Thomas Meyer
"Nova política de classe"? – Notas críticas sobre discursos actuais (1)
I.
Há já algum tempo que a questão social e a política de classe têm vindo a ser cada vez mais discutidas. Embora as situações sociais etc. tenham sido discutidas desde a primeira década do século, este discurso recebeu um novo impulso nos últimos anos. Uma das razões para isso foi a eleição de Donald Trump, que também foi eleito pelos "trabalhadores" (2). (3) Além disso, estes discursos são motivados pelo facto de a "nova direita" também se referir à "questão social" (ou ao que a direita entende por ela): como o Front National, ou Björn Höcke, que apela ao "patriotismo solidário". Este discurso foi alimentado por várias publicações, especialmente o Regresso a Reims de Didier Eribon. (4)
É de facto verdade que, durante muito tempo, a questão social foi completamente ignorada por vastos sectores da esquerda, deixando de ser tematizada. Isto aplica-se sobretudo à esquerda pós-moderna, que renunciou a qualquer pretensão de verdade, imputou o totalitarismo a qualquer "grande teoria", considerou tudo apenas como discurso, como um jogo de linguagem e, portanto, não estava mais em condições de fazer uma análise actualizada do presente. Não só o pós-modernismo tornou a esquerda apática, como o colapso do bloco de Leste também a conduziu a uma paralisia permanente. As reacções a 1989 foram de duas maneiras: ou a rendição incondicional, ou um "continuar assim" no passo socialista, como se nada tivesse acontecido: Uma crise do capitalismo, um limite interno à valorização do valor não podia existir! (5) Quanto a este aspecto, a esquerda estava de acordo em todas as suas correntes.
Desde o início da crise em 2008, a ignorância total pós-moderna tornou-se cada vez menos sustentável. É o que se vê não só por uma nova recepção de Marx (que é mais equivocada do que acertada), mas também pela evidente intensificação da crise na própria "metrópole". Por isso, não é de admirar que alguns se arrependam agora. Não admira que agora se fale de "nova política de classe". Como ficará claro, no entanto, este debate sobre uma "nova política de classe" é tudo menos novo, e não é exactamente profundo em conteúdo. Tudo parece um pouco déjà vu. Em 2004, Roswitha Scholz escreveu o seguinte, no contexto da crítica à globalização da época: "Mas agora o vento sopra de outra direção. Com o agravamento da situação económica, os cortes cada vez mais profundos nos benefícios sociais, etc., no decurso dos processos de globalização, as questões materiais e socialmente existenciais difíceis voltaram a ser o foco teórico e prático do empenhamento da crítica social desde a segunda metade da década de 1990 […] No entanto, isso também é acompanhado por um renascimento da ideia da luta de classes e, portanto, de uma crítica sociológica superficial do capitalismo, que se reduz à questão jurídica da propriedade. As dimensões do 'sexismo' e do 'racismo', que foram pelo menos rudimentarmente tidas em conta desde a década de 1980, correm mais uma vez o risco de ficar para trás [...]" (Scholz 2004, 15) (embora na nova política de classe se sublinhe sempre que não é isso que se está a fazer).
Assim, quando várias esquerdas querem vender como algo novo um debate que já era anacrónico em 2004, isso só atesta a sua curta memória histórica.
II.
A exigência feita por alguns publicistas de esquerda ou liberais de esquerda de levar a sério a questão social e as preocupações dos "trabalhadores" foi, no entanto, revirada por alguns (como Mark Lilla) no sentido de que a esquerda deveria se abster de uma "política de identidade", já que a escolha de Trump teria sido alegadamente devida a um foco exagerado sobre identidades e direitos LGBT: "O que os direitos das minorias importam para o "homem pequeno"? Alguns também chegaram ao ponto de assumir que "[w]er right chooses, [...] actually wants social justice" (para a crítica: ver Dowling; van Dyk; Graefe 2017). Uma rejeição da "política de identidade" deveria, assim, supostamente, tirar o vento às velas dos radicais de direita.
Certamente há muito na 'política de identidade' de hoje, na cena de 'Critical Whiteness' queer e anti-racista (como os livros do Kreischreihe da editora Querverlag dos últimos anos mostraram), e ainda mais na ignorante 'esquerda' de estilo de vida e “bionade”, que é justamente criticável. No entanto, a rejeição grosseira do anti-racismo, etc., ou a afirmação contrafactual de que a homofobia é um "problema de luxo" (cf. Kram 2018) é, em última análise, reaccionária. Assim, foi contraposto em vários lugares que a crítica ao racismo e ao sexismo, bem como as lutas sociais, não devem ser jogadas umas contra as outras, especialmente porque também podem sobrepor-se: Basta pensar na exploração racista dos migrantes. Olhando para trás em alguns "estudos de caso" históricos, foi apontado que nas lutas anti-racistas a revolução socialista também tinha sido disputada e que, portanto, não faz sentido opor o anti-racismo ao anticapitalismo. O movimento homossexual também é mencionado, quando homossexuais se solidarizaram com mineiros britânicos durante sua greve em 1984/85, assim como na mobilização do SPD e do KPD pela abolição do §175 do Código Penal (cf. Zander 2018).
A política de identidade também foi acusada de representar interesses particulares e não universalistas. Mas ela tem a sua justificação, se ninguém estiver interessado no sofrimento dos racistamente oprimidos ou dos homossexuais, excepto as próprias vítimas (cf. Purtschert 2017). Por outro lado, um ponto de vista que faz da própria situação o ponto de partida e o pivô não tem de excluir um ponto de vista universalista que é sobre o todo, e que pretende derrubar todas as condições em que o ser humano não passa de um verme miserável.
