Alternativas ao capitalismo

Em teste: Ecossocialismo

 

Thomas Meyer

 

Numa nova contribuição para a série de artigos "Alternativas ao capitalismo – Em teste", Thomas Meyer centra-se no "ecossocialismo". Na sequência da catástrofe do clima e da contínua destruição do ambiente pelo modo de vida e de produção capitalista, estes temas estão a receber uma atenção crescente. O ecossocialismo reivindica-se de uma 'combinação' de ecologia e teoria marxiana. Dependendo da orientação dentro do ecossocialismo, encontra-se em Marx & Engels um grau diferente de pensamento ecológico. Meyer delineia assim o "discurso ecológico" tal como encontrado na obra de Marx & Engels e como ele é avaliado por diferentes ecossocialistas. Aqui é fulcral o processo do metabolismo humano com a natureza e como esta é moldada pelo processo capitalista de valorização e, assim, estragada para o capital. Torna-se claro que a "contradição entre matéria e forma" (Ortlieb) não é apenas evidente no mundo das mercadorias, mas também no processo de metabolismo com a natureza. Além disso, Meyer aborda os défices teóricos dos ecossocialistas. Estes variam desde um entendimento redutor da crise e do Estado até opiniões que podem ser claramente classificadas como reaccionárias ou pequeno-burguesas. (Apresentação do texto no editorial da exit! nº 19, 2022).

 

1. Introdução * 2. O discurso ecológico em Marx e Engels * 3. Sobre a "dialéctica" do processo de metabolismo com a natureza * 4. Sobre as "estratégias de superação" burguesas da crise ecológica * 5. Sobre a crítica do "industrialismo" * 6. Ecossocialismo e teoria marxiana da crise * 7. O papel do Estado * 8. Perspectivas * Bibliografia

 

1. Introdução

Com os protestos climáticos dos últimos anos e a pandemia do coronavírus, entraram cada vez mais no "discurso" o ambiente e a sua destruição pelo capitalismo (Wallace 2021, 25ss., 161ss., Malm 2020a, 7ss.). Os factos sobre as alterações climáticas são avassaladores (German Climate Consortium et al. 2020). Todas as medidas tomadas contra elas, mesmo antes de serem novamente suavizadas, são extremamente insuficientes. Daí o óbvio slogan system change – not climate change. Enquanto a "economia do bem comum" e outras estão a ganhar mais popularidade como supostas alternativas ao capitalismo (Kloos 2018, Meyer 2021), o interesse pelo ecossocialismo também está a aumentar. Esta ligação entre a ecologia e a teoria marxiana surgiu desde a década de 1980, especialmente nos EUA (1) e, nos últimos anos, tem vindo a suscitar um interesse crescente também na Alemanha (Bierl 2020). As posições intituladas "ecossocialismo" abrangem um largo espectro. Vão desde os ecossocialistas que apelam à desindustrialização, seguindo o movimento pós-crescimento (Sarkar 2010, Kern 2019), até aos "ecoleninistas" ou "bolcheviques do clima", alguns dos quais classificam o comunismo de guerra dos bolcheviques como prática exemplar (Malm 2020a, 164ss.). (2) Razão suficiente para abordar o ecossocialismo no âmbito da série de artigos Alternativas ao capitalismo – Em teste.

 

Em seguida são apresentadas e sujeitas a crítica as posições de ecossocialistas seleccionados (juntamente com alguns autores, como Wolfdietrich Schmied-Kowarzik, que não se classificam necessariamente como "ecossocialistas"). (3) Para o efeito tentar-se-á fazer um esboço do "discurso ecológico" nas obras de Karl Marx e Friedrich Engels, mostrando como este é avaliado por vários marxistas e ecossocialistas. Em particular a Dialéctica da Natureza de Engels – uma referência importante para muitos ecossocialistas – é aqui de interesse. Para ecossocialistas como John Bellamy Foster, uma "dialéctica natureza-sociedade" seguindo Marx e Engels é central para uma "teoria e prática ecossocialista". A partir daqui tornar-se-á claro que a "contradição entre matéria e forma" (Claus Peter Ortlieb) também se encontra na forma do processo de metabolismo com a natureza. Serão ainda abordadas as objecções a uma sociedade industrial em geral, bem como os défices da teoria da crise e da teoria do Estado dos ecossocialistas.

Neste texto abordarei apenas marginalmente certos aspectos do marxismo tradicional que são também partilhados por muitos ecossocialistas. Trata-se sobretudo da referência às classes (luta de classes) e de uma redução sociológica da relação de capital, bem como da ontologia do trabalho. (4) A crítica a este respeito não precisa de ser aqui repetida longamente, pelo que se limitará a alguns pontos (para mais pormenores, ver Scholz 2020 e Kurz 1994, 2004a, 64ss., 2005, 214ss., 2012, 192ss.).

 

2. O discurso ecológico em Marx e Engels

O termo ecossocialismo suscita a questão da relação entre ecologia e marxismo. Deve ser feita uma distinção entre a teoria de Marx e o marxismo como "ciência da legitimação" para uma industrialização atrasada (Negt 2015) ou como "lógica da modernização" (Kurz 1994). O socialismo real como projecto de modernização atrasada, como um segundo sistema industrial (5) ao lado do ocidental, dificilmente pode reivindicar louros ecológicos. O socialismo real foi assim acusado de não ser mais do que uma cópia do bloco ocidental em termos ecológicos. O fetiche do desenvolvimento das forças produtivas "ultrapassar sem ficar na mesma" (Walter Ulbricht), bem como as numerosas destruições ambientais na União Soviética são disso testemunho eloquente (Engert 2010, 67ss., especificamente na RDA: Beleites 2016). Ambos os sistemas tinham em comum a destruição da natureza, o que torna plausível a ideia de que o decisivo não eram as diferenças ideológicas, mas sim a sua base industrial e técnica comum. Por conseguinte, ecologia e socialismo soam desde logo a "ferro de madeira". Consequentemente, a "acusação de 'prometeísmo' [...] feita a Marx – uma crença inabalável no progresso, segundo a qual o homem é capaz de manipular o mundo de forma cada vez mais eficaz e livre com a ajuda dos desenvolvimentos tecnológicos – [...] tornou-se um estereótipo popular" (Saito 2016, 9). (6) E, de facto, Marx não pode ser absolvido de ter apoiado o desenvolvimento das forças produtivas (máquinas e indivíduos "em todos os aspectos" desenvolvidos), argumentando do ponto de vista do século XIX, porque criariam as bases tecnológicas de uma sociedade comunista. Assim, o capitalismo seria mais ou menos uma "etapa de transição" histórica necessária no caminho para o comunismo. Aqui é claro que podem ser encontrados em Marx aspectos da filosofia da história de Hegel. (7) No entanto, é mérito de Marx o facto de, ao contrário do espírito burguês tacanho, não ver as forças produtivas criadas pelo capitalismo e "a universalidade do desenvolvimento das capacidades" como estando ligadas ao modo de produção capitalista, e também não cometer o erro de exigir um "regresso romântico" à pré-modernidade devido ao "mal-estar na modernidade". Assim escreve Marx nos Grundrisse: "Os indivíduos universalmente desenvolvidos, cujas relações sociais, como relações próprias e comunitárias, estão igualmente submetidas ao seu próprio controle comunitário, não são um produto da natureza, mas da história. O grau e a universalidade do desenvolvimento das capacidades em que essa individualidade se torna possível pressupõem justamente a produção sobre a base dos valores de troca, que, com a universalidade do estranhamento do indivíduo de si e dos outros, primeiro produz a universalidade e multilateralidade de suas relações e habilidades. Em estágios anteriores de desenvolvimento, o indivíduo singular aparece mais completo precisamente porque não elaborou ainda a plenitude de suas relações e não as pôs diante de si como poderes e relações sociais independentes dele. É tão ridículo ter nostalgia daquela plenitude original: da mesma forma, é ridícula a crença de que é preciso permanecer naquele completo esvaziamento. O ponto de vista burguês jamais foi além da oposição a tal visão romântica e, por isso, como legítima antítese, a visão romântica o acompanhará até seu bem-aventurado fim." (Marx 1953, 79ss. [2011, 164s.]).

