental, a concepção de “a mulher” no movimento das mulheres e na teoria feminista desmascarou-se como eurocêntrica. Mas igualmente se tem de suspeitar dos processos de exoticização e auto-exoticização actualmente observáveis, os quais, num movimento inverso, conduzem a uma diferenciação sem fim e a um poço sem fundo. Por isso, à anterior crítica de grandes partes da teoria feminista na “lógica de identidade” (Adorno), na “lógica do uno” (Luce Irigary), dentro e fora do feminismo, teria também acrescer uma crítica da “lógica da separação e da diferença”, que representa apenas a negação abstracta da lógica da identidade há muito dominante, cujos equivalentes, por sua vez, são os novos e sangrentos desenvolvimentos sociais mundiais. Tratar-se-ia aqui de colocar numa nova relação um com o outro o idêntico, o conceito, e o não idêntico, o diferente, sem unilateralidades, ou seja, dar o seu direito tanto ao geral-predominante, como também ao específico-particular, que escape à captura na subsunção e à absorção dialéctica, e deixe então de levar uma existência secundária como um mero “derivado” (como aconteceu ao “feminino” no desenvolvimento cristão-ocidental em geral).

 

Neste contexto, seria preciso proceder novamente à recepção de Adorno do ponto de vista actual, o qual na sua Dialéctica Negativa já conseguiu antecipar muito do desenvolvimento pós-moderno, sem contudo renunciar a “o conceito” (ver também as considerações feministas de Annedore Prengel, que no entanto, tal como Adorno, em última instância também ela ficou presa ao ponto de vista iluminista, o que seria de criticar – ver Prengel 1990). Seria aqui necessário efectivamente um novo conceito da relação dinheiro-mercadoria, de certo modo pós-moderno e pós-marxista, e uma nova ideia de “totalidade”, capazes de abarcar as profundas mudanças epocais dos últimos tempos, como fez Robert Kurz no livro O Colapso da Modernização, embora aqui também fosse necessário começar por fazer uma crítica ao ponto de visto androcêntrico e eurocêntrico (Kurz 1994).

 

Parece-me, em todo o caso, que as atitudes de assimilação e de identificação das “outras” mulheres com a “mulher branca ocidental” em conexão com atitudes racistas, como frequentemente é suposto em linhas gerais em muitos textos feministas, há muito que não constituem o principal problema na era pós-colonial e pós-socialista a partir de 1989. O maior problema que agora se nos apresenta é muito mais a exclusão “dos outros”, concebê-los como totalmente diferentes e, em tempos de grande crise económica, justamente com este argumento remetê-los para lá dos muros. Será que já se virou a página? Em segredo, a Princesa Próspera muito provavelmente respira de alívio no seu íntimo – e isto felizmente até acontece sob pressão das “outras” mulheres, que conveniente! – por já não ter de colonizar em nome do seu próprio bem-estar (material). Uma mulher gostaria por uma vez de ouvir com mais atenção a voz interior do seu grupo feminista (e de si mesma) (13).

 

A problematização das diferenças nas concepções (feministas) pós-modernas e o questionamento do sujeito autónomo masculino ocidental perspectivaram certamente a possibilidade (de pensar) a superação deste sujeito e do seu “outro” (e, com isso, também o sistema de dois sexos existente nas sociedades cristãs-ocidentais). Mas correm o risco de se afogarem no “nirvana do dinheiro”. Aqui não se pode tratar de pôr de lado outra vez estas concepções em falsa imediatidade, como simplesmente “falsas” e insusceptíveis de discussão. Naturalmente que não é desinteressante nem irrelevante ver, por exemplo, como o sistema simbólico dos dois sexos se reproduz no dia-a-dia. Sob este ponto de vista, não seria simplesmente de pôr de parte a concepção interaccionista nas suas variantes feministas, que eu associaria às abordagens pós-modernas (tendo em conta que ela própria, em parte, aí se inscreve, na medida em que, por exemplo, inscreve a “desconstrução” nas suas bandeiras). Pelo contrário, seria de integrá-la, com consciência das suas lacunas, como um momento da actividade de investigação feminista – nada mais, nada menos! Porque “superação” tem um sentido maior e diferente do que é expresso pela mera perspectiva desconstrucionista na sua obsessão pelos signos, que per se já tem sempre problemas com a práxis social “material” e com a sua mudança.

 

Isso significaria, por exemplo, de uma forma muito prática, a natural participação dos homens nas tarefas domésticas, na educação das crianças, etc., ou a possibilidade tornada plenamente quotidiana de relações de igualdade entre os sexos; e também o trato e o contacto tornado quotidiano com pessoas com pele de cor diferente, incluindo em relacionamentos íntimos, etc. Ao que desde logo deveria corresponder uma fixação de objectivo feminista na teoria, retomando sobretudo a dimensão material (tanto na perspectiva ecológica como na social), e tendo em consideração igualmente diferenças e também semelhanças (culturais), as quais no processo social se poderão também alterar. Isso significa tanto reconhecer “o conceito” e um pensamento a ele ligado como também simultaneamente ver com clareza o seu alcance limitado. A meu ver, a teoria e investigação feminista sempre terá de ter como referências os processos e as relações sociais reais e referir-se aos sujeitos co-constituintes; não devendo cair numa pose cientificista, cada vez mais popular na investigação feminina, nem tão pouco numa atitude cínica pós-moderna, a qual de forma supostamente subtil se emancipou cantando e rindo da “emancipação”.