Isto sobre a "razão" e a "pré-história" do debate sobre a "nova política de classe".
III.
O debate sobre a "nova política de classe" é comentado por Leisewitz & Lütten na revista Zeitschrift marxistische Erneuerung da seguinte maneira: "A nova discussão das classes está ocorrendo felizmente em muitas áreas da esquerda no campo político e académico. Trataremos aqui apenas de algumas observações sobre o debate dos círculos activistas e jornalísticos em parte da esquerda política [...] que abordam a questão das "classes" de forma menos teórica, mas principalmente política. Além das dinâmicas de crise e dos processos económicos de polarização e queda dos últimos anos, a isso obrigam particularmente os êxitos da mobilização da direita moderna (também) entre trabalhadores e desclassificados, que marcam uma óbvia omissão da esquerda. Muitas contribuições salientam, assim, a necessidade de uma política de classe "nova", "unificadora" ou "inclusiva" para colmatar este vazio. É notável que no debate anterior, que tem sido conduzido nos periódicos destas partes da esquerda, não há praticamente nenhuma conexão com os acervos teóricos anteriores, e os conceitos centrais quase não são preenchidos teoricamente. O que se entende exactamente por termos como "classe", "relação de classe" ou "classe operária" geralmente permanece vago, em casos extremos, confuso. A forma e o conteúdo de uma "nova política de classe" são, portanto, tão pouco claros como a questão de saber o que é realmente a "velha" política de classe e o que já não tem nada a ver com ela. O acordo notavelmente amplo e abstracto sobre a necessidade de uma 'Nova política de classe' sugere que o debate não é vinculativo em termos de conteúdo" (Leisewitz; Lütten 2018, 35s., destaque TM)
Se abstrairmos do ponto de vista da luta de classes marxista tradicional, que forma o fundo teórico de ambos os autores, é preciso concordar plenamente com este julgamento; sobretudo com a afirmação de que a esquerda pós-68 de hoje é "apenas condicionalmente capaz de oposição" (ibid. 36). Os autores continuam com a seguinte passagem: "A questão central da nova discussão das classes é, portanto, não só como a esquerda pode alcançar novamente os trabalhadores, os 'dependentes' e os desclassificados – mas com que consegue alcançá-los e para que quer ganhar as pessoas" (ibid., 37, destaque no original). E mais: "Clarificar isto não é um pré-requisito teórico, mas sim um pré-requisito directamente prático para clarificar a questão de como pode a actual política de classe ser de esquerda" (ibid., destaque TM). Que se pretenda que esta clarificação se torne uma questão prática e não teórica, a qual devia ser o objectivo e o conteúdo das lutas anunciadas, no entanto, conduz, em última análise, à incapacidade da própria oposição. Eles salientam que as lutas conduzem a situações em que os interesses e objectivos alcançados são incompatíveis, por exemplo, quando agitam contra a indústria automóvel ou do carvão para proteger o clima e, por conseguinte, contra os trabalhadores dessas indústrias. Ambos os autores contradizem a visão ingénua de que "os diversos movimentos sociais simplesmente 'se unem' passo a passo até que de repente haja outra sociedade" (ibid., 39). No final, "teria que se pensar em como a incontornável ruptura com a ordem da propriedade pode ser enfrentada e imposta contra os interesses da classe dominante" (ibid.). Assim chegamos à reprovação formulada pelos autores contra a esquerda pós-68 de que possui um instrumento analítico (e político) que não é mais apropriado ao capitalismo contemporâneo (ibid., 38): seu julgamento é assim dirigido contra eles mesmos.
IV.
Algumas destas "novas" contribuições para o debate foram compiladas na antologia recentemente publicada Neue Klassenpolitik – Linke Strategien gegen Rechtsruck und Neoliberalismus [Nova política de classe – Estratégias de esquerda contra a regressão de direita e o neoliberalismo]. A maioria deles são artigos que foram publicados na revista Analyse und Kritik desde o final de 2017 e aqui publicados revistos. (6) A colectânea inclui algumas posições parcialmente heterogéneas. Na minha opinião, esta heterogeneidade remete para a imprecisão do discurso em termos de conteúdos já anteriormente criticada. As autoras e autores concordam que a viragem para os "trabalhadores" e para a tematização das "questões de classe" não deve conduzir à renúncia ao anti-racismo, ao feminismo e à crítica da homofobia (7), e que tal polarização alternativa também não faz sentido. Alguns artigos sublinham também a interdependência internacional da "dominação de classe", a exploração do Terceiro Mundo, etc.: uma nova política de classe não se reduziria de modo nenhum "apenas" a melhorar as próprias condições de trabalho, ainda que este seja sem dúvida um ponto importante, mas da nova política de classe teria de fazer parte uma solidariedade internacional, que também se reflectiria em lutas comuns. Acresce que alguns na esquerda criticam a posição de a política de classe estar ligada ao quadro do Estado-nação. Por um lado, não é errado, uma vez que a esquerda de hoje não está tão internacionalmente/transnacionalmente posicionada e interligada a ponto de ser poderosa. A referência ao Estado-nação será, em última análise, uma expressão de fraqueza. Em contraste com os tempos anteriores, "os debates que a esquerda está conduzindo hoje são, acima de tudo, uma coisa: defensivos. Uma parte se contenta em defender o que resta do Estado-providência nacional e em oferecer uma perspectiva em última instância excluidora de parte da classe trabalhadora. Outra parte também é modesta na medida em que, inversamente, é complacente para com a UE, por exemplo, por medo de que se possa "piorar" com o regresso ao nacional" (Tügel 2018, 56s.). No entanto, o autor continua: "O abrigo mais importante para os direitos sociais sempre foi e ainda é a organização e a luta de classes. Se essa constatação fosse além do slogan a que atualmente se reduz, o debate sobre o Estado-nação provavelmente seria "em grande parte obsoleto" (ibid.).