A referência positiva de Marx ao desenvolvimento das forças produtivas não deve, no entanto, ser equiparada a um "industrialismo" ingénuo no sentido de "mais alto", "mais rápido", "mais longe" ou "mais". De facto, se Marx tivesse "defendido apenas o desenvolvimento das forças produtivas tão rápido e perfeito quanto possível", não teria passado de "um epígono da burguesia" (Djurić 1969, 79). Marx reconheceu que este desenvolvimento, uma vez que não tinha de permanecer vinculado às estreitas condições burguesas, (8) abria a possibilidade de libertar o tempo, de alargar o "reino da liberdade" (cf. Kern 2015, 339ss.) por oposição ao "reino da necessidade". Ou, nas palavras de Iring Fetscher: para "Marx a característica essencial de uma sociedade socialista futura não é o crescimento ilimitado da produção e da massa de mercadorias, mas o desenvolvimento integral dos indivíduos e da sua produtividade [...]. Um desenvolvimento que, embora permita também um aumento da produção de bens materiais (por unidade de tempo), não deve de modo nenhum reduzir-se a isso. Pelo contrário, consiste precisamente numa "libertação" para o lazer e para as "actividades superiores" – como a arte, a ciência e a filosofia. Marx também não fala de um aumento infinito da maquinaria industrial, mas de uma tecnologia industrial que serve acima de tudo para facilitar o trabalho [...] e para tornar possível, tão geralmente quanto possível, actividades que têm um carácter "científico", o que para Marx significa terem um carácter "universal" – isto é, que não requerem nenhum desempenho particular e treinado" (Fetscher 1980, 122s., ênfase no original).

O processo de metabolismo com a natureza (que só termina com a morte) pertence ao domínio da necessidade. Como mediação deste metabolismo, Marx determina o trabalho como "condição de existência do ser humano independente de todas as formas de sociedade, eterna necessidade natural para mediar o processo de metabolismo entre o ser humano e a natureza, isto é, a vida humana" (Marx 2005, 57). Pelo contrário, é preciso dizer que o processo de metabolismo com a natureza, bem como a (re)produção, são categorias históricas e, por conseguinte, não se pode assumir uma mediação a-histórica entre "o ser humano e a natureza", mas antes deve ser clarificada a especificidade histórica desta mediação, ou seja, precisamente do trabalho. Nas palavras de Robert Kurz: "Foi o capitalismo que, pela primeira vez, generalizou e ideologizou positivamente a categoria negativa 'trabalho' e deste modo levou à inflação do conceito de trabalho. O cerne dessa generalização e falsa ontologização do 'trabalho' é constituído pela redução... do processo de produção a um puro e simples dispêndio de energia humana abstracta... com total indiferença para com o conteúdo. Os produtos ‘são válidos’ socialmente não como bens de uso, mas como representações de trabalho abstracto passado. Sua expressão geral é o dinheiro. Neste sentido, em Marx o trabalho abstracto, ou energia humana abstracta, constitui a 'substância' do capital" (Kurz 2013a, 31, ênfase TM). É precisamente esta indiferença pelo conteúdo que torna o trabalho tão destrutivo enquanto mediação do processo de metabolismo com a natureza. Por isso uma crítica do capitalismo a partir do ponto de vista do trabalho (Postone 2003, 111ss.), ou seja, a crítica marxista tradicional, não pode ser de modo nenhum uma crítica ecológica radical.

É claro que nem Marx nem Fetscher tinham em mente as actividades reprodutivas nas suas observações sobre liberdade e necessidade. Quando se pinta um reino de liberdade, não se deve "esquecer" que "o filósofo" também nasce criança e acaba velho (numa sociedade libertada, também continuará a ser necessário limpar o rabo aos acamados – o que não é certamente agradável; a este respeito, faria sentido não exagerar com a "alegria utópica", sendo muito importante manter um espelho da "realidade").

Por outro lado, era claro para Marx que a maquinaria e as faculdades desenvolvidas e desdobradas (portanto, também as ciências) são "subsumidas" em termos reais pelo capital numa medida historicamente crescente (cf., por exemplo, Marx 1969, 49-64). Sem surpresa, no marxismo como ideologia da modernização, este aspecto da crítica de Marx não desempenhou qualquer papel. "É espantoso", escreve Wolfdietrich Schmied-Kowarzik, "como a crítica de Marx à ciência e à técnica na sua forma capitalista foi tão pouco registada. Tanto o marxismo dogmático como o marxismo crítico – com muito poucas excepções – têm até agora assumido simplesmente que Marx apenas avaliou positivamente a ciência e a tecnologia como forças produtivas promotoras do progresso; provavelmente sobretudo porque eles próprios são adoradores dos fetiches da ciência objectivista e da maquinaria industrial, ou porque consideram a ciência e a tecnologia como algo em si fora do alcance da teoria social crítica. Para o próprio Marx, porém, nenhuma destas situações se aplica; para ele, a ciência e a tecnologia são, evidentemente, produtos da práxis social, que, na sua actual determinação da forma, não devem de modo nenhum ser excluídas da análise crítica. É claro que a ciência e a tecnologia são forças produtivas da práxis social, mas uma vez que as relações de produção dominantes de modo nenhum deixam as forças produtivas intocadas, elas também são alienadas na sua forma actual e não podem ser assumidas nesta forma numa sociedade solidária sem crítica" (Schmied-Kowarzik 2018, 92). Este último aspecto é particularmente importante para enfatizar e reflectir hoje em dia, uma vez que "a ciência não está apenas sujeita ao capital na sua aplicação, mas está também profundamente permeada pela lógica do actual modo de produção no seu desenvolvimento continuado" (ibid., 96, ênfase TM). Os "legados" técnicos do patriarcado produtor de mercadorias não devem, portanto, ser abstractamente positivados, mas também não devem ser abstractamente negados, pois tal como "os conteúdos não são independentes da forma social, também não são per se e absolutamente representáveis apenas nesta forma" (Kurz 2004c, 119). Uma negação abstracta seria "apenas a inversão do ingénuo fetichismo da força produtiva do marxismo do movimento operário" (ibid., 120).