 

Não tenho nenhum prazer na “desreificação radical … e niilista do real” (List 1993 b, p. 19) nem, portanto, do sistema de dois sexos vigente nas sociedades ocidentais, que está apostado em desconstruir-se dentro dum mundo à Michael Jackson estruturado em patriarcado produtor de mercadorias e tornado histérico. A viragem que esta corrente poderá ainda assumir torna-se já agora clara na publicidade ao perfume masculino dos anos oitenta, a qual – de início ainda embonecada, estilo dandy e andrógina – se desenvolve cada vez mais para uma figura de Arno Breker (c), na senda de uma geralmente crescente estetização do terror, da guerra e da miséria social, em paralelo com o fortalecimento da ideologia de direita e da violência da extrema-direita. Talvez justamente esta figura seja também a charneira entre a viragem à direita, ou para ideologias da família conservadoras de direita a isso associadas, por um lado, e um concomitante moderno “baile de máscaras dos sexos”, por outro, cuja expressão teórica se encontra principalmente na ambição desconstrucionista de Butler, a qual dissolve qualquer realidade (sexual) no ar rarefeito do sistema da fala. Possivelmente não se trata de modo nenhum de uma simples e trivial oposição social entre as duas tendências, ao contrário do que uma análise superficial possa fazer crer.

 

Em oposição a tudo isso, defendo com Seyla Benhabib, que diz, na tradição da teoria crítica: “Sem qualquer dúvida, pode haver tempos em que a própria cultura, sociedade e tradição são de tal modo reificadas ou dominadas por forças tão brutais, em que as discussões e a conversa se tornaram de tal modo secas ou simplesmente impossíveis, que a crítica social é obrigada ao exílio social. (…) A crítica social no exílio, contudo, não é uma 'posição na terra de ninguém', mas sim uma 'posição fora dos muros da cidade', seja onde for que esses muros e fronteiras se possam desenvolver. Assim, não pode haver dúvida de que as pensadoras e teóricas feministas, desde Hipatia até Diotima e desde Olímpia de Gouges até Rosa Luxemburgo, seguiram a sua vocação e abandonaram a sua pátria para se estabelecerem para lá dos muros da cidade” (Benhabib 1993 b, p. 23 e 25). Deste modo, também me sinto compelida a sediar-me não fora dos muros da cidade, mas fora das muralhas do castelo da Princesa Próspera – porque o que muitas participantes no movimento das mulheres e nos estudos das mulheres ainda não querem admitir como verdade já há muito aconteceu; perante as “perspectivas de guerra civil”, o “estar dentro” não significa protecção nenhuma, ainda que a momentânea “prosperidade aparente” (Engels 1994, p. 138) conjuntural no domínio da economia volte a fazer bater um pouco mais forte o coração da simulação de algumas.

 

É neste sentido que A Máscara da Morte Vermelha de Edgar Allan Poe, ele mesmo um precursor da estetização do terror novamente popular, pode ser lida como uma parábola da pós-modernidade:

 

 

“Mas agora soavam doze badaladas no sino do relógio; e assim aconteceu, talvez, que mais pensamentos se embrenharam, com o passar do tempo, nas meditações dos pensativos dentre aqueles que festejavam. E assim também aconteceu, talvez, que antes de o último eco da última badalada ter mergulhado no mais profundo silêncio, houve muitas pessoas na multidão que tiveram tempo de tomar conhecimento da presença de uma figura mascarada que não tinha sido objecto da atenção de ninguém anteriormente. E mal a notícia desta nova presença se tinha espalhado em voz baixa, já se erguia de toda a colectividade um sussurro, ou murmúrio, expressão de desaprovação e surpresa – depois, finalmente, de estremecimento, pavor e terror.

 

Numa assembleia onde se amontoavam fantasias como as que referi, bem se poderia supor que nenhuma aparência ordinária teria provocado tal excitação. Na verdade, a liberdade de se mascarar nessa noite era quase ilimitada; mas a figura em questão ia além de todos os limites, e havia ultrapassado as fronteiras até mesmo do indefinido decoro do príncipe. Há cordas nos corações dos mais despreocupados que não podem ser tocadas sem emoção. Mesmo para alguém completamente perdido, para quem vida e morte são igualmente zombarias, há assuntos sobre os quais nenhuma zombaria pode ser feita. (...) A figura era alta e esquelética, e coberta da cabeça aos pés com os lençóis da sepultura. A máscara que escondia a cara era de tal modo a face de um cadáver que mesmo o escrutínio mais detalhado teria dificuldade em perceber o engano. E tudo isto ainda poderia ter sido suportado e até aprovado pelos insanos convivas. Mas o embuçado tinha ido tão longe ao assumir a figura da Morte Vermelha que as suas vestes estavam manchadas de sangue – e a sua ampla fronte, bem como todo o rosto, estavam salpicados com o terror vermelho-escarlate.

