Sobre a actualidade de "Sinal verde para o caos da crise" de Robert Kurz

 

Thomas Koch

 

Após a republicação do texto de Robert Kurz sobre a mania do automóvel na última exit! (2020), o artigo de Thomas Koch "Sobre a Actualidade de 'Sinal Verde para o Caos da Crise' de Robert Kurz" esclarece desenvolvimentos mais recentes e mais agudos no automobilismo, sobretudo no contexto da catástrofe climática e dos movimentos ambientalistas. Que opções existem nas "visões de futuro" da mobilidade eléctrica ou da condução autónoma, e nas soluções tecnológicas, face à perda global de controlo associada às palavras-chave coronavírus e clima? Os desenvolvimentos que tiveram lugar no coração do automobilismo, com o chamado escândalo das emissões e a sua projecção numa gestão que está muito longe da realidade, são também objecto de reflexão crítica. (Apresentação do texto na exit! nº 18, 05/2021)

 

1. Introdução * 2. Sintomas * 3. Causas * 4. O desfazer do consenso automóvel * 5. Chegada ao caos da crise ou quão louca é a sociedade automóvel? * 6. Dias livres para um futuro e ideologia verde * 7. Mobilidade eléctrica e condução autónoma – A miséria com o futuro * 8. Será que o caminho-de-ferro vai afinal ganhar contra o automóvel? * 9. Condução autónoma como simbiose de sujeito e objecto * 10. Conclusão * Bibliografia

 

1. Introdução

Um quarto de século após a publicação do texto "Sinal verde para o caos da crise", começa agora a tornar-se real o declínio das tecnologias de combustão, acompanhado de várias crises individuais, no centro das quais está o automobilismo global. Os dispositivos de software para desligar o registo de emissões dos "fabricantes alemães de automóveis", do país de origem desta tecnologia, mostram como a vida das pessoas é pouco importante quando se trata de tentar continuar a mania da combustão. Torna-se claro como é grande a vontade de deixar que as realidades da natureza "falhem" devido à mania técnica da viabilidade. Isto diz algo não só sobre o carácter assombroso da forma de produção como fim-em-si, mas também sobre a história das suas origens, sobre os surtos históricos de desenvolvimento do automobilismo no nacional-socialismo e na economia de guerra, e, para além disso, sobre aquela "pulsão de morte" sistémica a que Robert Kurz se referiu em muitos dos seus escritos (cf. p. ex. Kurz 2013).

Em 2020, o estado do automobilismo no contexto de uma emergência climática global iminente, bem como os acontecimentos do coronavírus, marcam uma diferença qualitativa em relação a todos os fenómenos de crise das últimas décadas, que não passará despercebida a um público mais vasto: já não se trata de crises contornáveis, contra as quais existiam vias e meios, mas de uma crise sistémica fundamental, acompanhada de perdas de controlo de um tipo antes desconhecido.

O texto de Kurz, que foi republicado na edição da exit! nº 17, mostra o método de exame em termos de crítica categorial de uma "realização" tecnológica afirmada e aparentemente evidente. O automóvel não é de modo nenhum apenas um produto, é também um meio de produção e está inseparavelmente ligado às respectivas tecnologias. Kurz desenvolveu a sua crítica ao objecto automóvel a partir destas bases, a partir da forma fetichista da sociedade industrial moderna, com o seu regime de trabalho abstracto e de gastos de tempo sem sentido, bem como do conexo consumo da natureza. Desenvolveu assim uma crítica do objecto e ao mesmo tempo da tecnologia que não pode ser separada de toda a forma da sociedade moderna. Só através de tal abordagem se torna claro, por exemplo, por que razão o transporte ferroviário teve de perder para o automóvel como meio de transporte central – pelo menos até hoje e sob as condições de um cálculo de economia empresarial. A questionável automobilidade da sociedade moderna, com a sua falta de eficiência, hostilidade à vida, destruição da natureza e estrago da beleza do mundo da vida, com o isolamento dos viajantes uns dos outros, o ruído repugnante e a poluição mortal do ar – durante décadas pareceu mesmo óbvia e bem-vinda, apesar destas características. No entanto, o automóvel sempre conseguiu aparecer aos actores como um meio de transporte alternativo, sensato e eficaz apenas com base nos seus próprios pressupostos, nomeadamente uma infra-estrutura que sempre foi desenvolvida para ele com prioridade sobre todas as outras necessidades e uma "externalização dos custos consequentes". Ainda assim, com algumas excepções, actores e vítimas quiseram o automóvel como objecto amado, não se limitando a aceitá-lo, mas ocupando-o libidinosamente como objecto encontrado.

A relação dialéctica da sociedade moderna com as suas tecnologias e os respectivos produtos aponta assim também para uma imanente falta de alternativas na história da imposição das tecnologias modernas em geral e do automobilismo em particular, como provavelmente a tecnologia chave mais marcante até à data. Assim, as tecnologias e os conhecimentos científicos de dominação da natureza em que se baseiam não surgem de modo nenhum independentemente do princípio da forma do valor e da dissociação sexual. Uma vez realizados, têm um efeito sobre a sociedade e sobre o sujeito. Esta circunstância de um modo de funcionamento de tecnologias que, num certo sentido, é também independente e autónomo, estabelece um campo de investigação da crítica categorial que, como qualquer crítica categorial, não deve ser "abordado de um ponto de vista externo", mas sim "trabalhado a partir da imanência, através da negação" (Kurz 2007, 23). A grande maioria dos confrontos sociais com as tecnologias pode ser descrita como predominantemente imanente na perspectiva da crítica da dissociação-valor. Permanecem, por exemplo, a um nível fenomenológico, ou do marxismo tradicional, como é em parte evidente no caso dos críticos do automóvel Klaus Gietinger ou Winfried Wolf (cf. Gietinger 2019 assim como Wolf 2009). A crítica de Kurz, contudo, não visava uma reordenação do absurdo e do menos absurdo, mas sim uma compreensão da sua génese, de como as loucuras desta sociedade também ganham forma e propriedade nas suas tecnologias, tal como nos seus produtos. No sentido de uma tal crítica categorial, um projecto semelhante seria necessário hoje em dia sobre a digitalização, por exemplo, porque tecnologicamente, bem no sentido da crítica de Kurz, representa a continuação da tentativa de loucura automóvel (cf. Meyer 2018). Não é por acaso que Kurz usa no seu texto frases como "o coração mecânico robótico de um processo histórico que perdura até hoje" (Kurz 2020, 31), apontando assim para a tendência historicamente persistente de equiparar o animado com o inanimado e de substituir um pelo outro. É precisamente isto que está agora a ser forçado com a digitalização numa extensão sem precedentes.

Seguem-se aqui, em primeiro lugar, algumas reflexões sobre o desenvolvimento da sociedade automóvel desde a publicação de "Sinal verde para o caos da crise". Kurz tinha nomeado vários limites da tecnologia automóvel, tais como a natureza finita das reservas de matérias-primas, o clima e a poluição atmosférica, bem como outros tipos de destruição das bases da vida. Todas estas questões se tornaram agora problemas manifestos, com os quais a sociedade automóvel tem de se debater. Além disso, existem agora várias outras, tais como a enorme densificação dos espaços urbanos e as áreas de problemas daí resultantes, como a impermeabilização do solo, etc. Com o chamado escândalo das emissões/dieselgate, a crise existencial da circulação baseada em motores de combustão já não pôde ser ignorada no discurso público nos países centrais do automobilismo a partir de 2015. O mantra das "visões", com as quais o futuro está supostamente a ser moldado, continua a ser eficaz. Agora o futuro chama-se substituição do motor de combustão por "electromobilidade", "condução autónoma" ou "mobilidade integrada". A questão de saber se o automóvel perderá ou não a sua importância central com ou apesar de tal desenvolvimento continua a ser um fenómeno de superfície. As causas de crise não são compatíveis com o nível de aparência, onde meios e fins, como Kurz observou, são invertidos entre si. A este respeito, o que aconteceu a nível de eventos na Alemanha nos últimos anos em ligação com o "escândalo das emissões" é elucidativo para a mediação.

 

2. Sintomas

Apesar dos pedidos de indemnização nos EUA, da ameaça de proibição de circulação e de restrições comerciais após 2015, quando as primeiras medidas das autoridades americanas sobre dispositivos secretos para desligar o registo de emissões entraram inicialmente em vigor contra a VW, as empresas automobilísticas alemãs ainda apresentaram números record até 2019. (1)

Ora uma previsão que não sirva o desenvolvimento empresarial não faz parte do negócio da viabilidade industrial. O fabricante Audi, por exemplo, continuou simplesmente a produzir os seus dispositivos para desligar o registo de emissões proibidos dois anos após esses dispositivos secretos terem sido processados nos EUA, depois de políticos e empresas automobilísticas terem também prometido mudanças e esclarecimentos imediatos na Alemanha. Quem olhar mais de perto para a natureza subtil desta 'extensão da realidade' ou reinterpretação da realidade por software com os seus parâmetros de detecção só pode maravilhar-se. Todas as medições possíveis de emissões poluentes são cuidadosamente registadas e depois ligadas a um corte dos motores. Entretanto também se sabe que isto não foi apenas aplicado a motores diesel.

