Thomas Meyer
Crítica do valor como embalagem enganadora
1. Introdução
Passaram já alguns anos desde a divisão da Krisis e a consequente dissolução do seu anterior contexto (cf. Kurz 2004). Anos em que os textos da Krisis (e da Streifzüge) têm sido repetidamente criticados pela Exit. (1) Seja por propagarem uma crítica redutora do trabalho, escamoteando ou ignorando as críticas ao sexismo, ao anti-semitismo e ao racismo, seja por expressarem um ponto de vista de classe média de homens precarizados (cf. Scholz 2005). O mais tardar com a referência positiva ao "software livre" e com o escândalo das mercadorias que supostamente já não o são, ou seja, com a propaganda dos chamados "bens universais" como a suposta "irmã das mercadorias", ficou evidente a fixação na esfera da circulação e a adesão ao individualismo metodológico (cf. Kurz 2008).
Desde a publicação do livro A Grande Desvalorização (Lohoff; Trenkle 2012), o termo "mercadorias de segunda ordem" (títulos, produtos financeiros, etc.) tem circulado através de vários textos de Ernst Lohoff, onde as mercadorias de primeira ordem representam os bens de consumo habituais (maçãs, automóveis, armários, etc.). As "mercadorias de segunda ordem" seriam a "nova mercadoria de base", como nova "base da valorização do valor" em substituição da força de trabalho, (Lohoff 2016, 17) e, por último, as mercadorias de segunda ordem seriam a nova "mercadoria-dinheiro" que teria substituído o ouro (Lohoff 2018, 11). Sendo que a nova mercadoria-dinheiro "[existe] apenas no lado do activo do balanço do banco central” (ibid., 38).
A crise do capitalismo é negada no sentido em que se formula, com toda a seriedade, que a acumulação de capital fictício não é nada fictícia, nem o trabalho é de modo algum a única fonte de produção de mais-valia. Norbert Trenkle também partilha este ponto de vista, escrevendo no posfácio da nova edição do Manifesto contra o trabalho: "Na nossa visão de então, a acumulação nos mercados financeiros tinha basicamente um mero carácter de aparência – ao contrário da “acumulação autêntica” através da utilização de força de trabalho – e, por isso, parecia lógico que muito rapidamente ela atingiria os seus limites. Isso também levou a que só pudéssemos fazer afirmações muito gerais e inconcretas sobre a dinâmica do mercado financeiro e sua lógica interna, bem como sobre os seus efeitos sociais. No entanto, considerando apenas a longa duração da era do capital fictício, aquilo era extremamente insatisfatório e apontava uma fraqueza da análise teórica.
É por isso que mais recentemente concentrámos progressivamente a nossa atenção na análise da história interna da era do capital fictício. Isto, no entanto, exigiu uma precisão do conceito de capital fictício e um instrumental categorial correspondente, com o qual se possa compreender a multiplicação do capital fictício como uma forma específica de acumulação de capital. Em primeiro lugar, tinha de ser explicado em que se baseia o potencial de acumulação específico do capital fictício, que de modo algum é meramente “aparente”, e, em segundo lugar, de que resultam os limites internos dessa forma específica de acumulação de capital e como eles são alcançados.
Há alguns anos, Ernst Lohoff deu esse passo teórico no livro A Grande Desvalorização [...] Se agora entendermos a acumulação de capital fictício já não apenas como ‘acumulação aparente’, mas como uma forma específica de acumulação que segue suas próprias leis (e possui seus próprios limites internos), então também podemos mostrar mais detalhadamente que consequências isso acarreta para a categoria trabalho – e, portanto, para a massa de pessoas que dependem da venda da sua força de trabalho. Em primeiro lugar, emerge que o trabalho, do ponto de vista económico, sofre uma perda fundamental de sentido quando o capital já não aumenta essencialmente por meio da utilização da força de trabalho, antes se referindo directamente a si próprio." (Trenkle 2019, destaque no original).
A "absurda teoria de pseudo ‘economia política’" (Kurz 2008, 166) de Lohoff será sujeita de seguida a uma crítica mais detalhada. Aqui retomei críticas anteriores a A Grande Desvalorização (cf. Czorny 2016; Hüller 2015, 345-357), mas refiro-me sobretudo a textos mais recentes de Lohoff (Lohoff 2014, 2016, 2018) e não a A Grande Desvalorização. Antes disso, recordarei o que é essencial sobre o trabalho abstracto, a mercadoria-dinheiro e o processo capitalista de valorização como processo social global.
2. O trabalho abstracto, o "processo global" e a mercadoria-dinheiro
Para uma crítica ao modo de produção capitalista que procura deixar para trás as deficiências do marxismo do movimento operário, é imperativo tomar nota do conceito negativo de trabalho abstracto e expor o processo de produção capitalista como um processo global. (2) Em vários aspectos, o marxismo do movimento operário falhou por causa disso, e o mesmo acontece a muitos que até hoje se referem a Marx (como Michael Heinrich, Rainer Trampert e outros). A crítica marxista tradicional insistiu, de facto, no plano da circulação, nas relações de propriedade sempre tematizadas, na distribuição e na luta de classes. Não foi o valor e o trabalho que foi considerado um escândalo, mas sim a mais-valia retida aos trabalhadores. Isto é obviamente devido ao facto de se permanecer numa ontologia de trabalho burguesa e de se ontologizar ou des-historicizar as categorias sociais reais em geral. Com toda a clareza, este pensamento a-histórico já era difundido por Engels, que já assumia a validade da lei do valor há milhares de anos atrás (em: Suplemento e aditamento ao livro terceiro de O capital). Uma variante atrasada de capitalismo moderada pelo Estado, juntamente com as relações de género burguesas, a tecnocracia e a mania de dominação da natureza, etc., foi apenas mais que consequente para o marxismo do movimento operário. Isto mostra que o marxismo, nas suas manifestações habituais, foi o motor da própria modernização.