(...)

Foi então que o Príncipe Próspero, furioso de raiva e vergonha pela sua própria cobardia momentânea, correu apressadamente através das seis salas, sendo que ninguém o seguiu por causa do terror mortal que os havia tomado a todos. Ele ergueu o punhal e aproximou-se com uma rapidez furiosa até três ou quatro passos da figura que recuava, quando esta última, tendo atingido a extremidade do salão de veludo, se virou subitamente e enfrentou o perseguidor. Ouviu-se um grito agudo – e o punhal caiu resplandecente sobre o tapete negro, sobre o qual também o Príncipe Próspero caiu de imediato morto. Então, com a coragem selvagem do desespero, uma horda de convivas precipitou-se de imediato para o aposento negro e, agarrando o mascarado, cuja alta figura permaneceu erecta e imóvel sob a sombra do relógio de ébano, engasgou-se com um terror indizível ao descobrir que as mortalhas tumulares e a máscara cadavérica que eles agarravam com tão violenta rudeza não continham qualquer forma tangível.

 

E agora se constatava a presença da Morte Vermelha. Ela tinha vindo como um ladrão na noite profunda.”

 

(Edgar Allan Poe, A Máscara da Morte Vermelha)

 

 

 

Bibliografia

 

Adorno, Theodor W.: Negative Dialektik [Dialéctica negativa], Frankfurt a. Main, 1966.

Akashe-Böhme, Farideh: Über die Dialektik von Solidarität und Selbstbestimmung. Frauen in geteilten Welten [Sobre a dialética de solidariedade e auto-determinação. Mulheres em mundos divididos]. In: Feministische Studien, 12. Jg., Nr. 1 (1994) 91- 98.

Arendt, Hannah: Elemente und Ursprünge totaler Herrschaft, München, 1986. Trad. Port.:  As Origens do Totalitarismo, Lisboa, D. Quixote, 2006.

beiträge zur feministischen Theorie und Praxis, Heft 35: Feminis-muß,1993.

Benhabib, Seyla a): Subjektivität, Geschichtsschreibung und Politik. Eine Replik [Subjetividade, história e política. Uma réplica]. In: Behabib, Seyla; Butler, Judith; Cornell, Drucilla; Fraser, Nancy: Der Streit um Differenz. Feminismus und Postmoderne in der Gegenwart [A controvérsia sobre a diferença. Feminismo e pós-modernidade no presente], Frankfurt a. Main, 1993, 105-121.

Benhabib, Seyla b): Feminismus und Postmoderne. Ein prekäres Bündnis [Feminismo e pós-modernidade. Uma aliança precária]. In: Benhabib, Seyla; Butler, Judith; Cornell, Drucilla; Fraser, Nancy; a.a.O., 9-30.

Benjamin, Jessica: Vater und Tochter: Identifizierung und Differenz [Pai e filha: Identificação e diferença]. In: Psyche XLVI Jg., Nr. 9 (1992) 821- 846.

Benjamin, Jessica: Die Fesseln der Liebe. Psychoanalyse, Feminismus und das Problem der Macht [Os grilhões do amor. Psicanálise, Feminismo e o problema do poder], Basel/Frankfurt a. Main, 1990.

Bennholdt-Thomsen, Veronika; Mies, Maria; Werlhof, Claudia von: Frauen die letzte Kolonie. Zur Hausfrauisierung der Arbeit [Mulheres a última colónia. Sobre a domesticação do trabalho], Reinbek,1988.

Die Beute: Politik und Verbrechen [Política e crime] 1/1994.

Boetcher Joeres, Ruth Ellen: Sisterhood? Jede für sich? Gedanken über die heutige feministische Diskussion in den USA [Sororidade? Cada uma por si? Reflexões sobre o debate feminista de hoje nos EUA]. In: Feministische Studien, 12. Jg., Nr. 2 (1994) 6 -16.

Brück, Brigitte u.a.: Feministische Soziologie. Eine Einführung [Sociologia feminista. Uma introdução], Frankfurt a. Main, 1992.

Butler, Judith: Das Unbehagen der Geschlechter [Gender trouble], Frankfurt a. Main, 1991. Trad. Port.: Problemas de género, edit. Civilização Brasileira, 8ª ed. 2015.

Butler, Judith: Kontingente Grundlagen: Der Feminismus und die Frage der »Postmoderne« [Fundamentos contingentes: O feminismo e a questão da "pós-modernidade"]. In: Benhabib, Seyla; Butler, Judith; Cornell, Drucilla; Fraser, Nancy; ob cit., 31-58.

Chodorow, Nancy: Das Erbe der Mütter [A herança da mãe], München, 1985.

Dieckmann, Friedrich: Vorwort: An der Schwelle des dunklen Zeitalters [Prefácio: No limiar da Idade das Trevas]. In: Kurz, Robert: Der Kollaps der Modernisierung. Vom Zusammenbruch des Kasernensozialismus zur Krise der Weltökonomie [O colapso da modernização. Da derrocada do socialismo de caserna à crise da economia mundial], Leipzig, 1994, 9-24.