Quando as negações deixaram de ajudar, Audi e VW prometeram "plena cooperação" com as autoridades, a magistratura e os serviços de licenciamento, e um "esclarecimento completo" do público. Não admira que em relação a outro fenómeno de crise, nomeadamente os acordos de cartel das empresas automobilísticas alemãs, tenha havido mesmo uma confusão quando as testemunhas principais deviam ser admitidas para denúncia. A Daimler, por exemplo, apresentou um pedido de regulamentação das testemunhas principais em 2017 e a VW também tinha apresentado uma "autodenúncia". "Quem cooperar primeiro com os supervisores pode esperar o maior desconto numa possível multa" foi o comentário em Manager-Magazin em 2017 (mm-online de 22.10.2017).

O que a imprensa descreveu entre 2017 e 2019 como perda da realidade nos conjuntos dos  executivos dos "fabricantes de automóveis alemães" realmente sólidos em inúmeros artigos, e publicou com curvas de vendas em queda acentuada para veículos a diesel e manchetes como "Fim de uma tecnologia?" (Spiegel 28/2019), pressupõe uma normalidade "como deve ser". Este estado de coisas regular, em que tudo supostamente funciona "como tem de ser", é então anulado por erro humano, corrupção, manipulação ou simplesmente má gestão – sempre em detrimento da maioria "honesta", da força de trabalho ou dos simples clientes.

De facto, as manipulações dos gases de escape, das quais alegadamente ninguém na Europa sabia ou poderia saber nada, só foram descobertas graças às autoridades dos EUA. O obstáculo nesta constatação é interessante sob vários aspectos. Porque tinha de ser feito pelas autoridades ambientais dos EUA? E porque é que ninguém lhes agradeceu, apesar de se tratar de "actividade criminosa"? Uma resposta poderia ser que não só esta acção tinha sido bastante bem sucedida durante vários anos, mas que havia cumplicidade a todos os níveis.

A reinterpretação da realidade com a ajuda de software, incluindo os graves danos que a acompanham, a destruição da base climática da vida etc. só foi devida a um problema ambiental incómodo para prolongar a era dos motores de combustão? Ou será que a determinação de colocar a tecnologia de combustão acima de todas as questões existenciais da própria vida se tornou aqui evidente? A utilização banalizadora do termo "software de batota" dificilmente pode ser coincidência. Uma vez que vem dos media alemães, já sugere a possibilidade de este conceito de "lidar com a realidade" ter sido apoiado por mais actores do que é sugerido, culpando as empresas e depois alguns gestores individuais como peões. Mas um olhar mais atento não evita suspeitar de outras razões para tal abordagem, uma vez que as extensões da realidade digital foram realizadas precisamente na produção de automóveis de luxo e SUV com motores de grande cilindrada, que são tão importantes para os "fabricantes alemães de automóveis". (2)

Em 2018 quase metade de todos os automóveis de passageiros produzidos em todo o mundo foram dos chamados SUVs. Estes são veículos de alta motorização e preço elevado, na sua maioria com motores diesel, que se podem conduzir fora da estrada em qualquer altura, mas cujos condutores normalmente não querem fazê-lo. O fenómeno destes veículos, a linguagem da sua forma, a sua alegada utilidade, a sua segurança ou a diversão à custa dos veículos mais pequenos que participam no tráfego e dos seus ocupantes, ou mesmo a ignorância que exibem de todos os problemas ambientais, é como que uma descrição do tipo de sujeitos automóveis actuais, mesmo sem a manipulação do escape. Vincent Knecht escreveu sobre esta associalidade posta em forma de chapa metálica: "Para os alemães em particular, a escolha entre o bom direito a automóveis idiotas obesos e a habitabilidade do planeta pode ser considerada como tendo sido feita de qualquer maneira" (konkret 8/18). E este desenvolvimento não foi de modo nenhum retardado pelos protestos ambientais maciços em 2019. Mesmo cinco anos após as manipulações do escape terem sido reveladas pela primeira vez, e após não só os motores de combustão mas toda a automobilidade enfrentar um futuro incerto, a Mercedes anuncia em 2020 que quer agora tornar-se o principal fornecedor de pesados veículos de luxo eléctricos e SUV. Milhares de euros do dinheiro dos contribuintes estão a ser gastos para salvar a indústria automóvel alemã. Assim, o que parecia ser arrogância, cinismo, ingenuidade ou falta de realidade no decurso do escândalo das emissões, e pode ser um sintoma de loucura, surge consequentemente da estrutura das empresas e da própria sociedade.

No entanto, os proprietários de SUV não são muito adequados como verdadeira imagem do inimigo, porque o resto da comunidade automobilística não é muito diferente. Os motores das limusines do resto da "frota", que são grandes e altamente equipados, muitas vezes com centenas de cavalos de potência, não têm praticamente nenhuma aplicação útil, mesmo na Alemanha – o último bastião de velocidade ilimitada. Os sujeitos que aplicam o potencial destes veículos, para os quais foram afinal concebidos e construídos, são aqueles que vivem a sua virilidade ou mania da velocidade em corridas ilegais, por exemplo, ou pisam o acelerador em várias situações, chamando a atenção para si próprios com pneus a chiar e escape a berrar. Eles e os aceleras das auto-estradas são alvo de indignação e incompreensão quando se trata, mais uma vez, de acidentes fatais. Os tribunais não têm a certeza – ao contrário dos ataques com automóveis – se se trata de assassínio ou apenas de homicídio involuntário, porque falta a intenção. Para os utilizadores, o ultraje é unânime, enquanto nos media os mais recentes "cães policiais lustrosos (Kurz 2020, 28) são sempre apresentados, falando-se com reverência sobre as "unidades de propulsão dos bólides" e a sua "aceleração potente". A concepção, fabrico e produção de tais projécteis continuam sem qualquer contestação. O facto de o  problema destes projécteis sobre quatro rodas ter certas semelhanças com o  problema das armas nos EUA, que são condenadas na Alemanha, não é percebido nem tem potencial de irritação. Aplicado ao problema das armas nos EUA, o lobby das armas nos EUA não deve ser responsabilizado, mas sim os atiradores, na melhor das hipóteses.

Uma tal comunidade automóvel não pode ser incomodada por uma melhoria dos equilíbrios de emissões dos seus "cães policiais lustrosos", que são nocivos para o ser humano e para a natureza, e um limite de velocidade que reduz as emissões de CO2 tem o carácter de uma "privação de liberdade", mesmo agora que uma emergência planetária se tornou óbvia devido aos processos metabólicos baseados na combustão.

 

3. Causas

Outra leitura da crise automóvel cada vez mais acelerada após 2015 é a seguinte: Num campo de sobrecapacidades globais, custos iniciais elevados e quotas cada vez menores de trabalho abstracto criador de valor, já quase não era possível ganhar dinheiro com tipos de automóveis simples. A alternativa para as empresas automobilísticas alemãs foram veículos de "qualidade superior", uma circunstância cujo carácter de crise Kurz já tinha descrito em 2011 no artigo "O fim da fábula do automóvel" (Neues Deutschland de 22.8.2011). Neste "ambiente difícil", só a exportação global de tais veículos, especialmente para a China, poderia ainda permitir vendas e lucros para a indústria automóvel alemã. Para o efeito as empresas automobilísticas estavam preparadas para destruir as pessoas e a natureza e ao mesmo tempo tornar isto invisível com "soluções técnicas", não sendo aqui diferentes do comportamento de outros actores da sociedade, como foi dito.

Por mais que as restrições económicas possam ter desempenhado um papel para a indústria automóvel, a adesão de um sector industrial tão fixo no futuro e na inovação atempada na tecnologia de combustão fóssil também não pode ser totalmente explicada por este facto. O que também se aplica à comunidade automobilística deste país. Tais fenómenos só podem ser descritos multicausalmente e nunca em todos os seus aspectos. A "animação do inanimado" através da combustão, fogo e explosão e a sua transformação em potência mecânica experimentada individualmente, em aceleração, velocidade e capacidades de combate foi depositada como um momento arcaico no inconsciente social da sociedade da concorrência, especialmente no país do automóvel que é a Alemanha. Há também perfis específicos no significado e na forma de propriedade do objecto automóvel. A respectiva autopercepção através do olhar dos outros corresponde a uma codificação dos sujeitos da concorrência em prestígio, estatuto ou filiação.

Tendo em conta tais factores que formam características colectivas, o aparecimento de um desempenho exorbitante do motor ou a linguagem formal do SUV parece ser uma revolta agressiva contra a perda de soberania na decadência da crise. Esta rebelião, por via da propriedade dum objecto e da linguagem da forma, é simbolicamente dirigida contra desenvolvimentos que tornam precários os espaços de valorização do valor juntamente com os domínios dissociados como seu pressuposto mudo. Todas as esferas, incluindo as da estrutura do sujeito e da sua própria soberania, estão agora prisioneiras de tais contracções. A reacção a isto de uma sociedade entre a omnipotência e a impotência, contudo, não é simples medo ou arrependimento, mas uma mistura das mais diversas negações da realidade e de formas de estilos abusivamente agressivos e antecipatórios. Esta defesa essencialmente androcêntrica e violenta faz parte do "asselvajamento do patriarcado" (Roswitha Scholz). Em 1994, Kurz escreveu sobre o desejo do apocalipse que se anuncia: "Muitos condutores alemães entram em delírio ‘francamente deliciados’ perante o caos" (Kurz 2020, 43).

Nessas condições, era essencial assegurar um futuro para os motores de combustão. As 'opções técnicas' desenvolvidas contra a destruição sócio-ecológica emergente, que deveriam ajudar os actores sociais a alcançar uma 'percepção resiliente da realidade' através do controlo do software, dão também uma indicação clara da afinidade entre a tecnologia automóvel e a digitalização, com a sua 'augmented reality'.