Com a ontologia de trabalho e a incapacidade de compreender a destrutividade do trabalho abstracto, também foi consequentemente defendida uma teoria da crise cujos representantes, no entanto, eram apenas muito minoritários, permanecendo ela própria redutora em termos de ontologia do trabalho e da circulação (cf. sobre a teoria da crise de Luxemburgo e de Grossmann: Kurz 2005). Uma crise do capitalismo apenas parecia concebível para os marxistas como resultado de uma vontade colectiva (derrube da classe capitalista pela classe trabalhadora, etc.), ou seja, não se conseguia ver a possibilidade de uma crise da substância, isto é, do próprio trabalho abstracto. O fim do capitalismo parecia assim concebível apenas através da tomada do poder pelo proletariado, e isto apenas significava que o proletariado (sob a orientação e liderança do partido "de vanguarda") tomaria conta da loja (cf. Kurz 2005, 189ss.). “Ultrapassar sem agarrar" dizia-se depois na RDA.
A aversão a uma teoria da crise tem sobretudo a ver com o facto de que "a ameaça e o desaforo dum colapso objectivo da valorização, devido às suas próprias contradições, [...] poderia, por assim dizer, roubar o emprego ao proletariado, à maravilhosa classe operária, lançando-a no desemprego, não só no sentido da reprodução imediata, mas também como sujeito histórico. É esta a causa mais profunda da fobia à ideia de colapso. Aqui, no essencial, nem sequer se trata de uma questão da reflexão crítica da economia, no contexto da teoria da crise marxista, mas de uma coerência ideológica básica, que só pode ser apreendida com recurso à crítica da ideologia e não à teoria da crise" (Kurz 2005, 189, destaque no original).
Permanecer ao nível da circulação, representando uma ontologia do trabalho, acaba por conduzir à não consideração da negatividade e da verdadeira destrutividade do trabalho abstracto, pelo que as consequências destrutivas do modo de produção capitalista permanecem insuficientemente expostas (ou mesmo não expostas). Robert Kurz escreveu em A substância do capital: "Sob o ditame desta produção e realização de riqueza abstracta, todos os dias são descontinuadas produções destinadas mesmo a necessidades elementares por falta de rentabilidade e solvabilidade, enquanto a produção de produtos destrutivos para necessidades destrutivas (não apenas através da indústria de armamentos) até ainda é reforçada. Mas não é só neste sentido que a abstracção do conteúdo das necessidades se afirma massivamente no próprio processo de produção. Também os conteúdos da produção em si aparentemente não destrutivos são destrutivamente moldados no sentido do trabalho abstracto. Se são criados tomates sem olhar ao sabor e em função de normas de acondicionamento para redes de distribuição à escala continental, ou maçãs são tratadas com radioactividade para prolongar a sua duração, ou se de um modo geral alimentos são desnaturados exclusivamente no interesse do objectivo da valorização, e toda a riqueza historicamente acumulada de uma multiplicidade de plantas e animais úteis se perde a favor de uma "pobreza de variedades" reduzida em nome da simplificação económico-empresarial, se na construção de casas sob o ditame da redução de custos imposto pela economia empresarial são utilizados materiais prejudiciais para a saúde, ou surge uma divisão disfuncional do espaço e desaforos estéticos: é o conteúdo material que se orienta pela determinação da valorização, e não o contrário; e, com o crescente desenvolvimento capitalista, numa medida historicamente crescente. " (Kurz 2004, 119).
A destrutividade e a loucura da produção capitalista são, portanto, já evidentes nos chamados valores de uso e na sua produção. Uma crítica teórica que permanece na mera redistribuição de valores de uso (ou bens) ou na tomada de controlo do aparelho produtivo existente (e do aparelho estatal) iria definitivamente falhar no essencial. A prática correspondente pareceria então correspondentemente redutora ou absurda.
Um segundo défice grave consiste em permanecer ao nível do capital individual. Em parte, isso deve-se à problemática ou à dificuldade de exposição da própria obra de Marx, de modo que o Primeiro Volume de O Capital certamente fornece a ideia de que há algo como valores definíveis individualmente (cf. Kurz 2012, 167ss. [2014, 170ss.]). Por outro lado, porém, é também a expressão de uma recusa em pensar, com a qual se pode encobrir a crise: Assim, pode-se sempre argumentar, ao nível de capital individual, que para o capital a coisa não pode correr mal, afinal, alguns conglomerados estão ensacando lucros suculentos, juntamente com numerosos benefícios fiscais, que lhes são lançados pela goela abaixo por todos os tipos de regimes corruptos. Mas um ponto de vista do lado do capital individual não consegue compreender a dinâmica capitalista da valorização, ou seja, o processo global que prevalece nas costas dos actores como um desastre contra eles. A coerção silenciosa da concorrência continua por perceber: Se se pudesse determinar o trabalho "contido" no produto individual e, por conseguinte, o seu valor de trabalho individual (por exemplo, por "cálculo retroactivo") (3) e o capitalista realizasse efectivamente no mercado (com a venda bem sucedida) o que produziu nas suas próprias quatro paredes, não seria claro para que concorreriam realmente os capitais individuais entre si; nem seria claro o que significa, como diz Marx, que não é o tempo de trabalho em si que determina o valor, mas o tempo de trabalho socialmente necessário (cf. Marx 2005, 53s.).