 

Para além da acusação de "prometeísmo" do progresso técnico, outro ponto controverso no "discurso ecossocialista" é a presumível extensão ou o alcance real da tematização do problema da ecologia na obra de Marx e Engels. Não se falava aí de "ecologia", apesar de este termo já ter sido "inventado" por Ernst Haeckel em 1866 (Oechsle 1988, 12ss.). Em vez disso, falava-se do "processo de metabolismo com a natureza" e a determinação da sua forma pelo capital tornou-se objecto de crítica (sobre a "genealogia do conceito de metabolismo" cf. Saito 2016, 74ss.). O significado real que este "discurso" assume na obra de Marx e Engels é avaliado de forma diferente. Assim, como salienta o ecossocialista marxista John Bellamy Foster, a crítica à poluição e à destruição ambiental através do capital pode ser encontrada em toda a obra de Marx e Engels (Foster 2014, 169ss.). Esta crítica não pode, portanto, ser considerada como uma observação periférica. Isto é ainda mais verdade quando se consideram manuscritos não publicados ou cadernos de excertos (Saito 2016). A amplitude temática apoia este pressuposto: a perturbação do processo de metabolismo com a natureza estende-se sobretudo à cultura agrária capitalista (destruição da fertilidade do solo etc.) (por exemplo, Marx 2005, 527ss., id. 1973, 821), tal como às consequências ecológicas e climáticas da desflorestação na época do colonialismo (Engels 1972a, 455), bem como na antiguidade (ibid., 452ss.). A pretensão de poder controlar a natureza é criticada por Engels como duvidosa (ibid.). São criticadas as consequências da poluição ambiental na situação de vida e de habitação do proletariado (Engels 1976, 324ss., Marx 2012, 548ss.). A poluição causada pelo funcionamento normal da indústria capitalista é "denunciada, mas a questão em si nunca é directamente discutida", como resume Michael Löwy (2016, 75).

Sublinhando a importância do "discurso ecológico" em partes do marxismo, Foster sublinha que este não desapareceu de modo nenhum depois de Marx e Engels (9) e teve os seus representantes no marxismo soviético e britânico inicial (Foster 2014, 182ss., 229ss.) e, por conseguinte, não se pode dizer que o marxismo per se quisesse continuar e intensificar a dominação da natureza no interesse do proletariado e não tivesse realmente preocupações ecológicas. A ecologia, de acordo com Foster (e Paul Burkett) noutro lugar, fazia parte do "núcleo do marxismo" (citado em Tanuro 2015, 175). O mérito de Foster e de outros ecossocialistas é, como resume o engenheiro agrónomo e ecossocialista Daniel Tanuro, "ter reabilitado a 'ecologia' de Marx, mas eles tendem a passar das marcas. Se a ecologia estivesse de facto no centro do marxismo, teriam de explicar por que razão todas as correntes marxistas falharam o seu encontro com a questão ecológica nas décadas de 1960 e 1970" (ibid., 176). Embora algumas partes do movimento ecologista tenham referido passagens relevantes de Marx e Engels (por exemplo: Marx 2005, 529 e seguintes, Engels 1972a, 452 e seguintes), os ecossocialistas não marxistas ou parcialmente marxistas, em particular, argumentam que o pensamento ecológico na obra de Marx e Engels é, afinal, sobrevalorizado (o que torna plausível o encontro falhado). De acordo com Bruno Kern, uma "viragem ecológica" pode ser claramente detectada na obra tardia de Marx, mas esta "já não podia realmente concretizar-se e, portanto, não podia influenciar significativamente a história do impacto da sua obra" (Kern 2019, 202). Um "pensamento ecológico" não poderia de modo nenhum ser reivindicado para a obra de Marx como um todo. Assim, nos primeiros escritos, por exemplo, no Manifesto do Partido Comunista e nos Manuscritos de Paris, podem certamente ser encontradas passagens que sugerem uma "visão prometeica" (ibid., 201) (cf. Kern 2015, 91ss., 163ss. e Saito 2016, 201, 298ss., e por outro lado, "O Manifesto Comunista e o Ambiente": Foster 2014, 261ss.). Um tal "esticar excessivo do arco" minimiza o "produtivismo" de Marx. Assim, de acordo com Kern, o que deve ser realçado contra Marx é "a sua avaliação do progresso técnico, proveniente do positivismo do século XIX, e a sua falta de distanciamento em relação ao industrialismo" (ibid., 186). Kern continua: "A minha principal crítica a Marx prende-se, portanto, com o facto de no século XIX ele ainda não ter sido capaz de encontrar uma compreensão crítica do industrialismo como um todo. Hoje, como se torna cada vez mais claro que, por razões ecológicas, não só o sistema económico capitalista, com a sua inerente compulsão para o crescimento, mas também a sociedade industrial como um todo, estão em causa, temos de nos separar de Marx neste ponto crucial" (ibid., 197).

Para além de Marx, Kern levanta, com razão, a questão de saber se um desenvolvimento técnico e um " desenvolvimento das necessidades" que não esteja sujeito à determinação da forma do capital não se depararia também com um limite ecológico. De forma ingénua – de acordo com a crítica de Kern a alguns ecossocialistas – pressupõe-se uma "não limitação destas necessidades e a possibilidade da sua satisfação", pelo que "os limites naturais são completamente ignorados" (ibid., 206). Por conseguinte, a ideia de Marx de uma expansão constante do "reino da liberdade" contra o "reino da necessidade", com o objectivo de dispor de tempo para fins "superiores", é susceptível de se revelar uma ilusão (cf. igualmente Saito 2016, 245s.).

Outro argumento de Kern contra o ecossocialismo de orientação marxista é que a referência à classe trabalhadora (10) é anacrónica, porque, segundo Kern, "a mudança social que é necessária hoje já não coincide automaticamente com os interesses materiais imediatos dos trabalhadores dependentes. Nos países ricos, há muito que estes estão integrados no "modo de vida imperial" que lhes garante a pertença aos especuladores de um sistema cujo reverso brutal se pode ver noutros lugares: nas massas de pessoas completamente excluídas do Sul global e na destruição dos nossos fundamentos naturais" (ibid., 199s.). Mas como, segundo Kern, um "desarmamento industrial" estaria historicamente iminente, os "interesses materiais imediatos" da classe trabalhadora já não poderiam ser "tidos em conta" (ibid., 200).

 

Embora o Marx esotérico continue a ser indispensável para uma crítica do capitalismo à altura dos tempos (cf. Kurz 2006, 2012) e uma reavaliação da "história da teoria e da prática" permaneça inevitável (cf. Schmied-Kowarzik 2018, Hanak 1976, Wallat 2012, bem como Kurz 2007), deve ser enfatizado, em conclusão, que a questão de saber se Marx (ou Engels) é mais adequado como figura positiva ou negativa na "criação de identidade" duma crítica ecológico-radical do capitalismo é apenas de interesse secundário. As investigações filológicas podem ser esclarecedoras, mas não são decisivas: "O ponto de vista fulcral não é a filologia de Marx, mas a necessidade de uma explicação histórica concreta dos processos sociais" (Kurz 2012, 8 [2014, 10]). O que é importante, portanto, são os "campos de discurso e de problemas" iniciados pelos ecossocialistas, que serão abordados nas secções seguintes.