 

4. O desfazer do consenso automóvel

Depois de apenas os EUA, como concorrente global, terem conseguido pôr fim à mania alemã da combustão com as suas tentativas de reinterpretar a realidade, e depois de todos os outros – inúmeras autoridades de registo e monitorização, centros de testes técnicos, universidades e oficinas técnicas, e mesmo consumidores – terem aberto os olhos para a vergonha de terem sido enganados, rapidamente se tornou evidente até que ponto a crise de toda a indústria automóvel já tinha progredido. Agora, em tais situações, na Alemanha o foco vira-se rapidamente para o Estado e para a política. Estes últimos, no entanto, não puderam ver quaisquer deficiências e, tal como os proprietários de automóveis, posicionaram-se como vítimas das empresas automobilísticas. Os proprietários de automóveis desiludidos acusaram políticos e instituições de serem demasiado indulgentes com a indústria automóvel, e que os "fabricantes de automóveis alemães" tinham por isso perdido a ligação internacional às tecnologias futuras com as suas palavras mágicas "mobilidade eléctrica" e "condução autónoma". Ora a posição de vítima do Estado, da política e dos condutores de automóveis não se baseia numa relação com o mundo real tão diferente da subjacente ao "software de batota", como já mostra o fenómeno SUV ou o equipamento dos automóveis com motores absurdamente potentes, para além de qualquer aplicabilidade útil. Comparações e cálculos relativamente simples teriam sido suficientes, por exemplo, para perceber como o consumo real de combustível pouco poderia ter a ver com os dados de consumo declarado dos automóveis. Uma comparação das elevadas concentrações de poluentes obtidas nas estações de medição urbanas com o número de automóveis que passam também poderia ter levantado dúvidas sobre as declarações dos fabricantes relativamente às emissões.

Com a manifestação da reinterpretação baseada na tecnologia, contudo, a sociedade automóvel dividiu-se num curto espaço de tempo entre trapaceiros e trapaceados. Acusações e recriminações iam e vinham. Esta foi a oportunidade para o surgimento de novos actores que, por sua vez, não sem razão se viam como vítimas do conjunto de perpetradores e vítimas do automóvel. Exigiram então proibições de circulação ou a imposição dos valores-limite. Enquanto inicialmente o foco era o cumprimento dos valores-limite para os óxidos de azoto, em meses isto mudou para emissões gerais com foco no CO2. Isto foi desencadeado, entre outras coisas, pelo Movimento das Sextas-Feiras pelo Futuro, que trouxe para as ruas as notícias perturbadoras sobre as alterações climáticas obviamente em crescendo e a desintegração dos ecossistemas globais.

No caso dos óxidos de azoto, os políticos, as instituições estatais e o próprio público repetiram, como que "distraidamente", os padrões de reinterpretação da indústria automóvel pelos quais tinham sido anteriormente "enganados" e de que se declararam vítimas: Primeiro, as "proibições iminentes de circulação" foram contrariadas com todo o tipo de medidas, tais como a alteração dos circuitos dos semáforos nos pontos de medição, a discussão sobre a sua localização e os momentos da medição. (3) Afinal de contas, estas estações já existiam antes e não tinham sido impostas proibições de circulação. Quando isto não foi suficiente tendo em conta a situação, porque as actividades da Deutsche Umwelthilfe (Defesa do Ambiente Alemã) e a cobertura mediática tinham ganho ímpeto, surgiram dúvidas sobre os próprios valores-limite e exigências para a sua adaptação. A questão era agora: Afinal, o que são valores-limite? (4)

Médicos supostamente competentes falaram como "peritos", advertiram contra medidas de protecção exageradas e questionaram o número de vítimas de poluição por micropartículas. No entanto, este pode ser determinado de forma bastante fiável, como mais tarde se verificou. Além disso, os autonomeados peritos tinham, infelizmente, cometido alguns erros de cálculo. Mesmo sendo isto já conhecido, o Ministério dos Transportes agradeceu-lhes por este corajoso avanço. Este cenário foi um precursor de debates semelhantes que iriam ocorrer mais tarde, tendo em conta as ameaças colocadas pelo coronavírus.

No entanto, o perigo iminente de proibições de circulação a nível nacional foi evitado graças ao "tacto político". Para uma sociedade tão instruída no objecto fetiche automóvel, não foi problema deslocar algo próprio para outro sujeito – a gestão da indústria automóvel – e depois condenar esta pela sua má e criminosa qualidade, como coisa estranha, não pertencente ao mesmo.

Mas até esse alívio tem as suas armadilhas. Os pedidos de indemnização dos proprietários de automóveis alemães não tiveram inicialmente muito sucesso neste país contra as empresas automobilísticas. Enquanto nos EUA estas últimas parecem ter obedecido sem hesitação e dispostas a pagar grandes somas de dinheiro, deste lado do Atlântico rapidamente se tornou claro que se aplicam regras diferentes no próprio país. Mesmo a reconversão da "frota antiga" foi inicialmente atolada numa mistura de inactividade, "viabilidade técnica" alegadamente impossível e outros problemas. Politicamente, depressa foi introduzida uma lei de acção popular, cuja amizade pelo consumidor foi celebrada com publicidade e que deveria levar as pessoas a acreditar que as "condições americanas" estavam agora a chegar no que diz respeito à possibilidade de acção legal. Onde o mundo é vivido como resultado de escândalos e a amnésia se instala com toda a certeza, ganhar tempo é sempre uma vantagem. No entanto, a distância até à compensação dos clientes americanos não deve ser demasiado grande. Tal como no caso dos "limites perigosos", foi alcançado um acordo político e, entretanto, foram conseguidos acordos e pagos montantes de compensação, que normalmente obtêm a sua impressionante dimensão ao mencionar o montante total da empresa automóvel.

Mas entretanto o tráfego automóvel também não se tinha reconhecido como um assassino do clima. Em poucos meses, as fracturas no tecido social tornaram-se óbvias. A "guerra nas estradas" expandiu-se. De repente tornou-se uma questão pública o facto de os automóveis particulares estarem simplesmente parados mais de 95% do tempo (tempo médio de funcionamento diário de cerca de 45 minutos). (5) Por outras palavras: Quem é realmente o proprietário do espaço de estacionamento? O automóvel restringe demasiado os outros utentes da via. Dúvidas fundamentais sobre a sua eficácia, praticabilidade e viabilidade futura estão a fazer carreira. Agora, peões, ciclistas e 'sem carro' falam, apontando para a gigantesca proporção do espaço urbano ocupado pelos automóveis. O solo impermeabilizado está também a tornar-se cada vez mais o foco de contradições sociais permanentes, tendo em conta o consumo sempre crescente do espaço para circulação na Alemanha. Num contexto de alterações climáticas cada vez mais fortes, há apelos para o fim da construção de estradas em expansão. (6)

Entretanto, a evolução global está sujeita a uma amnésia de cortar a respiração. Onde os acontecimentos já estão a passar como árvores à beira da estrada – contra as quais o Automóvel Clube Alemão dirigiu uma vez a campanha "Assassinas à beira da estrada" – é ainda mais impossível lembrar quem tinha previsto estes desenvolvimentos durante décadas. Mesmo os nomes que este desenvolvimento tinha assumido ao longo dos anos, tais como "prémios de abate" versus prémios ambientais (após 2008/9), crise de aquisição, crise de fornecedores, medidas estatais de salvamento das empresas automóveis internacionais há muito que se desvaneceram nas brumas do passado. No entendimento geral, as crises fazem simplesmente parte dos assuntos quotidianos da sociedade actual. Assim, para uns é o fracasso da política, para outros é o fracasso da gestão complacente das empresas automobilísticas. Para muitos da esquerda, a crise automóvel é apenas mais uma consequência das "convulsões do capitalismo financeiro" de 2008 e, portanto, do equilíbrio político de poder e, muitas vezes, do "capital financeiro voraz". Uma "dominação sem sujeito" (Kurz 2004, 153ss.) é sempre e em toda a parte excluída à partida. Apenas aqueles que podem imaginar tal dominação chegariam mesmo à conclusão de que o Estado como capitalista global ideal só poderia afirmar o seu papel no desenvolvimento automóvel como protector directo das empresas automobilísticas. A interacção da crise estrutural da indústria automóvel, de toda a tecnologia automóvel e do problema ambiental com a forma económica subjacente da dissociação-valor e com a crise da produção de valor cria um complexo de crise que pode ser historicamente determinado no seu curso irreversível. É também tudo menos o regresso dos fenómenos habituais de crise na produção de valor, como defendido, por exemplo, por Michael Heinrich (cf. Heinrich 2007, bem como, criticamente para Heinrich, por exemplo, Kurz 2012, 343ss.). Hoje como em 1994, sem considerar esta crise de todo o sistema de "expressão da vida", as considerações sobre o produto principal automóvel permanecem presas ao nível da aparência.

