Convite para o Seminário EXIT! de 21 a 23 de Setembro de 2007 em Enkenbach (Próximo de Kaiserslautern)

SERES HUMANOS SUPÉRFLUOS

Caros amigos e caras amigas

O tema "tornar-se supérfluo" ocupa já bastante espaço de tempo nos media e no debate das ciências sociais – e há muito que nos preocupa também a nós. Hoje que a valorização do valor esbarra nos seus limites objectivos, que o trabalho abstracto começa a tornar-se supérfluo e a globalização liberta o capitalismo das fronteiras, o medo desloca-se das margens para o célebre centro da sociedade. O medo da queda, entretanto, há muito que atinge as camadas ditas médias; de vez em quando receia-se mesmo o "fim do homem branco (trabalhador)".

Na realidade, a exclusão e o facto de os seres humanos serem supérfluos não constituem verdadeiramente um fenómeno novo, mas pertencem à essência do capitalismo desde o princípio. A propósito escreve acertadamente Zygmunt Baumann: "Os lixeiros são os heróis não cantados da modernidade. Dia a dia eles renovam e elaboram a linha de fronteira entre a normalidade e a patologia, entre a saúde e a doença, entre o desejável e o detestável, entre o aceite e o recusado, entre o que é chique e o que não é chique, entre o lado de dentro e o lado de fora do universo humano. Tal linha precisa da sua vigilância e da sua diligência, pois ela é tudo menos uma ‘fronteira natural’: não há altas montanhas, abismos de mares sem fundo ou ravinas inultrapassáveis a separar o lado de dentro do lado de fora"

Sob as condições da crise mundial da terceira revolução industrial o processo de exclusão assume uma nova dimensão porque, diferentemente da fase de ascensão da modernidade, a simples luta pelo "direito de participar" (Thomas Marshall) no terreno da ordem estabelecida ameaça rodar em falso nos seus limites internos. Neste seminário vamos ocupar-nos com aspectos e mecanismos do ser supérfluo. Aí se tornará também claro que as tendências de exclusão surgem no contexto da concorrência universal.

Programa:

SEXTA-FEIRA, 21. 9.

Chegada a partir das 16.00

18.00 - 19.00 Jantar

19.00 - 21.00 A Morte e o Valor (Martin Dornis)

A morte é comummente considerada um tema marginal, místico, quiçá esotérico, não incondicionalmente necessário à teoria crítica da sociedade. Esta apresentação, pelo contrário, pretende elucidar o tema a partir da perspectiva da crítica social e tornar claro o seu lugar central na investigação da síntese capitalista. Por um lado esta síntese consuma-se tanto na cabeça dos indivíduos como acima dela. Assim de desenvolve uma dinâmica que leva a um efeito em cadeia da "dialéctica do trabalho e do tempo" (Postone), que nas suas linhas fundamentais se pode localizar na essência do valor dilacerada pela própria contradição. Nesta dinâmica que a si se autonomiza os indivíduos produzem, não só um mundo que os domina, mas também, simultaneamente, a sua própria superfluidez. Como indivíduos burgueses geram uma situação que pode virar-se contra eles, de tal modo que ficam ameaçados de liquidação. A lei fundamental da acumulação do capital, a polarização da riqueza num pólo e da pobreza no outro, conduz consequentemente à liquidação física. Por outro lado, porém, na sociedade das mercadorias a morte confronta-nos como assassinato consciente sistemático. O assassinato em massa de seis milhões de judeus, cometido com motivação anti-semita pelos alemães e povos seus cúmplices, apresenta-se no caso tão exemplar como o objectivo actual de aniquilação de Israel pela barbárie islamista. Os judeus ou indivíduos associados a um princípio judaico são considerados responsáveis pelas falhas da sociedade das mercadorias e devem ser tidos como tais. A Al-Qaeda propaga: "Vós amais a vida, nós a morte". Neste ponto a morte como fim em si torna-se claramente o eixo e o fulcro da ideologia anti-semita. Há que ir ao fundo deste modo de pensar, também no contexto da crítica da ideologia alemã desde Heidegger, para ter presente como hoje se discute sobre a morte nesta sociedade, sob diferentes pontos de vista, na senda das actuais agudizações da dinâmica de crise. Finalmente está em debate como deve a teoria crítica da sociedade assumir este tema.