Diederichsen, Diedrich: Thesen zu Rassismus und Jugendkultur [Teses sobre o Racismo e cultura juvenil]. In: Wohlfahrtsausschüsse (Hrsg.): Etwas Besseres als die Nation. Materialien zur Abwehr des gegenrevolutionären Übels [Algo melhor do que a nação. Materiais para repelir o mal contra-revolucionário], Berlin, 1994,19-21.

Duden, Barbara: Die Frau ohne Unterleib. Zu Judith Butlers Entkörperung. Ein Zeitdokument [A Mulher sem ventre. Sobre a libertação do corpo de Judith Butler. Um documento de época]. In: Feministische Studien, 11. Jg., Nr. 2 (1993), 24–33).

Eckart, Christel: Verschlingt die Arbeit die Emanzipation? Von der Polarisierung der Geschlechtscharaktere zur Entwicklung der Arbeitsmonade [O trabalho devora a emancipação? Da polarização das características sexuais ao desenvolvimento de mónadas do trabalho]. In: Anders, Ann (Hrsg.): Autonome Frauen. Schlüsseltexte der neuen Frauenbewegung seit 1968 [Mulheres Autónomas. Documentos-chave do novo movimento das mulheres desde 1968], Frankfurt a. Main, 1988, 200–222.

Eichhorn, Cornelia: Zwischen Dekonstruktion und feministischer Identitätspolitik. Eine Kritik zur feministischen Debatte um Judith Butler [Entre desconstrução e política de identidade feminista. A crítica do debate feminista sobre Judith Butler]. In: Die Beute 1 (1994), 40-43.

Engels, Wolfram: Scheinblüte [Prosperidade aparente]. In: Wirtschaftswoche, Nr. 23/ 3.6.1994, S. 138.

Enzensberger, Hans Magnus: Aussichten auf den Bürgerkrieg [Perspectivas da Guerra Civil], Frankfurt a. Main, 1993. Trad. Port.:  Perspectivas da Guerra Civil, Lisboa, Relógio d' Água, 1998.

Feministische Studien: Kritik der Kategorie Geschlecht [Crítica da categoria género], 11. Jg., Nr. 2,1993.

Gildemeister, Regine; Wetterer, Angelika: Wie Geschlechter gemacht werden. Die soziale Konstruktion der Zweigeschlechtlichkeit und ihre Reifizierung in der Frauenforschung [Como os géneros são feitos. A construção social dos dois sexos e a sua reificação nos estudos das mulheres]. In: Knapp, Gudrun-Axeli; Wetterer, Angelika (Hrsg.): Traditionen Brüche. Entwicklungen feministischer Theorie [Tradições Fracturas. Desenvolvimentos da teoria feminista], Freiburg (Breisgau), 1992, 201–254.

Gronemeyer, Reimer (Hrsg.): Der faule Neger. Vom weißen Kreuzzug gegen den schwarzen Müßiggang [O negro preguiçoso. Da cruzada branca contra a ociosidade negra], Reinbek,1991.

Hagemann-White, Carol: Die Konstrukteure des Geschlechts auf frischer Tat ertappen? Methodische Konsequenzen einer theoretischen Einsicht [Os construtores do sexo apanhados em flagrante? Consequências metodológicas de uma visão teórica]. In: Feministische Studien, 11. Jg., Nr. 2 (1993), 68–78.

Hirschauer, Stefan: Dekonstruktion und Rekonstruktion. Plädoyer für die Erforschung des Bekannten [Desconstrução e reconstrução. Em defesa da exploração do conhecido]. In: Feministische Stud. 11. Jg., Nr. 2 (1993) 55–67.

Holland-Cunz, Barbara: Soziales Subjekt Natur. Natur- und Geschlechterverhältnis in emanzipatorischen politischen Theorien [A natureza do sujeito social. Relação natural e relação de género em teorias políticas emancipatórias], Frankfurt a. Main, 1994.

Honneth, Axel: Diagnose der Postmoderne [Diagnóstico da pós-modernidade]. In: Honneth, Axel: Desintegration. Bruchstücke einer soziologischen Zeitdiagnose [Desintegração. Fragmentos de um diagnóstico sociológico do tempo], Franfurt a. Main, 1994,11 -19.

Jacob, Günther. Sympathy for the devil. (Sub)kulturelle Avantgarden und die Ästhetik des Bösen [Simpatia pelo diabo. (Sub)vanguardas culturais e a estética do mal]. In: 17 C. Zeitung für den Rest Nr. 8 (1994), 62-80.

Keupp, Heiner. Grundzüge einer reflexiven Sozialpsychologie. Postmoderne Perspektiven [Linhas gerais de uma psicologia social reflexiva. Perspectivas pós-modernas]. In: Keupp, Heiner (Hrsg.): Zugänge zum Subjekt. Perspektiven einer reflexiven Sozialpsychologie [Abordagens do sujeito. Perspectivas de uma psicologia social reflexiva], Frankfurt a. Main, 1994, 226–274.