A perspectiva do capital individual é também, naturalmente, a perspectiva do limitado sujeito burguês no mercado. Em última análise, chega-se a esta perspectiva na economia política burguesa, que não tem ideia de um nível do capital total, uma vez que se assume que o capital total só resultaria, em última instância, da adição ou extrapolação da perspectiva dos capitais individuais. O economia política e a "teoria do valor do valor individual" são, portanto, caracterizadas pelo chamado individualismo metodológico, que não toma nota do facto de que o "todo" tem a sua própria qualidade face ao "individual", e não apenas isso: que o "todo" tem um poder próprio oculto, que se comporta face ao "individual" determinando-lhe a forma. É precisamente isto que torna tão especial o fetichismo da produção de mercadorias. Marx já indica nos Grundrisse que, na sociedade burguesa, o "interesse privado em si já é um interesse socialmente determinado" (Marx 1953, 74). O "todo" constitui, assim, a condição prévia do "individual". Kurz explica: "Porém, se esse todo ou ‘processo global', como fetiche do capital ou 'sujeito automático', constitui o verdadeiro pressuposto e, assim, a determinação da essência da sua relação autonomizada face aos seus próprios actores, a quem fugiu das mãos, então também os produtores privados ou capitais individuais já estão, na realidade, socializados ‘por detrás das suas costas’, antes de empiricamente entabularem relações no mercado. Eles, como actores reais, apenas podem consumar pelo mercado, a posteriori, o que objectivamente já existe a priori, a saber, a mediação universal, a dependência mútua e a partilha de funções profundamente escalonada da reprodução social. […] Aquilo que constitui esses mesmos actores e que não aparece, na sua percepção limitada, como um objecto distinto, nomeadamente a entidade pressuposta do 'processo global', desaparece num mundo composto por factos imediatos. Por isso, os conceitos correntes da relação de capital são, por um lado, definidos de modo subjectivista, tanto no marxismo tradicional como na economia política ou no pensamento pós-moderno, ao passo que, por outro lado, o motivo condicionante não reconhecido como tal toma a forma da objectividade positiva e intransponível de 'leis' exteriores." (Kurz 2012, 173, 177) [Kurz 2014, 153, 157].
Os capitais individuais não realizam a parcela de valor que eles objetivaram nas suas próprias quatro paredes, mas a parcela que eles conseguem atrair através da concorrência contra outros capitais (ibid., 181 [160]). A concorrência também determina se um capital individual pode ou não realizar para si próprio uma parte do valor social global. Circulação e produção são momentos de um processo global que não podem ser separados um do outro. Aqui, produção de valor e realização de valor desintegram-se. A produção é "essencialmente a produção de valor" e produz "a objectualidade do valor num processo de abstracção real", "enquanto a circulação determina a quantidade socialmente válida dessa objectualidade de valor ao 'realizá-lo'" (Kurz 2005, 221). Kurz continua a argumentar (contra Michael Heinrich): "Socialmente, o trabalho concreto não é nada além da manifestação do trabalho abstracto; socialmente, o dispêndio de força de trabalho não é nada além de um quantum de trabalho abstracto. Mas esse carácter social do trabalho como realmente abstracto não pode tomar forma imediatamente, porque a relação de produção não é uma relação imediatamente social, mas apresenta-se em unidades de produção separadas (‘empresas’). Isto não significa, no entanto, que o ‘modo específico de socialização’ no capitalismo seja apenas o modo de circulação [...], mas sim que a circulação apenas transmite o carácter social específico da produção. [...] Do ponto de vista social, cada processo de produção individual nada mais é do que uma fracção do dispêndio de uma massa social total de trabalho abstracto. A ‘validade’ do dispêndio só pode, portanto, ser social total, mas não pode apresentar-se como tal. Por isso, essa apresentação não aparece imediatamente como tempo de trabalho, mas apenas na forma transformada como dinheiro, como preço realizado. Como a mercadoria individual entra na circulação como objectualidade de valor, como uma qualidade social já ‘fantasmagoricamente’ reduzida a trabalho abstracto, a quantidade desse trabalho abstracto só pode aparecer e ser determinada na objetualidade transformada e coisificada do dinheiro. O fetichismo do trabalho abstracto como um fim em si mesmo aparece no fetichismo do dinheiro como um fim em si mesmo" (ibid., 224s., destaque no original).
O individual é assim determinado pelo todo, pelo processo global capitalista. Uma teoria monetária também tem de ter em conta este facto.
Marx já enfatizava o carácter de mercadoria do dinheiro, demarcando-se de uma teoria simbólica do dinheiro. Como o dinheiro pode ser substituído por um símbolo de si mesmo, surgiu a ideia de que o dinheiro em si era apenas um símbolo, um mero meio de informação do preço. Esta ideia de que o dinheiro é insubstancial, apenas um símbolo, é ainda hoje generalizada, como se diz em vários lugares que o dinheiro é tudo o que pode funcionar como dinheiro. Esta noção é, em si mesma, uma expressão da subjectividade tacanha do mercado, e resulta do mal-entendido ideológico da circulação de que o capitalismo trata apenas da troca de mercadorias. Mas aqui também o nível do capital individual, do participante individual no mercado é enganador: na teoria de Marx, o dinheiro "deixa de ser uma ferramenta passiva, ou um ‘meio informativo’ passivo para os participantes do mercado, e torna-se a forma de manifestação do fim-em-si irracional capitalista, não se limitando a ser, precisamente por isso, uma mercadoria universal, mas, sim, a 'mercadoria-rainha': é impossível o meio propriamente dito do fim-em-si ser uma forma especial mais ou menos negligenciável para uso doméstico dos sujeitos do mercado, mas, na sua especificidade em face da 'populaça de mercadorias', tem de assumir uma importância central (negativa) e determinar, ele próprio, os sujeitos de mercado, em vez de ser determinado por eles como mera ficha de jogo da sua acção supostamente 'livre'." (Kurz 2012, 211) [Kurz 2014, 188].