Também aqui se tornam evidentes os graves défices teóricos de grande parte das esquerdas de hoje. O que é surpreendente é que muitos querem apreender as catástrofes sociais em termos de "classes" e "luta de classes", embora se afirme que devem ser notados os desenvolvimentos recentes (tais como as mudanças na "composição das classes", como tão bem se diz). É verdade que é repetidamente escrito nos textos que não se quer entrar num culto dos trabalhadores, ou seja, de modo nenhum entrar numa "heroicização e fetichização do trabalho assalariado" (Wompel 2018, 158), pois "é preciso [...] uma campanha social que questione o próprio sistema de trabalho assalariado e distinga conceptualmente o trabalho significativo do trabalho assalariado capitalista" (Eberle 2018, 112). Wompel escreve que uma "fetichização do trabalho assalariado" é uma posição "que fez uma virtude da necessidade da dependência salarial. A defesa de pessoas ‘trabalhadoras’ – juntamente com a ilusão de justiça pelo desempenho – não só quebrou o pescoço da resistência às leis Hartz como tornou possível o assédio dos desempregados. No seu cerne, exclui também todos aqueles que não podem ou não querem ser ‘heróis do trabalho’. Desdenha das pessoas em formas de trabalho não pagas e potencialmente de toda a gente. No entanto, a luta pela solidariedade global e pela justiça distributiva também tem de ser travada como luta feminista, anti-racista – e internacionalista – também contra os sindicatos da ‘concorrência’ racista e nacionalista" (Wompel 2018, 164s.).
Por outro lado, há muita coisa que teoricamente permanece indeterminada. Hannah Eberle escreve também: "Cada sociedade tem de se perguntar o que é o trabalho significativo; mas no modo capitalista de produção, o 'significado' do trabalho é baseado unicamente no lucro. Precários e desempregados poderiam constituir o sujeito que reformule a questão do trabalho significativo. Durante um curto período de tempo, são colocados em empregos ou em medidas que eles próprios não escolheram e que dificilmente fazem sentido ou obtêm reconhecimento social. Parece mais promissor lutar por actividades significativas do que tentar dar à preguiça uma conotação positiva. O debate sobre o rendimento mínimo de existência (!) poderia ser um ponto de partida para isso: Criar algo útil à sociedade, fazer avançar o trabalho comunitário, político, artístico e científico – tudo deixaria de estar exclusivamente ligado à benevolência (!) de um doador" (ibid., 112s.).
Em outra contribuição, que critica o facto de o debate sobre a nova política de classe não abordar a ecologia, a ideia da expropriação da propriedade privada é retomada novamente: "Uma superação do modo de produção capitalista, através da abolição da propriedade privada dos meios de produção, dissolveria a compulsão de expandir a produção – sobretudo de coisas ecologicamente prejudiciais, como armamentos, SUVs ou produtos de desgaste rápido. Assim, o fim do capitalismo é o pré-requisito para uma redução global do volume de materiais e de energia. Mas só uma classe que é excluída da posse dos meios de produção pode ter interesse nisso: a classe trabalhadora. Só ela tem essa possibilidade, porque pode controlar colectivamente todo (!) o processo de produção social" (Speckmann 2018, 129).
Obviamente, os autores da referida antologia não compreendem realmente a constituição do modo de produção capitalista. A Eberle seria preciso dizer que um pagamento decente não está de modo nenhum ligado à "benevolência de um doador". Como Marx sublinhou repetidamente, o capitalismo é regido pela "coerção silenciosa das relações". Naturalmente, isto não significa que a "contradição em processo" seja um automatismo que os indivíduos seguem como lemingues. A concorrência universal (8), no entanto, permanece aqui insuficientemente exposta, assim como as formas fetichistas nas quais as pessoas são forçadas a se reproduzir. Isso fica claro quando os trabalhadores do carvão defendem o desmatamento da floresta de Hambach, já que os seus empregos e, portanto, a sua existência (capitalista) dependem da indústria do carvão. O que também deixa claro qual é o problema da nova e velha política de classe: se queremos representar os interesses dos "trabalhadores" e lutar justamente por melhores condições de trabalho (levando connosco todos os desclassificados, os precários e os desempregados), hoje seria particularmente importante emanciparmo-nos precisamente destes interesses, que assumem a forma de trabalho assalariado e, em última análise, têm de se expressar em dinheiro. De facto, é lembrado no mesmo sentido o sermão dominical marxista de que o proletariado deve abolir-se a si mesmo, como é o caso de Mag Wompel que escreve: "Lutar por todas as pessoas dependentes do salário significa, naturalmente, lutar contra a dependência salarial" (Wompel 2018, 163).