 

3. Sobre a "dialéctica" do processo de metabolismo com a natureza

John Bellamy Foster e outros ecossocialistas marxistas sublinham a necessidade de uma dialéctica natureza-sociedade como "componente" central de uma crítica radical do capitalismo. Tal crítica foi pelo menos tentada no trabalho de Marx e Engels, como indicado, ao mostrar a conexão entre a lógica capitalista de valorização e a destruição da natureza por ela causada, especialmente no que diz respeito à destruição da fertilidade do solo pela cultura agrária capitalista. A exploração capitalista dos solos leva a uma "ruptura metabólica". A "ruptura metabólica" da sociedade burguesa com a natureza está no facto de os fundamentos naturais da existência humana serem minados. Foster, Clark e York resumem: "Marx associou a sua análise metabólica à sua crítica da economia política, mostrando como a agricultura capitalista industrializada produziu uma ruptura metabólica que reflecte as práticas insustentáveis do sistema como um todo. Baseando-se no trabalho do grande químico Justus von Liebig e de outros cientistas, (11) Marx observa que o circuito de nutrientes do solo exigia a regeneração contínua de azoto, fósforo e potássio, à medida que estes nutrientes eram absorvidos pelas plantas. Nas sociedades pré-capitalistas, as plantas e os resíduos humanos eram geralmente devolvidos ao solo como fertilizantes, ajudando a repor os nutrientes perdidos. Mas o movimento de cercamento e a privatização das terras que acompanharam a ascensão do capitalismo criaram uma separação entre o urbano e o rural, deslocando grande parte da população rural e aumentando a população urbana. Foram adoptadas práticas agrícolas intensivas para aumentar os rendimentos. Os alimentos e os têxteis, juntamente com os nutrientes do solo, eram transportados centenas, ou mesmo milhares de quilómetros, para os mercados urbanos mais distantes. Os nutrientes essenciais do solo acumulavam-se nos resíduos que poluíam as cidades e os rios. Estas práticas minaram as condições naturais necessárias à reprodução do solo. [...] Em meados do século XIX a produção agrícola intensiva em Inglaterra e noutros Estados centrais levou à ruptura metabólica global, tendo sido transportados milhões de toneladas de guano (12) e nitratos [...] para o Norte a partir do Peru, do Chile e de outros locais para enriquecer os solos esgotados. [...] O processo Haber-Bosch, desenvolvido na Alemanha pouco antes da Primeira Guerra Mundial, tornou possível ultrapassar o monopólio britânico sobre os nitratos chilenos e permitiu a fixação do azoto para a produção de amoníaco à escala industrial [...]. Esta tentativa de solução tecnológica aumentou a industrialização da agricultura sem abordar a origem da ruptura metabólica" (Foster; Clark; York 2011, 383s., ênfase TM).

Foster & Cª estão assim preocupados em desvendar como a natureza é e tem sido moldada e alterada por um modo de produção ou prática social historicamente condicionada, e como isso por sua vez afecta a sociedade e a(s) sua(s) futura(s) capacidade(s) de reprodução. O processo capitalista de valorização subjuga a natureza como "matéria-prima" e derruba todas as barreiras da natureza. O capital abstrai de todas as qualidades e torna à partida impossível produzir de forma a que a base da natureza seja preservada ou (re)produzida ao mesmo tempo que a produção. A própria natureza é (re)moldada de acordo com os imperativos da valorização. O capital, por exemplo, "esforça-se por substituir os povoamentos florestais antigos, com toda a sua complexidade natural, por plantações industriais simplificadas de árvores, ecologicamente estéreis, dominadas por espécies individuais e que podem ser 'colhidas' a um ritmo acelerado" (ibid., 192s.) A "rebeldia da natureza" manifesta-se então em catástrofes (sócio-)ecológicas como resultado da sua destruição.

Na sua discussão sobre a sociologia ambiental, Foster & Cª sublinham que a natureza, devido a uma "dialéctica" entre natureza e sociedade, não pode ser algo externo à sociedade, e que tanto as posições construtivistas como as realistas estão igualmente erradas: "Uma linha divisória crucial na sociologia ambiental [...] é a questão do "realismo" versus "construtivismo". Até que ponto a natureza é independente da própria acção humana e das ideias humanas, e até que ponto é moldada pela sociedade e pelos processos de pensamento humanos? Os realistas [...] tendem para o materialismo e pensam em termos da independência da natureza em relação à acção humana e às ideias humanas. Sublinham os limites naturais da actividade humana. De acordo com este ponto de vista, a natureza pode ser modificada com sucesso para satisfazer as necessidades humanas até um certo ponto – mas apenas se as leis e os limites naturais forem primeiro reconhecidos e seguidos. Este ponto de vista é compatível com uma concepção dinâmica da natureza que incorpora pressupostos evolutivos básicos. Os construtivistas, por outro lado, tendem para o idealismo e o cepticismo e sublinham os limites epistemológicos do nosso conhecimento da natureza. Salientam a medida em que a natureza, tal como a conhecemos, é moldada pelas acções e percepções humanas e desconfiam do que consideram ser pressupostos "essencialistas" ou "positivistas" sobre a natureza. De acordo com este ponto de vista, o desenvolvimento social é frequentemente [...] concebido como não sendo afectado por forças naturais, que podem, portanto, ser deixadas de lado na análise social pura" (ibid., 272). É, portanto, necessário adoptar uma perspectiva que "supere" as duas posições. Dependeria assim "do facto de que, tanto nas ciências naturais como nas ciências sociais (e especialmente na ecologia, que cada vez mais engloba ambas) é fundamental manter uma visão realista/materialista que inclua também uma compreensão da construção histórica humana do mundo dentro de limites. Em última análise, não há contradição entre o princípio de Galileu (‘E, no entanto, ela move-se’) e o princípio de Vico (‘Podemos compreendê-la [a história] porque a moldámos’) se cada um deles for devidamente compreendido e limitado. Numa ligeira revisão do princípio marxiano do materialismo histórico, poderíamos dizer que as pessoas não moldam a sua própria história inteiramente sob condições da sua escolha, mas antes com base em condições ambientais e sociais naturais que são um legado do passado" (ibid., 274). No contexto da crítica da dissociação-valor, esta perspectiva seria abordada como um "realismo dialéctico" (Scholz 2009, 55) do processo de metabolismo com a natureza. Ao fazê-lo, "tomar em consideração ... a forma social fundamental; considerando-a, contudo, no seu desenvolvimento enquanto totalidade concreta e na dinâmica histórica que lhe está associada, ou seja, na mediação com análises concretas" (ibid., ênfase no original). As análises ecossocialistas teriam que ser retomadas nesse sentido pela crítica da dissociação-valor.

 

Foster mostra assim que os "discursos ecológicos" não foram de modo nenhum insignificantes na obra de Marx e Engels e que houve tentativas de desenvolvê-los em partes do marxismo. Mas o "discurso ecológico" no marxismo teve uma duração limitada: "No entanto, este pensamento ecológico marxista inicial [...] desapareceu em grande parte. A ecologia no marxismo sofreu uma espécie de dupla morte. No Leste, a literal eliminação dos elementos ecológicos dentro da liderança soviética e da comunidade científica ocorreu nos anos 30 através do estalinismo – e não por acaso, uma vez que parte da resistência à acumulação original socialista se encontrava nestes círculos. (13) [...] Ao mesmo tempo, o marxismo no Ocidente assumiu uma forma frequentemente extrema e ferozmente anti-positivista. (14) A dialéctica era vista como inaplicável à natureza [...]. (15) Isto afectou a maior parte do marxismo ocidental, que tendia a ver o marxismo cada vez mais em termos de uma história humana em grande parte separada da natureza. A natureza foi relegada para a esfera das ciências naturais, que era vista apenas como positivista. Em Lukács, Gramsci e Korsch, que marcaram a revolta do marxismo ocidental nos anos 20, a natureza brilhava cada vez mais pela ausência. A natureza entrou, de facto, na crítica do iluminismo por parte da Escola de Frankfurt, mas a natureza em discussão era sobretudo a natureza humana [...], raramente a chamada ‘natureza externa’. [...] Consequentemente, os conhecimentos ecológicos eram raros" (Foster 2014, 184s., cf. sobre isto: Schmied-Kowarzik 2018, 106ss. bem como Holland-Cunz 1994, 57ss.).

