Interseccionalidade e diversidade no beco sem saída da velha esquerda
Análise das abordagens de Eleanora Roldán Mendívil/Bafta Sarbo e Karin Stögner
Roswitha Scholz
O texto que se segue vai ser publicado na exit! nº 22 na Primavera de 2025. Decidimos publicá-lo antecipadamente na nossa homepage porque trata do contraste entre as posições anti-imperialistas (Roldan Mendivil/Sarbo) e anti-alemãs (Stögner), sobretudo no que diz respeito ao conflito no Médio Oriente, que mais uma vez provocou divisões no seio da esquerda. Tais divisões também podem ser uma das razões para ainda não se ter efectuado a comparação e discussão das duas abordagens no espectro feminista de esquerda. Em vez disso, o objectivo do ensaio aqui publicado é realçar tanto as diferenças como as semelhanças entre as duas posições, tendo como pano de fundo a crítica da dissociação-valor. Nem a concepção de Roldán Mendívil/Sarbo nem a de Stögner chegam a uma definição da forma no sentido da dissociação-valor, uma vez que operam no contexto de um anacrónico marxismo do trabalho ou de uma teoria crítica não desenvolvida. Mas as mudanças sociais (mundiais) das últimas décadas e a actual situação de crise não podem ser explicadas pelos esgotados marxismos que se entregam ao fetiche da luta de classes e ao fetiche do trabalho. (Apresentação do texto em exit-online.org, 03.01.2025)
1. Introdução * 2. Interseccionalidade: conceito e história * 3. Diferenças da crise – Crise das diferenças * 3.1 A crítica da dissociação-valor * 3.2 Crítica da dissociação-valor, "raça", classe, género * 4. As concepções de Roldán Mendívil/Sarbo e de Stögner * 4.1 Metafísica da luta de classes e fetiche do trabalho versus interseccionalidade. A concepção de Roldán Mendívil/Sarbo * 4.1.1 Apresentação * 4.1.2 Crítica * 4.2 Interseccionalidade, ideologia e anti-semitismo em Karin Stögner * 4.2.1 Apresentação * 4.2.2 Crítica * 5. Comparação das concepções de Roldán Mendívil/Sarbo e de Stögner * 6. Mais uma vez, incisivamente: Relação de género, onde é que foste parar? * 7. O fetiche da normalidade no nacional-socialismo e na actualidade * 8. Perspectivas * Bibliografia
1. Introdução
O meu livro "Diferenças da Crise – Crise das Diferenças", uma "nova crítica social na era global" na "conexão de 'raça', género, classe e individualização pós-moderna", como diz o subtítulo (Scholz 2005) foi publicado já em 2005. Na altura o termo "interseccionalidade" ainda não era comummente utilizado no espaço de língua alemã.
Neste ensaio gostaria de confrontar duas abordagens mais recentes e destacadas de raça, classe, género e interseccionalidade, nomeadamente a concepção de Eleonora Roldán Mendívil/Bafta Sarbo sobre "Diversidade da Exploração"(2021) e as reflexões de Karin Stögner sobre ideologia e interseccionalidade (2021), com as elaborações desse livro, que a meu ver ainda hoje se mantém válido nos pontos essenciais, sendo que os problemas nele abordados na verdade só hoje estão a ganhar uma verdadeira força explosiva. Acima de tudo estou preocupada com a subsunção da crítica das várias formas de discriminação e de desigualdades novamente à categoria da classe e com a prossecução da ontologia do trabalho, como é feito por orientações que recorrem principalmente ao marxismo tradicional; tendências essas que estão a ganhar terreno novamente à medida que as crises se intensificam. Mas, a meu ver, os marxismos tradicionais já não são capazes de teorizar a crise fundamental da actual sociedade mundial, que se manifesta por toda a parte, nem de se concentrar em perspectivas emancipatórias.
O capitalismo mudou radicalmente nas últimas décadas: As sociedades industriais ocidentais foram transformadas em sociedades de serviços, os surtos de globalização e de financeirização, que acabaram por conduzir a um crash em 2008, dominam a economia e a política desde os anos 70, o Bloco de Leste entrou em colapso, registaram-se movimentos maciços de migração e de refugiados em resultado das tendências de decadência e das guerras civis na periferia, e desde há algum tempo que têm vindo a aumentar as tendências e os governos autoritários. A degradação, a desclassificação, a precariedade, a exclusão e a superfluidade caracterizam entretanto o tecido social na sua essência, sem esquecer que voltou a haver plena consciência da problemática ecológica nos últimos 20 anos, as mulheres estão a tornar-se administradoras das crises e a violência contra as mulheres está a aumentar, a crise dos cuidados está na boca de toda a gente, um novo crash financeiro está à espreita – para citar aqui apenas alguns dos problemas. A expressão "crise múltipla" tornou-se há muito uma palavra-chave. De vários lados já não se exclui o fim do capitalismo.
Tudo isto requer categorias diferentes e um entendimento da totalidade para lá das antiquadas teorias marxistas, mas em vez disso está a ocorrer uma regressão em grande parte da esquerda actual. Há "invocações dos mortos" (Marx) e as pessoas já não se inibem de regressar a um marxismo da Idade da Pedra. Estas tendências também podem ser reconhecidas de diferentes maneiras em Roldán Mendívil/Sarbo e Stögner. Em vez disso, a crítica da dissociação-valor, no desenvolvimento continuado da teoria crítica, procura compreender as condições de crise actuais na megaescala do seu devir histórico, como condição prévia para uma mudança social radicalmente emancipatória. Para o que rompe com categorias tradicionais como classe, trabalho, sujeito etc., que são elas próprias parte integrante do sistema da sociedade patriarcal capitalista a ultrapassar, e com uma "normalidade" esgotada, que está hoje de novo em alta e faz das "pessoas comuns" o critério da crítica de esquerda. O declínio das camadas médias desempenha aqui um papel fundamental: "O 'centro' é um ponto de gravitação e um lugar de desejo, um contraponto das margens e um contrapólo aos extremos. O normal é está onde o centro – na Alemanha, mais ainda do que noutros lugares [...] Centro também significa medida, é a medida de todas as coisas: da estima social, seja como 'povo trabalhador' ou como 'contribuintes honestos', bem como da autoclassificação subjectiva". As camadas médias determinam "o que é considerado normal". Depois do nacional-socialismo foram elas que garantiram a estabilidade da sociedade do pós-guerra. "Mas é precisamente esta a situação social na Alemanha actual: uma sociedade cuja produção de normalidade parou e que está a perder os grupos portadores de normalidade" (Lessenich 2022, 36s.). No entanto estas necessidades de normalidade não são inteiramente novas. Já na primeira metade da década de 1990 se podia reconhecer uma tendência cada vez mais pequeno-burguesa e uma “transformação em porteiro” na sociedade da diversão, uma percepção que no entanto não teve muita ressonância (em termos de crítica do valor) (cf. Scholz 1995).
Neste contexto, gostaria de contrastar as concepções de Roldán Mendívil/Sarbo e de Stögner com a crítica da dissociação-valor, que determina as disparidades económicas, o racismo, o anti-semitismo etc. na lógica própria delas e na sua interligação. Mostrarei designadamente que as suas esgotadas concepções acomodam elas mesmas necessidades problemáticas de normalidade nos dias que correm. Antes de entrar nas abordagens de Roldán Mendívil/Sarbo e Stögner, começarei por discutir brevemente o conceito e a história da interseccionalidade, e apresentarei de seguida alguns dos elementos essenciais que desenvolvi, especialmente no meu "Livro das diferenças" de 2005. Assim ficará também mais claro o que significa de facto dissociação-valor.
2. Interseccionalidade: conceito e história
Interseccionalidade é um termo cunhado por Kimberlé Crenshaw no final da década de 1980. Desde então surgiu um grande número de teorias da interseccionalidade (para uma visão geral, Meyer 2023). Em geral ela significa que "raça", classe e género têm de ser vistos como entrelaçados e intersectados. Não se trata da adição dos diferentes eixos, mas da sua interligação. Por vezes são acrescentadas outras formas de opressão (como a idade, a deficiência, a religião). Nomes proeminentes no debate académico sobre a interseccionalidade incluem Patricia Hill Collings, Iris Marion Young e Bell Hooks. O ponto de partida aqui é frequentemente a política de identidade, que problematiza a experiência de opressão e desvantagem no sentido de um grupo ser afectado.
No entanto este tema já foi abordado na década de 1970 por mulheres negras nos EUA através do "Combahee River Collektive Statement". Foi também apresentado por Angela Davis. Ainda mais cedo, o sinal de partida para uma visão interseccional está associado à intelectual negra Anna Julia Cooper, que já tinha formulado algo semelhante (Roldán Mendívil/Sarbo 2021a, 61s.). Na Alemanha Clara Zetkin já apontou a ligação entre género e classe no movimento de mulheres comunistas. A ligação entre classe e género foi também durante muito tempo o tema principal do novo movimento de mulheres na sequência de "1968".
O termo interseccionalidade só entrou em circulação no espaço de língua alemã na segunda metade da década começada em 2000. Antes disso falava-se de tripla opressão, eixos de diferença etc. (cf. Scholz 2005, 187ss.). Mas também na RFA foram inicialmente as mulheres não brancas que criticaram o racismo no movimento de mulheres a partir dos anos oitenta. Por exemplo, um volume da revista "Beiträge zur feministischen Theorie und Praxis" intitulava-se "Geteilter Feminismus [Feminismo dividido]" (1990). Na década de 2000 a "interseccionalidade" também se tornou um tema no espectro académico. Devem ser mencionados aqui particularmente os trabalhos de Gudrun Axeli Knapp, Cornelia Klinger e Regina Becker-Schmidt, que apelam a uma base sócio-teórica (por oposição a pós-colonial e pós-estruturalista) da interseccionalidade seguindo a teoria crítica, e de Degele/Winker, que optam por uma abordagem praxeológica da interseccionalidade com Bourdieu, sendo que neste último caso as perspectivas sócio-teóricas abrangentes são acrescentadas de forma mais externa (ver, por exemplo, Klinger/Knapp 2008).
Nos últimos 15 anos a interseccionalidade conheceu um verdadeiro boom na Alemanha. Ao mesmo tempo, porém, as concepções marxistas tradicionais que propagam a primazia da classe estão de novo a fazer-se ouvir. No entanto interseccionalidade é um termo de borracha, que pode significar coisas muito diferentes.
De acordo com MacCall, as várias teorias da interseccionalidade podem ser divididas em três rubricas: a abordagem intracategorial, que corresponde à abordagem de Crimshaw, a abordagem anticategorial, que visa desconstruir identidades e categorias, como Butler e Hark/Villa na Alemanha – ambas carecendo geralmente do nível material – e a abordagem intercategorial, que aborda o problema interseccional numa perspectiva da teoria estruturalista. Esta última é representada nos países de língua alemã pelas teóricas Klinger, Knapp e Becker-Schmidt acima mencionadas, que assumem três eixos igualmente importantes (raça, classe, género) (cf. por exemplo Sweetapple et al. 2020, 23s.).
Nos últimos anos as já referidas abordagens materialistas de raça, classe e género de Roldán Mendívil/Sarbo e de Stögner causaram grande celeuma, por serem praticamente antípodas, até porque Stögner vê o anti-semitismo como uma ideologia interseccional por excelência, como se verá mais adiante.
Em seguida serão discutidos pelo menos alguns aspectos essenciais da crítica da dissociação-valor sobre "raça", classe e género, tal como os desenvolvi na primeira metade da década começada em 2000, especialmente no livro acima mencionado, os quais constituem o pré-requisito para uma análise mais aprofundada das concepções de Roldán Mendívil/Sarbo e de Stögner. Torna-se claro que a insistência na classe e na questão social, bem como o ressentimento face às diferenças e às desigualdades e discriminações sociais, são muito mais antigos do que parecem no discurso actual. Uma vez que tais determinações são essencialmente válidas ainda hoje, utilizo o tempo presente.
3. Diferenças da crise – Crise das diferenças
3.1 A crítica da dissociação-valor
Na década de 1990, após o colapso do Bloco de Leste, as abordagens culturalistas e da teoria da diferença eram muito populares nos estudos das mulheres, que se transformavam em estudos de género. As concepções marxistas e psicanalíticas, que tinham dominado o debate até ao final da década de 1980, passaram para segundo plano.
Nos últimos tempos vários marxismos estão a ressurgir, devido ao agravamento da crise económica cada vez mais sentida pelos indivíduos (palavra-chave Hartz IV) e à deslegitimação do neoliberalismo. A "questão social" está de novo no centro das atenções. Dimensões da desigualdade como a raça/etnia e o género correm o risco de ser relegadas para segundo plano.
Em vez disso, a abordagem da crítica da dissociação-valor procura pensar as disparidades sociais e económicas, a raça/etnia e o género em conjunto, tendo em conta também as tendências de individualização pós-modernas. Aqui parto do princípio de que as disparidades sociais e económicas caracterizam essencialmente o capitalismo, mesmo que já não possam ser captadas pela categoria da classe. As bases teóricas para isso são, por um lado, uma "crítica fundamental do valor" e, por outro, a teoria crítica de Adorno, que eu gostaria de levar a uma nova qualidade na crítica da dissociação-valor.
Sigo aqui um entendimento do marxismo que não localiza a essência do capitalismo na relação de classes antagónica, mas pelo contrário coloca no centro o fetichismo, o valor e o trabalho abstracto. O modo de produção capitalista é assim concebido como um fim-em-si irracional: "Os proprietários e gerentes capitalistas, tal como os trabalhadores no fundo da hierarquia funcional capitalista, não são de modo nenhum sujeitos autocráticos da organização capitalista, mas sim meros funcionários da acumulação de capital como fim em si mesmo [...]. As pessoas tornaram-se meros apêndices de uma economia autonomizada, de cujo movimento estão todas cativas [...] A sua própria sociabilidade está enfiada em produtos mortos e no dinheiro que os representa, enquanto eles próprios se comportam como seres não sociais, na forma da concorrência anónima. Esta concorrência é por sua vez a forma de relação comum a todas as classes capitalistas e categorias funcionais: não só os trabalhadores assalariados concorrem com os proprietários do capital, mas os proprietários do capital e os trabalhadores assalariados estão também em concorrência entre si. E, como os interesses de todos como produtores estão em conflito com seus interesses contrários enquanto consumidores, cada pessoa concorre de algum modo consigo mesma!" (Kurz 2010, 57 [30s.]). O capital é assim entendido – com Marx – como um "sujeito automático" (ibid., 56), sendo o trabalho a "substância material abstracta do fetiche do capital" (Kurz 2012, 192ss.). Neste contexto tem um papel central a crítica do trabalho – em vez da adulação do trabalho no marxismo do movimento operário. "Trabalho em si, trabalho em geral, trabalho como dispêndio abstracto de energia humana: este conceito só tem sentido como forma de actividade do moderno sistema capitalista " (Kurz 2010, 135 [71]). E continua: "Trata-se apenas do sempre igual fim em si mesmo: a energia humana é transformada em dinheiro e o dinheiro sempre em mais dinheiro. A equiparação abstracta dos mais diferentes conteúdos ... reside na indiferença do dinheiro como fim em si, que surge novamente como indiferença do trabalho abstracto no processo de produção de capital". O conceito de trabalho abstracto "inclui também a actividade dos capitalistas e gestores, ou seja, estende-se a todas as classes e grupos da hierarquia funcional capitalista " (ibid., 136 [71]). A crítica do fetiche do trabalho é assim uma componente central desta posição.