Klinger, Cornelia: Welche Gleichheit und welche Differenz?[Que igualdade e que diferença?] In: Gerhard, Ute u.a. (Hing): Differenz und Gleichheit. Menschenrechte haben (k)ein Geschlecht [Diferença e igualdade. Os direitos humanos (não) têm sexo], Frankfurt a. Main, 1990,112 -119.

Kurz, Robert: Der Kollaps der Modernisierung. Vom Zusammenbruch des Kasernensozialismus zur Krise der Weltökonomie [], Leipzig, 1994. Trad. Port.:  O colapso da modernização. Da derrocada do socialismo de caserna à crise da economia mundial, Paz e Terra, S. Paulo, 1991.

Landwehr, Hilge: Herausforderung Foucault [Desafiar Foucault]. In: Die Philosophin, 4. Jg., Heft 7 (1993), 8 -18.

Landwehr, Hilge; Rumpf, Mechthild: Einleitung [Introdução]. In: Feministische Studien 11. Jg., Nr. 2. (1993)3-9.

Lindemann, Gesa: Wider die Verdrängung des Leibes aus der Geschlechtskonstruktion [Contra o recalcamento do corpo a partir da construção do género]. In Feministische Studien, 11. Jg., Nr. 2 (1993),44–54.

List, Elisabeth a): Gebaute Welt. Raum und Körper in ihrem lebensweltlichen Zusammenhang [Mundo construído. Espaço e corpo em seu contexto do mundo da vida]. In: List, Elisabeth: Die Präsenz des Anderen. Theorie und Geschlechterpolitik [A presença do outro. Teoria e política de género], Frankfurt a. Main, 1993,138-154.

List, Elisabeth b): Weder unmöglich noch überflüssig. Über Schwierigkeiten und Aussichten feministischer Theorie [Nem impossível nem supérfluo. Sobre as dificuldades e perspectivas da teoria feminista]. In: List, Elisabeth; a.a.O., 7-21.

Lorey Isabell: Der Körper als Text und das aktuelle Selbst. Butler und Foucault [O corpo como texto e o eu actual. Butler e Foucault]. In: Feministische Studien, 11. Jg., Nr. 2 (1993)10-24.

Meyer Birgit: Offene Fragen zum Thema: Frauen und Rechtsextremismus [Questões em aberto sobre o tema: Mulheres e extremismo de direita.]. In: Feministische Studien, 11. Jg., Nr. 2 (1993),117 -127.

Morshäuser, Bodo: Neulich als das Hakenkreuz keine Bedeutung hatte. Der Achtzigerjahrespass und der Ernst der Neunziger [Recentemente, quando a cruz suástica não tinha qualquer significado. O passe dos anos oitenta e a seriedade dos anos noventa]. In: Kursbuch 113 (1993) 41- 53.

Poe, Edgar, Allan: Die Maske des Roten Todes [A Máscara da Morte Vermelha]. In: Die Morde in der Rue Morgue und andere Erzählungen [O assassínio na Rua Morgue e outros contos]. Hrsg.: Günther Gentsch, Frankfurt a. Main, 1993, 1993,128 -135.

Nagl-Docekal, Herta: Geschlechterparodie als Widerstandsform? Judith Butlers Kritik an der feministischen Politik beruht auf einem Trugschluß [Paródia do género como forma de resistência? A crítica de Judith Butler à política feminista é baseado numa falácia]. In: Frankfurter Rundschau v 29.6.1993, S. 12.

Prengel, Annedore: Annäherung an eine egalitäre Politik der Differenzgedanken gegen Sexismus und Rassismus [Aproximação a uma política igualitária de pensar a diferença contra o sexismo e o racismo]. In: beiträge zur feministischen Theorie und Praxis [Contribuições para a teoria e prática feminista], 13. Jg., Heft 27 (1990) 127 -134.

Rauchfleisch, Udo: Schwule, Lesben, Bisexuelle: Lebensweisen, Vorurteile, Einsichten [Gay, Lésbica, Bissexual: estilos de vida, preconceitos, percepções]; Göttingen, 1994.

Rauschenbach, Brigitte: Gleichheit, Widerspruch, Differenz. Denkformen als Politikformen [Igualdade, contradição, diferença. Formas de pensamento como formas de política]. In: Die Philosphin, 4. Jg., Heft 8 (1993) 57–86.

Reese, Dagmar. Camille Paglia und die Rückkehr der sechziger Jahre [Camille Paglia o regresso dos anos sessenta]. In: Feministische Studien, 12 Jg., Nr. 1 (1994) 122 -127.

Schaad, Isolde: Vom Zustand einer Hoffnung [Sobre a situação de uma esperança]. In: dir. Die Zeitschrift der Kultur, Heft 11, November 1993, 82–84.

Schaffrin, Irmgard und Maria: Modernisiererinnen? Eine Feminismuskritik [Modernizadoras. Uma crítica do feminismo]. In: Unterschiede 11 (1993) 26–29.