Assim uma das principais críticas de Foster ao marxismo ocidental é que ele não incluiu a natureza no "pensamento dialéctico". (16) O pano de fundo para isto foi o conflito de Lukács com Friedrich Engels e a sua Dialéctica da Natureza, entre outros. Esta contém "numerosos conhecimentos ecológicos" (Foster 2014, 182) e é, por isso, uma referência importante para muitos ecossocialistas marxistas. A crítica de Foster agora é que o marxismo ocidental, na sua crítica da Dialéctica da Natureza de Engels, não conseguiu pensar mais sobre a "interacção dialéctica" da sociedade burguesa com a natureza. Com uma crítica perfeitamente justificada, o bebé foi deitado fora com a água do banho, por assim dizer.

O marxismo ocidental criticou, entre outras coisas, o facto de Engels ter transferido a dialéctica, ou o que Engels entendia por ela (sobre a "história conceptual" da dialéctica, cf. Brodbeck 2012, 131ss.), para acontecimentos naturais. Por outro lado Schmied-Kowarzik, que trata em pormenor da "aporia da questão da natureza no marxismo", procura mostrar "que Engels não chega a uma compreensão objectivista da natureza por estender a dialéctica à natureza, mas tem desde o início uma compreensão positivista da ciência, que permite que a natureza, bem como a história social, se congelem num acontecer de leis objectivas. Isso foi mal avaliado pelos críticos do marxismo dogmático – começando com Georg Lukács e terminando com Jean Paul Sartre – que acreditavam que só poderiam salvar a dialéctica de Marx limitando-a à história, deixando a natureza para as ciências positivas [...] " (Schmied-Kowarzik 2018, 116, ênfase TM). (17) "Na medida em que Engels não empreende uma crítica do conhecimento científico da natureza em analogia com a crítica de Marx à economia política [...], mas apenas persegue afirmativamente as afirmações científicas que descrevem os processos de movimento e modelação da natureza [...], o próprio Engels sucumbe naturalmente ao objectivismo das leis das ciências modernas" (ibid., 110s., ênfase no original).

A Dialéctica da Natureza de Engels assemelha-se, de facto, a um "programa científico cartesiano" (Brodbeck 2012, 137). O termo "dialéctica", tal como utilizado por Engels, significa muitas vezes o que as pessoas hoje tentam expressar com o termo emergência (18) (sobre isto: Kangal 2020). Com a "dialéctica", Engels tenta captar a "peculiaridade" da natureza, que "não permanece idêntica a si mesma" e está exposta a mudanças permanentes em múltiplos níveis (Engels 1973, 202ss.) Além disso, como observa Karl-Heinz Brodbeck, com a "dialéctica" (ou seja, de acordo com Engels, as três "leis": Transformação da quantidade em qualidade e vice-versa, penetração dos opostos e negação da negação, cf. Engels 1972a, 348) nada é explicado ou compreendido: "É claro que se pode descrever a ebulição da água como uma transformação dialéctica da quantidade (aumento da temperatura) em qualidade (a água torna-se vapor). Mas o que é que se ganha com isso em termos factuais? [...] Nada se explica nem se compreende. A única percepção real é que as formas naturais não são obviamente idênticas a si próprias do seu lado. A razão da sua não-identidade é, no entanto, concreta, e isso significa sempre descobri-la tecnicamente. Algumas técnicas são, por assim dizer, inerentes a nós: Toda a gente pode derreter gelo com o calor das mãos e experimentar sensivelmente a "não-identidade" do gelo em todas as situações. Mas essas experiências conduzem precisamente à afirmação da proposição da identidade da acção. E isto é conseguido através da afirmação de uma "identidade" como uma substância por detrás de cada mudança, que então não muda (H2O). Se novos fenómenos emergem através de novas técnicas, então procura-se elementos mais profundos que são idênticos a si próprios (H, O), os quais são mais tarde, por sua vez, dissolvidos em entidades idênticas mais profundas. Não há nada de 'dialéctico' nisto; é precisamente o programa científico cartesiano" (ibid., ênfase no original).

Também para Schmied-Kowarzik, a Dialéctica da Natureza contém importantes conhecimentos ecológicos. No entanto, por mais "grandiosas e perspicazes que sejam estas observações de Engels e por mais fundamentais que sejam para exprimir o nosso envolvimento vital na natureza, elas não podem esconder o facto de que também aqui, ao contrário de Marx, Engels não começa com uma crítica do determinismo da forma da economia do valor da ciência contemporânea e do controlo industrial da natureza, mas antes se baseia, ingenuamente crente na ciência e na indústria, num conhecimento científico e num planeamento tecnológico ainda mais objectivistas – bem à semelhança, aliás, do que ele também exige para a esfera social. Para Engels, esta tarefa não parte de uma base filosófica natural, que compreenda dialecticamente a forma como nós, seres humanos, na nossa prática social, usurpamos predominantemente a natureza e, no entanto, somos ao mesmo tempo vivamente abraçados por ela, mas Engels expressa aqui a sua fé positivista-materialista na ciência: "As ciências revelam progressivamente as leis de desenvolvimento da natureza e da história, às quais temos de nos submeter e subordinar cada vez mais" (Schmied-Kowarzik 2018, 111, 114s.). (19) O pensamento positivista só pode traçar a realidade, mas não criticá-la como uma realidade falsa ou alienada. Ele faz com que "a realidade existente apareça como a única possível e historicamente necessária" (Zivotić 1972, 39).

Em Engels "não se anuncia, portanto, a ultrapassagem da ‘segunda natureza’, mas a ‘aplicação de suas leis’, não se anuncia a crítica da objectivação, mas a sua ‘dominação’ através de ‘conhecimento’ positivo ‘da matéria’. [...] Pelo menos o Marx do capítulo do fetiche deixa entrever que, pelo contrário, o que interessa é romper, seja como for, estas leis e consequentemente a “legalidade” objectivada da sociedade, pois o “descobrimento” delas deveria então coincidir com a crítica a um tal estado de coisas, caracterizado pelo facto de as pessoas não “governarem” a sua própria conexão social " (Kurz 2007, 46s., ênfase no original).

 

Uma dificuldade central que pode surgir na discussão das "relações da sociedade com a natureza" (Vico & Galileu, ver acima), para a qual Foster & Cª alertam, é a "dupla transferência" (Foster; Clark; York 2011, 292ss.): "Isto significa [...] basear-se em ideias da sociedade para explicar a natureza e depois extrapolar esses conceitos da natureza para a sociedade com aparência naturalizada" (ibid., 294). Isto é evidente, por exemplo, na teoria da evolução de Charles Darwin, que "admitiu prontamente [ter-se inspirado] em parte na economia política burguesa de Smith e Malthus" (ibid., 292).