 

Sabado, 22.9.

10.00 - 12.00 O Regresso dos Homens Antigos. Formas da Ontologia Sexual para a Digestão da Crise (Frank Rentschler)

A crise do trabalho e da política atinge também a forma masculina de sujeito e a feminilidade dissociada. Contudo, se estes factores são tidos como inultrapassáveis, tal conduz necessariamente à legitimação de formas destrutivas de digestão da crise. Além do sexismo também o racismo e o anti-semitismo se tornam elementos centrais da construção ideológica. Distinguem-se em todo o caso, nos seus pormenores, o padrão de fundamentação e a dedução da solução. É o que se verá em três casos exemplares que têm em comum o facto de homens idosos tematizarem o respectivo tornar-se supérfluo. Em discussão os escritos de Gunnar Heinsohn (Söhne und Weltmacht [Filhos e poder mundial]), Frank Schirrmacher (Der Methusalem-Komplex, Minimum [O Complexo de Matusalém, Mínimo]) e Manfred Pohl (Das Ende des weißen Mannes [O Fim do Homem Branco]). Estes livros têm sido amplamente criticados nos media burgueses (FR, Süddeutsche). Porém, uma vez que os críticos abanam as categorias sexuais fundamentais do capitalismo tão pouco como os criticados, esses trabalhos críticos esboçam possíveis formas reais de desenvolvimento da crise que são semelhantes às ilusões liberais. Por isso tais escritos, apesar (ou talvez por causa) do seu impacto, são de levar a sério.

12.00 Almoço

13.00 - 15.00 A Selecção em Nome da Autodeterminação. O Eugenismo Individualizado (Andrea Truman)

A relatora convidada Andrea Truman, co-autora do livro "Das Leben lebt nicht [A Vida não Vive]" (objecto de recensão detalhada na EXIT! 4) confronta-se com um aspecto da chamada biopolítica. Em geral a "biopolítica" é considerada um assunto do Estado, que procura influenciar o comportamento generativo e a composição da população com medidas repressivas. Porém, nos discursos actuais, por exemplo no que respeita a prevenção da gravidez, não se vê o Estado aparecer como abertamente autoritário. Pelo contrário, são aproveitadas as ideias feministas pós-modernas sobre "auto-determinação" e ligadas a medidas de diagnóstico pré-natal. Como resultado chega-se a um "eugenismo individualizado", no qual as crianças consideradas "deficientes" são abortadas pelas mães num acto de "auto-determinação". A apresentação demonstrará que esta situação se consegue criticar suficientemente com as teorias feministas pós-modernas tão pouco como com as velhas abordagens feministas que recorriam à identidade e à corporalidade. Pelo contrário, torna-se necessária uma abordagem que tenha criticamente em vista por igual a criação individualista das crianças e a divisão capitalista do trabalho.

 

16.00 - 18.00 Exclusão e Socialização da Camada Média (Roswitha Scholz)

Hoje domina a confusão quanto a saber se o conceito das classes ainda é apto para as relações sociais. Muitas vezes procura-se fazer passar completamente a ideia de que as novas desigualdades sociais são como sempre fruto do esquema tradicional de luta de classes em mudança, sem abordar convenientemente as condições sociais de constituição das posições sociais. Isto não quer dizer, porém, que as posições específicas dos interesses e as relações de concorrência já não desempenhem qualquer papel. Discutir-se-ão por isso não só as perspectivas que crêem que as categorias da luta de classes devem voltar a ser mobilizadas para os objectivos da emancipação, mas também hipóteses tecidas com demasiada simplicidade, como se podem encontrar no espectro da crítica do valor, nomeadamente de que cada indivíduo estaria de igual modo ameaçado de "desclassificação". Na apresentação, pelo contrário, será defendida a tese de que até ao fim dos anos noventa vivemos numa sociedade de camada média pluralizada marcadamente individualista. Desde então os medos da exclusão determinam crescentemente também o situacionismo do chamado "novo centro", medos que são contudo digeridos de modo afirmativo e mesmo excluidor. Tendo por pano de fundo um breve esboço da história da exclusão no capitalismo, será evidenciado que a exclusão hoje é "má" e "ameaçadora", não porque agora também atinge o "centro" estabilizador do conjunto da sociedade, mas porque a exclusão mediada pela concorrência integrou desde sempre a estrutura fundamental do capitalismo (mulheres, migrantes, deficientes, a dita "debilidade social" etc.). Isto era válido mesmo para os tempos de prosperidade fordista do Estado de bem-estar social. Necessária se torna por isso uma crítica radical do capitalismo para além do ponto de vista dos interesses das novas camadas médias ou dos seus segmentos – tal como ele também daí provém.