Contudo defendo que, no decurso do processo de modernização, ocorreu uma dissociação das actividades reprodutivas femininas ("amor", conservação, cuidados etc.) do valor, do trabalho abstracto, actividades que devido à sua lógica diferente não podem ser facilmente compreendidas no conceito de trabalho. (ver Scholz 2011 para mais pormenores). Mas não se trata de uma relação derivada. Pelo contrário, o valor e a dissociação estão dialecticamente relacionados entre si, sem que um seja a origem do outro. Esta lógica da dissociação-valor também tem uma vertente cultural-simbólica, ou seja, é acompanhada por certas imagens da masculinidade e da feminilidade, bem como uma vertente psicossocial, que incide sobre a formação da identidade dos homens e das mulheres, mesmo sendo certo que se tem de assumir simultaneamente que ninguém é absorvido por estas ideias de masculinidade/feminilidade nem pelas identidades que lhes estão associadas.
No entanto a teoria da dissociação-valor não visa em primeiro lugar a dimensão identitária, mas baseia-se na dissociação-valor como princípio fundamental constituinte da totalidade da modernidade capitalista, ainda que esta mude historicamente a sua face empírica. Se se assume uma estrutura de privacidade = mulher, vida pública = homem, isso não significa que o patriarcado "assente" simplesmente na esfera privada, por assim dizer. Por exemplo, as mulheres sempre tiveram actividade profissional; mas também no domínio profissional é evidente a dissociação-valor, por exemplo, no facto de elas ganharem em média menos que os homens, terem menos oportunidades de promoção etc. Isto significa que esta estrutura irradia para os domínios públicos e representa uma relação abrangente.
Neste contexto importa sublinhar que a dissociação-valor não é uma estrutura rígida, mas deve ser entendida como um processo histórico. Enquanto no decurso da separação das esferas da reprodução e da produção surgiu um modelo polarizado de género, que só se estendeu a todas as camadas sociais no pós-guerra, hoje somos confrontados com o declínio da família nuclear tradicional. Hoje as mulheres são "duplamente socializadas" (Regina Becker-Schmidt), ou seja, são igualmente responsáveis pela profissão e pela família; os homens, por causa da obsolescência do "trabalho abstracto", estão sob ameaça de serem tratados como donas de casa, para usar as palavras de Claudia von Werlhof, e já não são os únicos sustentos da família. É precisamente neste possibilitar da "dupla socialização" que reside actualmente um momento sexista fundamental. As mulheres são agora supostas ser pau para toda a obra. (1)
A dissociação-valor tem de ser assim entendida como uma lógica superior, que se sobrepõe às relações no interior da forma da mercadoria. Neste sentido a dissociação-valor implica também uma relação psicossocial específica; certas caraterísticas subvalorizadas (sensualidade, emotividade, fraqueza de carácter e de entendimento etc.) são projectadas na "mulher" e dissociadas do sujeito masculino, que se constrói como forte, assertivo, competitivo, capaz etc. Por conseguinte, há que ter em conta as dimensões psicossocial e cultural-simbólica que lhe estão associadas, para que o patriarcado produtor de mercadorias seja entendido como um modelo de civilização e não apenas como um sistema económico, o que ainda é evidente na sua decadência, no asselvajamento do patriarcado na pós-modernidde, quando a ideia de caraterísticas de género modernas clássicas está obsoleta.
Ora a afirmação da dissociação-valor como princípio estrutural geral tem também um aspecto de crítica do conhecimento. Tem como consequência que o mundo da vida, o contingente, o não apreensível analítica e conceptualmente, que foi amplamente associado ao feminino, foi em grande parte negligenciado ou permaneceu subexposto nas áreas dominadas pelos homens, como a ciência, a economia e a política. Tornou-se dominante um pensamento classificatório, que não pode ter em conta a particularidade, a “coisa em si” que não é absorvida pelo conceito, e que não é capaz de perceber ou suportar as rupturas, ambivalências e diferenças que lhe estão associadas, absolutizando assim a identidade e negando a não-identidade. A crítica de Adorno à lógica da identidade (Adorno 1966) é assim virada de certo modo em termos de crítica da dissociação-valor.
Metodologicamente daqui decorrem para a crítica da dissociação-valor duas consequências: tem de ser capaz de manter o equilíbrio de, por um lado, se afirmar como tal “em termos de grande teoria”, mas, por outro lado, só o poder fazer retirando-se e, ao contrário do pensamento androcêntrico universalista, permitindo também a aceitação do que não está incluído no seu conceito. Daqui resulta a situação paradoxal de que só pode manter-se a si mesma negando-se a si mesma. No entanto isto não implica que tome irracionalmente o partido das diferenças, ambivalências e rupturas que flutuam livremente em abstracto, por assim dizer; digamos que tem de se assegurar nelas, permitindo-lhes simultaneamente serem reconhecidas na sua qualidade própria. Por conseguinte o racismo e o anti-semitismo não podem ser derivados da dissociação-valor como princípio social fundamental, tal como a dissociação-valor não pode ser derivada do "valor".
3.2 Crítica da dissociação-valor, "raça", classe, género
Ora isto também tem consequências para a importância de outras disparidades sociais, para a discriminação racista/étnica e anti-semita. A crítica da dissociação-valor já não pode então criar o "género" de certo modo como uma "nova contradição principal" e afirmar o primado do patriarcado, mas em vez disso tem de dar às formas de discriminação acima mencionadas o seu lugar bem próprio, por assim dizer. Isto também significa que o racismo e o sexismo não podem ser equiparados, de modo que mulheres, negros e selvagens representem na modernidade igualmente a natureza, o instintivo e a fraqueza de intelecto, como é também o caso em algumas teorias feministas. Em vez disso tem de se olhar a questão mais de perto e incluir também o nível material e económico. Ao contrário das mulheres (brancas), que foram construídas como "seres naturais domesticados", os "negros" e os "selvagens" foram considerados irremediavelmente subdesenvolvidos e foram importunados pelos colonizadores com programas educativos. A isto juntava-se a exploração colonialista. Os judeus em contrapartida foram vistos como super-humanos negativamente super-civilizados, que deviam ser responsabilizados pelas consequências destrutivas do processo de modernização.
Se nos debruçarmos agora sobre o racismo em separado, torna-se claro que não podemos falar de "racismo" no singular; pelo contrário, temos de assumir que existem vários racismos (cf. Rommelspacher 1995). Por exemplo, o anticiganismo, com o cliché do cigano notoriamente ladrão, difere do do "negro", que é também considerado sensual, selvagem, instintivo e preguiçoso, mas o roubo não faz parte do estereótipo do negro, que pelo contrário é considerado submisso. Poderiam ser feitas mais diferenciações destas. Uma definição de racismo segundo a qual a exclusão ou a marginalização se efectua com base em caraterísticas externas (cor da pele, forma dos olhos etc.) ou na pertença a uma cultura/etnia diferente não é totalmente errada, mas é muito formal e carece de conteúdo.
Em vez disso é preciso olhar com atenção para apreender o objecto concreto. É também crucial ter em conta o respectivo contexto. Por exemplo, o anti-semitismo na Alemanha, no contexto do Holocausto, tem um significado diferente do que há em França, com a sua tradição colonialista. Mesmo que as diferentes formas de discriminação tenham em comum o facto de se tratar sempre da relação entre o Eu e o Outro, e que possam ser identificadas algumas semelhanças na discriminação, os conteúdos dos diferentes racismos devem ser tidos em conta. Também as dimensões material, cultural-simbólica e psicossocial devem ser tidas em conta e mantidas separadas na determinação dos vários racismos e do anti-semitismo; mas ao mesmo tempo estas dimensões têm de ser vistas no contexto da teoria da dissociação-valor, que está sempre consciente da sua relatividade.
Mesmo havendo uma referência positiva ao trabalho noutros países, na Alemanha ela teve consequências devastadoras na sua versão específica. A identificação com o trabalho especificamente alemão, na sua associação a uma comunidade étnica e de sangue alemã e a uma racionalidade de planeamento instrumental, constitui um pano de fundo essencial para o extermínio em massa dos judeus durante o nacional-socialismo (Schatz/Woeldike 2000). De acordo com Moishe Postone, os judeus foram identificados com o "valor" em geral e, por conseguinte, com o desenraizamento, as consequências negativas da civilização, a urbanização, o declínio dos costumes e da tradição e com o capital rapinante (Postone 1988).
Esta ligação não é de modo nenhum obsoleta hoje em dia, mas também deve ser considerada na transmissão intergeracional. Após a vitória dos Aliados, sobretudo dos EUA, a RFA alcançou uma prosperidade e uma posição de poder injustificadas face às atrocidades cometidas durante o nacional-socialismo; no fundo esta prosperidade e a individualização proporcionada pelo Estado social baseavam-se nas pilhas de cadáveres de seis milhões de judeus assassinados, na medida em que qualquer insatisfação social tendo por fundo a "comunidade nacional" alemã tinha sido projectada sobre os judeus de uma forma específica. Este contexto especificamente alemão deve também ser tido em conta quando se analisam as reacções ideológicas ao fim das prestações do Estado social e à precarização na era da globalização, quando também na Alemanha começa a desmoronar-se a classe média outrora constituída pelo Estado social.
Desde 1945 prevalece na Alemanha um "anti-semitismo secundário", ou seja, um anti-semitismo não apesar, mas por causa de Auschwitz. Este "anti-semitismo secundário" manifesta-se, por exemplo, em rituais de purificação, na discussão e criação de memoriais, quando agora as pessoas de facto se estão a virar principalmente para o novo problema da globalização e da precarização, e já não querem ter nada a ver com a culpa alemã.
Os Sinti e os Roma também foram sistematicamente exterminados durante o nacional-socialismo, o que é muitas vezes completamente ignorado. Considerados por natureza avessos ao trabalho, anti-sociais e criminosos, eram também vistos como parasitas do corpo racial alemão. No entanto não lhes era atribuído o mesmo poder abrangente que aos judeus. Ao contrário dos judeus, representavam o sub-humano por excelência nas relações sociais.
Neste contexto seria também problemático usar o Holocausto como pretexto para não querer lidar com outros racismos neste país, ou querer lidar menos com eles, como aconteceu por vezes em certas partes da esquerda após o 11 de Setembro. Aqui é preciso lembrar que não foi sem razão que Horkheimer e Adorno associaram o pensamento na lógica da identidade, que não reconhece o que é particular, específico, diferente etc., ao assassínio dos "Outros". Mesmo que o extermínio planeado dos judeus na Alemanha deva ser considerado central, e que o confronto com o anti-semitismo deva por isso ter um papel mais importante do que por exemplo na Grã-Bretanha ou em França com as suas tradições colonialistas mais acentuadas, outras formas de discriminação racista na Alemanha também devem merecer atenção.
No exemplo da relação entre racismo e anti-semitismo de uma perspectiva especificamente alemã, também se pode mostrar que, na perspectiva da crítica da dissociação-valor, o particular e o geral não podem ser jogados um contra o outro. Tal como as diferenças específicas de cada país e de cada cultura no que diz respeito ao racismo e ao anti-semitismo não podem ser ignoradas em favor de uma lógica de subsunção universalista abstracta, também não podem ser utilizadas generalizadamente contra uma determinação sobrejacente. Uma coisa não exclui a outra se a determinação do geral não for uma questão de abordagem hegeliana na lógica da identidade. Neste sentido é igualmente crucial insistir na determinação altamente abstracta da dissociação-valor como o laço interno da sociedade (mundial).
Neste contexto poder-se-á de certa maneira falar de facto de um "anti-semitismo estrutural", que em princípio também funciona sem judeus ou sem referência directa às atribuições anti-semitas, e mesmo a nível mundial. Isto exprime-se, por exemplo, numa crítica do capitalismo que se reduz ao capital financeiro e numa mera denúncia do neoliberalismo e dos mercados financeiros, recorrendo positivamente à nação, ao honrado trabalho cultural e regional. Ainda que a maioria dos opositores da globalização, que por acaso inclui agora grandes sectores do establishment político e económico, não possa ser equiparada aos terroristas fundamentalistas islâmicos, os ataques terroristas são bem a expressão de um conflito fundamental do nosso tempo. Embora os terroristas não se refiram ao trabalho e à comunidade de povo como a forma aparentemente concreta, por oposição à forma abstracta do valor e do dinheiro, fazem algo semelhante em relação ao Islão como religião. Para uma análise adequada, seria preciso agora evidenciar o que é específico do novo anti-semitismo islâmico e ao mesmo tempo nomear essas semelhanças, sem fazer uma equiparação lógico-identitária com o Holocausto (assim o banalizando), nem enfatizar apenas a diferença, assim ilibando o anti-semitismo islâmico.
No que diz respeito ao aspecto da análise global (a que não podem ser opostos os momentos específicos de cada país e cultura), tem de ser sublinhado que nos ataques terroristas se exprime um conflito central na era da globalização. No fundo trata-se de facto da ligação entre a globalização e um anti-semitismo pós-moderno, cuja relação, por um lado, e diferença, por outro, em relação ao anti-semitismo clássico e especificamente alemão, teria de ser evidenciada. Por conseguinte, também seria errado considerar o conflito Israel-Palestina como o conflito causal dos ataques e reduzir estes àquele.
É mais provável que o conflito Israel-Palestina seja um conflito por procuração no contexto mundial da globalização e do processo de crise, e é precisamente por isso que recebe uma atenção extraordinária dos media. Em poucas palavras: os EUA, enquanto potência mundial, oprimem e dominam tudo.
No entanto, a insistência nos valores ocidentais foi aqui carregada de ideologia religiosa, especialmente em relação ao Islão. Quanto mais a precariedade da existência se torna evidente, mesmo que se trate apenas de uma ameaça "sentida", mais se recorre à religião em várias partes do mundo. Na distorção ideológica, esta fixação na superfície apresenta-se então como um "choque de civilizações", como diz Samuel P. Huntington.
Assim basicamente é preciso ver que a dissociação-valor como princípio da forma social molda de uma determinada maneira todas as sociedades, subculturas e meios, homens e mulheres, sejam eles pretos, castanhos, brancos ou vermelhos, para aqui despejar problematicamente a lata das cores, dentro e fora das sociedades ocidentais; ao mesmo tempo, porém, as relações sociais, as normas e os conceitos de género podem ser extremamente diferentes, até mesmo ao ponto de idealmente diferirem por completo da socialização da dissociação-valor.
Estas condições e o sexismo correspondente também podem formar uma certa amálgama em cada caso, com formas específicas de racismo e anti-semitismo. Por exemplo, a situação é diferente em várias regiões de África e nos chamados guetos negros dos EUA; pode ser diferente nas famílias de Berlim-Kreuzberg que aderem às tradições islâmicas; e diferente ainda na mulher solteira da ONG estabelecida nos anos 90, que é "negra", abastada e voa de cimeira em cimeira.