Em Engels, devido ao "positivismo" da sua Dialéctica da Natureza (e de outras das suas obras), também se pode certamente detectar uma "dupla transferência". A dupla transferência de Engels consiste em "pré-encontrar" na natureza a pseudolei da natureza do processo capitalista de valorização, ou seja, as "leis históricas do movimento" da história, e, assim, em estabelecer um paralelo entre o reconhecimento e a aplicação destas mesmas leis e o reconhecimento e a aplicação das "leis da economia" (cf. Engels 1973, 222s.). A "dialéctica da cabeça", ou seja, a dialéctica de Hegel, seria "apenas um reflexo das formas de movimento do mundo real, tanto da natureza como da história" (Engels 1972a, 475). Conhecendo estas leis e aplicando-as racionalmente, poder-se-ia controlar tanto o desenvolvimento da sociedade como o da natureza (Engels 1972b, 264): "Assim, Engels vê o objectivo do socialismo não, como Marx, na libertação dos trabalhadores dos processos de produção determinados pelo valor que se tornaram independentes de si próprios, mas na incorporação dos indivíduos nas leis objectivas da natureza e do desenvolvimento social reconhecidas pelas ciências, e na sua aplicação planeada para aumentar a produção industrial e estabelecer um socialismo organizado" (Schmied-Kowarzik 2018, 116). Embora a dialéctica de Engels tenha sido ainda mais vulgarizada e dogmatizada pelo marxismo-leninismo estalinista (ibid., 116ss., sobre o "materialismo dialéctico" russo soviético cf. Hanak 1976, 105ss., Bocheński 1950, bem como Estaline 1956), Estaline pode muito bem referir-se a Engels na sua paralelização das leis da natureza com as da produção de mercadorias (Estaline 1972, 6s.). (20)

 

Mas não é só isso. A "crítica do positivismo" (21) da dialéctica da natureza não menciona que Marx & Engels também difundiram o "reconhecimento das leis da natureza" e a correspondente "aplicação" em ligação com a cultura agrária capitalista (por exemplo, em: Marx 1973, 828, em detalhe: Saito 2016, bem como Engels 1972a, 452s.). Esta mina a base natural da (re)produção humana e leva a que o processo do metabolismo humano com a natureza assuma formas destrutivas (destruição da fertilidade do solo, erosão do solo através da desflorestação etc.). A "contradição entre matéria e forma" (Ortlieb 2009) é, portanto, também evidente no processo de metabolismo com a natureza. Reconhecer e aplicar as "leis da natureza" pode, portanto, consistir também em organizar a produção, ou seja, o processo de metabolismo com a natureza, de tal modo que simultaneamente co-(re)produza os fundamentos naturais em vez de os destruir sucessivamente (Saito 2016, 243ss.). As "leis naturais" não seriam, portanto, entendidas aqui num sentido "mecanicista" ou "ontológico", mas sim no sentido de um conceito que "capta" peculiaridades da natureza de que os humanos não podem dispor à vontade e certamente não podem "recriar", o que é então expresso em factos como "a floresta armazena água" ou "a formação de húmus leva muito tempo". "É", como salientam Foster & Cª, "da maior importância que a natureza seja compreendida nas suas próprias condições. A sociedade humana depende do ambiente e tem de interagir com ele para poder continuar a reproduzir-se" (Foster; Clark; York 2011, 257, ênfase TM). Compreender a natureza "nas suas próprias condições" e agir em conformidade (i.e., produção e reprodução dos seres humanos e da "sua" natureza) para que os seres humanos não teçam a corda com a qual se enforcarão colectivamente, não significa, no entanto, que o processo de metabolismo com a natureza tenha estado verdadeiramente "sob o seu controlo comunitário" (Marx 1973, 828). Tendo em conta a "Dialéctica do Iluminismo" (Adorno & Horkheimer) e a crítica feminista da ciência (cf. Meyer 2020a, 101ss.), um toque de "optimismo", tal como aparece em Marx neste ponto, deve ser considerado "bastante ultrapassado" ou, pelo menos, exagerado.

O processo de metabolismo com a natureza (que é também um processo de metabolismo da sociedade consigo mesma) tem, por um lado, o "florescimento" da natureza como seu pressuposto. Por outro lado, o processo de metabolismo é mediado tecnicamente. Neste processo, a tecnologia não é arbitrária, mas tem como base uma certa "acessibilidade" da natureza (matérias-primas disponíveis e degradáveis, possibilidades tecnicamente exploráveis). A tecnologia serve para "extrair" energia e "transformação material apropriada" da natureza, o que implica algum tipo de "intervenção" na natureza. A natureza não permanece "idêntica" a si própria, mas a sua dinâmica teria de ser incluída no processo de metabolismo com a natureza. A natureza não teria apenas de ser "consumida", mas também (re)produzida (agricultura sustentável, por exemplo). Os fluxos de materiais e energia durante todo o processo de produção e distribuição e a forma como afectam a natureza (e como, por sua vez, afectam a (re)produção) são cruciais. O conhecimento correspondente e a sua aplicação devem claramente ser desenvolvidos (ou, se já forem conhecidos ou há muito conhecidos, devem ser tidos em conta na "prática" em geral). É preciso sublinhar aqui que o horizonte temporal necessário para o efeito deve ser fundamentalmente diferente de um "modo de pensar capitalista" (números trimestrais etc.). Uma vez que o capital se esforça sempre por encurtar o tempo de produção, é evidente que não tem em conta o tempo de produção da natureza, como Marx reconheceu com base na "silvicultura": "O longo tempo de produção (que inclui uma duração relativamente pequena de tempo de trabalho), em consequência da duração dos seus períodos de rotação, torna a silvicultura um ramo pouco propício à exploração privada e, portanto, capitalista, pois esta é essencialmente exploração privada, mesmo se em vez do capitalista individual aparece o capitalista associado. O desenvolvimento da agricultura e da indústria em geral mostrou-se desde tempos imemoriais tão activo na destruição das florestas que, em contrapartida, tudo o que se fez inversamente para a sua preservação e produção é uma grandeza completamente insignificante" (Marx 1975, 246ss., cf. também Foster 2014, 220ss. e Saito 2016, 292ss.). É evidente que um ponto de vista empresarial é fundamentalmente incapaz de ter uma visão do "tempo de produção da natureza", uma vez que só está interessado nos "fluxos de dinheiro" correspondentes e nos "custos" para o seu próprio capital. O critério decisivo não é a sustentabilidade, mas a capacidade de prevalecer na concorrência. Se os aspectos que ultrapassam a própria perspectiva capitalista individual são vistos, geralmente é apenas depois, normalmente como tentativas absurdas ou ineficazes do Estado para compensar os danos ou intervir como regulador. (22)

Uma dialéctica natureza-sociedade teria, portanto, de mostrar "como nós, humanos, na nossa prática social, invadimos dominantemente a natureza e, no entanto, somos simultaneamente abraçados por ela de uma forma viva" (Schmied-Kowarzik 2018, 115). Teria de ser demonstrado quais os processos sociais e técnicos (de produção) que têm impacto e de que forma, e como isso pode ser remediado. Assim, o processo de metabolismo com a natureza teria de ser "incluído na regulação consciente da produção social" (Saito 2016, 198), através de uma compreensão social de como lidar sensatamente com a natureza e as suas matérias-primas. Isto aplica-se ainda mais às matérias-primas que não voltam a crescer. Para tal seria necessária "uma organização racional da sociedade. Razão significa, nesse aspecto, nada mais que uma reflexão sobre os nexos naturais na consciência e um comportamento correspondente na reconfiguração social da natureza que evite a exploração exaustiva e absurda e os efeitos colaterais destrutivos" (Kurz 2002). Mas este não é apenas um problema quantitativo. O uso e consumo capitalista destrutivo da natureza não pode ser resolvido apenas com o seu encerramento e abolição. As propostas de alguns ecossocialistas, como Bruno Kern e Saral Sarkar (da Iniciativa Ecossocialismo), para dizer adeus ao "industrialismo" enquanto tal, a fim de propagar o ecossocialismo a um nível principalmente local, são de qualquer modo um pouco precipitadas (cf. secção 5).

