Robert
Schwarz
Apresentação
de um texto de Robert Kurz
Os
ensaios de Kurz procuram adivinhar e construir o movimento do mundo contemporâneo,
que tratam de colocar em forma narrativa. Como no romance moderno, esta depende
de operações intelectuais díspares, sem nada de épico em si mesmas, das
quais entretanto depende a força do andamento do conjunto. Assim, a exposição
combina observações avulsas, glosas do bate-boca ideológico mundial, uma tese
a contracorrente sobre a dinâmica geral da atualidade, revisões críticas de
noções do establishment, à direita e à esquerda, análises econômicas, rápidos
excursos históricos, e um panorama – este vertiginoso, de verossimilhança
notável – da devastação planetária trazida pelo progresso recente do
capital. O leitor de Marx terá notado aí algo da composição do 18 Brumário,
com a sua grandeza acintosamente cacofônica, seus âmbitos e ritmos muito
heterogêneos, tudo em função das revelações do presente, entendido como
novidade histórica. Por um lado, a multiplicação dos procedimentos, cada qual
dependente de disciplina intelectual e estilo literário próprios, atende a
esta noção de um presente complexo. Por outro, ela configura a promiscuidade
(no bom sentido) do jornalista, do filósofo, do economista, do historiador, do
literato, do agitador, etc. no sujeito que busca fazer frente à experiência do
tempo, por escrito e para uso do próximo. Diferentemente da epopéia de Marx,
que saudava a abertura de um ciclo, a de Kurz é inspirada pelo seu presumido
encerramento. Se em Marx assistimos ao aprofundamento da luta de classes, onde
as sucessivas derrotas do jovem proletariado são outros tantos anúncios de seu
reerguimento mais consciente e colossal, em Kurz, cento e cinquenta anos depois,
o antagonismo de classe perdeu a virtualidade da solução, e com ela a substância
histórica. A dinâmica e a unidade são ditadas pela mercadoria fetichizada –
o anti-herói absoluto – cujo processo infernal escapa ao entendimento de
burguesia e proletariado, que enquanto tais não o enfrentam.
Nota
de apresentação do artigo de Robert Kurz Perdedores
Globais na Folha de S. Paulo em 01.10.1995