A classe/camada/situação económica, a "raça", o género têm de ser assim entendidos também como dimensões mutáveis, ou seja, no sentido da teoria da dissociação-valor, no contexto de um processo histórico. A essência da dissociação-valor não aparece apenas nas relações de género pós-modernas e nas correspondentes identidades de ruptura da era da globalização, mas também noutras identidades mistas, tais como as que radicam em desequilíbrios económicos que não podem ser equiparados à categoria da classe, mas também no racismo e no anti-semitismo como ideologias de crise e de compensação em variadas amálgamas.
Para sublinhar mais uma vez este aspecto, é preciso ter em conta que a essência da dissociação-valor não é apenas evidente na relação imediata de género, mas precisamente no facto de a dissociação-valor ter de se relativizar nos seus próprios fundamentos; para existir, tem de permitir que o racismo e o anti-semitismo sejam analisados como estruturas independentes que não são absorvidas pelo seu aparelho conceptual. Assim a mudança social não é de modo nenhum determinada apenas pela lógica de género da dissociação-valor, mas também pelo entrelaçamento de estruturas sexistas e racistas, por exemplo, na imposição da divisão de funções entre os sexos e da colonização, na exploração do “Terceiro Mundo” até ao fim da Segunda Guerra Mundial, na construção moderna da relação de género em ligação com ideias pictóricas dos “Outros” como sub-humanos ou sobre-humanos.
Por isso não basta determinar a lógica de género no sentido da dissociação-valor como forma social fundamental enquanto processo histórico. As diferentes estruturas de discriminação e perseguição e o seu carácter processual também têm de ser tidos em conta.
Na modernidade as culturas nacionais, que emergiram na fase ascendente do desenvolvimento histórico da relação de dissociação-valor, foram a principal fonte de identidades culturais, com as correspondentes inclusões e exclusões. Sob as condições da globalização, da revolução microeletrónica e da racionalização correspondente, da transição do fordismo para o pós-fordismo, da flexibilização das condições de trabalho, da turbulência nos mercados financeiros e, não menos importante, da pobreza, da fome e da agitação política daí resultantes, e também de uma relação espaço-tempo alterada devido à mediatização e tecnologização das relações sociais, as identidades nacionais estão agora a desintegrar-se ou a dispersar-se em "sub-identidades étnicas". Os movimentos migratórios são um elemento importante neste contexto.
Uma das consequências desta evolução foi, inicialmente, a problematização da identidade nacional e a insistência na diversidade cultural. Isto aconteceu não só por parte da "cultura dominante", sob a forma ideológica do multiculturalismo ou do etnopluralismo, mas também por parte das chamadas minorias étnicas. O racismo é aqui justificado menos por razões biológicas do que por razões culturais. Nos anos 90, por outro lado, foram cada vez mais assumidas as identidades híbridas, ou seja, as identidades intermédias que se sentem em casa em várias culturas e podem, por isso, funcionar como "tradutoras" (Homi K. Bhaba). No entanto, o que normalmente não é tido em conta é que esta existência híbrida não existe por si, mas vem ao encontro dos requisitos de flexibilidade do capitalismo.
Se compreendermos a teoria da dissociação-valor em toda a sua complexidade, revela-se não só um abrandamento das identidades de género tradicionais, como se vê no discurso das mulheres “duplamente socializadas”, ou no movimento queer, por exemplo, que tenta ridicularizar as identidades masculinas e femininas tradicionais no espectáculo de travestis, mas também nas identidades híbridas e na fracturação das identidades nacionais e culturais.
Por um lado, as novas identidades fracturadas vão certamente ao encontro das exigências do capitalismo na era da globalização, que precisa de identidades flexíveis e já não pode utilizar as velhas identidades fixas do capitalismo fordista. Mas, por outro lado, são também momentos de um capitalismo em colapso, que se descarrega em violência com a deterioração dramática das condições económicas a nível mundial. Os sentimentos de desenraizamento que lhes estão associados entre os jovens sem perspectivas de futuro podem transformar-se em anomia social e violência. Isto não se aplica apenas aos jovens inseguros e com identidades híbridas, mas também aos jovens individualizados, nomeadamente da cultura dominante, que desenvolvem medos de ficarem a perder devido à sua falta de classe e de tradição, os quais se podem manifestar através da violência de direita e racista (ver Heitmeyer 1994).
Basicamente é preciso dizer que a necessidade e a existência de flexi-identidades no capitalismo de crise globalizado da pós-modernidade não dissolvem de modo nenhum a discriminação sexista, racista e anti-semita; pelo contrário, elas são de facto constitutivas destas novas formas pós-modernas, incluindo quando a raça e o género já não são marcadores tão fortes na era da globalização como eram na modernidade clássica. Uma Condoleezza Rice, por exemplo, vai perfeitamente de par com as tendências racistas pós-modernas, e ainda mais: na escalada da crise fundamental, há tendências para que as mulheres e as minorias discriminadas se tornem de facto administradoras das crises.
É por isso que essas flexi-identidades, na dicção de uma crítica social radical, devem ser questionadas do mesmo modo que as identidades fixas da era fordista, mesmo que devam ser assumidas como um facto, como um fundamento estrutural da identidade, ao analisar o capitalismo actual e as ideias de um engajamento na crítica social. As identidades híbridas e as tendências fundamentalistas de qualquer tipo são as duas faces da mesma moeda da crise, como afirma correctamente Udo Wolter (Wolter 2020).
E por isso uma perspectiva desconstrucionista não pode ser oferecida como antídoto para as bárbaras tendências essencialistas fundamentalistas.
Por exemplo, um migrante do Irão, de barba feita, eloquente e dinâmico, ou seja, "integrado", poderia talvez ser objecto de um ressentimento racista ainda maior do que os migrantes islâmicos com a clássica barba talibã, ou a mulher muçulmana de lenço na cabeça a querer dar nas vistas e que é associada a actos de terrorismo fundamentalista islâmico.
O racismo, o anti-semitismo e o sexismo têm portanto de ser pensados em conjunto, em termos da dissociação-valor como princípio da forma social, mas ao mesmo tempo devem ser sempre mantidos estritamente separados do ponto de vista analítico. Não estão numa relação aditiva entre si, nem numa relação derivada. Os efeitos cumulativos surgem nos indivíduos quando a discriminação racista e sexista é ou pode ser vivida pelos indivíduos como um conflito de ambivalência. Por conseguinte, não faz sentido querer juntar o racismo e o sexismo já a um nível puramente sociológico, ou seja, a um nível inferior de abstracção. No entanto, neste contexto, é verdade que existe uma construção multidimensional entre as estruturas racistas e sexistas e que estas dimensões atravessam os indivíduos do sexo masculino e feminino.
Na perspectiva da crítica da dissociação-valor, os indivíduos empíricos também têm de ser reconhecidos como tal. Por outras palavras, quer eu venha do Irão, do Iraque ou da Suíça, a particularidade individual tem de ser reconhecida em toda a parte, sem ignorar a forma fundamental comum e a respectiva discriminação estrutural racista e sexista que lhe está associada em cada caso. As caraterísticas individuais têm de ser tidas em conta, sem no entanto se cair numa atitude de ver as árvores e não ver a floresta, por exemplo, deixar de reconhecer as estruturas de associação masculina, sexistas, racistas e anti-semitas perante meros "casos individuais".
Nesta perspectiva, é crucial para uma crítica emancipatória e não redutora da globalização, no sentido de uma crítica radical do capitalismo, que os conhecimentos nos contextos micro, meso e macro não sejam jogados uns contra os outros. Isto exige a abordagem da teoria da dissociação-valor, que permite ter em conta os diferentes níveis. O nível macro é formado pela estrutura global crítica da dissociação-valor. Os contextos meso consistem em reconhecer a existência de estruturas racistas e sexistas, bem como de disparidades económicas, que estão separadas umas das outras e no entanto ligadas entre si; têm de ser relacionadas com a macro-estrutura, sem no entanto serem absorvidas nela e a ela assim equiparadas. Ao nível micro, por outro lado, é importante não deixar ficar os indivíduos inconfundíveis como tais, mas ao mesmo tempo demonstrar a sua natureza estruturada, tanto no que diz respeito ao nível meso das estruturas racistas, anti-semitas e sexistas, como no que diz respeito ao nível macro de uma dissociação-valor complexamente concebida como princípio da forma social. Ainda que, na metadefinição teórico-conceptual, a dissociação-valor como princípio da forma da sociedade mundial tenha sem dúvida uma preponderância em relação ao indivíduo, o que implica atitudes concorrenciais desses indivíduos que não constituem nada de original-individual, o "envolvimento pessoal" dos indivíduos enquanto agentes deve ser sempre tido em conta.
Tanto quanto me é dado ver, a investigação sobre racismo e a teoria feminista, pelo contrário, têm permanecido até agora em grande medida presas a uma perspectiva puramente da teoria da identidade, enquanto as abordagens desconstrucionistas que procuram frustrar as identidades funcionam como meramente complementares. As estruturas sobrejacentes e a dimensão material-económica levam teoricamente uma existência na sombra, ou são tidas em conta apenas com base num velho marxismo das classes. Um novo entendimento sócio-filosófico da totalidade, representado pela teoria da dissociação-valor, ainda mal penetrou no discurso geral.
No entanto as novas identidades, também como identidades fracturadas, não podem ser percebidas criticamente sem um conceito de totalidade fracturado e já fora da lógica da identidade. Caso contrário, não só o pano de fundo constitutivo permanece enevoado quando se colocam questões relevantes, como também existe o perigo de serem encorajados cenários de guerra civil alegadamente condicionados "racialmente/etnicamente", bem como exigências irracionais da globalização sob a forma de aceitação de identidades híbridas. Por outro lado, é apenas na perspectiva deste entendimento diferente da totalidade que se pode ver que as identidades fracturadas mais recentes ainda se situam no contexto das identidades mais antigas no processo histórico-dinâmico da dissociação-valor. As reivindicações de supremacia baseiam-se nesta referência, ainda que fracturada, no que diz respeito às definições identitárias de homem-mulher, turco-alemão, turco-curdo, judeu-alemão, judeu-palestiniano etc. Por isso não é possível prescindir completamente de uma perspectiva identitária, especialmente se se quiser criticar adequadamente as estruturas racistas, anti-semitas e sexistas no contexto da crítica da dissociação-valor.
Foi demonstrado que a necessidade de ter em conta as diferenciações não deve levar a hipostasiar as diferenças e a prestar-lhes homenagem num sentido inadequadamente abstracto. No entanto, foi exatamente isso que aconteceu no feminismo e em partes da esquerda dominante durante as décadas de 1980 e 1990. Em vez disso, e nunca é demais sublinhar este aspecto, é preciso manter uma metalógica abrangente, um conceito de totalidade no sentido da teoria da dissociação-valor; todavia um conceito de totalidade não universalista, que dê seguimento às diferenças, especialmente quando estas não são absorvidas por ele.
A teoria da dissociação-valor é assim concebida de forma muito complexa. Só pode ser concebida no seu pleno desenvolvimento, que nunca pode ser completamente bem conseguido, ou seja, como um processo, em que não há uma compreensão definitiva absoluta.
Ao contrário do relativismo pós-moderno, trata-se realmente de certa maneira de uma reivindicação de grande teoria, mas não no sentido anterior das grandes teorias universalistas androcêntricas da modernidade. Esta teoria não é portanto uma "tese", não é uma fórmula, não é uma definição escrita no quadro negro que seja suficiente em si mesma e da qual algo ("tudo") possa ser derivado. Também não é um conceito no sentido hegeliano, já contendo em si todos os momentos que no seu desenvolvimento podem ser sempre remetidos para ele. Pelo contrário, tal como a "dialéctica negativa" de Adorno, também dá seguimento àquilo que não está de acordo com o seu conceito. Como tal, porém, não suspende de modo nenhum um conceito abrangente de totalidade. Tendo em conta que o culto da diferença, em termos de identidades mistas ou de multiculturalismo essencialista, anda sempre de mãos dadas com interesses concorrenciais particulares, é necessário desenvolver hoje um mal-estar com as diferenças, na medida em que estas são apresentadas sem referência a contextos sobrejacentes. Em vez disso, deve ser desenvolvida uma nova referência ao todo social, sem negar abstracta e voluntaristamente as diferenças, as ambivalências e as contradições.
Seria contraditório com o próprio conteúdo da teoria da dissociação-valor fazer valer a totalidade negativa e quebrada desta relação como um ponto de referência teórico, mas também prático, "a partir de cima", por assim dizer. O truque, que não é de modo nenhum fácil de realizar, consiste portanto em suportar a tensão entre o geral, o particular e o individual, entre semelhanças e diferenças, especialmente ao nível do engajamento social prático. E fazê-lo tanto a nível regional como global, no contexto de uma rede mundial com intenções críticas, que assumiu a causa de questionar radicalmente a socialização capitalista (mundial). Por conseguinte, é também uma questão de crítica e de prática social "sintetizar sem sistematizar unidimensionalmente", parafraseando Regina Becker-Schmidt, tendo como pano de fundo uma crítica ao emaranhado paradoxal da dissociação-valor como princípio da forma social.
Neste sentido seria necessário quebrar um pós-moderno tabu de solidariedade, que atingiu o seu auge nos anos 90, e desenvolver de certo modo um novo internacionalismo, que ao contrário do antigo já não tem automaticamente como ponto de referência a existência de um Estado-nação, ou seja, um novo universalismo por assim dizer, que no entanto não se limita a subsumir as diferenças a si próprio, como é o caso do universalismo ocidental androcêntrico que bem conhecemos. Com efeito, a teoria da dissociação-valor refere-se necessariamente de forma negativa ao universal na base do capitalismo, bem como ao factual empírico que lhe está associado; mas exige também a realização do comum com este dado, no sentido de resistência, bem como a perspectiva da comunidade futura de uma sociedade mundial baseada na solidariedade. Esta perspectiva parece-me tanto mais importante quanto as tendências de direita estão a generalizar-se cada vez mais, como reverso e como reacção às tendências de asselvajamento do capitalismo em colapso.
A crítica social teórica e prática tem portanto de ser dirigida contra a forma fundamental da dissociação-valor como tal, por um lado, mas por outro lado orientar-se também especificamente em termos de conteúdo in loco no respectivo contexto. Devem ser tidas em conta questões gerais, como a ameaça de guerra, o terrorismo, a destruição da natureza, o racismo e o sexismo globais, mas sobretudo o anti-semitismo no decurso do declínio do capitalismo de casino pós-moderno, e a incapacidade de reprodução numa sociedade (global) que está a ficar sem trabalho, tal como devem ser tidos em conta os problemas locais de abastecimento de água, falta de habitação, falta de alimentos etc., e também a discriminação racista e sexista específica do domínio de proximidade, que não coincidem necessariamente em todos os aspectos com as formas de discriminação geralmente entendidas destas estruturas de discriminação.
Após esta recapitulação de alguns pontos essenciais sobre "raça", classe e género do meu "Livro das Diferenças" de 2005, passo agora às concepções de Roldán Mendívil/Sarbo e de Karin Stögner, que têm sido muito faladas nos últimos anos, e à forma como compreendem a relação entre raça, classe e género.