 

4. Sobre as "estratégias de superação" burguesas da crise ecológica

Os ecossocialistas aqui discutidos lidam, ao longo de muitas páginas, com várias "propostas de solução" imanentes burguesas para o problema ambiental e climático. Por exemplo, são discutidos os radicais do mercado que pretendem proteger a natureza através da privatização ou da fixação de preços da natureza, ou os chamados ecocapitalistas (como Paul Hawken) e os místicos tecnocráticos do mercado que acreditam que o mercado já resolverá tudo pelo melhor, se apenas lhe for permitido. Deste modo o capitalismo poderia ser "tornado verde", por exemplo, através de inovações técnicas e de "condições de enquadramento da política de mercado" que deviam ser estimuladas através de "incentivos" correspondentes. Isto reduziria todo o problema a uma questão puramente técnica. Assim se escamoteia o movimento de valorização do capital e a sua lógica destrutiva de acumulação. O mesmo se passa com todos os tipos de ecokeynesianismo (Green New Deal). Rejeita-se também uma crítica superficial do consumo, que exige que as pessoas apenas comprem mais conscientemente e evitem o lixo etc. (23) O modo de produção e o conteúdo da produção (infra-estruturas, estilo de vida etc.) não são afectados por esta crítica. Foster & Cª observam que a crítica do consumo dirigida ao indivíduo tem um foco falso, simplesmente porque mais de 90% de todos os resíduos são produzidos pela indústria (Foster; Clark; York 2011, 363, cf. também Mock 2020).

Numerosas alegadas medidas contra as alterações climáticas, como o comércio de emissões ou projectos como a geoengenharia, não fazem mais do que continuar a destruição capitalista do mundo, como um comboio que avança inexoravelmente para o abismo (Zelik 2020, 127ss.). (24) "A lista de tretas reaccionárias suscitada pelas alterações climáticas é longa", como observa Tanuro (Tanuro 2015, 128). Entre as tretas reaccionárias inclui-se o debate demográfico, que "entra pela porta grande no debate climático" (ibid.). Assim os economistas sugeriram seriamente "se não se deveria complementar o mercado de direitos de emissão de gases com efeitos no clima com um mercado 'do direito à reprodução' (!) para controlar o impacto da demografia nos países em desenvolvimento sobre o clima" (ibid.). Os economistas da "London School of Economics" compensam as vidas humanas por nascer e as suas presumíveis emissões de CO2 com as poupanças de CO2 das tecnologias verdes. Assim, estes lacaios ideológicos calcularam que "gastar sete dólares por ano em planeamento familiar até 2050 [pouparia] mais de uma tonelada de CO2. Para obter o mesmo resultado utilizando tecnologias verdes, seria necessário gastar 32 dólares" (ibid. 130). Dois supostos "especialistas" que escreveram um estudo para o Pentágono em 2003 alertam para uma "inundação de refugiados do clima" (!) e concluem que países como os EUA e a Austrália "provavelmente construirão fortalezas". Escrevem "a sangue-frio", como refere Tanuro, "que, 'à volta destas fortalezas, as mortes causadas pela guerra, mas também pela fome e pela doença, reduziriam o tamanho da população, que se ajustaria ao longo do tempo à capacidade de carga [do ecossistema]'" (ibid., 127s.).

Como acontece frequentemente, não é o sistema social que é objecto de crítica, mas sim as pessoas, tornadas supérfluas pelo capitalismo e em fuga da destruição ambiental e das guerras, que são vistas como o verdadeiro problema (cf. Mielenz 2008). Acresce que as alterações demográficas têm uma escala temporal diferente e, por isso, não faz sentido tentar travar as alterações climáticas através da política demográfica: "A demografia é um factor a ter em conta, mas não é uma causa das alterações climáticas e muito menos uma solução para o desafio de reduzir drasticamente as emissões, o que tem de ser feito em períodos de tempo extremamente curtos" (ibid., 129, ênfase TM, cf. também Mertens 1994).

Este discurso anti-humano de culpar a alegada "sobrepopulação" no Terceiro Mundo pelas alterações climáticas (que não só se mantém como discurso, mas também exige e implementa práticas assassinas) não é mais do que "o extermínio maciço dos pobres como se fossem lemingues excedentários" (ibid., 128). Note-se que estes discursos reaccionários de política demográfica também provêm da ONU, que se poderia ingenuamente pensar "estar acima de qualquer suspeita" (ibid., 128, cf. em pormenor, com enfoque na Etiópia: Abeselom 1995).

 

5. Sobre a crítica do "industrialismo"

Criticando as várias concepções de Green New Deal (que vão do neoliberal ao keynesiano de esquerda, cf. Schramm 2020, bem como Smith 2021), observou-se que elas apenas modernizam o capitalismo e o "pintam" de verde (com as habituais promessas burguesas de felicidade: trabalho, progresso e espectáculo), mas não abordam de modo nenhum os problemas fundamentais. Estes consistem, entre outras coisas, no nível de consumo de energia e de materiais propriamente dito. Bruno Kern e Saral Sarkar abordam esta questão em pormenor. Não se ganharia muito com  "alternativas verdes". Por exemplo, a conversão de toda a frota de automóveis para a electromobilidade não seria viável, desde logo porque nem sequer haveria lítio suficiente para as baterias (Kern 2019, 84), apesar de todo o neo-extractivismo na América Latina (para o qual também se fazem golpes de Estado), que já é desastroso (Bedszent 2019). Problemas semelhantes surgiriam com as células de combustível de hidrogénio (platina) e os biocombustíveis (estes últimos competindo fatalmente com a produção de alimentos). Por conseguinte um transporte individual sustentável e respeitador do clima é completamente ilusório (Kern 2019, 78ss.); pelo contrário, estaria na ordem do dia a abolição do transporte individual e não a sua modernização.

Um problema frequente neste contexto é que, mesmo no caso de tecnologias supostamente verdes, apenas se pensa em termos de economia empresarial e não na totalidade dos fluxos de materiais e de energia (ou seja, extracção, transporte, eliminação e reciclagem). Por conseguinte, o Green New Deal seria, de facto, apenas "o mesmo em verde" (Reckort 2019). Salienta-se que uma conversão para as energias renováveis não conduziria a uma economia sustentável e com baixo teor de CO2, antes pelo contrário: uma vez que o questionamento do consumo global, juntamente com o modo de vida associado, é absolutamente tabu, como salienta Kern (Kern 2019, 53), uma substituição correspondente conduziria de facto a um maior consumo de matérias-primas, uma vez que a substituição por si só não questiona de todo o "paradigma do crescimento", mas perpetua-o. Além disso, a procura de energia está a aumentar de qualquer modo, especialmente devido à digitalização (ibid., 77). (25) No discurso sobre as energias renováveis, o material e a energia necessários para produzir células solares etc. não são frequentemente tidos em conta, nem a questão da durabilidade – que é crucial para "recuperar" a energia necessária para a sua produção –, nem o esforço necessário para as eliminar ou reciclar novamente. As células solares não são produzidas pela energia solar. O consumo real de matérias-primas está relacionado, em primeiro lugar, com o facto de a própria extracção de matérias-primas exigir energia fóssil (e é pouco provável que isto mude tão cedo) e, em segundo lugar, com o facto de as baterias dos automóveis, as turbinas eólicas etc. exigirem matérias-primas que têm de ser eliminadas de forma dispendiosa após a extracção. Em segundo lugar, as baterias dos automóveis, as turbinas eólicas etc., requerem matérias-primas que têm de ser processadas a um custo elevado após a sua extracção (e há ainda o problema da eliminação das baterias e turbinas eólicas descartadas etc.). Devido à natureza finita das matérias-primas (e aos custos e limites da reciclagem) e ao facto de as áreas mineiras recentemente desenvolvidas serem tendencialmente de mais difícil acesso, os custos de continuar a poder extrair matérias-primas também aumentam (porque os depósitos mais facilmente acessíveis são extraídos primeiro). Isto aplica-se sobretudo aos metais que não estão disponíveis em quantidades ilimitadas, mas que continuam a ser indispensáveis (como o cobre para os cabos eléctricos). "Renovável não significa ilimitado" (ibid., 61). Além disso, quanto mais se adiar uma transformação ecológica, mais difícil se tornará a mudança para outras tecnologias devido à crescente escassez de recursos (cf. também Unnerstall 2021) e menos úteis serão as medidas de protecção climática. Devido a efeitos de feedback positivos, como o degelo do permafrost e a subsequente libertação de metano ou a redução da reflexão da luz solar devido ao derretimento do gelo, o aquecimento global (ou melhor, a queima global) tornar-se-ia um automotor imparável. A isto chama-se "atravessar pontos de viragem". A humanidade encontra-se assim numa "crise de aperto em tenaz" (Sarkar 2010, 318, Kern 2019, 41ss.). A questão crucial de Kern é: "Como podemos criar uma sociedade solidária numa base de recursos materiais muito mais estreita" (Kern 2019, 155)?