 

5. Chegada ao caos da crise ou quão louca é a sociedade automóvel?

A origem da sociedade automóvel industrial na mobilização militar das guerras mundiais e na Alemanha especialmente no Estado nazi também moldou nos seus momentos culturais específicos a afinidade e o amor pelo objecto morto, que é trazido "à vida cheia de força" pela combustão e pela explosão. Quando se tornou conhecido no início de 2018 que um grupo financiado pela VW, Daimler, BMW e Bosch tinha realizado experiências com macacos que tinham sido expostos a fumos tóxicos de escape de automóveis – em substituição dos seres humanos – a condenação de tais "métodos" foi perfeitamente unânime. Como se fossem clientes de outro país ou empresa, as empresas infractoras BMW e Daimler declararam "condenar tais experiências com animais" (Süddeutsche Zeitung, 26.1.2018). As reportagens dominaram os media por pouco tempo, mas a lógica que emana de tais experiências, segundo a qual a vida tem de se adaptar às tecnologias – e já é cilindrada pela procura de conhecimentos científicos – não é motivo para mais reflexão para o público automóvel – tão pouco quanto os mais de 1,3 milhões de mortes no trânsito em todo o mundo todos os anos; sendo os números das vítimas indirectas ainda consideravelmente mais elevados. (7) Os sacrifícios humanos causados pela "natureza" das tecnologias têm assim uma avaliação social diferente dos causados pela primeira natureza, como o coronavírus. Esta ameaça a estrutura reprodutiva "do exterior", enquanto as primeiras são bastante aceites como "danos colaterais" do controlo androcêntrico da natureza.

Nas metrópoles globais cada vez mais comprimidas de milhões, com intermináveis engarrafamentos de trânsito, avisos de veneno e poluição sonora de uma forma cada vez mais concentrada, é mostrado à comunidade automobilística global o quão absurda é a vida como mónada automóvel. Assim, numa mistura de falta de acções alternativas, recusa de individualizar problemas sociais, dúvidas, recalcamento e divisão ou delegação do problema a outros, o resultado é quase automaticamente a continuação do comportamento habitual. Durante décadas, houve também pouca vontade de questionar algo sobre a existência automóvel e de permitir a avaliação de uma tal existência como um sofrimento. Isto continuava a ser reservado a uma pequena minoria. Mesmo nas megacidades, onde a poluição atmosférica atingiu um nível tal que a visibilidade desce abaixo dos 50 metros e os níveis de poluição põem em risco a vida ao ar livre, o tráfego continua a rolar. Isto não augura nada de bom para uma escalada da crise climática.

A manutenção das enormes áreas e estruturas impermeabilizadas e 'estragadas' com asfalto e betão e a expansão ainda mais impulsionada da infra-estrutura automóvel apresentam hoje à sociedade automóvel problemas que também são difíceis de enfrentar financeiramente. Cada uma destas questões tem potencial para novas dinâmicas de crise. No entanto, onde o consenso automóvel começa a desintegrar-se, os factos óbvios de ontem aparecem como loucuras de hoje e perdem a sua suposta substância sem um pio – sem problemas para uma sociedade num estado de amnésia social que olha sempre em frente.

Com os novos actores e a fragmentação da comunidade automóvel, o consenso automóvel desenvolveu agora também fissuras que não podem voltar a ser fechadas com as capacidades da estrutura do sujeito. Face aos sempre novos relatos de sempre novas catástrofes ecológicas, a inquietação e a preocupação estão a alastrar. Uma consciência difusa de pecado e culpa bem como de declínio oferece protecção contra outras considerações desconfortáveis, mas é terreno fértil para tentativas radicais de explicação e teorias conspiratórias de direita, bem como para desenvolvimentos políticos reais. Onde a destruição do todo, da sociedade e da natureza se torna tão óbvia, as consciências estão agora cada vez mais e abertamente apanhadas nas divisões e fragmentações esquizóides e em estados paranóicos que são estruturalmente inerentes ao sujeito. As partes inconscientes que antecipam o curso da crise criam um "ritmo de adiamento": o conflito interior entre os próprios medos, as próprias acções concretas, os desenvolvimentos reais e a percepção da impotência social a que todos estão expostos no processo oscila entre um pessimismo e fatalismo sem fundo e uma fantasia de omnipotência, que faz com que pareça possível regular tudo, ou experimentar tudo como falso, como manipulado por outros poderes maléficos e perseguidores. A concorrência de todos contra todos já sempre estabelecida condena-nos assim a essa insuportável impotência, cuja compreensão poderia, apenas ela, fornecer a chave para uma tomada de consciência da situação. A condição social, invariante na sua forma destrutiva, só poderia ser desenvolvida em abordagens de transformação e/ou de imobilização através da negação do todo existente.

Em constante repetição, os media recomendam duas soluções: O que pode cada indivíduo fazer agora? O outro mantra delega os problemas na política. Se no primeiro caso se assume que a sociedade e a soma dos indivíduos já são sempre idênticas e que o consumo é a chave do modo de produção, no outro caso assume-se que a política está fora dos problemas e não faz parte dos mesmos. Nas formas imanentes de pensar da louca sociedade automóvel, o todo, incluindo o político, nunca pode ser ele o erro.

 

6. Dias livres para um futuro e ideologia verde

Entretanto, o registo de SUVs duplicou na Alemanha desde 2015 (8) e, desde a publicação do texto "Sinal verde para o caos da crise", foram construídas mais 40 por cento de estradas, tendo sido também desmantelados 5400 quilómetros da rede ferroviária. (9)

Enquanto alguns defendem agressivamente o seu chamado "modo de vida", outros aderem aos "objectivos climáticos" e têm de aturar questões mesquinhas sobre o seu comportamento quotidiano. Não admira que as crianças tenham de tomar o lugar dos adultos (Harald Welzer) quando se trata da percepção e da necessidade de mudança numa realidade globalmente ameaçadora. O movimento das Sextas-Feiras pelo Futuro, na sua imediatidade, orientação para a acção e afirmação da dominação científica da natureza, baseia-se em esperanças numa mudança imanente. No entanto, este "protesto conformista" (cf. Stapelfeldt 2019) só pode ser frustrado pelos desenvolvimentos reais, a menos que mude com estas experiências. (10)

Para além desta avaliação, existem problemas mais fundamentais nos discursos dos movimentos ambientalistas. O texto do caos da crise já sugere que categorias e termos como "ambiente" ou "recursos" não são suficientes para compreender o fenómeno da mobilização total no seu significado.

Não é preciso muita imaginação para ver que a tributação abrangente do CO2 – que os Verdes também acreditam ser o sucessor histórico da moeda-dinheiro como visão para o futuro – requer um regime de controlo abrangente que merece o nome de eco-ditadura. O controlo e a vigilância digital, bem como a expansão geral da vigilância estatal, especialmente na pandemia de coronavírus, já estão a caminhar nessa direcção. No entanto a tributação abrangente do CO2 tem também graves consequências sociais: Quem paga mais não só pode viver 'melhor', mas também não tem de se preocupar com mais nada, e tudo pode ficar como estava. Não admira que os jovens da classe média esperançosos de um nível de vida suficiente possam gostar disso. Todos os movimentos ecologistas ambientais, ao pré-julgarem a questão ecológica contra a social, já se encontram sempre no dilema da imanência. Em perspectiva, isto resulta na protecção do ambiente mesmo contra os socialmente excluídos e supérfluos, ameaçando-os com proibições e com a perda dos seus meios de subsistência. Uma referência ecológica sem a crítica do todo errado, incluindo os seus aspectos sociais, faz tanto sentido como a pretensão da mania automóvel de ser capaz de resolver tecnologicamente problemas sociais.

O movimento das Sextas-Feiras pelo Futuro já não consegue apreender o complexo contexto sistémico da destruição ecológica a partir dos seus fundamentos conceptuais e da sua forma de pensar. Onde não há nada fora das acções do indivíduo e do princípio do político, a destruição dos fundamentos da vida pela economia industrial e suas tecnologias deve permanecer exteriorizada das acções quotidianas da população, mesmo na sua decadência de crise. Perante esta verdadeira impotência da humanidade global, a referência das empresas automobilísticas a apenas produzirem aquilo que tem procura leva a um interminável tratamento da contradição. Isto também se aplica à acusação oposta, de que as empresas automobilísticas não estão a cumprir a sua responsabilidade social com o que oferecem. Os consumidores seriam vítimas da populaça das mercadorias industriais e da publicidade correspondente. Tais atribuições sempre foram erradas, é claro. O princípio do "poluidor-pagador" não é forma de chegar ao fundo da dialéctica de produção e consumo. Kurz tinha descrito o impulso interior do movimento de valorização como um processo histórico que consistia em "chegar à auto-suficiência absoluta da abstracção vazia da forma: por conseguinte, maltratando os objectos do mundo durante o tempo necessário para que estes desapareçam no vazio dessa forma – ou seja, através da aniquilação do mundo" (Kurz 2004, 32). Num tal contexto, a estreiteza da derivação do produto oferecido e do produto exigido parece simplesmente disparatada.

Sem a análise do valor de Marx em O Capital e a teoria de crise da crítica da dissociação-valor, as causas e ligações dos "limites ao crescimento" não podem ser compreendidas. Enquanto os movimentos ambientalistas tentam posicionar o poder dos factos contra os mitos e o "assentar na política", exigindo o reconhecimento dos factos científicos, os defensores do real e da acção não notam como o factual se desvaloriza a si próprio como já sempre afirmativo. Basicamente, eles querem assegurar que o amanhã ainda possa ser o mesmo que hoje. Onde o falso todo só se torna digno de crítica na sua "incapacidade de futuro", também as condições de origem, que estão no passado, têm de permanecer completamente mal compreendidas. Esta ausência da história é outra característica dos movimentos ambientalistas actuais.