Schäuble, Wolfgang: Und der Zukunft zugewandt [E virado para o futuro], Berlin, 1994.

Schneider, Peter: Erziehung nach Mölln [A educaçõ segundo Mölln]. In: Kursbuch 113 (1993),131-141.

Theweleit, Klaus: Männerphantasien [Fantasias masculinas], 2 Bd., Reinbek,1984.

Theweleit Klaus: Jetzt geht's loo-ooos? Ein Gespräch mit Klaus Theweleit [Agora vamos começar? Uma entrevista com Klaus Theweleit]. In: die tageszeitung v 22.1.1994.

Thürmer-Rohr, Christina: Befreiung im Singular. Zur Kritik des weiblichen Egozentrismus [Libertação no singular. Para a crítica do egocentrismo feminino]. In: beiträge zur feministischen Theorie und Praxis, 13. Jg., Heft 28 (1990) 9 -17.

Thürmer-Rohr, Christina: Wir sind nicht Reisende ohne Gepäck – Fragen der letzten zwei Jahre an die weiße westliche Frauenbewegung [Nós não somos viajantes sem bagagem – Questões dos últimos dois anos no movimento das mulheres brancas ocidentais]. In: Bubeck, Ilona u.a. (Hrsg.): Entfernte Verbindungen: Rassismus, Antisemitismus, Klassenunter-drückung [Conexões remotas: racismo, anti-semitismo, subjugação à classe]; Berlin, 1993, 188–204.

Trettin, Käthe: Rezension: Judith Butler. Das Unbehagen der Geschlechter [Recensão de Gender Trouble de Judith Butler]. In: Die Philosophin, 3. Jg., Heft 6 (1992) 75–77.

Vinken, Barbara a): Der Stoff, aus dem die Körper sind [A substância da qual os corpos são feitos]. In: Neue Rundschau 104. Jg., Heft 4 (1993) 9–22.

Vinken, Barbara b): Mode nach der Mode. Kleid und Geist am Ende des 20. Jahrhunderts [Moda após moda. Vestido e mente no final do século XX], Frankfurt a. Main, 1993.

Virilio, Paul: Rasender Stillstand [Paralisação frenética], München, 1992.

 

 

 

Notas

 

(1) Barbara Duden nos Feministischen Studien [Estudos Feministas] (nº 2, 1993) também considera o texto do Butler como um "documento de uma época". Mas fá-lo, ao contrário de mim, a partir da posição de historiadora do corpo.

 

(2) A situação é diferente em Gesa Lindemann: se ela, perante a construção da bissexualidade, insiste veementemente na consideração da "corporeidade", ela insiste igualmente em que, na investigação, tem de ser incluída também a dimensão do "eu sou" (Lindemann 1993 ). No entanto, a vivência da ficcionalização também se pode aqui fazer sentir junto dos/as receptores/as, porque Lindemann diz isto no contexto da investigação transexual e, assim, voluntariamente ou não, vem ao encontro da necessidade de arbitrariedade do público pós-moderno. Como já disse, eu não nego que o sexo, bem como corpo, sensação, etc. têm sempre um carácter histórico-culturalmente específico. A questão para mim aqui é apenas que o boom de recepção actual das concepções interaccionistas presumivelmente tem muito a ver com a condição pós-moderna; e é precisamente neste contexto que pretendo prosseguir.

 

(3) Para além da polémica mencionada de Barbara Duden, também a leitura do artigo Neulich, als das Hakenkreuz keine Bedeutung hatte [ Recentemente, quando a cruz suástica não tinha qualquer significado] (Morshäuser 1993) me inspirou para este artigo. No entanto, não partilho de modo nenhum todas as suas posições, e muito menos a relação afirmativa com a "nação", que se expressa em outras das suas publicações.

 

(4) Ver a crítica "compreensiva" feita a Paglia por Dagmar Reese, em Feministischen Studie [Estudos Feministas] 1, 1994. É verdade que ela faz notar: "Em comparação com aqueles que vêem nos objectos já apenas signos em circulação, ela (Paglia, R.S.) insiste na facticidade da experiência sensível e da empiria científica e na integração da natureza – nas ciências humanas – talvez também um sinal de que no estado de bem-estar das nações industriais na década de oitenta caiu de novo aquela miséria social que até então se tinha conseguido conter com sucesso no Terceiro Mundo e nos guetos. Onde é visível que a sociedade multicultural não é absorvida no idílio de vinho francês e massa italiana, mas implica duros conflitos sociais de distribuição, ganhando os factos materiais novo peso. As barreiras à possibilidade de mudança social tornam-se mais conscientes e nos inúmeros nichos culturais coloridos dos anos setenta e oitenta sopra um vento frio. É esta atmosfera política modificada que emana dos livros de Camille Paglia. O poder que Camille Paglia atribui à corporeidade, à biologia, enfatiza os limites do politicamente viável" (Reese 1994, p. 126). Embora Reese avalie a importância de Paglia "em função do espírito do tempo", depois em grande parte toma partido por ela em termos de conteúdo. Reese é para mim um bom exemplo do facto de que a fúria contra as abordagens (des)construcionistas não deve aterrar na negação abstracta, como apeteceria. Em vez disso, ambas as posições terão de ser demonstradas na sua identidade com o espírito do tempo e na condicionalidade assim recíproca. Assim se chegaria depois a ter ainda em consideração os "factos materiais" no plano correcto, ou seja, económico e social ou ambiental, em sua sociabilidade patriarcal, em vez de deixá-los ir de forma ideologicamente reaccionária para uma metafísica do género inflacionada, ou de mostrar compreensão para com tal posição. Se essa crítica – contra a própria convicção (ver citação acima) – não é feita e se faz a recensão dos escritos de ​​Paglia como não sendo assim tão errados, então está-se a trabalhar a favor do espírito do tempo conservador de direita.