Isto também significa, no entanto, que o dinheiro não deve ser pensado a partir do acto individual de troca, mas deve ser "derivado do processo capitalista global" (ibid., 214), ou o dinheiro apenas "pode ser explicado a partir do 'processo global'" (ibid., 216).
Embora todas as mercadorias sejam valor e valor de uso (em que o valor de uso é apenas uma manifestação do valor, uma vez que a produção de um valor de uso já ocorre em condições capitalistas de valorização), o valor de uso da mercadoria-dinheiro é a sua própria objectualidade de valor. O valor de uso da mercadoria dinheiro consiste em "expressar ou representar em termos reais o valor abstracto de todas as outras mercadorias (a sua paradoxal objectualidade de valor abstractamente sensível, como objecto representativo da energia de trabalho abstracto passado)" (ibid., 215). O movimento de fim em si do capital D-M-D' é a metamorfose do dinheiro em mercadoria e da mercadoria em mais dinheiro: a parte da massa total de valor que um capital individual consegue atrair através da concorrência tem de ser capaz de se transformar em dinheiro e o dinheiro tem de expressar essa parte. Para este efeito, a "massa do valor total das mercadorias [...] tem de se duplicar na massa do valor total do dinheiro" (ibid., 219). Se não, a massa de valor não poderia ser realizada e as "metamorfoses do capital" (ibid., 220) não poderiam ser completadas.
Então, se se está perante uma acumulação de capital na esfera financeira que não é mais proporcional ao capital real, essa acumulação de capital, ao contrário do que Lohoff acredita, é na verdade apenas uma acumulação aparente, e definitivamente não tem nada a ver com a produção de mais-valia (ver abaixo). A menos que a acumulação de capital não seja dependente do dispêndio de trabalho abstracto, caso em que, em última análise, acabamos no ponto de vista da economia política burguesa e da sua teoria do valor subjetivo, contra a qual Lohoff supostamente está.
3. A Krisis sem teoria da crise
Isto já deverá ter deixado claro que Robert Kurz define a mercadoria-dinheiro como expressão da substância do trabalho, como um meio de conservar o valor. Representando a mercadoria-dinheiro uma substância funcional, não importa se a mercadoria-dinheiro é ouro ou outra coisa qualquer, crucial é que seja expressão da substância de trabalho real, ou seja, do trabalho abstracto que é efectivamente despendido de forma lucrativa. Assim é um pouco estranho que Lohoff coloque Robert Kurz entre os metalistas (Lohoff 2018, 9). Isso só mostra que ele não entendeu realmente a posição de Kurz.
Assim, quando o dinheiro abandona a convertibilidade em ouro, isso não significa que o dinheiro era essencialmente apenas um símbolo e não estava realmente dependente de um corpo de ouro (ou outro metal precioso), mas sim que a abolição da convertibilidade em ouro é a expressão de uma crise na substância do próprio trabalho (cf. Kurz 2012, 321ss., e Kurz 2005b, 114ss.), e certamente não se coloca a questão de "onde procurar a mercadoria-dinheiro desde a separação definitiva do dinheiro do ouro no início dos anos 70" (Lohoff 2018, 8).
Como já mencionado na introdução, Lohoff argumenta em seus últimos textos que a acumulação fictícia não é fictícia ou apenas aparente. A fundamentação é bastante escassa e lembra o positivismo de Michael Heinrich (cf. Kurz 2012, 294ss.). Assim, Lohoff escreve: "Quem não quiser violentar a realidade empírica do capitalismo actual tem, portanto, de partir da própria tendência de formação de capital inerente ao dinheiro e aos mercados de capitais" (Lohoff 2016, 7). E noutro ponto, um pouco mais pormenorizado: "O pressuposto de que qualquer aumento do capital social total pode sempre ser atribuído à anterior utilização efectiva de trabalho está longe de definir a principal característica da nossa época e só à força pode ser alinhado com os desenvolvimentos empíricos das últimas três décadas. As proporções por si falam uma linguagem bem clara. Que aumento gigantesco na produção global de mais-valia teria de ter ocorrido nas últimas três décadas se ela devesse ter fornecido o material para o aumento acentuado dos activos financeiros globais de 12 para 231 biliões de dólares? Como é que o "valor" total dos derivados em circulação pode atingir doze vezes o PIB mundial, se se pretende que represente apenas uma mais-valia redistribuída? Afinal a massa de mais-valia é sempre significativamente inferior ao PIB, que soma todos os tipos de lucros e rendimentos. Assim também se poderia supor que um litro de leite pode ser transformado em 100 kg de queijo" (Lohoff 2014,11).
Na sua argumentação, Lohoff assume de facto que não há capital fictício (ou que essa ficção em si é apenas fictícia), pois só assim faz sentido atribuir substância de valor real aos derivados em circulação. Caso contrário, a metáfora de Lohoff poderia ser lida ao contrário: Se 100 kg de queijo forem feitos a partir de um litro de leite, só pode ser queijo fictício.