4. As concepções de Roldán Mendívil/Sarbo e de Stögner
4.1 Metafísica da luta de classes e fetiche do trabalho versus interseccionalidade. A concepção de Roldán Mendívil/Sarbo
4.1.1 Apresentação
Na década de 2010, sobretudo na sequência do crash financeiro de 2008, assistiu-se a uma enorme viragem à direita, que no entanto já tinha a sua pré-história nas últimas décadas. Desde então fala-se de uma “grande regressão” (Geiselberger 2017). Enquanto a época da globalização se caracterizou por uma dissolução geral das fronteiras na política, na economia e na sociedade em geral, agora é evidente um esforço geral para estabelecer fronteiras e para um regresso à nação, ao Estado e ao povo. Desde Trump, o mais tardar, os esforços de desglobalização tornaram-se visíveis como resposta ao crash de 2008.
Estão a ser feitas tentativas para voltar a meter na garrafa o génio da globalização, mas isso está a conduzir a mais miséria ainda. Como se pode ver na ruptura das cadeias de abastecimento e de criação de valor, na dívida nacional exorbitante e nas tendências de desvalorização maciça, que se reflectem em taxas de inflação elevadas, escassez de medicamentos etc.
Estas tendências restauradoras também podem ser encontradas em grande parte da esquerda remanescente, que se centra agora cada vez mais em conceitos da velha esquerda, na luta de classes, na crítica ao imperialismo e afins. Embora as identidades híbridas e as identidades fracturadas tenham sido temas amplamente discutidos no discurso feminista e anti-racista até meados da primeira década deste século, pode observar-se um regresso à política de identidade desde então. A política de identidade e a política de classe estão agora ainda mais irreconciliáveis do que nos primeiros anos deste século, quando foi escrito o “Livro das diferenças”. Neste contexto, depois de os conceitos pós-estruturalistas e pós-coloniais se terem tornado predominantes (embora o pós-colonialismo tenha agora também sofrido uma mutação significativa para o decolonialismo), as invocações dos mortos do antigo marxismo estão de novo a ser cada vez mais contrapostas a uma perspectiva interseccional. Um exemplo paradigmático é a concepção de Roldán Mendívil/Sarbo, que elas têm apresentado em vários ensaios, nomeadamente na antologia “A Diversidade da Exploração” (2021) por elas editada. Ao contrário de um entendimento modificado de Marx, no sentido de uma crítica do fetiche e de uma crítica do trabalho, Roldán Mendívil/Sarbo partem de um pensamento marxista profundamente tradicional, que define o antagonismo das classes como o cerne de um pensamento crítico do capitalismo. Neste contexto debruçam-se sobre o “racismo” e defendem um “conceito materialista de racismo”: “A base do racismo é a diferença económica entre exploração e sobre-exploração. A exploração é a relação em que se organiza a produção no capitalismo e refere-se a um nível social médio. Há sempre pessoas que são mais exploradas para além deste nível devido ao seu estatuto político. O capitalismo assenta numa divisão global do trabalho em que alguns países são transformados em fornecedores de matérias-primas e locais de produção para o Norte global, e em que migrantes são sobre-explorados no sector dos baixos salários. Daqui resulta uma hierarquia social naturalizada por categorias como a ‘raça’ e a origem. Os conflitos económicos precedem assim a racialização” (Roldán Mendívil/Sarbo 2020, 124 e seguintes). A ideologia racista tem por objectivo justificar a sobre-exploração. Isto faz do racismo uma “expressão da fragmentação capitalista da classe e com ela uma forma objectiva de pensamento”. A mistificação é conseguida através da culturalização e da biologização. “O racismo divide a classe trabalhadora com base em categorias secundárias” (ibid., 125). A perspectiva de Roldán Mendívil/Barbo opõe-se assim a um racismo “liberal” e culturalista de esquerda, que defende a diversidade, a inclusão, a culturalização da pobreza, e a um “racismo branco”, como nos estudos críticos sobre a branquitude que tiveram origem nos EUA. Por isso apelam a que “a linguagem, isto é, a consciência, seja entendida como expressão do ser, e que se abalem os fundamentos materiais deste ser social para simultaneamente mudar a consciência” (ibid., 124).
Sarbo relaciona assim – com Wallerstein – a formação do sistema mundial capitalista, que se caracteriza por uma divisão global do trabalho, e o modo de produção capitalista com ele formado. O colonialismo foi uma caraterística essencial da acumulação original, ou seja, a escravatura, a pilhagem e o refluxo dos recursos para os países europeus. A escravatura e o trabalho livre assalariado são ambas formas de trabalho capitalista. "A sobre-exploração não descreve [...] um estado de excepção, mas uma relação que é a pedra angular da acumulação capitalista. A exploração é o modo geral de todas as sociedades de classes. O que é específico do trabalho assalariado é que, ao contrário da escravatura ou da servidão, não envolve uma relação de propriedade directamente pessoal" (Sarbo 2021, 43). Em termos de análise formal, isto significa – segundo Sarbo, com referência a Schmitt-Egner: "A igualdade refere-se a uma necessidade da lei da troca, em que valores iguais são trocados por duas pessoas que são simultaneamente sujeitos jurídicos iguais e livres. A aparência de liberdade e igualdade que existe para os trabalhadores na Europa através dos direitos humanos postulados e das constituições burguesas dissolve-se na colónia. Na colónia, prevalece a exploração aberta e uma relação aberta de violência" (ibid., 45). Sarbo constata que a burguesia europeia desprezava as classes mais baixas de uma forma semelhante à dos racializados. Neste contexto, Sarbo também se refere ao conceito de fetiche de Marx: "O processo de racialização, a construção de categorias racistas, faz com que a raça, uma categoria criada pelo homem e uma diferença produzida economicamente, apareça como uma diferença natural. À semelhança do fetiche do dinheiro, podemos imaginar a mediação entre posição económica e raça: Ter pele escura não tinha de significar ser-se escravizado, mas como os escravizados tinham todos pele escura, isso apareceu através da mediação da ideologia burguesa como uma diferença natural, que é socialmente vivida e confirmada. A construção de raças é a construção das cores da pele como portadoras de significado. Na cor da pele reifica-se uma relação social" (ibid., 48, ênfase no original).
Roldán Mendívil/Sarbo chegam à seguinte conclusão: "No capitalismo a igualdade e a desigualdade devem, portanto, equilibrar-se para permitir a sobre-exploração constante da força de trabalho sem a perder através da violência ou da exclusão racistas. O racismo não pode, portanto, ser reduzido nem a um momento irracional nem a um momento funcional, como faz o conceito liberal ou funcionalista de racismo, mas deve ser entendido na sua natureza contraditória" (Roldán Mendívil/Sarbo 2020, 126).
Sarbo constata que o racismo biologicista foi substituído por um racismo cultural, em que as diferenças entre culturas são realçadas, embora ainda hoje se encontrem em certa medida argumentos biologicistas. Segundo Sarbo, uma das razões para esta viragem são os movimentos migratórios para a Europa. Por exemplo, nos anos 60 foram contratados na Alemanha "trabalhadores convidados". "O capital alemão pôde assim realizar o seu principal interesse de aumentar os lucros, baixando o salário médio geral. Isto é possível devido ao aumento da concorrência no mercado de trabalho e a um número constantemente elevado de desempregados. Estas pessoas estão sempre dispostas a trabalhar por menos dinheiro, porque dependem desses empregos. São o chamado exército industrial de reserva" (Sarbo 2021, 50ss.). Com estes argumentos, Sarbo rejeita a ideia (de direita) de que os migrantes teriam uma função de redução dos salários. Pelo contrário, eles possibilitaram a subida de muitos trabalhadores alemães (cf. ibid., 51).
Nos anos 70 a crise do petróleo e a recessão a ela associada conduziram a um congelamento do recrutamento. Desenvolveu-se uma relação de concorrência entre alemães e migrantes (mercado da habitação etc.). Os migrantes são acusados de não se quererem integrar suficientemente. Sarbo defende, por princípio, a localização histórica do racismo no contexto das crises sociais. Na sequência da reunificação e da marginalização da Alemanha de Leste, o racismo, que já vinha a aumentar desde a crise económica dos anos 80, aumentou dramaticamente nos anos 90. Assim, o racismo não se manifesta apenas na tradição do colonialismo, mas pode também radicar na sobre-exploração fordista. De acordo com Sarbo, ainda não foram efectuados estudos sobre este assunto. A autora afirma: "Os trabalhadores e pequeno-burgueses europeus em particular podem recorrer a ideologias racistas face à possibilidade de desclassificação social, omnipresente na sociedade de classes, porque a única coisa que supostamente os impede de descer ao nível mais baixo da hierarquia social é a manutenção da barreira racial [...] Ao identificar-se com a ideologia racista e com a superioridade nela formulada, a classe trabalhadora é também politicamente dessolidarizada" (ibid, 59, ênfase no original). Tanto a alteridade dos migrantes como a sua integração e desejo de progressão são criticados, por exemplo, no caso dos trabalhadores convidados e dos seus descendentes (ibid., 125).
Sarbo resume: "Qualquer anti-racismo que apenas ataque o racismo a nível ideológico, seja através da refutação da existência de raças biológicas ou de uma pedagogia anti-preconceito, em vez de abolir as relações de exploração subjacentes e com elas os seus pressupostos sociais, acaba por ser um trabalho de Sísifo" (ibid., 63, ênfase no original).
Roldán Mendívil/Vögele abordam depois a relação entre produção, reprodução e racismo no contexto de uma teoria da "reprodução social" no sentido da reprodução global das relações sociais, tal como é hoje frequentemente defendida com recurso a Lise Vogel. Às mulheres é atribuída a tarefa de amar, conservar e cuidar das crianças, dos idosos e dos doentes. É desta maneira antes de mais que deve ser reproduzido o trabalho criador de mais-valia. "O foco passa agora para as formas de trabalho que permitem satisfazer as necessidades da vida, bem como para os actores envolvidos. Trata-se portanto da reprodução da sociedade como um todo, em que o quadro da reprodução social pode actuar como ‘chave para o desenvolvimento de uma relação suficientemente dinâmica da classe trabalhadora’. Aqui também se alarga uma imagem frequentemente limitada dos trabalhadores e da própria classe trabalhadora. Esta é constituída não só pelos assalariados directos, mas por todas ‘as forças de trabalho passadas, presentes e futuras de uma sociedade [...] mais todos aqueles cuja manutenção pode depender de um salário, mesmo que eles próprios não participem ou não possam participar no trabalho assalariado’. Esta visão mina a imagem cisionista, falsa e ainda prevalecente de uma classe trabalhadora puramente branca e masculina no Ocidente" (Roldán Mendívil/Vögele 2021, 67s.).
Também determinam correspondentemente a relação entre racismo e reprodução: "Na vida quotidiana, a esfera privada é marcada como uma zona isolada e distinta, fora das relações de exploração capitalistas, como um espaço auto-responsável e daltónico. Isto obscurece o facto de as relações familiares ocidentais e a esfera privada burguesa só poderem surgir através do trabalho escravizado, colonial e/ou (contratualmente) obrigatório, especialmente sob a forma de trabalho doméstico. Este trabalho criou as condições materiais para que as esferas privada e pública, a reprodução e a produção, fossem separadas. Por exemplo, as mulheres escravizadas pelos europeus nos continentes americano e africano foram objectivadas como corpos para a reprodução de novas mercadorias. Aos filhos de mães escravizadas era automaticamente atribuído o mesmo estatuto, tornando-se assim propriedade adicional dos proprietários de escravos a baixo custo. Assim, as práticas legalizadas de sobre-exploração penetravam até nas relações mais íntimas" (ibid., 74 ss., ênfase no original).
Roldán Mendívil/Vögele resumem assim: "Um quadro marxista-feminista da teoria da reprodução dá-nos a oportunidade de compreender mais concretamente o entrelaçamento específico de classe, género e raça. Também torna claro que as lutas pela libertação humana nunca podem ser apenas feministas, antipatriarcais ou anti-racistas. Para uma mobilização socialista em todos os domínios e espaços vazios, temos de entender todas as categorias atribuídas [...] no seu significado para o sistema económico capitalista e criticá-las como tal na teoria e na prática" (ibid., 81s., ênfase no original).
No entanto, Roldán Mendívil sublinha a "centralidade da classe trabalhadora" e a necessidade de uma organização de classe. “Não se trata, em primeiro lugar, de experiências de vida especificamente precárias de indivíduos, mas de um horizonte de libertação humana para todos. As condições concretas de vida sob o jugo do capital e a existência autónoma de formações ideológicas – como o racismo, a homofobia e a transfobia – não são irrelevantes ou sem importância. No entanto, um entendimento da sociedade como algo que assim se tornou abre uma perspectiva para todos que nos permite entender melhor as experiências de exclusão e violência. Entender identidade como um factor da relação de capital permite-nos relacionarmo-nos connosco próprios, com a classe e com a sociedade. Isto permite-me situar a minha experiência pessoal de forma diferente e, por conseguinte, relacionar-me de forma diferente com pessoas que não partilham a minha experiência de vida, mas que lutam comigo como socialistas contra o racismo, a homofobia e a transfobia" (Roldán Mendívil 2021, 191). A interseccionalidade é criticada porque se centra principalmente no indivíduo e não faz do contexto capitalista global em termos de reprodução social o ponto de partida da análise.
Sarbo assume basicamente que existem vários racismos que ainda precisam de ser analisados específica e concretamente em termos históricos. No entanto ela afirma ter identificado "algumas caraterísticas estruturais" que permitem esboçar um conceito mais geral de racismo (Sarbo 2021, 61).
4.1.2 Crítica
Roldán Mendívil/Sarbo assumem que o antagonismo das classes é a referência central para a explicação do capitalismo. Estão assim a milhas de distância de uma crítica do fetichismo e de compreender a dissociação-valor como princípio da forma social, bem como a correspondente lógica histórica e social de desenvolvimento, que afinal conduz também à obsolescência do trabalho abstracto, à obsolescência da sociedade de classes e a um "colapso da modernização" (Robert Kurz). No fundo trata-se da "contradição em processo" (Marx): A racionalização da terceira revolução industrial minimiza o trabalho criador de mais-valia e aumenta a produção. No entanto o facto de o fosso entre ricos e pobres estar a aumentar já não pode ser analisado à maneira da teoria das classes devido à alteração da estrutura social. O resultado é um exército de supérfluos e "vida descartada" (Zygmunt Bauman), que também já não pode servir como "exército de reserva". Na medida em que o fetiche do dinheiro é incluído na obra de Roldán Mendívil/Sarbo, isso é feito dentro de um marxismo das classes; não há determinação da forma fetichista determinada pela mercadoria, valor, capital, trabalho abstracto e dissociação, que estrutura a sociedade como um todo.
Roldán Mendívil/Sarbo centram-se redutoramente na "exploração" (e transferem-na para o trabalho escravo no conceito de sobre-exploração) em vez de questionarem fundamentalmente o trabalho como princípio de socialização que abrange também os "dominantes", os empresários, os gestores etc. (pelo que se deve perguntar até que ponto o conceito de sobre-exploração faz sentido em termos de teoria do valor (mais-valia) – (ver Monday 2024, por exemplo), o que não pode ser discutido mais pormenorizadamente aqui). Pelo contrário, os "sobre-explorados" eram muitas vezes acusados de preguiça, enquanto um movimento operário (não só alemão) imaginava ter tornado possível a prosperidade através da sua diligência, que os trabalhadores estavam assim integrados numa sociedade de classe média e que, em última análise, podiam imaginar que eles próprios pertenciam agora ao empresariado global através da propriedade de acções.