 

(5) Se de seguida refiro várias vezes a colecção de ensaios de Enzensberger Perspectivas da Guerra Civil, que a meu ver apresenta de muitas maneiras pontos de vista valiosos, isso não significa que concorde com o texto em todos os pontos. O recurso a pressupostos da antropologia política, por exemplo, está naturalmente em oposição frontal às minhas concepções. Também, para dar mais outro exemplo, considero em muitos aspectos problemática a opinião de que "os alemães" deveriam principalmente preocupar-se consigo mesmos, com a "guerra civil molecular" no interior. Mas sobre isso não posso aqui alongar-me.

 

(6) Ao uso do adjetivo "travestista" não está naturalmente associada da minha parte nenhuma intenção discriminatória contra travestis; mas é preciso criticar veementemente uma orientação teórica e política no feminismo que já não considera necessário associar o questionamento da heterossexualidade compulsiva com a crítica da sociedade patriarcal capitalista.

 

(7) Na minha crítica à “alienação“ veiculada pelas novas tecnologias/média, não está de modo nenhum implícita uma aversão generalizada aos meios tecnológicos. Na minha opinião o problema reside muito mais na utilização instrumentalizada das tecnologias/média no contexto do patriarcado produtor de mercadorias para fins mercantis, bem como nos efeitos daí resultantes no sujeito. De qualquer forma e apesar de tudo isso, o desenvolvimento das tecnologias continua a ser feito independentemente de elas serem ou não favoráveis ao Homem e à Natureza tornada histórica (como, por exemplo, a energia nuclear). Neste sentido, seria preciso diferenciar as mais variadas tecnologias sob o seu ponto de vista qualitativo.

 

(8) Obviamente que com esta critica não se pretende aqui defender uma atitude ascética ”beata”. A posição referida por Schaad certamente também poderá ser vista como resposta a uma rígida “moral de círculo” e à concomitante coerção para uma estética de “roupa interior masculina” nesses tempos. Evidentemente que maquilhar-se pode dar prazer e daí advir algum proveito; contudo, isso apenas acontece inevitavelmente num contexto patriarcal. Na sociedade pós-moderna do patriarcado, o caminho entre a mais que justificada exigência de se ter uma irradiação erótica e a obrigação de a ter para ser reconhecida é para as mulheres muito curto. É portanto problemático se o contexto patriarcal, a sociedade comercial e sempre ainda androcêntrica não são objecto de reflexão, e se as mulheres imaginam que fazem isso por si mesmas quando já há muito consumaram a internalização patriarcal. E assim se contentam com a situação pós-moderna de emancipação e impedem o seu próprio desenvolvimento, bem como o desenvolvimento da sociedade no seu todo; mais ainda, com isto talvez até trabalhem para a reabilitação do velho padrão da feminilidade combinado com novas coerções e, assim, para a continuação do patriarcado em nova roupagem, ainda mais acriticamente. Diferente seria a situação se os homens, tal como as mulheres, também pudessem reclamar para si, de uma forma natural, “beleza”, irradiação erótica, etc., isto para lá de um don-juanismo tradicional e de um dandismo pós-moderno, que apenas dão realce aos aspectos da “feminilidade” lhes convêm, e de resto se mantêm fiéis à velha masculinidade patriarcal, como hoje não raramente se pode ver (provavelmente com o argumento de que afinal cada homem terá em si a sua parte “feminina” reprimida, pelo que sexismo e menosprezo pelas mulheres não seriam problema nenhum!). Ainda que não seja agradável, tais ambivalências e o desconforto daí resultante têm de ser suportados; a contrariedade advinda da “falsa tonalidade” não pode ser reprimida. Não há, enfim, vida verdadeira na vida falsa, como já Adorno sabia. Estou consciente da dificuldade em ter em conta este ponto de vista sem instalar um rígido e contraprodutivo super-ego feminista, o qual tornaria qualquer quotidiano impossível e intolerável.

 

(9) De forma alguma se pretende aqui afirmar que a área de reprodução está isenta de esforços – pelo contrário, justamente a ilimitabilidade das actividades, “sentimentos”, etc. nesta área promove fortemente a síndrome de burn-out, como se sabe. No entanto há lógicas de acção diferentes no trabalho remunerado e nas actividades da esfera da reprodução. Na minha opinião, o termo “trabalho” dificilmente abarca o trabalho doméstico, a educação dos filhos, etc. (neste contexto ver também a crítica feminista do conceito de trabalho, quando ele é transferido para o domínio da reprodução, em Eckart 1988 e Klinger 1990, p. 115).