Lohoff chama ao facto de a economia real se ter tornado um apêndice do capital financeiro desde a década de 1970 "capitalismo inverso" (Lohoff 2016, 13). No capitalismo inverso, não é mais o trabalho que é a "mercadoria básica" (ou seja, a mercadoria que pode criar mais-valia), “mas sim a mercadoria capital-dinheiro e a sua capacidade oculta de se duplicar na venda" (ibid.,17s.). A radical mudança causada pelo neoliberalismo e pela ascensão do capitalismo financeiro é interpretada como significando que isto é apenas uma mera mudança estrutural radical dentro do capitalismo, uma mudança no modelo de acumulação, por assim dizer, não se tem devidamente em conta o pano de fundo de um derretimento da substância de trabalho, supondo Lohoff que a substância de trabalho não é mais tão importante e decisiva, mas foi simplesmente substituída ou poderia ser substituída por uma nova mercadoria básica que pode acumular capital (sem precisar de criar mais-valia). Assim é que é. Lohoff, portanto, também escreve em vários lugares que o capitalismo financeiro já não é a expressão de uma crise, mas, em última análise, é "auto-sustentável" (pelo menos até 2008) (por exemplo, ibid., 16, 28). O facto de o capitalismo financeiro ter efectivamente "funcionado" durante muito tempo é mal interpretado, no sentido de já não existir aqui uma crise de acumulação: "Com a crise do fordismo, o capitalismo atingiu o seu limite histórico como um sistema que usava cada vez mais trabalho vivo. Ele só pôde então ultrapassar a crise (!) e regressar à via do crescimento (!), porque a liquidação da anterior produção de valor conseguiu uma qualidade completamente nova. Desde a década de 1980, a dinâmica da criação fictícia de capital assumiu o papel do verdadeiro (!) motor do crescimento" (Lohoff 2018, 7). Lohoff não quer saber do que está realmente crescendo e do que isso significa para a sociedade como um todo. Uma vez que o capitalismo impulsionado pela finança tem de consumir o seu próprio futuro para atrasar a sua própria miséria, ele é a própria expressão do limite interno da valorização do capital, e de modo nenhum um motor auto-sustentável de nova dinâmica de crescimento. Embora a criação fictícia de capital seja usada para "investir", como é tão bem dito, e assim "reciclar" o capital fictício na economia real (cf. Kurz 2005b, 236ss.), de tal modo que de facto se vê o crescimento como um facto isolado (!), no entanto o ponto de partida permanece "inválido" para a sociedade como um todo. Assim escreve Kurz em Dinheiro sem valor, no contexto do rebentamento da bolha imobiliária em Espanha há alguns anos: "Quem não tem dinheiro (valor) para os custos da produção não pode, de facto, produzir, e quem não tem dinheiro (valor) para a procura não pode, de facto, consumir. Se o poder de compra correspondente dos dois lados foi pretensamente financiado por créditos que já nem podem ser honrados ou por bolhas financeiras, o jogo de sombras tem de se desfazer [...] A supostamente alegre produção de lucros, com todos os atributos do aumento relativo e absoluto da mais-valia, dissipa-se num grandioso estrondo de desvalorização; como actualmente em Espanha, a conjuntura aparentemente alta, suportada pela bolha imobiliária, dá lugar, bruscamente e sem transição, a uma recessão profunda com um desemprego de massas em evolução galopante, o que não poderia ter ocorrido se se tivesse tratado de uma produção de mais-valia real." (Kurz 2012, 339s.) [Kurz 2014, 305].
Para Lohoff, nada disto é um problema. Segundo Lohoff, as mercadorias de segunda ordem, ou seja, as chamadas mercadorias do mercado de capitais, permitem a acumulação de capital sem acumulação de valor: "Como fetiche da mercadoria de segunda ordem, o fetiche do capital não existe na falsa aparência, segundo a qual o capital poderia ser formado pela produção de mercadorias do mercado de bens mesmo sem valorização prévia; em vez disso, o fetiche especial das mercadorias do mercado de capitais consegue que a formação de capital possa realmente separar-se da produção de valor anterior. [...] O trabalho produtivo que ainda não foi feito e provavelmente nunca será feito assume a forma de capital. A formação de capital aqui não é, portanto, baseada na produção de valor, mas é o resultado da antecipação de valor" (Lohoff 2014, 42, destaque no original).
Assim, quando Lohoff fala repetidamente de acumulação de capital sem acumulação de valor, parece abrir uma dualidade entre valor de troca e valor (cf. também Hüller 2015, 352). Mas esta separação entre valor e capital só faz ‘sentido’ se se separar circulação e produção. Finalmente, a formulação "acumulação de capital sem acumulação de valor" faz lembrar a peculiar invenção de Lohoff de mercadorias que, na realidade, já não têm quaisquer características de mercadorias (cf. Kurz 2008). A "acumulação de capital sem acumulação de valor" é, portanto, outra das absurdas teorias de pseudo "economia política" inventadas por Lohoff (ibid., 166).