Existe assim um contexto capitalista global abrangente que se torna independente das pessoas, incluindo os proprietários do capital. A exploração e a "sobre-exploração" (de classe) têm de ser vistas no contexto das relações de fetiche capitalistas, em que a "classe trabalhadora" se mostrava domesticada com a gratificação consumista adequada enquanto a subida (de classe média) pareceu possível. Exploração e mais ainda "sobre-exploração" no sentido de Roldan Mendivil/Sarbo são-lhe praticamente indiferentes, desde que lucre com ela (efeito de gotejamento): "Tal como é suficiente para uma tomada de posição aparentemente radical contra o modo de produção capitalista nesta dicção truncada [do interesse, RS] tomar 'o ponto de vista da classe trabalhadora' e assim pensar e agir 'em termos de classe', também este pensar e agir parece derivar o seu conteúdo do 'interesse de classe do proletariado' [...] A elevação deste ‘interesse de classe’ a uma categoria aparentemente transcendente, aparentemente revolucionária, pode ser fingida pelo facto de o ‘trabalho’ não ser entendido em termos da sua determinação da forma capitalista realmente fetichista da mercadoria, mas como uma entidade supra-histórica do processo de metabolismo com a natureza” (Kurz/Lohoff 1989).
Roldán Mendívil/Sarbo não abordam de todo o significado de "trabalho", este é simplesmente pressuposto; para elas a classe trabalhadora no seu conjunto é intocável e o seu ponto de partida. Para elas, o racismo é antes de mais um fenómeno económico, e nesse sentido a cor da pele, por exemplo, é "portadora de significado" (embora os trabalhadores convidados, ao contrário dos escravos, tivessem um contrato de trabalho na fase constitutiva do capitalismo). Aqui deveria partir-se de um entendimento mais complexo do materialismo e, portanto, incluir também os níveis cultural-simbólico e psicossocial em pé de igualdade; em vez disso, Roldán Mendívil/Sarbo fazem da economia o centro, segundo o bom e velho esquema base-superestrutura. Só mencionam a dimensão psicossocial de passagem. A razão pela qual o racismo desenvolve uma dinâmica própria, como escrevem, permanece também um segredo seu, sendo aqui preciso ter centralmente em conta que o disciplinamento dos outros vai de par com o autodisciplinamento do "sujeito" (cf. também Roepert 2022).
Roldán Mendívil/Sarbo também não vêm que o racismo actual também se manifesta sobretudo na exclusão dos refugiados e num "imperialismo de segurança" (Robert Kurz) que chega ao ponto de deixar afogar na periferia as pessoas provenientes das regiões em colapso e de as manter à distância em campos e zonas especiais. Na sua concepção anacrónica, escapa a Roldán Mendívil/Sarbo que o racismo é hoje um problema de superfuidade e de marginalização. Os "estrangeiros" devem ser admitidos desde que "nos sejam úteis, mas não aproveitadores".
É também surpreendente o facto de Roldán Mendívil/Sarbo não mencionarem o anti-semitismo. Como vimos, o antagonismo das classes é o núcleo estrutural da sua análise. Mesmo que isso não seja inevitável, um tal entendimento de Marx é muito propício a uma crítica personalizante do capitalismo e, por conseguinte, também a ideologias anti-semitas. Implicitamente, isto também tem como objectivo provavelmente satisfazer necessidades altamente problemáticas de normalidade das "pessoas comuns" (no seu caso os da "classe trabalhadora"), que querem mostrar aos de cima como é e insistem numa vida no moinho de degraus, desde que seja de algum modo regulamentada. Este tipo de necessidades está a aumentar hoje em dia com a crise. Roldán Mendívil/Sarbo exigem, portanto: Explorados e "sobre-explorados" na classe trabalhadora unidos contra o capital. Neste contexto, as teorias marxistas-leninistas voltam a estar na moda regressiva e anacronicamente na esquerda que resta. Os marxistas tradicionais ficam naturalmente encantados (e não só eles) quando Roldán Mendívil/Sarbo, enquanto mulheres migrantes, voltam a rebaixar o sexismo e o racismo a contradições secundárias e a considerar a "classe" como o verdadeiro problema!
Uma vez que submetem a relação hierárquica de género à relação de classe, também não apresentam como princípio da forma de toda a organização a dissociação-valor, que por si é forçada a dar espaço a outras desigualdades sociais e outros tipos de discriminação. Abordam a hierarquia de género, mas como um fenómeno secundário, tal como sempre o conhecemos nos vários marxismos.
Ao contrário da crítica da dissociação-valor, que assume a dissociação do feminino do valor e do trabalho abstracto, e não no pressuposto de que esta temática já está contida na teoria de Marx, mas que na melhor das hipóteses apenas é mencionada de passagem, sendo evidente digamos que uma secundarização que também é caraterística das teorias burguesas, Rondal Mendivil/Sarbo assumem que o género e as actividades reprodutivas correspondentes sempre estiveram "dentro" da definição marxista do capitalismo. No entanto, no entendimento dialéctico da crítica da dissociação-valor, elas estão sempre simultaneamente dentro e fora, não podendo ser simplesmente compreendidas na concepção marxiana numa lógica de subsunção; as mulheres (sobretudo também as mulheres não brancas) não podem ser simplesmente atribuídas à classe trabalhadora.
É, pois, de registar que na crise Roldán Mendívil/Sarbo apoiam-se de forma não histórica em velhas certezas, como se o mundo não tivesse mudado e como se o Bloco de Leste não tivesse entrado em colapso. Uma vez que colocam a luta de classes no centro da sua crítica do capitalismo e lhe subordinam a discriminação e a opressão das mulheres, incluindo as mulheres não brancas, desde logo não têm acesso à dissociação-valor como princípio da forma. Enquanto a dissociação-valor, como determinação geral e abstracta, é forçada a partir do seu interior a dar seguimento a várias desigualdades e discriminações, nomeadamente as historicamente mutáveis – o que decorre nomeadamente da sua crítica do sujeito autónomo –, para poder enfim afirmar-se como absoluta, o pensamento das classes marxista tradicional é de certo modo transformado no soberano de todas as outras disparidades sociais. Mas hoje em dia é preciso desenvolver uma crítica fundamental da sociedade tendo como pano de fundo a teoria da dissociação-valor, e não com base no pensamento anacrónico da luta de classes, de modo a perceber as desoladoras condições sociais (mundiais) e a enfrentá-las. É bem sabido que o racismo, o sexismo, o anti-semitismo, o anticiganismo, a homofobia e a transfobia etc. estão de novo a aumentar fortemente hoje em dia.
4.2 Interseccionalidade, ideologia e anti-semitismo em Karin Stögner
4.2.1 Apresentação
No seu ensaio "Interseccionalidade entre ideologia e crítica" (Stögner 2021), Karin Stögner opta por uma abordagem diferente das várias relações de discriminação e desigualdade. Não rejeita de modo nenhum a interseccionalidade a favor de uma versão marxista tradicional de "raça" e género, como Roldán Mendívil/Sarbo, mas quer dar à interseccionalidade um toque diferente, pretendendo entendê-la no sentido de uma teoria dialéctica da Escola de Frankfurt. A principal preocupação de Stögner é que as categorias individuais de raça, classe e género estão interligadas, pelo que em última análise vê o anti-semitismo como uma dimensão de discriminação que inclui todas as outras. Aqui ela constata que o anti-semitismo é geralmente ignorado nas concepções interseccionais. De acordo com Stögner, a interseccionalidade, por um lado permite a crítica da ideologia, mas por outro lado pode tornar-se ela própria uma ideologia, por exemplo quando apela a medidas de boicote contra Israel. Em primeiro lugar gostaria de esboçar a linha de argumentação de Stögner.
O entendimento de Stögner da interseccionalidade baseia-se na concepção de sociedade da teoria crítica: "A unidade de uma sociedade historicamente específica, ou seja, a sua totalidade, é concebida como desunida e quebrada, mas sem que o todo seja decomposto nas suas partes individuais e sem que seja feita qualquer afirmação sobre o modo como os fenómenos individuais se relacionam entre si e como o todo é mantido na sua unidade, por mais frágil que seja [...] Com a teoria crítica, a sociedade deve ser definida como um contexto envolvente de emaranhamento que é mais do que a soma das suas partes" (ibid., 435).
Stögner transfere agora esse entendimento da sociedade para a interseccionalidade, o que significa que "as diferentes formas de desigualdade e discriminação não são somadas, mas a especificidade é procurada na interacção entre raça e género, por exemplo. A totalidade é móvel e um processo que torna visível uma lógica que permeia toda a sociedade através da heterogeneidade das diferentes formas de discriminação, exclusão e opressão" (ibid.). A sociedade é assim caracterizada por várias contradições e antagonismos sociais. Segundo Stögner, consoante a situação, pode sobressair ora uma forma de desigualdade e discriminação, ora outra. Por isso para Stögner os conceitos têm de ser mantidos abertos e flexíveis e ter um carácter processual (ibid.).
Neste contexto, Stögner critica os entendimentos inter e intracategoriais da interseccionalidade, ou seja, tanto as abordagens político-identitárias como as desconstrucionistas. "Com a constatação de que a sociedade se organiza em torno de categorias estruturantes como raça, classe e género, e a tomada de consciência de que estas categorias são mediadas umas pelas outras, ainda não foi vista nem criticada a compulsão social que actua na lógica da identidade e no princípio da categorização" (ibid., 439, ênfase no original).
Stögner continua a criticar as abordagens da política de identidade: "Na prática política dos movimentos sociais que invocam a interseccionalidade, pode observar-se que as categorias socialmente predeterminadas são por vezes adoptadas sem crítica e recebem uma conotação positiva – como marcadores de identidade para os indivíduos que já não reconhecem nelas primordialmente um constrangimento que lhes é imposto a partir do exterior, mas que as afirmam activamente como momentos do seu auto-entendimento e capacitação na luta política pelo reconhecimento e que nelas pretendem basear uma identidade [...] Os sujeitos interiorizaram eficazmente o instrumento de dominação da categorização repressiva" ibid., 439s.). Em sociedades que se tornaram complexas e confusas e onde os indivíduos não têm a certeza da sua identidade, as pessoas referem-se de forma simplista ao seu próprio grupo, que não existe (ou já não existe) nessa pureza. Stögner também se refere aqui à "causa essencial" da desigualdade social, a "estrutura de classes" que não é tida em conta, pelo que a desigualdade económica, que não tem a ver com reconhecimento, tem um carácter diferente da raça e do género: a "causa essencial da desigualdade social, a estrutura de classes da sociedade, [permanece] intocada por tais abordagens da diversidade, que se preocupam com o reconhecimento apreciativo e a reinterpretação das diferenças […] As pessoas pobres não são menos desfavorecidas no seu acesso aos recursos sociais se a sua pobreza for reconhecida" (ibid., 441). E ainda: "A ideologia da raça e da nação ou do género obscurece a realidade da estrutura social baseada nas classes" (ibid., 438).
Segundo Stögner, a "classe" leva actualmente uma existência na sombra. "Com as três categorias [raça, classe e género, RS], é portanto necessário romper o seu carácter de oposição e tornar visíveis as relações sociais objectivas que nelas actuam" (ibid., 442). Esta argumentação não é diferente da de Roldán Mendívil/Sarbo, que consideram a classe como a categoria principal, ainda que Stögner tome a teoria crítica como ponto de partida (ver abaixo).
Stögner rejeita a orientação pela preocupação nas análises de interseccionalidade hoje hegemónicas. Com Horkheimer/Adorno, ela critica um pensamento identitário que procura forçar a diversidade e a multiplicidade sob uma única ordem. Este pensamento baseia-se na dominação da natureza. Em ligação com a isto critica também um eu [Selbst] e a subjectividade que lhe está associada, que se posicionam como idênticos e tratam tudo da mesma maneira. A qualidade particular de uma coisa perde-se assim de vista (cf. ibid., 444). Escreve ainda: "Nas condições do capitalismo tardio, a identidade – esta resultante do difícil e ambivalente processo de integração no eu [Ich], capaz de suportar contradições – perde-se no conformismo, na orientação externa, no funcionamento irreflectido, na subsunção às categorias existentes e na adaptação aos poderes dominantes [...] Paradoxalmente, a não-identidade triunfa sobre a identidade, precisamente porque a identidade é conservada limpa do não-idêntico" (ibid.).
Por outro lado, Stögner também critica as posições anti-categoriais que visam a desconstrução da identidade. Para Stögner exprime-se aqui um "individualismo radical" (ibid., 445). Isto representa também um problema para o sujeito político "mulher". A desreificação (desconstrução) e a reificação (política de identidade) condicionam-se mutuamente. De acordo com Stögner, a não identidade e a identidade não podem ser pensadas independentemente uma da outra. A não-identidade não é necessariamente o "particular a ser defendido [...] A política anti-identidade queer, no entanto, dá a impressão de que apenas o não-idêntico tem de ser reforçado e tornado autónomo em relação ao idêntico [...] Isto ignora o facto de que a própria identidade bem sucedida é a unidade contraditória de identidade e não-identidade": (ibid.: 445s.). A não-identidade, que neste sentido representa a resistência, pode assim facilmente transformar-se em pensamento identitário. As tendências para a flexibilização são aqui caraterísticas do neoliberalismo (cf. ibid., 446).
Stögner não se opõe às identidades de grupo em si, desde que estas "exprimam negativamente um interesse comum" (ibid., 448) e resistam a essencializações. Assim, "tanto a diferença como a identidade podem ser repressivas, mas por outro lado, dependendo da constelação, também podem ter um efeito emancipatório" (ibid.).
Aqui Stögner sublinha, com a teoria crítica, que o universal não pode ser simplesmente interpretado como uma "particularidade" específica, mas que nele se exprime um "humano universal que não se impôs hegemonicamente, mas que negativa e subterraneamente persiste como ideia contra o falso universal. Ao mesmo tempo é importante reflectir sobre a medida em que a emancipação e a liberdade podem pender para o seu contrário em certas condições históricas" (ibid., 449, ênfase no original). A universalidade deve ser salva no sentido de uma "crítica imanente", na medida em que "pode servir de quadro para o desenvolvimento e a experiência do particular" (ibid.). A este respeito, de acordo com Stögner, o "universal na sua forma até hoje não é suficientemente universal" (ibid., 450).
Por conseguinte o conceito de ideologia é também de importância central para Stögner. Stögner critica as tendências interseccionais acima referidas, tendo por fundo o entendimento de ideologia da teoria crítica. Para ela as "ideologias" são entendidas como ideias reificadas e independentes que têm um carácter processual e, numa perspectiva interseccional, dizem respeito à discriminação estrutural, à opressão, à desvalorização e à exclusão. As várias dimensões interpenetram-se, pelo que as respectivas ideologias têm de ser colocadas no contexto mais complexo de uma totalidade. São "necessariamente falsas consciências", na medida em que são socialmente condicionadas e não podem ser localizadas apenas no indivíduo, mas no "campo de tensão entre a sociedade e o indivíduo" (ibid., 438). Segundo Stögner, uma tal concepção de ideologia não parte dos interesses dos poderosos como seus originadores, mas as ideologias baseiam-se em processos sociais e históricos reais (cf. ibid.). O objectivo principal aqui é justificar a desigualdade social. "A ideologia da raça e da nação ou do género esconde a realidade da estrutura social baseada na classe. Aparência e realidade amalgamam-se na ideologia. Ao investigar as ideologias, é importante centrarmo-nos na forma como as leis sociais se reflectem nelas. O ódio à diferença que elas exprimem ainda remete negativamente para a mentira neoliberal de que na sociedade o que importa é o particular, quando toda a gente sabe secretamente que a adaptação a processos (de trabalho) alienados e reificados é a condição sine qua non da sobrevivência social". (ibid., 238, ênfase no original).