No que diz respeito à expropriação dos meios de produção, André Gorz salientou há quase 40 anos que a expropriação de meios de produção não é possível facilmente, devido à fragmentação económica maciça e à interdependência material (por exemplo, Gorz 1988, 39). (9) Além disso, é um forte equívoco que a "classe trabalhadora" possa, de algum modo, "controlar" os meios de produção tal como existem actualmente. Mesmo que os trabalhadores assumissem o controle de uma fábrica, isso não significa que a obrigação de valorizar já não se aplicaria; eles teriam que executá-la em si mesmos, ainda que sem um patrão: Um encerramento da produção de SUVs, por mais significativo e desejável que seja, iria, em primeiro lugar, tornar os trabalhadores desempregados (e seria isso no sentido de uma "nova política de classe"?).
Por outro lado, as expropriações podem ser úteis e necessárias em certas situações, no sentido de que melhorariam a situação social em alguns países: Estou a pensar, por exemplo, numa expropriação de terras rapinadas por empresas internacionais (predominantemente) no Terceiro Mundo (Land Grabbing), que são usadas ou abusadas para produzir biocombustível, por exemplo, ou na demência das flores cortadas (!) para os centros capitalistas, em vez de comida para a população. (10) Uma expropriação, uma reforma agrária, uma redistribuição da terra aos (pequenos) agricultores não criariam uma sociedade libertada, mas poderiam, pelo menos em parte, melhorar a situação social das pessoas que nela vivem (e assim reduzir as causas da fuga, cf. Auernheimer 2018).
Apesar da situação realmente melhor que se poderia conseguir com tais expropriações, o foco na propriedade privada dos meios de produção e na expropriação deles não é algo que alguns na esquerda pudessem considerar emancipatório como tal; no máximo seria um "recurso de emergência", que é bastante plausível numa luta contra o Land-Grabbing. De qualquer modo, a concorrência universal não seria ultrapassada com uma mera expropriação da propriedade privada dos meios de produção.
Além do facto de que neste debate algumas coisas permanecem teoricamente na penumbra, não é surpreendente que também seja formulado um sentimento antiteórico que, em última instância, visa a um imediatismo prático, como no artigo da Lower Class Magazine. Lá se diz: "Porque a nova política de classe está (ainda) sofrendo de um problema sério: é um metadebate sobre estratégias de esquerda, com palavras complicadas, (!) conduzido em jornais e revistas cujos textos maçudos (!) nunca chegam a um trabalhador a um euro da Alemanha Oriental, a uma enfermeira ilegalizada ou um gay fugitivo do Líbano […] Pode-se escrever belos textos, mas, desacoplados da estrutura real de uma organização de classe, eles acabam ficando inúteis […] Na verdade, a teoria revolucionária deveria ser uma questão de auto-entendimento para os lutadores. Idealmente, seria assim: As pessoas que se organizam em grupos que querem superar o capitalismo discutem como é, a quem querem se dirigir e como organizar os seus destinatários. A teoria projectada em conjunto é, portanto, a bússola no trabalho prático, e deve ser provada neste (!) ou ser corrigida. Nos países capitalistas desenvolvidos a situação é muitas vezes diferente: os debates têm vida própria, são um fim fetichizado em si mesmo (!). Textos sobre marxismo, anarquismo, classes, feminismo, isto e aquilo que são escritos para serem apresentados como trabalhos de seminário ou teses de doutoramento, para preencher páginas de jornais ou revistas, ou para "reavivar" o comércio de livros por ocasião de aniversários.” Mas o verdadeiro ponto mais baixo ainda está para vir: "Além disso, há uma máxima que nós, como esquerdistas superteóricos (!) metropolitanos, também teremos que aprender bem: As revoluções são sempre feitas por coisas simples, como o Black Panther Party disse uma vez. Ninguém luta contra o Estado e o capital porque achou tão convincente a quadragésima oitava reinterpretação de Michael Heinrich do fetiche da mercadoria em O capital" (ibid. 151-154, destaque no original). O título da secção da qual foi tirada a última citação é: "Explicar em duas páginas do que se trata".
Portanto, a teoria só pode ser usada se fornecer um guia prático simples. Certamente que uma academização da crítica teórica deve ser criticada, especialmente se assim for enfraquecida e domesticada, se se perder em qualquer tendência discursiva, e se pretender concluir a mais longa lista de publicações. Uma crítica que se limita à filologia e ao positivismo também deve ser condenada. Mas uma prática de casmurros, um positivismo de movimento sem cabeça, isto é, um forçar da teoria à imediata adequação à prática, deve igualmente ser rejeitada. Aqueles que pensam que têm de pegar as pessoas mais ou menos onde elas estão, apanhá-las com explicações simples que se encaixam nos dois lados, não compreendem a gravidade da situação. Claro que nem todos precisam de ter lido Marx, Adorno ou Scholz para uma mobilização contra o fascismo e o terror policial. Apenas que: Se existe a pretensão de abolir o modo de produção capitalista a longo prazo, a reflexão teórica tem de ir além da actual política do momento. É legítimo e necessário defender-se contra exigências irrazoáveis a todos os níveis, sejam elas condições de trabalho irrazoáveis (e não são os capangas da administração do desemprego que têm de decidir o que é irrazoável ou não), um aparelho estatal repressivo, (11) os desaforos de sucata produzida capitalistamente, a destruição ambiental, etc. Agora essa resistência dificilmente será suficiente, já que, como alguns autores afirmam, tem de ser posto fim ao "Modo de vida imperial" (12) como um todo, coisa que ninguém realmente sério na crítica social contradiria. Uma reflexão teórica degradada na medida desejada pela Lower Class Magazine – a teoria como receita de cozinha, por assim dizer – agravaria ainda mais a difusão das posições individuais já criticadas acima, pronunciando-se a favor da indiferença de conteúdo. A longo prazo, porém, isso também deixaria a prática a rodar em falso e reduzida a actos simbólicos.