Se a mais-valia já não pode ser realizada a nível da sociedade no seu conjunto, isso significa também que não é produzida mais-valia suficiente. Aquilo por que os capitais individuais então competem é por uma massa social global de valor decrescente: "A falta de procura como falta de poder de compra na forma do dinheiro não é outra coisa senão o reverso de uma falta de substância do valor dos próprios produtos enquanto mercadorias, ou seja, de uma falta geral de produção de valor." (Kurz 2012, 259). [Kurz 2014, 232]
O capitalismo baseia-se no dispêndio de trabalho abstracto, o trabalho abstracto é, portanto, necessariamente a substância do capital, e o capital depende de um dispêndio suficientemente grande e rentável de trabalho abstracto, à altura do nível de produtividade historicamente alcançado. De acordo com Lohoff, as mercadorias de segunda ordem assumiram a acumulação, depois do trabalho abstracto, como "nova mercadoria básica", e nos bancos centrais como "nova mercadoria-dinheiro", e assim o derretimento da substância de trabalho para o crescimento, etc., aparentemente já não é um problema. Este julgamento tem essencialmente a ver com o facto de que Lohoff rejeita um conceito de substância em geral, como ele diz: "O capital não é uma coisa, mas uma relação social que parece ser uma coisa, e, portanto, sua multiplicação é também o resultado de relações sociais" (Lohoff 2018, 29), e não o resultado da acumulação de trabalho abstracto em si. Continua sendo um segredo de Lohoff como ele quer estabelecer um limite interno do capital sem um conceito de substância. (4)
Em vez de nos admirarmos com a "longa duração da época do capital fictício", como na entrevista citada no início, a questão não seria rever a própria teoria da crise, mas seria necessário examinar e detalhar como o movimento de desvalorização do capital total se concretiza e onde ele se mostra empiricamente (circuitos do défice (5) dentro da UE e EUA/China, boom da construção e explosão simultânea de rendas, etc.). Dado o modo como Lohoff/Trenkle formulam a sua posição, é possível classificá-los no positivismo de um Michael Heinrich. É igualmente surpreendente que Lohoff e Trenkle utilizem o "argumento" de que a crise não pode ser assim tão séria e fundamental, uma vez que o "capitalismo impulsionado pela finança" existe há vários anos, pelo que o capital fictício não pode ser assim tão fictício. Esta objecção assemelha-se ao "argumento" de que "o ‘colapso’ tem de ocorrer de um modo tão instantâneo como um indivíduo cai morto imediatamente ao sofrer um enfarte grave do miocárdio. Se, neste sentido, o capitalismo não se desfez em pó nem após a bolha da Internet […] nem […] após o grande crash financeiro de 2008/09, tal é tomado apressadamente pela 'invalidação empírica' da teoria radical da crise, visto que a suposta 'profecia', afinal, não se teria confirmado mais uma vez. Ou seja, de uma forma quixotesca, a metáfora é entendida literalmente, na medida em que o horizonte temporal da explicação teórica é reduzido a uma espécie de actualidade quotidiana. A diferença entre o tempo actual, ou o tempo do mundo-da-vida, e o tempo histórico é apagada." (Kurz 2012, 362 [2014, 325], destaque TM).
Em última análise, não está claro por que ainda falam de uma crise do capitalismo ou de um limite interno, uma vez que deitaram borda fora todas as justificações para isso! Eles referem que mesmo a acumulação fictícia não aparente “tem os seus próprios limites internos" (ver acima), mas não é explicado nos textos mais recentes que limites são esses e qual é a sua relação com a dessubstanciação do capital, ou seja, com o limite interno do capital. Em A Grande Desvalorização fica claro que para Lohoff já não existe objetivamente um limite interno, mas o limite interno é estabelecido pela ausência de um "portador de esperança" (!), ou seja, um capital individual ou uma indústria através da qual a acumulação de capital fictício possa continuar. Por exemplo, diz: "A capacidade de expansão do capital fictício mantém-se ou cai, em última análise, com as perspectivas que se oferecem aos portadores de esperança da economia real. [...] A criação de capital fictício depende assim de um recurso que não pode ser criado pela própria indústria financeira: dos portadores de esperança da economia real. [...] Para agora cobrir a necessidade exponencialmente crescente de novos títulos de propriedade no decurso do desenvolvimento do capitalismo inverso, por um lado, a utilização dos portadores de esperança já activados deve ser intensificada em conformidade, acumulando neles títulos de propriedade sempre novos; por outro lado, são regularmente necessários novos portadores de esperança que possam substituir os esgotados. Desde que o reabastecimento seja garantido, o potencial de capitalização antecipada do capitalismo inverso também está garantido. Se for temporariamente interrompido, haverá uma irrupção da crise, como a da new economy, que poderá ser ultrapassada caso a caso com a implementação de novas esperanças. No entanto, se o reabastecimento de portadores de esperança for permanentemente rompido, isso significa o maior desastre imaginável para o capitalismo inverso" (Lohoff; Trenkle 2012, 258s.).
Mesmo abstraindo do ponto de vista de Lohoff sobre a economia política, é inacreditável a inconsistência das explanações de Lohoff. Se a esfera financeira depende, em última análise, da economia real, ou seja, da substância do trabalho, como também se escreveu em A Grande Desvalorização, então nada é auto-sustentável no capitalismo financeiro, e não se pode de modo nenhum falar de mercadorias de segunda ordem, que teriam substituído o dispêndio de trabalho como "mercadorias básicas" que criam mais-valia, ou que representariam a nova mercadoria-dinheiro.
4. Desonestidade e denúncia
Com isto deverá ter ficado claro que uma teoria de crise já não é realmente justificável com a Krisis, e que a Krisis deveria em rigor deixar de usar o rótulo de "crítica de valor". Será um tanto desonesto e absurdo tornar a teoria da crise virtualmente impossível e ainda assim adornar-se com anúncios como "Crítica da sociedade das mercadorias". Portanto, parece uma piada falhada quando o Krisis publica uma nova edição do Manifesto contra o Trabalho.