De acordo com Stögner, todas as dimensões interseccionais se conjugam no anti-semitismo: "O anti-semitismo destaca-se [...] como uma ideologia completamente interseccional, ou seja, integra e produz efeitos através de momentos que podem não ser anti-semitas em si mesmos, mas sexistas, homofóbicos, racistas, nacionalistas e semelhantes. Além disso reflecte de forma distorcida as relações de classe e por vezes disfarça-se de crítica do capitalismo e do imperialismo". Os judeus representam uma "corporalidade deficiente [...] que exprime sistematicamente uma falta de masculinidade [...]", torpedeando assim a "ordem heteronormativa". Parecem ser anti-nacionais, e há também sobreposições entre racismo e anti-semitismo. Além disso os judeus são considerados responsáveis pela exploração no capitalismo e representam o capital financeiro e o abstracto em geral. "Através destas complexas interpenetrações com outras ideologias, o anti-semitismo exprime toda uma visão do mundo, condensando-se e expandindo-se numa explicação do mundo" (ibid., 437).
Neste contexto, Stögner questiona um falso particularismo, expresso no apoio a medidas de boicote contra Israel. "A dissolução da dialéctica permite por vezes que a própria interseccionalidade se transforme em ideologia, na medida em que o mundo é julgado à maneira maniqueísta, de acordo com um esquema amigo-inimigo. Isto torna-se claro, por exemplo, nos activismos interseccionais que condenam o sionismo como 'supremacia branca' e como racismo, mostrando assim um flanco aberto ao anti-semitismo" (ibid., 432). Stögner demonstra isto em Angela Davis, no queer, no BDS [Boicote, Desinvestimento e Sanções (contra Israel)] e no questionamento do direito de Israel a existir, sendo que os judeus não têm lugar nos debates da interseccionalidade. Não queremos aprofundar esta questão aqui, uma vez que nos interessa aqui o nível teórico, e nas observações anteriores já foi suficientemente esclarecido o anti-semitismo como ideologia (hegemónica) para Stögner. No entanto é de notar que Roldán Mendívil já causou discussão nos media devido às suas declarações anti-sionistas (cf. Ladwig 2017).
4.2.2 Crítica
Também em Stögner salta à vista sobretudo a abstinência da forma. Enquanto na obra de Adorno ainda era problematicamente a troca que determinava no essencial a sociedade, esta determinação é omitida no seu texto. Para ela a sociedade é apenas um "contexto de emaranhamento" que se afirma por si próprio. Noutras obras suas menciona a troca e o fetiche da mercadoria, mas mesmo aí está em primeiro plano um difuso contexto de emaranhamento (cf., por exemplo, Stögner 2014). No entanto Adorno mencionava frequentemente apenas a troca, de modo que na controvérsia sobre o positivismo teve de sublinhar a Albert que nem tudo está ligado a tudo o resto, como Albert supunha. No texto Sociedade, de 1965, escreveu também que um entendimento crítico da sociedade "transcende a trivialidade de que tudo está ligado a tudo o resto. A fraca abstracção dessa proposição não é tanto um magro produto do pensamento como um mau inventário da sociedade em si: a troca na sociedade moderna. Na sua realização universal, e não apenas na reflexão científica, ela é objectivamente abstraída; ela ignora a natureza qualitativa de produtores e consumidores, o modo de produção, e mesmo a necessidade que o mecanismo social depois satisfaz como algo secundário" (Adorno 2018, 13). Para Stögner, no entanto, um entendimento assim específico da forma parece ainda hoje estar intimamente ligado a um conflito de classes antagónico. Assim ela vai ao encontro do espírito do tempo restaurador, que em termos de lógica da identidade se refugia num anacrónico pensamento (de luta) de classes e em velhas categorias, a fim de ter um esquema de ordenação para um mundo cada vez mais confuso, em que o conceito de classe no entanto é frequentemente esticado nas ciências sociais e tem de servir como conceito-contentor para todo o tipo de situações sociais contraditórias (ver Scholz 2020, por exemplo). Neste contexto ela também assume inquestionavelmente uma ontologia do trabalho.
Para Stögner a relação de classe continua a ser claramente o princípio essencial da socialização capitalista e das desigualdades que lhe estão associadas. Para ela esta relação goza mais ou menos implicitamente de uma certa prioridade, por muito que insista no entrelaçamento e na interpenetração de diversas categorias e formas de discriminação. Pelo contrário, nos primórdios da Escola de Frankfurt e em oposição ao marxismo tradicional, a relação antagónica das classes era bastante marginal – o que os marxistas tradicionais criticavam frequentemente –, de tal modo que Lukas Meisner se sente obrigado a constatar uma "transição da luta de classes para a crítica da civilização" em Horkheimer/Adorno (Meisner 2023). Na altura Adorno sentiu-se obrigado a falar do paradoxo de uma "sociedade de classes sem classes" (Adorno 1972, 391) devido à integração dos trabalhadores na sociedade. Hoje, pelo contrário, prevalecem as tendências de degradação, desclassificação, marginalização e superfluidade – ainda piores do que na antiga sociedade de classes. Isto não quer dizer que o processo de obsolescência do trabalho abstracto que lhe está associado seja linear; pode também haver temporariamente carência em certos sectores, e greves, como acontece actualmente no sector dos serviços, deslocalização de locais de trabalho para outros países etc., o que ainda assim não interrompe a tendência geral. Isto também não significa que as disparidades económicas e educativas tenham deixado de existir, pelo contrário, mas já não podem ser compreendidas no conceito de classe. A estrutura social tornou-se entretanto muito mais complexa (ver também Kumkar/Schimank 2021). De resto são precisamente mulheres e migrantes que constituem as camadas mais baixas (ver Scholz 2020). A sociedade e o tecido social não são, portanto, absorvidos na perspectiva de 99 para 1, como algumas perspectivas marxistas vulgares gostariam de ver, também no feminismo (ver Scholz 2021).
Como a relação hierárquica de género de Stögner está submersa em emaranhamentos interseccionais e a contradição de classe é o verdadeiro centro da sua crítica do capitalismo, também lhe fica bloqueado o caminho para uma definição da forma no sentido da dissociação-valor, como princípio quebrado da forma social da sociedade capitalista-patriarcal, a partir do qual também resulta uma crítica da lógica da identidade, que também desempenha um papel central na obra de Stögner. Enquanto Adorno tinha fundado na troca o pensamento na lógica da identidade, que torna igual o desigual e desconsidera o conteúdo na quantificação, em termos de teoria da dissociação-valor ele resulta da dissociação do feminino e das actividades reprodutivas do valor, situação em que o mundo da vida, o não quantificável, o não conceptual etc. são largamente excluídos, e domina o pensamento formal sem conteúdo. Isto também é acompanhado por contradições, ambivalências, assincronias etc. numa totalidade já sempre quebrada.
Mas a crítica da dissociação-valor não pode por sua vez ser tão monista como uma mera crítica do valor, que indiferente à diferença apenas se coloca como o Único; não pode recorrer ao sexualmente diferente como princípio primordial, como acontece num ponto de vista universalista androcêntrico, uma vez que lhe é inerente o conhecimento de que o sujeito autónomo é limitado. É portanto forçada a aceitar à partida a diversidade, a diferença, as contradições etc. Ao mesmo tempo, porém, não pode ficar-se pela hipostasiação das diferenças, das meras contradições, mas tem de insistir na dissociação-valor como princípio da forma e numa totalidade assim determinada, que – como já foi dito – é à partida quebrada e contraditória.
Nesta perspectiva, tanto a política de identidade como a desconstrução poderiam ser criticadas na sua determinação dialéctica e, neste contexto, também um sujeito autónomo no qual o androcentrismo e o universalismo sempre estão inscritos, uma subjectividade que se coloca como idêntica na dominação da natureza, e que ainda hoje encontra a sua expressão modificada na ênfase na não-identidade abstracta, aparentemente não contaminada por uma totalidade (na política de identidade e na desconstrução). Tal como Adorno, Stögner pressupõe um eu estável no passado, capaz de lidar com as contradições. No entanto, poder-se-ia perguntar se alguma vez existiu esse "eu" capaz de suportar contradições, que depois se perde no capitalismo tardio. Isto já se aplica à teoria crítica de Adorno, que, com referência a Pollock, viu o sujeito burguês desaparecer no pai com a dissolução do mercado no Estado (para uma discussão sobre o "carácter autoritário" hoje ver: Henkelmann et al. 2020, e numa perspectiva crítica do valor: Böttcher/Scholz 2024).
Stögner toma assim partido pelo universalismo do iluminismo, mesmo que queira admitir o particular, sem ter realmente em conta que a liberdade e a igualdade sempre tiveram como reverso a desigualdade, na medida em que quer reconhecer um "humano geral" num universalismo iluminista. No entanto, se o universal e o particular forem abolidos e se para isso for necessário um universal já não absoluto, será necessário um universalismo completamente diferente, que critique radicalmente o pensamento iluminista com intenções emancipatórias e o abandone. Ora o questionamento de um particularismo abstracto, mesmo que seja pensado em termos da crítica da dissociação-valor, é certamente correcto; mas não deve resultar numa falsa contraposição de particularismo e universalismo. Ambos teriam de ser rejeitados, ao passo que Stögner, como se disse, acaba por tomar o partido do iluminismo, e vendo bem tem o antagonismo das classes como a principal contradição capitalista.
Aplica-se portanto a Stögner o que Robert Kurz já criticou há mais de 20 anos aos chamados anti-alemães: "É verdade que Adorno também oscila entre uma definição crítica negativa e uma definição afirmativa positiva do conceito de sujeito. Mas aquilo que em Adorno ainda era uma contradição que ia mais longe na formação da teoria crítica, que há muito aguarda uma resolução crítica (não contra Adorno, mas para além de Adorno), é transformado pelos ideólogos anti-alemães na reprodução rígida da aporia burguesa, que acaba por ter de afirmar a forma de sujeito do valor com fanatismo ideológico em vez de a criticar, ficando assim completamente atrás de Adorno. A substância crítica de um pensamento só pode ser preservada se se for além dela; ela tem de desaparecer se não se quiser congelar dogmaticamente um estado depois de o ter atingido" (Kurz 2003, 160). Por esta razão também não pode tratar-se simplesmente de "incorporar a interseccionalidade" na teoria social dialéctica de Max Horkheimer e Theodor W. Adorno, como pretende Stögner (Stögner 2021, 430).
Na minha opinião, Stögner também fica nas garras da ideologia quando coloca todas as desigualdades sociais e tipos de discriminação sob o chapéu lógico-identitário da ideologia anti-semita, em vez de as deixar existir na sua lógica própria e de as pensar como igualmente interpenetradas. Prossegue assim uma "metafísica do anti-semitismo" (Robert Kurz), que é então despojado da sua própria particularidade e singularidade, a qual inclui centralmente o anti-semitismo eliminatório, que o distingue de todos os outros, em que o "judeu" é identificado com o valor. O Holocausto, como sabemos, não tem qualquer sentido económico. A escravatura e o racismo contra os negros, pelo contrário, não são acompanhados de uma intenção eliminatória. Também não tenho conhecimento de quaisquer intenções eliminatórias relativamente às mulheres da cultura dominante. Só contra o pano de fundo de tais distinções se poderia tematizar a interligação e interpenetração das várias dimensões, também a nível ideológico, como é preocupação de Stögner. E é apenas contra o pano de fundo destes incomparáveis que as comparações podem ser feitas. Embora Stögner escreva isto noutro lugar (Stögner 2014, 13), nada disso se segue na sua análise concreta do entrelaçamento das ideologias anti-semitas e sexistas.
Os contextos macro sociais mundiais (globalização etc.), que resultam numa mistura de identidades, não só ideologicamente, mas também em termos sociais reais, na medida em que as relações sociais colonizadas e ocidentais há muito se sobrepõem (na verdade, já há muito se sobrepuseram), não são relevantes para Stögner. Para ela, raça, classe e género são apenas analisados esquemática e formalmente em relação à dimensão ideológica, num nível relacional no sentido da teoria crítica, enquanto o nível da forma permanece externo. Fica assim presa a um sociologismo (a sociedade como contexto de emaranhamento), mas também a um psicologismo (carácter autoritário). O nível processual é aqui apenas proclamado, mas não tem qualquer significado real na análise das relações sociais e ideológicas.
Uma vez que Stögner neste contexto subsume todas as disparidades sociais possíveis ao anti-semitismo e procede de tal maneira na lógica da identidade, ela corre por sua vez o risco de estilizar o anti-semitismo como uma explicação do mundo a nível interseccional, apenas sob auspícios diferentes dos dos reacionários ideólogos da explicação do mundo anti-semita. O anti-semitismo torna-se uma categoria universal.
A reacção e a provocação de Stögner são compreensíveis no contexto das tendências anti-imperialistas predominantes no discurso interseccional viradas contra Israel, mas prestam um mau serviço à sua preocupação com o entendimento interseccional ao agudizar unilateralmente a sua argumentação em termos de lógica da identidade, e ao mesmo tempo também falha aqui a especificidade do anti-semitismo (eliminatório), confundindo-o com outras formas de discriminação, como vimos. Além disso, é também um pouco cínico pretender obter um "ganho de distinção" (Bourdieu) em relação a outras concepções interseccionais enfatizando falsamente o anti-semitismo, que teve uma qualidade eliminatória precisamente na Alemanha. No entanto, antes de se poder estabelecer uma interpenetração das formas de desigualdade e discriminação, na minha opinião estas dimensões têm de ser mantidas separadas, para se poder compreender em primeiro lugar o seu encadeamento (cf. também Becker-Schmidt 2007); caso contrário aparecem e desaparecem num "desmantelamento" (Tove Soiland) relacionalista.
Mas aqui não se pode evitar o "exagero" (Adorno 1995, 101) que, segundo Adorno, constitui toda a teorização, sob pena de esta cair numa indeterminação relacionalista, perdendo-se em complexidades e indefinições. Por outro lado, a autora comete uma espécie de falso "exagero" ao assumir que o anti-semitismo, que conduziu ao Holocausto, engloba todas as outras desigualdades e disparidades; ele transforma-se assim num conceito contentor, sendo-lhe retirada a especificidade precisamente no seu exagero lógico-identitário.
Todavia Stögner tem basicamente de pressupor definições diferentes de classe, "raça", género e anti-semitismo, porque sem elas também não haveria contexto de mediação nem "contexto de emaranhamento".