Um sentimento antiteórico já se espalhou anos atrás no movimento antiglobalização. Também neste aspecto, não há nada de novo no debate sobre a nova política de classe. Em 2005, Robert Kurz escreveu o seguinte, olhando para Naomi Klein e José Bové como exemplos: "É na verdade uma velha história que Bové reproduz aqui: nomeadamente o ressentimento do prático de mente tacanha contra a teoria ‘nas nuvens’, contra a qual se afirma o ‘imediatismo’ da experiência. Mas os pragmáticos do protesto estão a enganar-se a si mesmos com uma capacidade de realização que não têm de todo. As experiências, tal como as necessidades, não são dadas directa e naturalmente, mas são elas próprias mediadas socialmente. Uma vez que esta mediação não é directamente compreensível, tem de ser primeiro tornada visível – e é nisto precisamente que consiste a teoria. Ela não é nada oposto às experiências, mas a reflexão das experiências num nível superior de abstracção. Porém as experiências, na sua imediatidade, não são elas próprias ‘concretas’, mas sim mediadas por abstracções sociais (na modernidade, pela forma de mercadoria totalitária e suas contradições). A reflexão teórica tenta tornar isto visível e analisá-lo – só então as experiências podem tornar-se "concretas" no verdadeiro sentido. [...] A concretização com a ajuda da teoria envolve também o esclarecimento do processo histórico em cujo contexto se situam as próprias experiências. As experiências aqui e agora só podem dizer algo se relacionadas com as experiências do passado e com a historicidade da sociedade. A teoria também transcende o imediatismo da experiência, no sentido de que ela contém o reflexo da experiência passada e, portanto, tem a sua própria história. Aqueles que acreditam que podem ignorar isto irão inevitavelmente interpretar mal as suas próprias experiências, porque não podem colocá-las num contexto mais alargado. [...] A teoria é assim vista apenas como uma expressão reflectida das próprias experiências com maior alcance histórico e num plano conceitual de abstracção. A formação teórica é em si mesma um processo histórico, paralelo ao processo de desenvolvimento social [...]. E nesta história de reflexão teórica se anuncia hoje a famosa mudança de paradigma, que tem de ser elaborada e disputada. O movimento social está envolvido nesta tarefa, não pode comportar-se de maneira ignorante" (Kurz 2005, 29s.).
É preciso que isto seja sempre recordado quando os esquerdistas se esforçam por passar à prática e pensam que a teoria séria é mais ou menos redundante.
V.
Outro aspecto muito discutido é a organização da resistência: nota-se que as lutas sociais também são muitas vezes vazias, porque incapazes de apontar para além de si mesmas e da sua "ordem do dia" e construir estruturas confiáveis; estruturas que também sirvam para reunir vários protestos. Em parte, a falta de continuidade da resistência também pode ser encontrada no facto de os protestos permanecerem isolados e serem muitas vezes ignorados pelos da esquerda radical, frequentemente filhos da classe média académica. Além disso, há todo o absurdo do "pós-modernismo" e o carácter parcialmente sectário da cena de esquerda. (13)
O facto de as pessoas se organizarem e relacionarem contra as imposições é simplesmente necessário em termos existenciais: Por exemplo, quando se trata de resistir colectivamente a despejos habitacionais, ou de exigir condições de trabalho toleráveis no sector da saúde, para que os cuidados de saúde sejam garantidos em vez de serem perigosos. Em diferentes áreas, é possível transformar algo até certo ponto na imanência, embora não necessariamente muito. Mesmo que o capitalismo não seja imediatamente questionado, os protestos imanentes são inevitáveis e, portanto, significativos. Isto, porém, não se aplica necessariamente a todos os casos por igual: pense-se apenas nos protestos de trabalhadoras e trabalhadores contra o fecho das fábricas de automóveis: a questão é, como se disse, emancipar-se desses forçosos interesses (operários) e travar uma luta contra a própria forma do interesse capitalista, luta da qual os protestos existentes estão, infelizmente, longe. Os protestos não podem, portanto, ser avaliados positivamente como tal. Os protestos sociais, mesmo que sejam obviamente significativos e necessários (como os protestos contra a loucura das rendas), são altamente ambivalentes. Por mais significativa e necessária que seja a defesa da habitação incondicional em vez do rendimento básico incondicional (se já se está lutando por mais do que apenas uma renda acessível), a crítica das rendas insustentáveis pode assumir a forma da especulação, o que torna provável que um protesto social inicialmente justificado se transforme numa barbaridade reacionária. Fundamentalmente um determinado protesto tem de ser examinado quanto ao seu conteúdo: O protesto serve para afirmar necessidades elementares contra as exigências do capital? Acima de tudo, como e com que justificações isso acontece, ou é simplesmente uma questão de dotar a própria posição na concorrência (à custa do ambiente, do Terceiro Mundo, etc.) com meios novos ou diferentes? Os protestos imanentes, sendo que outros também não existem realmente neste momento, são, portanto, necessariamente ambivalentes. Assim, é urgente não fazer da necessidade uma virtude e não se lançar mais ou menos de cabeça perdida na prática, como exige a revista Lower Class Magazine, e também não declarar à partida toda a crítica prática sem sentido, apenas porque ela é ambivalente e não está tão presente quanto se gostaria. Estas ambivalências têm simplesmente de ser suportadas. Para fazer isso, sem dúvida, é preciso ler mais de duas páginas, se não se quiser ser activamente estupidificado pela própria impotência.