Uma certa desonestidade na Krisis parece entretanto ser um hábito. Assim, já ficou claro no livro A Grande Desvalorização que Trenkle e Lohoff não sentiram nenhuma necessidade de se referir a Robert Kurz como digno de menção na divulgação da teoria da crise, não tendo sequer mencionado o artigo inicial central A crise do valor de troca (cf. Kurz 1986) [Kurz 2018].
Embora a crítica da dissociação tenha sido outrora rejeitada por Trenkle/Lohoff, a coisa parece bastante diferente numa entrevista recente: não só se referem positivamente a ela, como também dizem sem se rir que eles próprios iniciaram a crítica do sujeito, o que a crítica da dissociação-valor teria sido alegadamente incapaz de fazer. Trenkle formula na entrevista: "O teorema da dissociação-valor representa um passo importante no desenvolvimento teórico da crítica do valor, porque relaciona sistematicamente a estrutura patriarcal da sociedade capitalista com a forma historicamente específica de socialização pela mercadoria, valor e trabalho. Isso o diferencia fundamentalmente das abordagens críticas do capitalismo comuns no feminismo, que normalmente procedem em termos meramente aditivos e entendem o patriarcado como uma forma adicional de dominação, ao lado da dominação de classe e da dominação racial, a chamada tripla opressão. Contrariamente a essa relação externa entre diferentes formas de dominação, o teorema da dissociação-valor insiste na conexão constitutiva interna entre dominação masculina e sociedade capitalista. De acordo com isso, a socialização pelo valor depende necessariamente da produção constante de um ‘outro’ dissociado, inscrito como feminino, no qual são externalizados todos aqueles elementos que não encontram lugar na racionalidade mercantil objetivada. [...] Portanto, concordamos em princípio com o teorema da dissociação desenvolvido inicialmente por Roswitha Scholz. No entanto, encontramos uma insuficiência no facto de o valor ser pensado ali apenas como um princípio estrutural abstracto num metanível (!) e, desta maneira, a forma-sujeito aparecer como uma espécie de apêndice do valor (!), determinado por este. Isso também restringe a crítica da dissociação-valor a um metanível muito abstracto, que depois tem de ser completado com anexos de crítica da ideologia e psicologia social. Assim, após a ruptura com Robert Kurz e Roswitha Scholz, tentámos desenvolver o teorema da dissociação a partir da perspectiva de uma crítica fundamental do sujeito. Há alguns textos, especialmente de Ernst Lohoff e Karl-Heinz Lewed [...]" (Lohoff; Trenkle 2018, destaque no original)
Esta não é a primeira vez que a Krisis acusa outros de posições que eles próprios já ocuparam (ou ainda ocupam?): Robert Kurz foi acusado de "objetivismo" no texto "Dominação sem sujeito" no sentido de que as pessoas seriam apenas marionetes do valor (cf. Kurz 2013, 83ss.). Por exemplo, pelo já mencionado crítico do sujeito Karl-Heinz Lewed, em seu artigo "Uma 'teoria sobre a vulnerabilidade da dominação'", de 2007. Aí se afirma: "O artigo de Robert Kurz ‘Dominação sem sujeito’, outrora relativamente central na Krisis para a crítica do sujeito… ainda foi formulado nesta perspectiva. O sujeito (masculino) é definido como pura ‘marionete’ (!!) da própria forma social" (Lewed, citado por Kurz 2013, 91). Robert Kurz comenta assim: "O despudorado descaramento com que Lewed falsifica e inverte aqui a discussão teórica no contexto da velha Krisis é realmente notável. Prudentemente não se cita nada do texto ‘Dominação sem sujeito’, mas é simplesmente atribuída a este de forma denunciatória uma posição que ele não inclui e pelo contrário critica. Pelos vistos Lewed conta que uma grande parte do público não conheça os textos antigos e que ninguém os vá conferir e mesmo que os atingidos deixem passar impune a sua desavergonhada falsificação da história teórica da crítica do valor. Se assim não fosse, não seria necessário esclarecer que ele procura imputar o conceito de “marionetes” justamente ao texto que tinha contestado esta definição errónea, apoiado na crítica já antes efectuada por Roswitha Scholz e naturalmente não mencionada por Lewed. O verdadeiro autor da tosca ideia das “marionetes”, Ernst Lohoff, é levado para a segurança do esquecimento do seu erro crasso, a fim de imputar este dolosamente logo aos seus críticos e críticas, qual prova falsificada. A singeleza desta é caso para detectives infantis. Mas é assim que a “teoria política” é feita por pessoas que não só tentam enfeitar-se com plumas alheias, mas também procuram colocar nos outros as suas próprias orelhas de burro." (Kurz 2013, 91s.).
Lohoff também se presta a denunciar. Em um texto de 2017, que tratava do debate "Dois Livros - Dois Pontos de Vista", Lohoff criticou Robert Kurz por se referir positivamente a Rudolf Hilferding (cf. Kurz 2005b, 246ss.). Hilferding teria uma compreensão do capitalismo incompatível com a "abordagem crítica de valor". Hilferding "[concebia] a 'dominação do capital financeiro' sociologicamente", equiparando-a "com a sucessiva abolição da concorrência e da lei do valor", e afirmou que "um cartel geral capitalista controlado pelos bancos iria supostamente substituí-la" (Lohoff 2017). A propósito, tudo pontos que Kurz criticou a Hilferding (cf. Kurz 2005b, 321ss.) Mas quando se lê Lohoff, fica-se com a impressão de que Kurz não fez isso. Aparentemente o Lohoff acha que o público dele é completamente estúpido. Como Karl-Heinz Lewed (ver acima), ele provavelmente confia que ninguém realmente leu Robert Kurz e também poupa qualquer esforço para verificar qualquer coisa.