Por outro lado, a exigência das Sextas-Feiras pelo Futuro de um "fim da zona de conforto" é provável que seja satisfeita em breve. Contudo, não como uma decisão intencional, mas como uma entrada "natural" numa caótica decadência de crise, na qual o núcleo violento da civilização, da democracia e do mercado explode em estado de excepção. A pandemia de coronavírus que eclodiu em 2020 acelera este desenvolvimento, à medida que as políticas do Estado-nação giram cada vez mais em torno do estado de excepção. Não se trata de modo nenhum apenas do "arrefecimento do comércio mundial", que tem parecer causado politicamente ou pela pandemia, mas sim da múltipla desintegração de agregados sociais devido às contradições internas em processo, como tem acontecido na indústria automóvel durante anos sem ser notado e em novas manifestações de cada vez. Mesmo as restrições comerciais frequentemente citadas como uma causa na era Trump são, elas próprias, apenas consequência da intensificação da concorrência global de crise.

Entretanto, o "corte desenfreado das florestas subterrâneas" prossegue sem parar. Até à pausa forçada pela pandemia de coronavírus, as emissões globais de CO2 subiram para um novo recorde. (11) Mesmo considerações simples mostram que a descarbonização global em condições de valor e dissociação é tanto uma parte dessas fantasias de omnipotência como as visões de uma nova automobilidade sustentável global associada aos conceitos de mobilidade eléctrica e condução autónoma. Em primeiro lugar, o estado crítico da sociedade automóvel não se limita de modo nenhum ao problema das emissões e à questão climática. Cada vez mais pessoas, regiões e países estão a sair de estruturas económicas ainda viáveis, e as economias dos países industrializados têm de ser mantidas a respirar com uma inundação de dinheiro dos bancos centrais. E quase todos os outros fundamentos indispensáveis da vida, tais como a biodiversidade e as reservas mundiais de água ou a saúde, estão fundamentalmente ameaçados e sofrem um declínio dramático ou uma desestabilização. O controlo das mudanças muitas vezes vitais através do estatismo e da dívida pública está a falhar cada vez mais, porque os investimentos e os recursos financeiros não podem de modo nenhum regular com dinheiro as complexas estruturas problemáticas emergentes. Este problema da diminuição das possibilidades de regulação através da forma do dinheiro aplica-se não apenas ao sistema de saúde ou ao "mercado da habitação", mas também aos problemas de mobilidade: Nem a acção política nem o fornecimento de dinheiro são suficientes para lidar com os problemas emergentes que ficam fora da lógica da política e do dinheiro.

Nos cenários do Green New Deal, também é regularmente omitido que todas as fontes de energia renováveis nunca poderiam compensar o actual nível de utilização de energia. Assim, é possível falar para efeitos de marketing de uma produção de automóveis eléctricos supostamente neutra em termos de CO2 e de uma conversão abrangente para energias renováveis. Como mostram as crescentes emissões globais de CO2 até às restrições do coronavírus, não existe nem uma consciência remotamente realista nem uma visão séria nas sociedades industrializadas de como toda a vida social global se baseia quase completa e extensivamente na utilização de energias não renováveis nos dias de hoje. (12)

Enquanto nos anos 70 e 80 ficou cientificamente provado que a energia nuclear era indispensável para a sociedade porque o sol fornecia muito pouca energia primária, hoje em dia finge-se que o fornecimento de energia aos agregados existentes, que a sociedade colocou entre si e a natureza, pode no futuro ser operado com "electricidade limpa". Nem uma coisa nem outra foram alguma vez verdadeiras. Para visualizar a extensão dos processos baseados na combustão fóssil, poderia ser feita a seguinte comparação: No filme Plasticworld, o argumentista e realizador pede repetidamente às pessoas que coloquem todos os objectos com plástico e feitos de plástico na rua em frente das suas casas, e documenta isso com uma série de imagens paradas. Qualquer pessoa que veja isso pergunta-se inevitavelmente que mobiliário é que ainda resta no lar. A situação é semelhante com a proporção de combustíveis fósseis, com a qual, aliás, seriam impensáveis todas as guerras dos dias de hoje, incluindo a produção de armamento para elas necessária. Kurz não viu o problema principalmente numa base energética completamente diferente de uma sociedade global enquanto tal, mas na compulsão desta sociedade a uma desmedida aceleração e aumento do consumo, que anda a par com o movimento de valorização do dinheiro.

A coincidência de limite interno, tal como formulado pela crítica da dissociação-valor, e colapso ameaçador da biosfera não é de modo nenhum por acaso. Mas a restrição a indicadores externos reconhecíveis não conduz às suas causas. Claus Peter Ortlieb (cf. Ortlieb 2019a/b) apontou para a ligação e relação entre a produção de mais-valia relativa, a produção material e os limites materiais. A crescente cascata de aumento da produtividade, produção material, consumo de energia/CO2 e aumento do consumo da natureza – ou seja, da sua destruição – resultante do derreter muito avançado do trabalho abstracto criador de valor e da optimização tecnológica dos processos de fabrico industrial atingiu hoje um máximo histórico. Por outras palavras, para poder gerar mais-valia nas cadeias de valor globais de hoje, enormes quantidades de mercadorias têm de ser produzidas num tempo cada vez mais curto, e esta quantidade de mercadorias requer cada vez mais energia, não só na produção, mas também no fornecimento dos pré-requisitos materiais, na distribuição, etc. O mesmo se aplica à utilização de energia na produção de mercadorias. Se uma tecnologia utilizada é mais eficiente em termos energéticos, a proclamada protecção do ambiente não tem qualquer resultado assim que a produção total de material tem de ser aumentada para inundar o mundo com este "produto sustentável" (efeito de ricochete). O chamado Green New Deal seria assim "o mesmo em verde" (cf. Reckordt 2019).

O volume de negócios material continua a aumentar de forma desproporcionada com o crescimento da produtividade, mesmo quando a percentagem de mão-de-obra industrial criadora de valor diminui a nível mundial. Neste processo todo o globo é mobilizado e devastado por este movimento de valorização. O processo de exploração impiedosa das matérias-primas nos países do Sul global, conhecido como neo-extractivismo, tem consequências igualmente desastrosas para as condições de vida das pessoas e para a natureza. (13)

O que quase sempre permanece inquestionável na utilização de um conceito tão omnipresente como o de ambiente ou protecção ambiental é contra o que esta protecção tem de ser e porquê: Protecção contra o "ser humano" e o seu egoísmo da sua "nossa" economia e tecnologia – nenhum argumento pode fazer frente a tais constantes antropológicas inquestionáveis. Em termos positivos, fala-se em preservar os fundamentos naturais da vida. O conceito de protecção ambiental tem, portanto, um elemento reactivo, porque a protecção pressupõe danos ou ameaças. No conceito de ambiente, a dominação da natureza com base no valor e na dissociação sexual, com a sua dualidade de sujeito e objecto, já está sempre estabelecida. O ambiente, tal como hoje se entende, já pressupõe um observador cartesiano que se imagina fora da natureza. O sujeito burguês confronta a natureza como uma mónada sem relações, por assim dizer. Se a natureza tem de ser protegida destas mónadas, então isso deveria ser entendido, antes de mais, como uma indicação clara de algo insustentável, de uma forma de acção social que é simultaneamente inconsciente e destrutiva. Este estado teria de ser abolido e não organizada a protecção de objectos naturais perante ele.

O conceito de recurso é também questionável. Com este conceito, todos os fenómenos naturais e contextos vivos são sempre definidos como quantidades calculáveis, que devem ser tornadas compatíveis para valorização da economia empresarial e aparelhados na sua disponibilidade de ser convertidos em valor e dinheiro.

Quando a natureza é vista assim como um "mix de serviços", a sua "comoditização", a "disponibilização para a prestação de serviços da natureza" fica por vezes um pouco confusa. Num exemplo do Grupo de Trabalho de Geografia Crítica de Leipzig (2013), é descrito como as abelhas numa floresta tropical polinizam as plantas de uma plantação de café próxima. Este serviço é então calculado no montante x, como se esta polinização tivesse de ser realizada por outros meios através de um serviço pago. Se, por exemplo, devido à queda dos preços do mercado mundial, se cultiva o ananás na plantação em vez de café, para o que as abelhas já não são necessárias, o valor da floresta tropical cai nesta quantidade x. Aqui a floresta tropical e as abelhas tiveram azar. Exemplos como este já mostram como é problemático quantificar a natureza como um recurso em termos económicos ou científicos, e que consequências destrutivas isso tem.

 

7. Mobilidade eléctrica e condução autónoma – A miséria com o futuro

Embora ainda estejam a ser feitas tentativas em 2020 para assegurar um futuro para uma "tecnologia de propulsão intrinsecamente boa e amiga do ambiente" – quer dizer, acima de tudo, o motor diesel – o fim desta tecnologia de propulsão é óbvio. Agora os tipos de veículos existentes devem ser equipados com propulsão eléctrica. A avaliação da mobilidade eléctrica e dos sistemas de propulsão alternativos como tecnologia do futuro é feita a partir da perspectiva da economia empresarial de capitais individuais, que desde logo não precisam realmente de se preocupar com o contexto mais vasto, por exemplo, uma totalidade material, ou com os novos problemas ambientais que surgem com a produção. Como o facto já bem conhecido de que as reservas globais de lítio não são suficientes para substituir os automóveis existentes, e que as matérias-primas necessárias para a electromobilidade encorajam o neo-extractivismo e aumentam os problemas globais. A nova fábrica que está a ser construída em Brandenburg pela recém-chegada Tesla, por exemplo, revelou o consumo exorbitante de água nessas novas instalações de produção. Mas não é apenas a base de matérias-primas que é problemática no equilíbrio ambiental da mobilidade eléctrica, mas também todo o fornecimento de energia, que é anunciado, por exemplo, pela VW como sendo neutro para o ambiente no futuro. Só poderá ser considerado seguro com base no efeito de ricochete e impedirá outros usos que sirvam a vida. Finalmente, mesmo a "eliminação" de veículos eléctricos tem um elevado consumo de energia e um impacto ambiental considerável. Neste contexto, as empresas automóveis reivindicam para os seus últimos automóveis a diesel um melhor desempenho ambiental do que o dos automóveis eléctricos. As alegações da indústria automóvel sobre a produção neutra de CO2 , por outro lado, mostram que se continua aqui como no caso da falsificação das emissões poluentes.