 

18.00 - 19.00 Jantar

19.00 - 20.00 Assembleia-geral da Associação EXIT!

A partir das 20.00 Programa Cultural: Alternativas e Fatalidades. Carsten Weber Lê Extractos dos Contos dos Irmãos Grimm e das Novelas de Franz Kafka

Na história europeia aqueles que não pertenciam aos dominantes ou às elites funcionais do capitalismo foram cada vez mais forçados a procurar saídas fora da dependência da respectiva relação de fetiche para sobreviver. Estas situações existenciais forçadas deixaram compreensivelmente o seu resíduo também nas narrativas literárias. Será apresentada uma selecção dos contos dos Irmãos Grimm e das novelas de Franz Kafka, que proporciona uma expressão incomensurável da lista por vezes odisseica dos humilhados e ofendidos. Não se trata de promover a apoteose da "gente do povo", a qual muitas vezes serve o ressentimento anti-semita e anti-cigano (como acontece infelizmente também em muitos contos, "Hänsel und Gretel" apresenta um lamentável caso exemplar com a bruxa comedora de crianças). Deve-se, sim, reconhecer o seu direito a uma forma literária que nos melhores momentos – garantiu-se uma estrita escolha a condizer para a leitura – faz jus, na fala, na atmosfera e na acção, aos dilemas dos caídos, e veda tanto o trabalho compulsivo, impregnado de ideologia burguesa, particularmente dos próprios irmãos Grimm, que fizeram passar a maioria dos contos por eles coleccionados por uma lavagem domingueira que em parte lhes dá o sentido, bem como veda as tentativas de apropriação pelas ideologias populistas de esquerda.

 

Domingo, 23.9.

10.00 - 12.00 O Precariado Digital da Camada Média. Como um Interesse Particular Imanente ao Sistema Está a Ser Empolado como Ponto de Vista da Humanidade. (Robert Kurz)

O objecto geral da crítica do valor-dissociação é a socialização negativa da modernidade e os seus limites internos absolutos. Para ganhar a perspectiva de um revolucionamento [Umwälzung] radical há que pôr em causa em profundidade a conexão da forma da reprodução do conjunto da sociedade (hoje da sociedade mundial), incluindo da relação entre os sexos. Na crise da terceira revolução industrial, contudo, um capitalismo de minoria tenta orientar-se de novo em terreno instável como suposta "sociedade do conhecimento", excluindo uma maioria crescente. Esta ideologia grassa como ponto de vista de auto-afirmação neo-pequeno-burguesa precisamente entre precarizados informáticos, analistas simbólicos, webdesigners e freelancers da indústria publicitária etc., em parte assumindo-se como "cibertariado" (Mario Candeias). Mostrar-se-á como este interesse particular pós-moderno pretende ter validade também nas teorias de esquerda como "figura social universal dos novos modos de vida e de produção" (Candeias), em que a relação entre sexos é progressivamente ofuscada e a pobreza das massas é subsumida sob o ponto de vista da afectação de um grupo social. Por um lado trata-se da ideologização directa da auto-valorização ou "autovalorisazzione" (Antonio Negri) através duma "boémia digital" (Holm Friebe/Sascha Lobo). Por outro lado, crise e crítica da sociedade das mercadorias são apoucadas e restringidas ao espaço virtual como utopia particular da ideologia da circulação de uma "livre socialização do conhecimento". A apadrinhar estão os insustentáveis conceitos político-económicos de "trabalho imaterial" (Negri), como nova ontologia do trabalho, e de supostos "bens universais" (digitais) (Stefan Meretz), que já "em si" devem transcender "parcialmente" a forma das mercadorias.

 

12.00 Almoço

Original Einladung zum EXIT!-Seminar vom 21. - 23. September 2007 in Enkenbach (Nähe Kaiserslautern). ÜBERFLÜSSIGE MENSCHEN in www.exit.online.org

http://obeco-online.org/

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