É escandaloso quando Lohoff escreve no mesmo texto que Robert Kurz, com o livro Dinheiro sem valor, teria "declarado inválidos os fundamentos da crítica de valor elaborados em conjunto" e "destruído novamente tudo o que ele e outros construíram laboriosamente durante décadas" (Lohoff 2017). Certamente é preciso notar que uma revolução teórica não pode ser realizada de uma só vez, de modo que vários aspectos permanecem por enquanto inacabados e imaturos, por exemplo, o estatuto das sociedades pré-modernas em contraste com a constituição de fetiche do patriarcado produtor de mercadorias, ou a compreensão do capitalismo como um processo global, de modo que algumas coisas já escritas são parcialmente revistas novamente. Mas se olharmos para o que Lohoff e Trenkle revêm, que a acumulação de capital fictício não seria de todo aparente e que a acumulação é efectuada pelas relações sociais e não pelo dispêndio de trabalho abstracto, então a diferente qualidade das revisões é óbvia.
Lohoff é ainda mais impertinente quando acusa Robert Kurz de um conceito naturalista de trabalho abstracto, isto é, um "conceito fisiológico-mecânico de substância do trabalho" (ibid.) embora Kurz há muito tempo tenha refutado tais interpretações (cf. Kurz 2005, 214ss.) e mostrado que tais interpretações resultam de um mal-entendido ou não-compreensão do conceito negativo de trabalho abstracto! Mas esta ainda não era a coroa da glória da impertinência: Lohoff pensa com toda a seriedade que não se trata de falar agora de "acumulação fictícia", porque, caso contrário, teríamos um "problema de delimitação das diferentes variedades do sonho anacrónico do retorno a um capitalismo ‘sólido’ baseado no trabalho honesto" (Lohoff 2017). Assim, fora com a substância do capital e a teoria da crise, senão até se é considerado radical de direita!
Por isso, pode-se resumir correctamente: A Krisis de hoje não passa de uma embalagem enganadora. Já não tem nada a ver com a crítica do valor. (6)
Bibliografia
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Lohoff, Ernst: Die letzten Tage des Weltkapitals – Kapitalakkumulation und Politik im Zeitalter des fiktiven Kapitals [Os últimos dias do capital mundial. Acumulação de capital e política na era do capital fictício], Krisis – Kritik der Warengesellschaft, Beitrag 5/2016, Nürnberg 2016.
Lohoff, Ernst: Kapitalakkumulation ohne Wertakkumulation – Der Fetischcharakter der Kapitalmarktwaren und sein Geheimnis [Acumulação de capital sem acumulação de valor. O carácter fetichista das mercadorias do mercado de capitais e o seu segredo], Krisis – Kritik der Warengesellschaft, Beitrag 1/2014), Nürnberg 2014.
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Walcher, Jakob: Ford oder Marx – Die praktische Lösung der sozialen Frage [Ford ou Marx. A solução prática da questão social], Berlin 1925.
(1) Cf. também os textos da rubrica da homepage da exit!: "Zur Kritik der verkürzten Wertkritik".
Para a crítica da Streifzüge ver sobretudo Kurz 2010 e Scholz 2017.
(2) E, naturalmente, levar também a sério a relação de dissociação sexual, que não é de modo nenhum uma contradição secundária (cf. Scholz 2011), bem como outros campos temáticos em que o marxismo falhou, ou dos quais possuía uma compreensão redutora ou nula, como se pode ver claramente, por exemplo, no anti-semitismo. Por exemplo, havia a opinião de que o anti-semitismo era apenas uma "manobra de diversão" dirigida contra a classe trabalhadora. Isto significava não só que o anti-semitismo não era compreendido, mas que era gravemente minimizado. Jakob Walcher, por exemplo, critica o anti-semitismo de Henry Ford em seu livro "Ford ou Marx" e conclui: "Como se pode ver, o anti-semitismo de Ford não é muito perigoso (!) para os judeus. Ainda mais perigoso é ele para o proletariado e a pequena burguesia sofredora, porque, operado com grande habilidade e enormes meios financeiros, dissuade os trabalhadores da sua luta vital contra o sistema capitalista, contra seus beneficiários judeus e não judeus, e humilhando-os a fazer de pára-choques na luta do próprio grupo explorador contra os outros" (Walcher 1925, 106s.).
(3) Hüller demonstrou até que ponto um tal empreendimento é absurdo com base na "produção em cúpula", cf. Hüller 2019, 18ss.
(4) Bernd Czorny já assinalou este facto, cf. Czorny 2016.
(5) Também no julgamento de Lohoff sobre este conceito se torna perceptível uma revisão da teoria da crise. Assim se diz: "O termo, que se baseia no conceito de economia política do déficit da balança comercial, foi cunhado numa fase de elaboração teórica da crítica do valor em que a teoria das mercadorias de 2ª ordem ainda não tinha sido formulada. O termo sugere uma transferência unilateral de mercadorias. Na realidade, porém, não se trata de uma transferência unilateral, mas da troca de diferentes categorias de mercadorias" (Lohoff 2016, 27). Então nada é assim tão importante.
(6) E muito menos com a crítica da dissociação-valor, naturalmente. Mas em todo o caso a gente da Krisis não tinha essa pretensão, ainda que recentemente pretenda tomar para si o teorema da dissociação, como mostra a entrevista com Lohoff/Trenkle de 2018, ver acima.
Original Wertkritik als Mogelpackung in www.exit-online.org, 20.10.2019. Tradução de Boaventura Antunes