A produção de automóveis eléctricos também é inadequada como um novo e duradouro "modelo de emprego", porque é extremamente pobre em mão-de-obra, em comparação com a tecnologia de propulsão anterior. Acresce que está a ser cada vez mais impulsionada pela automatização ainda mais extensiva do fabrico, através da robótica e da tecnologia de impressoras 3D. (14)

As grandes instalações de produção anteriores com centenas de milhares de empregados tornar-se-ão assim obsoletas. Locais de produção mais pequenos, produção no local e o modo de construção com menos componentes também atingirão a indústria fornecedora, cujo declínio está a ser acompanhado de despedimentos em massa e encerramentos de fábricas já na Primavera de 2020. Mas as instalações de produção de baixo volume de trabalho terão uma produção extremamente elevada de veículos. A sobreprodução global apenas será ainda mais pronunciada após uma possível substituição dos veículos de combustão subsidiada por impostos.

Mas mesmo que tais aspectos óbvios fossem ignorados, o transporte automóvel em massa não tem qualquer hipótese real de satisfazer os "requisitos de mobilidade" na densificação global dos espaços urbanos. Tal como o automóvel não pode ser generalizado como meio de transporte eficaz, não pode de modo nenhum estar disponível para uma maioria global. Esta falta de características universais também se acumula como uma verdadeira barreira numa sociedade largamente urbanizada. Qualquer pessoa que hoje em dia tenha de percorrer a cidade em passeios estreitos com cuidado constante fica com uma impressão da medida em que as pessoas se tornaram um assunto secundário no mundo urbano. Numa sociedade competitiva, em que tudo tem sempre a qualidade de uma potencial escassez, esta experiência mais cedo ou mais tarde traduz-se em exigências que não são boas para a venda em massa de automóveis. Estamos também cada vez mais conscientes da forma como o automobilismo, com o seu enorme afeamento dos espaços da vida, moldou toda a arquitectura e estrutura urbana durante mais de cem anos, como Kurz descreve.

Se a limusina de luxo e a produção de SUV das empresas automobilísticas alemãs já era um sinal seguro de que não se podia fazer mais dinheiro com o produto de massas para amplos estratos de compradores, devido ao elevado investimento inicial e ao excesso de oferta global de automóveis, este problema tornar-se-á assim ainda mais agudo com as unidades alternativas. A percentagem de trabalho produtivo de valor será ainda mais baixa. A substituição da "frota" existente nos países industrializados torna agora ainda mais proeminente o momento anti-social e destrutivo, como já manifestado com os SUVs.

 

8. Será que o caminho-de-ferro vai afinal ganhar contra o automóvel?

Contudo, a "transformação ecológica" da sociedade tem outros exigentes pré-requisitos que não a "razão" e a "acção responsável": Numa sociedade produtora de mercadorias tem de ser financiada, e este financiamento requer uma geração bem sucedida de valor (mais-valia). Ora a teoria da crise vê neste e na esfera da reprodução feminina, dele separada e não abrangida pela forma do valor, um problema em formação dinâmica, a ganhar historicamente cada vez mais força como limite sistémico interno. Ao nível actual de utilização abrangente da natureza, as 'condições prévias' que existiam quase directamente têm de ser valorizadas. É o caso, por exemplo, da exploração de fontes de matérias-primas que se tornaram difíceis de explorar e cujos "custos consequenciais" ecológicos se tornaram um factor no cálculo económico. Já não podem ser calculados directamente como grandezas da economia empresarial sem que os produtos percam a sua consumibilidade em massa. O investimento inicial ou financiamento necessário numa fábrica de produção industrial, exigido ao nível da tecnologia automatizada actual, é cada vez mais elevado, a ponto de tender a ser evitado ou tornar-se demasiado arriscado devido à falta de perspectivas de sucesso.

Com a digitalização e a indústria 4.0 agora a ganhar ritmo acelerado, a dessubstanciação do valor irá acelerar ainda mais. Aumentando ainda mais as já elevadas dívidas nacionais devido à falta de receitas fiscais. Contudo, o problema estrutural da geração de valor, tal como aparece hoje na política de baixas taxas de juro dos bancos centrais, na inundação dos mercados monetários, no problema da dívida soberana ou no descarrilamento das balanças comerciais, constitui a precária posição de partida para aquela necessária "reestruturação amiga do clima" de todos os processos globais de metabolismo com a natureza. Isto inclui agora também o desenvolvimento de uma correspondente infra-estrutura de transportes abrangente. Basta olhar para a expansão do transporte ferroviário que hoje em dia é considerada necessária. Como se afirma em "Caos da Crise", o "grande agregado social" (Kurz 2020, 26) dos caminhos-de-ferro como "bem público" (ibid.) não pode ser explorado de forma lucrativa (sobre a história dos caminhos-de-ferro, ver também Grimm 2010). Até bem dentro do novo século, a Deutsche Bahn organizou uma "orgia de desmantelamento de linhas". "Toda a Europa está agora cheia de linhas desertas e estações abandonadas" escreveu Kurz em 1998 (Neues Deutschland, 12.6.1998). Desde os anos 90, dois terços de todos os ramais ferroviários na Alemanha foram encerrados, assim como centenas de estações de carga. Enquanto a portagem dos veículos pesados de mercadorias caiu 15,7% entre 2010 e 2015, a portagem ferroviária aumentou 13,1% no mesmo período (Spiegel, 19.5.2016). Mais de 50 cidades de tamanho médio não dispunham de um serviço ferroviário regular de passageiros em 2015 (cf. eisenbahn.fandom.com). Antes mesmo de esses pontos em branco poderem ser tratados, a Deutsche Bahn teria primeiro de reparar a sua rede existente e degradada. Centenas de pontes, por exemplo, foram construídas antes de 1945 e precisam de ser renovadas. A rede teria também de ser electrificada e equipada com tecnologia de controlo moderna. Tudo isto são consequências da orientação para a economia empresarial do caminho-de-ferro como um grande agregado. Numa visão ingénua e tecnologicamente fetichista, a digitalização dos caminhos-de-ferro largamente ausente é agora suposta ser a razão para os catastróficos cancelamentos e atrasos no tráfego ferroviário. Quase ninguém se lembra que o caminho-de-ferro já foi fiável em comparação com os dias de hoje nos dias da locomotiva a vapor analógica.

Com tais investimentos, contudo, não se conseguiria muito em termos de uma "viragem no transporte". Os números dos caminhos-de-ferro e do Instituto Federal de Estatística são claros: em 2020, 90% do tráfego de passageiros na Alemanha é efectuado por estrada e 80% de todas as mercadorias são transportadas por camião. Na primeira década do novo século, metade de todas as 2100 estações de carga na Alemanha foram encerradas. Uma ligação abrangente exigiria muitas vezes as somas acima mencionadas. A fim de reduzir o actual tráfego automóvel, as capacidades de todo o transporte ferroviário existente, incluindo as ligações ferroviárias, teriam também de ser aumentadas em grande escala – e não apenas na Alemanha, o país com a maior rede ferroviária da Europa. Qualquer pessoa que seja 'cliente ferroviário' ou que tenha mesmo atravessado as fronteiras europeias de comboio terá as suas dúvidas por experiência, tendo em conta a urgência de tais mudanças. Em qualquer caso, parece irrealista conciliar o financiamento de tais tarefas com as tarifas ou mesmo com as possibilidades dos orçamentos de Estado. Com a inclusão da infra-estrutura ferroviária nos "serviços públicos de interesse geral" e na Lei Fundamental pelo Parlamento em 2019, este problema estrutural só será tratado cosmeticamente, porque as decisões continuarão a ser tomadas de acordo com a situação financeira. Ao mesmo tempo, a rede rodoviária está a ser expandida e estão a decorrer ensaios em vias de teste com financiamento público para explorar a forma como poderá ser electrificado o absurdo transporte de mercadorias a longa distância por camião. Obviamente, a verdadeira determinação é fazer o mínimo e equipar todo o transporte automóvel com outras propulsões.

 

9. Condução autónoma como simbiose de sujeito e objecto

No Livro Negro do Capitalismo, Kurz já tinha questionado o conceito de tecnologia como parte das forças produtivas na sua leitura positiva pela esquerda. Segundo Kurz, "o ser humano acaba por funcionar absurdamente como ferramenta da sua própria ferramenta" (Kurz 1999, 365 [265]). A tendência no sistema de valorização para favorecer os bens de capital em detrimento dos bens de consumo (departamentos I e II em Marx) sedimentou-se numa forma tecnológica: "De todas as formas de consumo, a mobilidade mecanizada era a mais semelhante ao carácter de um bem de investimento, e deste ponto de vista, também no sentido económico, o meio mais adequado para exorcizar qualquer teimosia das pessoas também no consumo, e para as tornar as ferramentas das suas ferramentas" (ibid., 367 [267]).