 
(10) Já Enzensberger, no ensaio acima mencionado, aponta para a importância nos tempos que correm das considerações de Hannah Arendt no clássico As Origens do Totalitarismo, principalmente no que 
concerne ao significado de “desapego” [Selbstlosigkeit] (“desapego” no sentido de perda de si, não confundir com o desapego filantrópico). Na verdade, vale a pena voltar às reflexões de Hannah Arendt 
sobre “egocentrismo”, “perda de si” e o fenómeno da massa composta por “indivíduos atomizados” no período entre as duas guerras (Arendt 1986, principalmente p. 510s.). No entanto teriam também de
ser elaboradas as diferenças em relação à actual sociedade do ego, do acotovelar-se e “do evento” na pós-modernidade (em parte é o que faz Enzensberger 1993).

 

(11) Esta atitude de defesa dos direitos adquiridos também foi sentida no dia da greve das mulheres. Por mais compreensível e justificada que seja de certo modo esta atitude, ela está longe de legitimar a indiferença quanto ao conteúdo das actividades face à natureza. Em meu entender, as feministas teriam, especialmente após o colapso do bloco de Leste, de ser forçosamente mais críticas em relação a olhar o futuro sob o ponto de vista qualitativo, em vez de praticamente se pautarem apenas por uma política defensiva.

 

(12) Neste contexto, talvez também se possa ver a surpreendente carreira da música pop negra, principalmente do Hip Hop, como um objecto dos média e da teorização (e também da concomitante “popularidade” das teorias pós-modernas), que, partindo de determinados cenários culturais pop, se expandiram nos anos noventa pela vasta esfera pública mediática. Principalmente o grande debate nos anos noventa em torno da música pop negra, parece-me ser um indício de que a ocupação com o “útil” (luta contra o racismo) deve ser ligada ao “agradável” (música, dança, estética). Uma tematização de “racismo” a este nível é certamente “mais fixe” do que, por exemplo, debater-se com a vil e triste realidade de muitas requerentes de asilo e dos seus países de origem, o que até talvez activasse receios sem dúvida “nada fixes” relativamente ao próprio futuro. Em oposição a isso, os guetos “dos” negros “nos EUA”, cenicamente recortados e por vezes imaginados de forma alegremente hedonista, muito mais facilmente podem ser libidinosamente carregados (sendo assim também mais “apropriados ao recalcamento”). Desta maneira, a “festa dos anos oitenta” pode prosseguir, mesmo em confronto consciente com o racismo e com a miséria. Esta crítica não pretende, naturalmente, dizer que não seja possível uma confrontação com o racismo via musica pop negra; a coisa torna-se no entanto problemática se “o” gueto “dos negros” nos EUA for transformado num cliché estético como objecto de prazer (comercial) e se a verdadeira realidade social e a miséria dos guetos passarem para segundo plano (obtive uma orientação essencial para esta linha de pensamento sobre música pop – racismo – estética no muito aconselhável artigo “Sympathy for the devil” de Günther Jacob 1994). Esta ocupação pós-moderna que está na moda com a música pop negra e a popularidade também a isso associada das teorias pós-estruturalistas parece-me ser um ponto de intersecção entre uma nova “falsa imediatidade”, por um lado, e uma “falsa mediatidade” (nomeadamente com a deriva por vezes unilateral na “estratosfera da teoria” pós-estruturalista) nos anos noventa em geral.

 

(13) A necessidade de solidariedade, justamente também quando uma mulher não é directamente afectada, para além de “cuidados ou de tutela tirânicos e particularmente da objectivação dos outros”, e o empenhamento a isso associado é também tema do artigo de Farideh Akashe-Böhme “Sobre a dialéctica de solidariedade e auto-determinação. Mulheres em mundos divididos”. Nele ela também vê, designadamente, que “os antagonismos sociais também se reflectem no movimento das mulheres”. Ela apela para que “os problemas comecem por ser levados a sério enquanto particulares, para depois no entanto se ver de que maneira as mulheres enquanto mulheres são especialmente afectadas por eles” (Akasche-Böhme 1994, p. 98 e 92, destaque no original). Interessante – e também encorajador – é saber que neste contexto também existem debates nos EUA em que já não se enfatiza unicamente as “diferenças”, mas também se coloca a questão dos pontos comuns (ver Boetcher Joeres 1994).

 

 

NOTAS DOS TRADUTORES

 

(a) A autora parece referir-se aos ataques a um albergue de refugiados em Rostock em 1992 por bandos de neonazis que enfrentaram a polícia durante uma semana.

 

(b) BDM, Bund deutscher Mädel (Liga das moças alemãs), associação feminina obrigatória durante o nazismo.

 

(c) Escultor e arquitecto conhecido pelas obras para o regime nazi.

 

 

http://www.obeco-online.org/

 

http://www.exit-online.org/