Mas como vimos para Stögner a "classe" é a categoria básica real que determina essencialmente o capitalismo, embora ela escreva que "as relações de género [...] não são meras manifestações das relações de classe" (ibid., 436). Hoje em dia a raça e o género "ofuscariam" a classe. Como se a gritaria da classe não pudesse ser ouvida por toda a parte hoje em dia e não fosse a classe a poder "ofuscar" o racismo e o anti-semitismo. Deste modo também há que constatar nela um pensamento em termos de contradição principal e secundária, e a ausência de uma determinação da forma fetichista através do valor ou da dissociação-valor caracterizando essencialmente as sociedades capitalistas com as suas desigualdades e disparidades diversas.
No contexto das actuais "rebeliões conformistas" (cf. Henkelmann et al. 2020, Roepert 2022a) que insistem na "normalidade", contudo, seria de insistir numa crítica fundamental do trabalho ausente em Stögner, também precisamente ao nível da crítica da ideologia. Uma rebeldia conformista caracteriza actualmente o espírito do tempo regressivo e restaurador. Com a sua afirmação de que a raça e o género ofuscam a classe, Stögner dá (involuntariamente) cobertura a essas orientações, que se reflectem nomeadamente no "ódio à diferença" e aos outros, mesmo que ela não veja a ideologia como sendo simplesmente determinada pelos "interesses dos poderosos". A forma como a classe e a ontologia do trabalho, uma crítica personalizante do capitalismo e o ressentimento em relação aos socialmente desfavorecidos se conjugam pode ser encontrada paradigmaticamente na canção de Oliver Anthony, "Rich Man North of Richmond", que chegou ao primeiro lugar das tabelas em Agosto de 2023. Nela uma pessoa afectada trabalhadora esforçada enfurece-se simultaneamente contra os ricos "lá de cima" e contra os "parasitas sociais". Tais atitudes são, evidentemente, o material de que é feito o anti-semitismo. A ideologia reflecte-se também na ideia de que é preciso trabalhar, que é preciso ganhar dinheiro e que os "outros preguiçosos" não o fazem. O que deve ser criticado aqui é uma ontologia do trabalho e um fetiche do trabalho em geral, e não apenas os processos de trabalho alienados (ver acima). O racismo, o sexismo e o anti-semitismo também aqui são "ofuscados" pelo pensamento da classe na "consciência do trabalhador". Isto significa também que uma consciência de classe no pensamento de direita não é simplesmente tapada por uma orientação para o Estado-nação (ver Stögner/Schmidinger 2010), mas que as duas podem muito bem andar de mãos dadas, mesmo em relação aos mais fracos e aos Outros.
Stögner deixa isto de fora das suas considerações de crítica da ideologia. O que é surpreendente, uma vez que ela também se preocupa com o carácter autoritário no seu trabalho, na verdade este é um ponto central da sua crítica, a partir do qual ela determina as suas considerações (não pode ser discutido aqui se o conceito de carácter autoritário ainda pode ser ligado sem reservas aos dias de hoje – ver a discussão em: Henkelmann et al. 2020). Na minha opinião, a própria Stögner também cai sob suspeita de ideologia a este respeito. O estatuto de mestria que ela atribui ao anti-semitismo como ideologia interseccional por excelência, como que um falso "exagero", é assim minado por uma referência acrítica à categoria da classe e a uma implícita ontologia do trabalho. A relação entre o fetiche do trabalho e o anti-semitismo permanece obscura, embora há muito tenha encontrado o seu lugar no discurso crítico do anti-semitismo (ver, por exemplo, Grigat 2018, Uhlig 2021). No entanto existem pontos de partida mais do que suficientes para uma crítica do trabalho na obra de Adorno (ver Reinisch 2022 para mais pormenores).
A Stögner aplica-se o seguinte: "A crítica da ideologia [é impossibilitada] precisamente pelo seu reducionismo à crítica da ideologia sem mediação, que em si mesmo não é outra coisa senão ideologia; pois a ideologia só pode ser criticada relacionando-a, como reflexo afirmativo do conteúdo, com o carácter da forma e com o seu movimento histórico [...] A crítica só é assim possível como uma relação entre representação crítica da essência social [da forma fetichista], análise crítica do processo histórico real e crítica das ideologias relacionadas com ele e que dele derivam" (Kurz 2003, 265s.).
Poder-se-ia talvez objectar que a publicação de 2005 do "Livro das diferenças" (e o seu resumo acima) ainda carece de um ponto separado sobre a "interpenetração" ideológica mútua das ideias de raça, anti-semitismo, classe e género em termos (sociológicos), ou seja, estes poderiam ter sido trabalhados ainda mais fortemente; no entanto isto seria apenas um acréscimo, mas não teria mudado fundamentalmente o resultado e o curso da exposição e da argumentação da teoria sempre já relativizante da sempre processualmente concebida dissociação-valor como princípio da forma.
Assim é preciso registar que a relação hierárquica de género desempenha apenas um papel subordinado, não só em Roldán Mendívil/Sarbo, mas também em Stögner. Na obra de Stögner ela é afogada no relacionalismo e acaba por ser vítima do antagonismo das classes. Deste modo também lhe escapa a dissociação-valor como contexto basilar do patriarcado capitalista, que é forçado por si próprio – questionando um sujeito autónomo do iluminismo – a praticar a autolimitação e a dar igual espaço a outras desigualdades sociais e formas de discriminação, para afirmar-se como um geral e abstracto por essa mesma razão. Uma vez que Stögner basicamente adopta os pressupostos da teoria crítica inalterados, sem se esforçar por transformá-los, não pode teorizar adequadamente os processos de crise social e o declínio do patriarcado capitalista. Assim a interseccionalidade só deveria ser integrada na teoria crítica já existente. A crítica de uma ideologia da luta de classes e do trabalho não se concretiza. Consequentemente também não pode conceptualizar adequadamente o anti-semitismo contemporâneo tal como ele se tornou. A forma fetichista, o processo social real, está ausente do seu entendimento da ideologia. O carácter específico do anti-semitismo é também em certa medida apagado na sua hipostasiação. O anti-semitismo é sobretudo focado como ressentimento anti-israelita, enquanto o anti-semitismo estrutural, que é igualmente galopante hoje em dia, permanece subexposto. Porém ambos podem formar aqui uma amálgama sinistra.
5. Comparação das concepções de Roldán Mendívil/Sarbo e de Stögner
Marx já tinha escrito no 18 do Brumário: "Os homens fazem a sua própria história, mas não de livre vontade; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha, mas sob aquelas com que se defrontam imediatamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime o cérebro dos vivos como um pesadelo. E justamente quando parecem empenhados em revolucionar-se a si e às coisas, em criar algo que nunca existiu, é precisamente nessas épocas de crise revolucionária que eles invocam ansiosamente em seu auxílio os fantasmas do passado, tomando-lhes emprestados os nomes, os gritos de guerra e os trajes, para representar a nova cena da história mundial nesse disfarce consagrado pelo tempo e com essa linguagem emprestada" (Marx, 1982, p. 115).
Neste contexto Marx também usa a expressão "invocações dos mortos" (ibid.), que já referi (ver acima) e que também é frequentemente citada noutros locais. Provavelmente nunca imaginou que esta expressão também pudesse vir a ser aplicada a si próprio.
Tanto Roldán Mendívil como Stögner trabalham com base em concepções ultrapassadas, que já não fazem justiça à constituição e à complexidade das actuais condições sociais (mundiais): Isto aplica-se tanto ao um marxismo tradicional, a que Roldán Mendívil/Sarbo se referem, como ao recurso de Stögner a uma teoria crítica inicial, que deveria antes de mais ser desenvolvida.
A concepção de Stögner é apenas um espelho da de Roldán Mendívil/Sarbo; se estas últimas enfatizam a economia, Stögner enfatiza a ideologia; se estas últimas ignoram o anti-semitismo, Stögner transforma-o numa ideologia interseccional por excelência. Em ambos os casos ficam por tematizar o trabalho abstracto, o valor e o capital, a dissociação e a correspondente relação fetichista. Embora seja invocada a natureza processual das relações e estruturas sociais, esta é apenas superficialmente acrescentada; de facto não é tida em conta, trata-se apenas de uma questão de alterações ao sempre-igual – no caso de Roldán Mendívil/Sarbo, isto ocorre num entendimento marxista tradicional da sociedade, no caso de Stögner, num entendimento relacionalista da teoria crítica. Ambas as posições consideram o trabalho e a classe como sacrossantos.
Aqui a própria Stögner revela também uma abordagem na lógica da identidade, contra a qual realmente protesta. O diferente tem de ser colocado incondicionalmente sob o chapéu da classe, sendo que Stögner vai ao ponto de subsumir qualquer tipo de diferença e desigualdade social no anti-semitismo, claro que num contexto de classe que é considerado o verdadeiro. Isto priva da sua própria lógica as dimensões individuais, incluindo as mudanças históricas correspondentes. Elas não são determinadas na sua separação e conexão, nem portanto na sua mediação com uma totalidade em si quebrada, como na teoria da dissociação-valor. No paradigma da conectividade de Stögner, a individualidade, o separado é apagado na confusão com o outro.
Além disso há uma variedade de racismos que não resultam em sobre-exploração, e isso também deve ser sublinhado, sobretudo contra Roldán Mendívil/Sarbo.
No seu conjunto, é mesmo a acusação de preguiça que abrange a maior parte dos tipos de racismo, quer se trate de judeus, de habitantes das ilhas do Mar do Sul, de negros, de Sinti e de Roma etc. Isto escapa completamente a Roldán Mendívil/Sarbo, mas também não é explicitamente abordado por Stögner. Neste contexto, o "cigano" como homo sacer par excellence, cuja discriminação oscila entre a discriminação social e o racismo, e que foi constantemente objecto de legislação especial, sendo que os Sinti e os Roma também foram sistematicamente exterminados durante o nacional-socialismo, deveria também ocupar um lugar central, o que é negligenciado nas duas concepções discutidas (ver Scholz, 2007, 2009). No entanto essas tendências e imagens são "ofuscadas" pela categoria da classe, da exploração e da sobre-exploração. Na actual crise fundamental, ressoa particularmente alto o apelo à normalidade, combinando com uma crítica personalizante do capitalismo e com rebeliões conformistas. As concepções de Roldán Mendívil/Sarbo e de Stögner até acomodam de certo modo essas tendências, ao prosseguirem uma ontologia (implícita) do trabalho e da classe. O anti-semitismo, em particular, também se alimenta do facto de o "judeu" se opor ao trabalho (alemão) (ver Schatz/Woeldike 2001, Lelle 2022) e ser identificado com o valor por excelência, pelo que os judeus são supostamente os superiores que pertencem a uma conspiração mundial.
O conflito Israel-Palestina também está relacionado com isto. Neste conflito os judeus são identificados como colonizadores brancos com o apoio dos EUA e do Ocidente, abstraindo-se aqui muitas vezes completamente do facto de Israel ser também consequência do anti-semitismo eliminatório do Holocausto. Esta singularidade do Holocausto e das suas consequências tem de ser seguida até aos dias de hoje. Por isso as tendências e ideologias anti-imperialistas, bem como as medidas de boicote contra Israel, devem ser fortemente criticadas, tendo de ser reconhecida também a existência de ligações entre o anti-semitismo islâmico e as ideologias nacional-socialistas (cf. Grigat 2014). Hoje, por exemplo na mais recente situação de conflito no Médio Oriente, comparando-se frequentemente o 7 de outubro com o 11 de setembro, em todo o mundo se está a tomar partido pela Palestina e pelo Hamas.
No mais recente conflito no Médio Oriente, pretende-se que o contexto seja incluído sem ter em conta que Israel não é simplesmente um Estado imperialista apoiado pelo Ocidente, mas é sobretudo uma consequência do Holocausto – sendo isto essencial no contexto – e que a agressão partiu do Hamas. É também a decomposição da economia mundial em geral que está a provocar este conflito na sua gravidade actual. Situação a partir da qual também seria de explicar as políticas de direita altamente problemáticas de Netanyahu. As políticas de identidade existem actualmente em todo o mundo. O que precisa de ser explicado, no entanto, é por que razão Israel se torna particularmente o foco desta retórica (o que Stögner de resto também problematiza).
Por último, mas não menos importante, tanto em Roldán Mendívil/Sarbo como em Stögner a relação hierárquica de género vai ao fundo, é apenas uma entre muitas, pelo que elas também perdem de vista o geral e abstracto da dissociação-valor como princípio da forma, que dá lugar a outras disparidades sociais e económicas e a formas de opressão na sua lógica própria. A concepção de Roldán Mendívil/Sarbo, que de acordo com a classificação corrente da esquerda pertence ao campo anti-imperialista, e a abordagem de Stögner, que pela mesma classificação é atribuída ao campo anti-alemão, têm portanto mais em comum do que gostariam nos seus pressupostos básicos, apesar de todas as diferenças.
Que consequências se podem retirar do que foi dito até agora? Em cada caso, o anti-semitismo, incluindo o islamista, mas também o sempre "esquecido" ou apenas casualmente tratado anticiganismo (!), e neste contexto a singularidade do Holocausto no seu significado eminente para o patriarcado capitalista, em combinação com as estruturas objectivas, devem ser incluídos nas análises, e as diferentes formas de discriminação e desvantagem, disparidades económicas, sexismo, racismo, homofobia etc. têm de ser tidas em conta. Se isto é feito sob o rótulo de interseccionalidade ou não, não é decisivo. Neste contexto, no entanto, também o racismo anti-muçulmano deve ser abordado. Também as várias formas de racismo em todo o mundo têm de ser objecto de maior atenção.
Para além disso, a discussão sobre o "hibridismo" e a teorização das identidades intermédias, que são elas próprias o resultado histórico do processo da dissociação-valor, devem em geral ser retomadas, para lá de um reducionista desconstrucionismo culturalista, sendo que também aqui podem ocorrer distorções; contrariamente às suposições da política de identidade, o ponto de vista não determina de modo nenhum a posição social e o interesse. Actualmente pessoas com raízes migrantes, mulheres, gays e lésbicas também podem ser de direita no sentido da cultura dominante (alemã): Alice Weidel é conhecida por ser lésbica. Meloni é uma líder fascista; por outro lado, as e os migrantes também podem ser marxistas tradicionais e declarar o racismo como uma contradição secundária, também há gays e judeus na AfD etc. No entanto as identidades intermédias também podem talvez ser relevantes para a emergência de um novo universalismo, para lá do iluminismo.
Em todo o caso a hipótese de uma luta de classes emancipatória é na minha opinião uma quimera que já não consegue fazer face às actuais disparidades económicas e sociais.
6. Mais uma vez, incisivamente: Relação de género, onde é que foste parar?
Como já foi referido, a relação hierárquica de género funciona como uma contradição secundária tanto em Roldán Mendívil/Sarbo como em Stögner; não se permite que seja tematizada numa dimensão filosófica fundamental, a um nível macro ou meta, como é o caso da teoria da dissociação-valor. A mulher é apenas digna de menção como nota marginal (citação livre de Luise von Pusch), "O marxismo e o feminismo são um só e este é o marxismo" (ou a teoria crítica). Esta afirmação frequentemente citada de Heidi Hartmann vigora hoje ainda mais. Significativamente os debates sobre o "me-too" e as "meninas alfa" foram primeiro iniciados pelo lado burguês, enquanto o feminismo de esquerda só os iniciou mais tarde, e agora submete-se de livre vontade “como uma donzela” (Hedwig Dohm) ao jugo do marxismo vulgar.