Com a condução autónoma, as ferramentas das ferramentas são mais uma vez transformadas em mercadorias de transporte, que dificilmente diferem dos artigos de expedição. Figurativamente falando, a sequência do filme Tempos Modernos, em que Charlie Chaplin é involuntariamente apanhado nas rodas da grande máquina e está finalmente feliz por ser cuspido por ela, é agora substituída por uma cena em que os actores desejam ser engolidos pela máquina. Em qualquer caso, o prazer de conduzir o próprio automóvel, ainda hoje mantido na publicidade automóvel, terá de dar lugar a este novo sentimento de felicidade no futuro.

Com a digitalização, a dialéctica de um renascimento fantasmagórico de coisas mortas, por um lado, e da reificação do ser humano social, por outro, assim imposta na automobilização fordista, é levada ao extremo. Onde, por exemplo, a programação deve decidir sobre a vida e morte de pessoas em caso de acidentes envolvendo veículos autónomos, ou assumir as actividades de cuidados de pessoas idosas – e não jovens –, é de esperar uma existência de nicho, um estado de imobilidade crescente para o animado, que em tal mundo já deve aparecer sempre como inadequado.

Mas as ideias de condução autónoma em massa são também ingénuas a um nível completamente diferente e quase banal: os complexos de tecnologia digital falham sempre em ter em conta a sua base energética necessária numa perspectiva global: Sob as condições de descarbonização forçada, quase não haveria sequer energia e matérias-primas suficientes para a produção e aplicação em massa de uma forma de mobilidade tão ineficaz mas altamente energívora. A menos que estivesse relacionada com sistemas de transportes públicos. Entre os movimentos ambientalistas, também não existem praticamente preocupações fundamentalmente críticas sobre a digitalização. Com o discurso afirmativo da ciência, por exemplo das Sextas-Feiras pelo Futuro, "ganhos de eficiência ecológica através dos avanços das tecnologias digitais" (taz, 2.9.2018) tornaram-se também ganhos de eficiência na cooperação entre a indústria das TI e os movimentos ambientalistas.

Sob as condições de uma forma fetichista de socialização e de uma concorrência que permeia quase todas as relações a todos os níveis da sociedade, a questão do significado das tecnologias socializadas não pode sequer ser seriamente levantada. A utilização e aplicação de tecnologias não é decidida; impõe-se. Não é por nada que um mantra recorrente diz que todos devem usar as "oportunidades" da digitalização e ajudar a moldá-la, porque de qualquer modo não pode ser detida. Aqui reaparece a característica imanentemente teleológica do desenvolvimento capitalista da forma: A sociedade industrial não pode voltar atrás no nível tecnológico dos seus desenvolvimentos inconscientes uma vez que estes tenham sido alcançados. Contudo se, como Roswitha Scholz escreveu em crítica ao marxismo clássico, "a tecnologia e as forças produtivas também podem ser forças destrutivas" (Scholz 2018, 55) – e de facto numa extensão historicamente crescente – então o que Kurz e outros apresentaram com a sua crítica da tecnologia tem de ser continuado criticamente. Todas as contradições e absurdos sistémicos "tornaram-se em chapa de ferro" na forma do automóvel (Kurz 2020, 25). Uma vez que as tecnologias são também produtos neste sentido, trazem sempre consigo os absurdos da socialização negativa. Como as tecnologias se tornaram mais expansivas e poderosas ao longo do tempo, as suas consequências imprevisíveis também se tornaram maiores.

Quer se trate da luta contra a doença ou da "liberdade global" através da Internet, na introdução de novas tecnologias está sempre em jogo a tentativa de implementar soluções tecnológicas para problemas que são de origem social. Com cada tentativa tecnológica de solução, surgem problemas novos, maiores e mais complexos. O ponto de partida é sempre a substituição de processos animados por qualidades do inanimado. Esta tendência, que está estruturalmente delineada economicamente nas relações objectivadas e no processo da mais-valia relativa – substituindo as pessoas por máquinas – mas ao mesmo tempo também no processo cognitivo das ciências naturais, está a ser levada a um nível sem precedentes com a digitalização. Historicamente o conhecimento social e científico fica assim cada vez mais para trás destes efeitos e interacções aumentados pelo desenvolvimento das forças produtivas. Onde o metabolismo com a natureza já está tão fundamentalmente perturbado na sua génese e já está ele próprio enraizado no princípio da forma, não se pode esperar qualquer alívio para os próximos problemas globais a partir das tecnologias desenvolvidas (cf. também Saito 2016 e Schmied-Kowarzik 2018).

Em contraste, Walter Benjamin, que também inspirou Kurz, tomou um caminho diferente (cf. Kurz 2012, 389ss.). Com A Obra de Arte na Era da sua Reprodutibilidade Técnica, Benjamin tinha feito uma tentativa exemplar de reflexão crítica categorial em 1936. Benjamin começa por levantar a questão de porque é que uma obra de arte, que pode ser tecnicamente reproduzida de forma indistinta, não está em conformidade com o original. Ele pergunta pela diferença. Por que razão, por exemplo, menos visitantes vêm a uma exposição de arte que não exibe os originais, mesmo que os objectos expostos sejam indistinguíveis do original? Benjamin escreve: "Todo o reino da autenticidade escapa à reprodutibilidade técnica – e, claro, não apenas técnica" (Benjamin 2007, 13). Através da reprodução técnica, Benjamin vê nos objectos de arte "tocado um núcleo mais sensível, que sendo tão vulnerável não tem nada de natural. É a sua autenticidade" (ibid., 14). Ele relaciona isto com marca de tempo única, a sua história e os seus contextos – por outras palavras, com um frágil nível do real, bem como do social. Na percepção viva, isto assume a qualidade do significado, que é inseparável do objecto de arte. Benjamin escolhe o termo "aura" (ibid.) para isto e persegue então as suas mudanças através das tecnologias de reprodução do seu tempo: fotografia e cinema. Contudo, estas mudanças só podem ser descritas como dinâmicas processuais de interacções entre os processos de reprodução da imagem e a sua percepção social e os comportamentos subsequentes. Após a sua emergência, a reprodução técnica dos processos de reprodução da imagem, com as suas representações nos media, por exemplo, criou pela primeira vez as suas próprias realidades, com os seus próprios processos e dinâmicas, que ainda podiam ser distinguidos da realidade original na época. Esta distinção, que Baudrillard chamou mais tarde "hiper-realidade", tornou-se hoje quase irreconhecível.

Até hoje, este escrito de Benjamin é não apenas de leitura obrigatória para cursos de arte, mas também inspiração para muitas reflexões sobre os efeitos das tecnologias modernas. Basta recordar as observações de Christoph Türcke em Filosofia do sonho (cf. Türcke 2011) ou os estudos sobre a mudança na distribuição da atenção desde o final do século XIX (cf. Meyer 2013). Paul Virilio, que analisou as ligações entre a automobilidade e a digitalização no seu livro A inércia polar no início dos anos 90, foi também inspirado por Benjamin. As descobertas de Virilio e Kurz são semelhantes, mesmo sendo feitas a partir de perspectivas diferentes.

 

10. Conclusão

Um quarto de século depois de "Sinal verde para o caos da crise", a sociedade global chegou obviamente ao caos da crise previsto por Kurz. É igualmente evidente que já não escapará a este estado – a menos que se suprima a si própria na sua forma actual. O declínio previsto por Kurz do produto principal, o automóvel, e do patriarcado produtor de mercadorias já foi em grande parte realizado com o fim da tecnologia de combustão. A tentativa de substituição por sistemas de propulsão alternativos reflecte os ingénuos mundos imaginários da mania técnica de viabilidade, uma perspectiva individual de economia empresarial industrial que é cega ao todo, e as tentativas da política de gerar um novo ciclo de acumulação de base tecnológica. As elites correspondentes partilham os seus planos para o futuro com os ainda muitos amantes do automóvel. Embora esteja a ser feita a tentativa para tornar isto uma realidade, ela é desde o início fundamentalmente contrária a qualquer salvaguarda global dos meios de subsistência. Já em termos de consumo de energia e de matérias-primas não será sustentável a longo prazo e é completamente inadequada como conceito de mobilidade para centros urbanos densos. O mesmo se aplica, evidentemente, ao transporte de mercadorias por camião, que aqui quase não é mencionado, especialmente o transporte rodoviário de mercadorias a longa distância.

A tentativa de continuar a automobilidade total tem de acabar por falhar, assim como as viagens aéreas globais de massas. Não só são responsáveis por uma parte considerável das emissões globais de CO2 como também estão associadas a muitos outros encargos ambientais. Impulsionadas por um regime de tempo louco, uma poupança de tempo sem sentido, estão inextricavelmente ligadas ao exorbitante turismo de massas dos países industrializados. Já não existem perspectivas sérias a longo prazo para o futuro destes meios de transporte nem para os estilos de vida a eles associados nas sociedades industrializadas. (15)

Face a todos estes e outros problemas da crise que se estão a acumular, a agitação está a alastrar e têm ser encontrados culpados, pois "uma acção sem sujeito não lhe parece apenas monstruosa [ao pensamento iluminista, TK], mas também uma impossibilidade lógica" (Kurz 2004, 178s.). Não é apenas a ameaça ao clima global que está inextricavelmente ligada ao automobilismo, mas toda a essencial estrutura interior subjacente ao trabalho abstracto, ao dispêndio de tempo e à sua dissociação sexual, que faz emergir a dinâmica de crise cujos fenómenos a sociedade contemporânea tem de enfrentar. O "limite interno" da forma de reprodução e as suas contradições em processo fundamentais são a base para uma abordagem explicativa teórico-crítica para além dos fenómenos de crise. "Com o coronavíirus, esta lógica da controlabilidade das crises em sociedades altamente diferenciadas foi quebrada" escrevem W. Heitmeyer e outros na sua publicação Alianças ameaçadoras de direita (ibid., 14). Isto pode ser verdade para a percepção interna na sociedade, e certamente esta declaração descreve também uma ruptura das estruturas de ordem e orientação nas sociedades globais. Contudo, a controlabilidade das crises pressuposta nesta declaração não existiu em momento algum na era industrial, na perspectiva da crítica da dissociação-valor. Foram os potenciais internos do sistema em processo que apareceram aos sujeitos como a 'controlabilidade das crises' num processo global 'natural', sobretudo através da acção política. Nesta perspectiva, a crise do automobilismo não é uma crise de controlo, mas aponta para algo muito mais fundamental.