A resistência social roda em falso a longo prazo, mesmo com a melhor organização e o melhor trabalho em rede, se não houver esclarecimento sobre as condições reais de valorização (ou condições de desvalorização) do capitalismo de crise. Porque tudo e todos só têm o direito de existir na medida em que tenham passado pelo buraco da agulha da financiabilidade. A redistribuição imanente, o desvio de recursos financeiros para a construção de habitações sociais em vez de para grandes projectos inúteis (aeroporto de Berlim, Stuttgart 21, etc.) pode de facto ser desejável e exequível. No entanto, as redistribuições podem atingir rapidamente os seus limites: Mesmo que um "governo de esquerda" deixe cair um generoso dividendo social, ele continua vinculado a uma viabilidade financeira suficiente, ou seja, a receitas fiscais suficientes e estas, por sua vez, a uma valorização bem sucedida do capital, o que quer dizer que a "economia nacional" deve prevalecer contra a concorrência, isto é, em detrimento da concorrência. Assim, o chamado dinheiro de subsistência ou rendimento básico incondicional também depende de uma valorização bem sucedida do valor. É crucial desenvolver uma consciência de que a riqueza material e, portanto, a existência humana devem ser desvinculadas da viabilidade financeira. Se os bens materiais já não puderem ser financiados, são encerrados, apesar de ainda estarem "lá", tal como lá estão as correspondentes necessidades que não se conseguem articular suficientemente numa procura solvente. Tais necessidades são então nulas e sem efeito. Se isso não for levado em conta, não se pode descartar a possibilidade de que os movimentos sociais, contrariamente à sua intenção inicial, possam tornar-se parte da administração da miséria.
Naturalmente, não é nada simples a questão de saber como será essa desvinculação em concreto, e outra questão é como transformar a riqueza material e a sua própria produção (encerrar a produção que põe em perigo a saúde, abolir a produção de sucata, abolir o transporte individual, abolir a propaganda publicitária, etc.). É preciso que entre na consciência das pessoas e, portanto, no "discurso público" que quando as riquezas materiais já não podem ser suficientemente mobilizadas de acordo com os critérios capitalistas, devem ser abolidos esses critérios (14), e não as riquezas serem fechadas e as pessoas serem forçadas a uma pobreza em massa gerada socialmente, que elas então têm que aceitar como lei natural, com a ajuda de medidas repressivas adequadas, que elas teriam de aceitar e executar em si mesmas (cf. por exemplo, a política de austeridade na Grécia). (15) Estas chamadas "lutas de classes" e protestos imanentes deixam de fazer sentido se a máquina da valorização paralisar ou parar completamente. Combater o aumento das rendas ou os baixos salários não faz sentido se, por exemplo, prevalecer a hiperinflação, como acontece actualmente na Venezuela (fev. 2019). No debate sobre uma suposta "nova política de classe", esta ideia está completamente ausente. Uma razão para isso é que a maioria dos esquerdistas não distingue entre riqueza material e riqueza na forma do valor. Daqui decorre que as reivindicações sociais são sempre afirmadas sob a forma de dinheiro e são, em última análise, idênticas a este. O que não se vê nem se compreende é a óbvia divergência destas formas de riqueza, quando na crise todos os tipos de coisas são encerradas ou cada vez mais coisas se tornam "infinanciáveis" devido à desvalorização (como habitação, saúde, etc.). A riqueza física, isto é, "material", entra em contradição com a forma social que lhe é imposta. Mas seria importante lutar por uma emancipação contra esta forma e não nela: "A tarefa, portanto, é formular a crítica emancipatória às formas de existência e formas de pensamento objectivadas e socialmente sobrejacentes e a partir daí torná-la eficaz nas lutas sociais, a fim de romper conscientemente com esta prisão categorial ... trata-se de desenvolver uma vontade contra a forma dominante da vontade e tornar consciente o carácter fetichista desta" (Kurz 2013, 96, destaque TM).
O facto de as coisas já não poderem ser financiadas resulta de a representação fetichista desta riqueza, nomeadamente em valor, perder o sentido, quando é necessário cada vez menos trabalho para produzir cada mercadoria; e de os mecanismos de compensação da racionalização do trabalho estarem a tornar-se cada vez menos eficazes, ou mesmo inexistentes, sendo portanto cada vez mais impossível um modo de produção baseado no valor e na dissociação. Isto significa que já não pode haver uma sociedade baseada na valorização do valor pelo trabalho, mas que esta se decompõe, torna-se selvagem e "ingovernável" (cf. Kurz 2003; Bedszent 2014; Böttcher 2016; Konicz 2014; 2016). Segundo Robert Kurz, "É próprio da ignorância da visão metropolitana sobre a situação mundial não querer ver que este ‘estado’ já foi alcançado em grandes regiões mundiais; apenas parcialmente amortecido para minorias, através da ligação ainda mantida ao mercado mundial e às suas conjunturas de déficit. Se faltar esta última almofada, e de facto também mesmo para os centros, então também a quantidade de empobrecimento em massa se transformará neste sentido na qualidade de um morticínio global em massa, uma vez que não é possível o regresso a uma economia de subsistência para quase sete mil milhões de seres humanos; para já não falar dos excessos de violência a isso associados, que também já se podem ver a começar e não em último lugar provêm da transformação dos aparelhos de segurança e de violência, eles próprios já sem ‘capacidade de financiamento’, em bandos de saqueadores." (Kurz 2013, 82).