No entanto, para abordar teoricamente na sua totalidade fragmentada uma socialização mundial que ficou de pernas para o ar – uma expressão frequentemente usada hoje em dia –, é necessária uma abordagem diferente das de Roldán Mendívil/Sarbo e de Stögner, que inclua essencialmente a relação de género, para lá de uma ideia de contradição principal e secundária. Stögner também congela a teoria crítica, e a sociedade surge nela em primeiro lugar à maneira sociológica, como um "contexto de emaranhamento"; de facto, quase se está inclinado a falar de uma metafísica do emaranhamento em conjunto com uma metafísica da mobilidade, que se afasta do conceptual, como se a identidade e a não-identidade não estivessem mediadas uma com a outra (o que Stögner realmente sabe). A relação hierárquica de género corre o risco de perder a sua importância central. Aqui se mostra novamente uma "proibição de abstracção no feminismo" (Scholz 2011), que se afasta de "conceitos nítidos e claramente separados" (Georg Simmel). Porém é necessário insistir na dissociação-valor, de certo modo como grandeza filosófica, como princípio da forma e como absoluto, uma vez que a dimensão de género é negligenciada por todo o mundo como sendo realmente "natural", apesar de todos os desconstrucionismos, sendo que ela simultaneamente tem de dar igualmente lugar a disparidades diversas e também económicas, como que a partir do seu interior, só assim se podendo afinal afirmar num aparente paradoxo como forma abrangente.
7. O fetiche da normalidade no nacional-socialismo e na actualidade
Voltemos à questão inicial da "normalidade". Mesmo na sua divergência, Roldán Mendívil/Sarbo e Stögner, com a sua ideologia da luta de classes e a sua ontologia do trabalho, estão também afinal a trabalhar no sentido de um fetiche da normalidade, que ameaça tornar-se uma ideologia hegemónica nos dias de hoje, sobretudo nos segmentos das camadas médias em declínio.
É claro que também já no nacional-socialismo a normalidade e o centro eram a bitola e o objectivo de tudo o que levava à perseguição dos anormais e dos "associais", como escreve Stögner no seu livro "Antisemitismus und Sexismus" (2014): "Quem não tivesse um rendimento regular nem fizesse trabalho repetitivo (fabril) era desde logo suspeito de 'debilidade mental', tal como as prostitutas e as mulheres promíscuas, que caíam na categoria dos 'associais'. Representantes do trabalho intelectual eram também associados à 'doença mental': sobretudo os judeus e judias, mas depois também os estudantes atrasados, os intelectuais e os artistas 'degenerados' – todos eles grupos marginalizados que não se conformavam com a ideologia nacional-socialista do centro, e além disso estavam associados à satisfação de desejos e pulsões que os membros 'leais' da comunidade nacional sempre negaram […] O ideal do centro impôs o seu próprio extremismo, eliminando os (supostos) extremos [...] A camada superior da sociedade, a classe dos proprietários, não foi tocada [...] A revolta da natureza [...] foi dirigida contra os judeus e judias. Uma vez que a revolta é dirigida contra o alvo errado, os seus motivos justificados permanecem de pé" (Stögner 2014, 133s.).
Stögner reconhece que o anti-semitismo é um fenómeno transversal às classes (ibid., 135). De facto, Stögner visa as estruturas sociais globais (o que também é evidente na sua crítica à política de identidade). Mas a "revolta" é então dirigida contra "o alvo errado". Mesmo quando isso é óbvio, como na citação acima – e tais passagens podem ser encontradas em abundância no seu livro sobre "anti-semitismo e sexismo", onde o sujeito é simultaneamente criticado na sua queda na natureza e no seu distanciamento da natureza – e mesmo quando Stögner faz uma crítica redutora do capitalismo (ibid., 109ss.), em vão se procura uma crítica explícita e fundamental do trabalho, sendo o capitalismo essencialmente constituído pela relação antagónica das classes. Referindo-se a Rensmann, escreve: "Este o cerne da pseudocrítica anti-semita do capitalismo, em que 'não é a exploração de uma classe por outra [...] que é atacada, mas a isenção da obrigação do trabalho (alienado)'" (ibid., 116). Mas, por outro lado, isto pode até significar – se pensarmos esta consideração até ao fim – que uma crítica social que faz da crítica do trabalho o seu objecto central é ideologia e no fundo encobre a relação antagónica das classes.
Na minha opinião não é possível analisar adequadamente o anti-semitismo deste modo. A crítica de um anti-semitismo que culminou no Holocausto é diferente. Tanto para Roldán Mendívil/Sarbo como para Stögner, o elefante na sala é a decadência do patriarcado capitalista, ou seja, a obsolescência da socialização da dissociação-valor em toda a sua complexidade. Apesar de todas as invocações do carácter processual das relações sociais, tais concepções não conduzem ao diagnóstico da crise fundamental e da decadência da formação social capitalista.
Esta sociedade é determinada fetichistamente pela mercadoria, pelo valor, pelo trabalho abstracto, pelo capital, pela dissociação, ou seja, pela dissociação-valor como princípio da forma, pelo que é acima de tudo a "contradição em processo", ou seja, o facto de a massa de valor estar a derreter devido à racionalização, mas ao mesmo tempo a produção de mercadorias estar a aumentar constantemente, que deve ser considerada no contexto da crítica da dissociação-valor, para entender a crise fundamental actual.
A crise fundamental actual e o medo da degradação, da desclassificação, da marginalização e de ser supérfluo nas camadas médias é que criam um desejo de normalidade e provocam uma viragem à direita. "Foi assim que a ordem do horror nacional-socialista deu origem à ordem do horror da República Federal. E só neste contexto psicossocial histórico se pode entender o carácter profundo, ou mesmo abissal, da actual dinâmica de desenvolvimento social. Uma sociedade pós-nacional-socialista, que procurou a salvação no estabelecimento de uma normalidade apoiada pelas classes médias e adaptada aos seus interesses, não só entra em dificuldades funcionais, mas também numa verdadeira crise de nervos quando a normalidade já não pode ser mantida" (Lessenich, 2022, 36s.). Stögner também está ciente da necessidade de normalidade do centro actual atormentado pelo medo do declínio (Stögner 2014, 107). No entanto ela apoia esta necessidade de normalidade, tal como Roldán Mendívil/Sarbo, – ceterum censeo – ao recorrer a uma relação de classe ultrapassada e a uma implícita ontologia do trabalho, e mais ainda: esta necessidade de normalidade é não em último lugar o pano de fundo social global para as regressões da esquerda, que se exprimem em viragens para concepções do antigo marxismo.
8. Perspectivas
É de esperar que surjam contradições sociais que apontem para lá da actual situação de tendência de direita, e também para lá da paralisação da esquerda com os seus largos momentos de retardamento, mesmo que não pareça nada ser esse o caso a curto prazo. Os protestos contra a direita e a AfD no início de 2024, por exemplo, surgem quase como um raio de esperança (mesmo que se possa assumir que também aqui o motivo é a necessidade de normalidade e que as pessoas se sentem ameaçadas pela direita).
Em todo o caso o mal-estar tem de ser reconhecido primeiro; o recurso a concepções tradicionais do antigo marxismo não ajuda, mas está ele próprio nas garras de um desejo restaurador, que se recusa a dar um passo para lá condições existentes – já insustentáveis. A longo prazo, penso que não é de todo improvável que as orientações de esquerda voltem a tornar-se mais populares, porque os desenvolvimentos de direita também estão a atingir os seus limites e estão sujeitos a contradições estruturais. Não só não têm nada para contrariar a crise fundamental, como estão a conduzir a uma crise ainda mais profunda, com enormes implicações bárbaras, como todos sabemos. "A totalidade não vos esquece" – esta frase de Terry Eagleton, outrora proferida contra a ideologia pós-moderna, aplica-se também à direita (tal como à esquerda regressiva).
No entanto, para que se avance algo numa direcção emancipatória, são necessárias teorias e análises que actualizem o entendimento do capitalismo na sua decadência, para lá do anacrónico recurso à caixa de velharias da velha esquerda, como acontece com Roldán Mendívil/Sarbo e Stögner. Isto também significa que a relação hierárquica de género tem de ocupar um lugar decisivo e não deve voltar a ser de facto menosprezada. Teoricamente, como já foi demonstrado, isto significa que a dissociação-valor deve ser assumida como princípio da forma social, que por si só dá seguimento a outras desigualdades e discriminações sociais em pé de igualdade, e é em geral a causa da tão falada "policrise", questão que não pode ser aqui desenvolvida.
Em todo o caso, hoje em dia, trata-se de fazer frente à maciça tendência de direita e a todo o tipo de pensamento transversal e de frente transversal, mesmo nas suas embalagens democráticas, como pressuposto fundamental para que possa desenvolver-se algo enfim emancipatório.
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Scholz, Roswitha: Die Metamorphosen des teutonischen Yuppie. Wohlstandschauvinismus, 90er-Jahre-Linke und kasinokapitalistischer antisemitismus, in: Krisis. Beiträge zur Kritik der Warengesellschaft Nr. 16/17, 1995, auf exit-online.org. Trad. port.: As Metamorfoses do Yuppie Teutónico. Chauvinismo do bem-estar, esquerda dos anos noventa e anti-semitismo de capitalismo de casino, online: http://www.obeco-online.org/roswitha_scholz29.htm
Scholz Roswitha: Das Geschlecht des Kapitalismus. Feministische Theorie und die postmoderne Metamorphose des Patriarchats, Bad Honnef 2000 (Neuauflage 2011). Trad. port.: O sexo do capitalismo. Teorias feministas e a metamorfose pós-moderna do patriarcado, Elefante, São Paulo, 2025.
Scholz, Roswitha: Differenzen der Krise – Krise der Differenzen. Die neue Gesellschaftskritik im globalen Zeitalter und der Zusammenhang von »Rasse«, Klasse, Geschlecht und postmoderner Individualisierung [Diferenças da crise – Crise das diferenças. A nova crítica social na era global e a conexão entre "raça", classe, género e individualização pós-moderna], Bad Honnef 2005. [Há uma extensa pré-apresentação do livro feita pela autora na exit! nº 1 (2004). Em Português: http://www.obeco-online.org/roswitha_scholz3.htm]
Scholz, Roswitha: Homo Sacer und »Die Zigeuner«. Antiziganismus – Überlegungen zu einer wesentlichen und deshalb »vergessenen« Variante des modernen Rassismus 2007, auf exit-online.org. Trad. port.: Homo Sacer e Os Ciganos. O Anticiganismo – Reflexões sobre uma variante essencial e por isso esquecida do racismo moderno, online: http://www.obeco-online.org/roswitha_scholz7.htm
Scholz, Roswitha: Antiziganismus und Ausnahmezustand. Der »Zigeuner« in der Arbeitsgesellschaft [Anticiganismo e estado de excepção. O “cigano” na sociedade do trabalho], in: Herold, Katrin; End Markus/Robel, Yvonne (Hg.): Antiziganismus und Ausnahmezustand. Zur Kritik eines allgegenwärtigen Ressentiments [Anticiganismo e estado de excepção. Crítica de um ressentimento omnipresente], Münster 2009, 24–40.
Scholz, Roswitha: Das Abstraktionstabu im Feminismus. Wie das Allgemeine des warenproduzierenden Patriarchats vergessen wird, in: exit! Krise und Kritik der Warengesellschaft Nr. 8, Berlin 2011, 23–44. Trad. port.: O tabu da abstracção no feminismo. Como se esquece o universal do patriarcado produtor de mercadorias, online: http://www.obeco-online.org/roswitha_scholz15.htm
Scholz, Roswitha: It’s the class, stupid? Deklassierung, Degradierung und die Renaissance des Klassenbegriffs, 2020, auf exit-online.org. Trad. port.: It’s the class, stupid? Desclassificação, degradação e renascimento do conceito de classe, online: http://www.obeco-online.org/roswitha_scholz34.htm
Scholz, Roswitha: Frauenkampf=Klassenkampf als Antwort auf die fundamentale Krise? Geschlecht wieder einmal als Nebenwiderspruch!? Eine Kritik des Manifests Feminismus für die 99%, 2021, auf exit-online.org. Trad. port.: Luta das mulheres = Luta de classes como resposta à crise fundamental? O género mais uma vez como contradição secundária!? Crítica do manifesto "Feminismo para os 99%", online: http://obeco-online.org/roswitha_scholz36.htm
Stögner, Karin: Antisemitismus und Sexismus. Historisch-gesellschaftliche Konstellationen [Anti-semitismo e sexismo. Constelações histórico-sociais], Baden-Baden 2014.
Stögner, Karin: Intersektionalität zwischen Ideologie und Kritik [Interseccionalidade entre ideologia e crítica], in: Beyer, Heiko, Schauer Alexandra (Hg.): Die Rückkehr der Ideologie. Zur Gegenwart eines Schlüsselbegriffs [O regresso da ideologia. Sobre a actualidade de um conceito-chave], Frankfurt/Main 2021, 431–367.
Stögner, Karin; Schmidinger Thomas: Antisemitismus und die Transformation des Nationalen. Eine Einleitung [O anti-semitismo e a transformação do nacional. Uma introdução], in: Österreichische Zeitschrift für Politikwissenschaft, Bd. 39/4, Wien 2010, 387–392.
Sweetapple, Christopher; Voß, Heinz Jürgen; Wolter, Salih Alexander: Intersektionalität. Von der Antidiskriminierung zur befreiten Gesellschaft [Interseccionalidade. Da antidiscriminação a uma sociedade libertada], Stuttgart, 2020.
Uhlig, Tom David: Aufstehen für die Regression. Elemente der autoritären Linken heute [Lutar pela regressão. Elementos da esquerda autoritária hoje], in: Henkelmann, Kathrin; Jäckel, Christian; Stahl, Andreas; Wünsch, Niklas/Zopes, Benedikt (Hg.): Konformistische Rebellen. Zur Aktualität des autoritären Charakters [Rebeldes conformistas. Sobre a actualidade do carácter autoritário], Berlin 2020, 369–384.
Wolter, Udo: Postkolonialismus. Ein Paradigma kritischer Gesellschaftstheorie? [Pós-colonialismo. Um paradigma da teoria social crítica?], in: jour fix initiative berlin (Hg.): Theorie des Faschismus – Kritik der Gesellschaft [Teoria do Fascismo – Crítica da Sociedade], Münster 2000, 92–128.
(1) A expressão idiomática alemã eierlegende Wollmilchsau diz literalmente "a porca que põe ovos e também dá lã e leite". Traduz-se aqui por "pau para toda a obra" à falta de melhor, embora a expressão idiomática portuguesa, na sua conotação sexualmente neutra ou mesmo androcêntrica, não faça plena justiça ao original.
Original “Intersektionalität und Diversität in der altlinken Sackgasse. Eine Auseinandersetzung mit den Ansätzen von Eleanora Roldán Mendívil/Bafta Sarbo und Karin Stögner” in exit-online.org, 03.01.2025. Texto para a revista exit! nº 22, Primavera de 2025. Tradução de Boaventura Antunes (02/25)