Há agora uma procura crescente de saídas, de soluções e de acções apropriadas. A elaboração da teoria crítica, contudo, tem de recusar esta exigência de praxis. "Não é um problema material nem técnico nem organizativo, mas apenas uma questão de consciência" (Kurz 1999, 783 [555]). Entretanto, contudo, estes antigos factores de alívio, tais como os abastecimentos materiais à disposição da humanidade, tornaram-se eles próprios factores de crise por direito próprio, estando cada vez menos disponíveis para uma saída. Tanto mais uma consciência crítica categorial continua a ser o factor decisivo. É precisamente a automática "actividade cega" da sociedade que reconstitui repetidamente o problema da forma do existente, assim fugindo a qualquer "saída". É a partir desta posição que a "urgência da práxis" e da acção é repetidamente apresentada. A crítica frequentemente formulada de que a teoria está sempre atrasada em relação à prática, por ser demasiado lenta, é uma ideia que surge de uma lógica de derivação dualista imanente.

Obviamente, o período de tempo disponível para uma transformação do moderno metabolismo industrial com a natureza e das relações sociais é agora muito mais curto do que o da história da sua imposição. Mas mesmo nestas circunstâncias prementes, parar e reflectir criticamente é a melhor escolha. Não só como autoprotecção, para poder continuar a pensar claramente sob as condições do início da "perda de controlo" e do estado de excepção. Apenas a crítica categorial poderá mudar uma prática que reproduz a forma repetidamente. Ou, nas palavras de Robert Kurz: "Pessoas privadas de qualquer autodeterminação das suas vidas sob o ditame da 'responsabilidade pessoal' capitalista, não sendo elas próprias nada, inevitavelmente pedem uma 'receita' quando se vêem sem saída no seu modo de viver. Apenas provam assim que até a ultrapassagem do capitalismo querem manter presa nas categorias capitalistas. Pois uma 'receita' já pressupõe que a autodeterminação a que se aspira tem de proceder de acordo com os padrões prefabricados de uma instância externa, ou seja, que a si própria se desmente " (ibid., 781 [554]).

 

Notas

(1) Cf. Statista/Volume de negócios da industria automóvel na Alemanha: https://de.statista.com/themen/1346/automobilindustrie/.

(2) Alguns números: Mesmo nos últimos dez anos, a potência dos automóveis na Alemanha e o seu peso médio têm continuado a aumentar (cf. Greenpeace: Ein dickes Problem – Wie SUVs und Geländewagen das Klima und unsere Städte ruinieren [Um grande problema – Como os SUV e os veículos todo-o-terreno estão a arruinar o clima e as nossas cidades], 2019, em greenpeace.de). Em 2020, o número de veículos de passageiros registados na Alemanha era superior a 47 milhões, e o número de todos os veículos automóveis (incluindo camiões, etc.) era superior a 66 milhões (fonte: Autoridade Federal do Transporte Automóvel). A Agência Federal do Ambiente coloca o stock global de automóveis de passageiros para 2020 em pouco menos de 1,2 mil milhões. Um automóvel novo foi concluído a cada 2,6 segundos em 2019. Ver também Kathrin Hartmann: Monster unter Naturschutz [Monstros na defesa da natureza], in: Der Freitag 27/2019.

(3) Esta prática não era de modo nenhum nova, mas experimentada e testada. Por exemplo, depois de a UE já ter abandonado um limite previsto de 120 gramas de emissões de CO2 por quilómetro em 1998, aceitou a exigência da Associação dos Fabricantes Europeus de Automóveis (ACEA) de reduzir as emissões de CO2 "voluntariamente". O resultado é – e era – bem conhecido: "Depois do compromisso voluntário falhado" escreve a Greenpeace num relatório de 2019 "a UE queria consagrar a redução de CO2 na lei – para 120 gramas por quilómetro até 2012. O governo alemão interveio, impôs um limite superior em dez gramas e conseguiu adiar o ano alvo para 2015. Talvez o sucesso mais importante da indústria automóvel alemã: o valor limite foi ajustado ao peso. Quanto mais pesado for o automóvel, mais CO2 é permitido emitir. Não poderia ter funcionado melhor para os fabricantes" (Greenpeace 2019: Um Grande Problema). Este greenwashing pela política e pela indústria foi mais desenvolvido através das chamadas classes de eficiência: "O rótulo CO2 para automóveis novos introduzido em 2011 compensa as emissões de CO2 e o peso entre si" (ibidem).

(4) Valor limite – é um valor máximo até ao qual algo, por exemplo um poluente de um organismo, deve ser considerado inofensivo ou aceitável. Por exemplo, a OMS recomenda 10 microgramas de micropartículas por metro cúbico de ar como valor limite. Na UE são 25 (fonte: www.proplanta.de). É interessante que em 2018 o governo alemão e o Ministério dos Transportes estejam subitamente a utilizar esta dubiedade estrutural como argumento, após décadas de utilização de valores-limite, como argumento contra, por exemplo, os opositores da energia nuclear. O adjectivo decisivo foi sempre a palavra "inofensivo". O movimento anti-nuclear já tinha assinalado nos anos 80 que, no caso de radiação ionizante prejudicial para as células, mesmo os baixos valores por dose são relevantes em relação ao desenvolvimento do cancro, porque a célula não morre, mas o seu ADN pode ser alterado de tal forma que um cancro pode desenvolver-se a partir dela (os chamados danos não determinísticos). Um exemplo actual disto é a beriliose (envenenamento por berílio ou substâncias contendo berílio), sendo que se deve assumir hoje em dia que quantidades muito menores do que os valores-limite até agora existentes desencadeiam esta doença. O exemplo de Fukushima também mostra como os valores-limite que foram excedidos em massa no acidente do reactor foram simplesmente corrigidos para cima pelo Estado. Basicamente, nada de diferente foi feito com o software de desligar da indústria automóvel alemã.

(5) Números de: Ministério Federal dos Transportes e infa-Institut: Mobilidade na Alemanha.

(6) Cf. www.umweltbundesamt.de: Impermeabilização do solo, bem como: Repórter climático: Estudo do Centro de Investigação em Ciências Sociais/Advertorials.

(7) Cf. Wikipedia: As mortes na estrada e a OMS. O Centre for Research on Energy and Clean Air (CREA) cita 4,5 milhões de mortes prematuras por poluição atmosférica. A maioria destas mortes é causada pelo tráfego automóvel, aerzteblatt.de, 12.2.2020.

(8) Cf. Interpelação oral dos Verdes ao governo federal 8/2020.

(9) Cf. www.lok-report.de bem como www.tagesspiegel.de de 29.12.2018.

(10) Mas é preciso também mencionar que o movimento Sextas-Feiras pelo Futuro é heterogéneo, ou seja, representa uma dinâmica com um resultado pouco claro, pelo que não é de modo nenhum certo que este movimento acabe completamente em oportunismo. Resta saber se encontrará forma de sair da imanência.

(11) Cf. www.mdr.de/wissen/globale-co-zwei-emissionen-weiter-angestiegen-100.html.

(12) Em 2015, a quota das energias renováveis no consumo global era de apenas cerca de 10%, cf. Wikipedia: Energia fóssil.

(13) Para automóveis eléctricos, por exemplo, é necessário lítio, o que força enormemente a mineração correspondente na Bolívia, cf. Bedszent 2019.

(14) Sob o título "Ataque dos Anões", Der Spiegel já descrevia em 2017 como será o fabrico do futuro: "É manifestamente silencioso, as linhas de montagem não estão em lado nenhum [...] em vez disso, uma impressora gigante 3-D está a zumbir" (Spiegel 30/2017). No futuro, os intervenientes mais pequenos ou recém-chegados como a Tesla poderão competir com os gigantes da indústria automóvel em muitos lugares do mundo.

(15) Um relatório da École Nationale de l'Aviation Civile (ENAC) francesa conclui: "O transporte aéreo é um dos poucos sectores para os quais não existe alternativa tecnológica "sem carbono", quer a curto quer a médio prazo. Este sector será assim vítima da inevitável transição para uma economia de baixo teor de carbono. Mais cedo ou mais tarde, isto irá afectar muitos empregos, sectores de trabalho e empresas. Adiar esta data só vai aumentar o choque" (citado em Le monde diplomatique 7/2020).

 

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Original “Zur Aktualität von Robert Kurz’ ›Freie Fahrt ins Krisenchaos‹“. Publicado na revista exit! nº 18, Maio 2021, pag. 190-219. Tradução de Boaventura Antunes

 

 

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