Esta "contradição entre matéria e forma" acima mencionada (cf. o texto de Ortlieb 2008a/2009) é ignorada pela maior parte da esquerda. Tudo isso poderia ter sido discutido pela cena correspondente, de modo que a esquerda tivesse de facto entrado num nível teórico que pretenda criticar o capitalismo à altura dos tempos, e então também não iria desesperadamente espremer a necessidade de resistência social em termos antigos (ainda que, ao mesmo tempo, muitas vezes se afirme que não se quer ser assim tão antiquado). A "exigência de prática" seria muito menos difusa e arbitrária, mas se articularia militantemente a determinação com a nitidez conceptual. No que se refere ao texto de Ortlieb acima referido, a esquerda, ou aqueles que o leram, recusaram-se sistematicamente a participar no debate. Na verdade, foi o "crash de um debate": fazer-se de parvo no contexto da verborreia de blog, não tomando nota das fundamentações do texto, nada mais é do que a negação da realidade (cf. Ortlieb 2008b)!
O mesmo se aplica à teoria da crise de Robert Kurz como um todo. Durante décadas, foi necessário ouvir repetidamente as mesmas banalidades (cf. Kurz 2012a; 2012b; 2013). A revista Analyse und Kritik também publicou artigos correspondentes. Por exemplo, Ingo Stützles no nº 449 (16) (4/2001), comentando o livro Ler Marx!. Ele conclui com as palavras: "Com as profecias autocráticas de Kurz, os problemas da profecia autocrática são apenas obscurecidos e um debate sério [com Marx, TM] é evitado" (Para a crítica: cf. Kurz 2012a, 365). E tem de se ler isto! Mas não é tudo: Stefanie Hürtgen (que também contribui para a antologia aqui discutida) escreve no final de seu comentário sobre um painel de discussão com Robert Kurz na mesma publicação, nº 557 (1/2011): "Há boas razões para não seguir as ideias de ajustamento através da crise, mas a conversa do colapso ou mesmo do choque final de desvalorização é enganosa. Não só porque é imaginável um capitalismo profunda e directamente propenso a crises, mas também porque a reprodução social continua, também a nível mundial, e infelizmente muitas vezes numa forma a que o próprio Robert Kurz chama ‘barbárie’. Mas isso é algo mais do que ‘colapso’ – é antes a existência continuada da reprodução social da pior forma concebível. Mas quando se trata da barbárie como uma perspectiva possível – então é ainda mais urgente deixar de entender a crítica, mesmo a crítica teórica, como 'crítica categorial', que por favor deveria finalmente penetrar nos cérebros cegos das massas, pelo contrário, a questão é aprender a compreender também o trabalho teórico como um debate. Como um debate ‘que sempre se entrelaçou com outras práticas e que se move sempre em conjunto com estas práticas num contexto histórico concreto’ [A citação é de Demirovic em Prokla nº. 159, TM]. Seria tempo de tomar consciência deste entrelaçamento" (destaque no original). (17) Trata-se de um argumento frequentemente avançado no sentido de que um capitalismo que produz apenas empobrecimento apenas estaria a voltar à sua verdadeira normalidade. Isto obviamente significa que está aqui a ser encorajada uma desistoricização do capitalismo. Não é de surpreender que, no final, seja formulada uma espécie de difusa exigência de prática, para a qual o trabalho teórico teria de ser orientado.
VI.
Pode-se, portanto, resumir que, afinal, nada é novo na "nova política de classe". Há um acordo de princípio no sentido de não se jogar a crítica do racismo, da homofobia, etc. contra a crítica das situações sociais, mas, de resto, muita coisa permanece bastante confusa. Por um lado, superficialmente falando, são formuladas ideias significativas ou pelo menos não erradas, mas estas depois contradizem outras, às vezes apenas algumas frases mais adiante. Teoricamente e, portanto, em termos de conteúdo, este debate é imaturo e resultado de anos de recusa da crítica. O que importa é que as lutas sociais se revoltem contra a forma dominante, ou seja, contra a "forma de vontade burguesa que se tornou insuportável" (Kurz 2006, 397, destaque no original). Por mais compreensíveis que os protestos imanentes possam ser, seu horizonte não deve se limitar às reivindicações imanentes. Isto também está relacionado com o facto de as reivindicações imanentes servirem muitas vezes para melhorar ou manter a própria posição no processo de valorização capitalista, sem que isso seja objecto de crítica. Perante protestos contra a "loucura das rendas" ou contra o "estado de necessidade na enfermagem" é evidente a solidariedade, ainda que isso não impeça de os observar em termos de crítica da ideologia, e de lhes retirar ou recusar depois qualquer solidariedade, e mesmo de lhes declarar guerra, quando eles, por exemplo, chegam ao ponto de culpar George Soros ou ‘os Rothschilds’ pelas catástrofes sociais. Noutros casos, a solidariedade é muito mais difícil, se não impossível, desde o início: as exigências de poder reproduzir-se (melhor), porque têm de acontecer na forma assumida de dinheiro, podem ter consequências problemáticas, por exemplo, quando os trabalhadores protestam contra o encerramento de uma fábrica de automóveis ou quando os sindicatos se pronunciam a favor da destruição ambiental porque promete "postos de trabalho". (18) A reivindicação frequentemente formulada de levar a sério os interesses da "classe trabalhadora" é, portanto, inconsistente desde o início, quando se diz que se pretende ao mesmo tempo criticar a destruição do ambiente, etc..
Isto deverá ter deixado claro que é inevitável que as lutas e tentativas de organização tenham de ser examinadas criticamente pela teoria, o que não significa, no entanto, que a teoria degenere em receita de cozinha da agitação. Afinal a dialéctica entre teoria e prática terá de ser levada a sério, e isso significa que será tarefa da esquerda, ao contrário do seu mau hábito, deixar de se furtar à crítica categorial.
Bibliografia
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Notas
(1) É claro que não pretendo aqui ser exaustivo. Mas vou escolher alguns aspectos relevantes. Não, porém, com todos os detalhes. Para isso poderá servir a bibliografia indicada.
(2) Quando no texto se fala de trabalhadores, isso não significa que se trata de um sujeito colectivo coerente, e muito menos devem ser vistos ‘os trabalhadores’ como sucessores da velha classe operária.
(3) De facto, Trump, graças às suas promessas, conseguiu marcar pontos entre pessoas no "rust belt", ou seja, no nordeste dos EUA, pessoas que estão geralmente afectas à "classe trabalhadora" ou aos "trabalhadores brancos". O que aqui se pretende mencionar não são os assalariados da classe média, possivelmente marcados por um meio académico "politicamente correcto". Ver, por exemplo, https://www.deutschlandfunk.de/amerikas-schweigende-mehrheit-wer-hat-donald-trump-gewaehlt.1148.de.html?dram:article_id=376733. Ver também Bedszent 2016.
(4) Cf. sobre isso a palestra (2018) de Roswitha Scholz: It´s the class stupid!? – Degradierung, Deklassierung und die Renaissance des Klassenkampfbegiffs: Pode ser ouvida em: https://exit-lesekreis-hh.de/kategorie/radio-fsk/.
(5) Cf. Robert Kurz: Zur Kritik der Arbeit (2005), https://www.freie-radios.net/10566 A partir de aproximadamente 2 min.
(6) Outros contributos para o debate podem ser consultados na revista Luxemburg: número especial "Neue Klassenpolitik" (2017), https://www.zeitschrift-luxemburg.de/lux/wp-content/uploads/2017/10/LUX-Spezial-Neue-Klassenpolitik.pdf, na revista Prager Frühling Nr. 29: "Klasse mit Gedöns", Março de 2017, https://www.prager-fruehling-magazin.de/de/topic/81.m%C3%A4rz-2018.html e na revista Z-Zeitschrift Marxistische Erneuerung Nr. 116, Dezembro de 2018.
(7) Como John Kram sugere, o termo homofobia é na verdade uma banalização. Muito mais apropriado seria a hostilidade aos homossexuais (Kram 2018, 87).
(8) Em matéria de concorrência, ver, por exemplo, o "fragmento sobre a concorrência" de Marx nos Grundrisse: 542-45.
(9) Veja-se também minha crítica a Paul Mattick: Meyer 2017.
(10) Ver, por exemplo, https://www.zeitschrift-luxemburg.de/landgrabbing-im-zeichen-der-vielfachkrise/
(11) "Copwatch", por exemplo, documenta a violência policial. A posição é que se as actividades policiais fossem documentadas, a violência policial poderia ser contida.
(12) “Imperialen Lebensweise” é o título de um livro discutido controversamente por alguns esquerdistas (Brand; Wissen, Munique 2017). Ver, por exemplo, "Kritik der politischen Ökologie " in wildcat nº 103, Primavera 2019, 44-46, onde se diz: "Eles discutem o âmbito de acção apenas ao nível das decisões dos consumidores e dos diferentes rendimentos disponíveis, em que a classe média se torna o sujeito decisivo de uma reviravolta ecológica. Eles alimentam a ilusão de que os consumidores podem reduzir decisivamente o consumo de recursos no Sul global através de suas decisões individuais de compra e, em última análise, argumentam apenas moralmente, embora sempre neguem isso" (ibid., 46).
(13) Cf. as "11 Thesen über Kritik linksradikaler Politik, Organisierung und revolutionärer Praxis” [11 Teses sobre a Crítica da Política, Organização e Prática Revolucionária de Esquerda-Radical] dos Kollektiv de Bremen 2016, e Kollektiv de Bremen 2018.
(14) Tal não exclui, evidentemente, que possa ser criticada a capacidade de destruição do capitalismo e dos seus "valores de uso", por vezes extremamente loucos, mesmo que não sejam encerrados por infinanciáveis. Aqui se trata mais de mostrar o absurdo do capitalismo de crise, através do qual as pessoas são excluídas do pão, por exemplo, embora ele exista. O facto de esse pão no capitalismo ser produzido de modo parcialmente destrutivo (agricultura industrial de monocultura), que deve ser criticado e abolido, é outro nível sobre o qual não quero me concentrar aqui.
(15) Para além do facto de todas as resistências sociais, por muito imanentes e redutoras que sejam, serem (são) combatidas pela repressão dos guardas-caceteiros estatais/privados. Isto é claramente demonstrado, por exemplo, na evacuação das casas ocupadas.
(16) Pode ser lido em: http://stuetzle.cc/2006/02/marxismus-im-kurzschluss-das-neue-marx-buch-des-krisenpropheten-robert-kurz-ist-ein-argernis/.
(18) Por exemplo, sobre o projecto "Dakota Access Pipeline", ver o parecer da ALF-CIO, a maior confederação sindical dos EUA: https://aflcio.org/press/releases/dakota-access-pipeline-provides-high-quality-jobs
Original »Neue Klassenpolitik«? – Kritische Anmerkungen zu aktuellen Diskursen in: www.exit-online.org, 8.5.2019. Tradução de Boaventura Antunes