A conclusão central dos dois autores é a necessidade de dizer adeus à economia industrial. Isto significa: seria crucial uma redução radical do consumo global (de energia e de matérias-primas), um reforço da economia regional; ao mesmo tempo, as ligações supra-regionais não devem ser completamente abolidas, uma vez que "os módulos solares, as luzes LED ou os sistemas de transporte sustentáveis [...] não podem ser produzidos numa qualquer 'oficina'" (ibid., 181), mas sim a suspensão da construção de certas infra-estruturas (aeroportos, estradas etc.) e a abolição de todos os produtos-sucata (obsolescência programada) e de produtos sem sentido (SUV, cruzeiros de férias, material de guerra etc.). Uma sociedade sustentável teria de ser "se não exclusivamente, pelo menos maioritariamente baseada em recursos renováveis" (ibid., 180ss.). A regionalização reduziria significativamente o consumo de material e de energia dos transportes (ibid., 158ss.). Além disso, um "desarmamento industrial" (ibid.) incluiria também a produção de menos máquinas em geral ou a dispensa de máquinas em determinadas áreas: ou seja, a produtividade do trabalho teria de ser reduzida, uma vez que se sabe que um aumento da produtividade do trabalho conduziu a maior utilização destrutiva e maior consumo da natureza (pelo que o "reino da liberdade" de Marx continuaria a ser uma ilusão) e se basearia, em última análise, numa maior procura de energia. Na agricultura sustentável, por exemplo, teria de se recorrer de novo a muito mais trabalho físico. A produção industrial não desapareceria, mas seria apenas um aspecto secundário (ibid., 181). Sarkar coloca a questão de forma semelhante: "As fontes alternativas de energia renovável que estão realmente disponíveis actualmente, ou seja, sem quaisquer problemas – biomassa, vento e água – não estão disponíveis em quantidade e qualidade suficientes (26) para manter viva a civilização industrial actual. É por isso que a economia mundial começará a diminuir mesmo antes do fim da era do petróleo. A população mundial também (!!). A humanidade no seu conjunto terá de se contentar com muito menos bens e serviços. E terá de trabalhar muito mais com a sua força física" (Sarkar 2010, 348, sublinhado no original).

 

Mesmo que parte do que Kern e Sarkar compilaram seja digno de consideração e uma componente necessária de um "programa de abolições", em termos marxistas ambos falham a "dialéctica das forças produtivas e das relações de produção". Isto torna-se claro, por um lado, no facto de nenhum deles se debruçar sobre uma infra-estrutura supra-regional alternativa (apenas afirmam que tal coisa tem de existir "de algum modo") e sobre as possibilidades técnicas que seriam concebíveis, viáveis ou desenvolvíveis e realizáveis. O politólogo Raul Zelik escreve: "Nos movimentos críticos do desenvolvimento e do crescimento, há por vezes ideias erradas sobre o que significaria a saída de certas indústrias para as infra-estruturas de saúde pública e de transportes que continuam a ser desejáveis. Nem os equipamentos médicos nem os metropolitanos podem ser produzidos sem fábricas de alumínio e indústrias petroquímicas. Assim, não se deve tratar de uma eliminação total das tecnologias e indústrias, mas sim de uma ponderação dos efeitos a nível social (em vez da orientação para o lucro)" (Zelik 2020, 204). "O que é crucial é que sejam definidos objectivos alternativos para a actividade económica" (ibid., 202). Uma "transformação" do aparelho de produção e de infra-estruturas resultante das relações capitalistas não teria de incluir apenas a sua redução quantitativa ou o seu encerramento. Pelo contrário, "a tarefa é revolucionar as próprias condições materiais de produção ao nível social global e tomar como objectivo as necessidades, (27) bem como a preservação das bases naturais. Isto significa que não poderá haver mais desenvolvimento descontrolado segundo o critério geral e abstracto da chamada racionalidade da economia empresarial. Os diversos momentos da reprodução social devem ser considerados no contexto da lógica própria do respectivo conteúdo. Por exemplo, os cuidados médicos e a educação não podem ser organizados segundo o mesmo padrão da produção de máquinas de perfurar ou de rolamentos de esferas. [...] Mesmo dentro da própria indústria, tem de ser suplantada esta lógica do valor, que transforma as forças produtivas em forças destrutivas, enquanto vai desbastando domínios necessários à vida, por falta de 'rentabilidade'. Assim, a mobilidade não deve ser eliminada, ou reduzida ao nível de carroças puxadas por burros, mas sim, partindo da forma destrutiva do transporte automóvel individual, transformada numa rede qualitativamente nova de transportes públicos. Os ‘excrementos da produção’ (Marx) [cf. Marx1973, 110ss.] não podem continuar a ser espalhados na natureza, em vez de serem integrados num circuito industrial. E a 'cultura de combustão' capitalista não pode ser mantida, exigindo-se, pelo contrário, um uso diferente dos materiais energéticos fósseis. Finalmente, é preciso que os momentos da reprodução insusceptíveis de serem abrangidos pelo valor e pelo trabalho abstracto, que foram dissociados da sociedade oficial e historicamente delegados nas mulheres (trabalho doméstico, acompanhamento, cuidados etc.), sejam organizados de forma conscientemente social e descolados da sua fixação sexual. Esta ampla diversificação da produção industrial e dos serviços, segundo critérios puramente qualitativos, é algo diferente de um anti-industrialismo abstracto; mas exige a abolição da razão capitalista, da síntese através do valor e do cálculo económico empresarial daí resultante" (Kurz 2013a, 29s.).

 

Zelik e o geógrafo económico e ecossocialista marxista Christian Zeller (Zelik 2020, 207, Zeller 2020, 69) também escrevem que a produtividade do trabalho teria de ser novamente reduzida em certas áreas para limitar o consumo de material e energia. Contra um "produtivismo" de esquerda, é correcto dizer que o desenvolvimento da produtividade do trabalho, a automatização e a digitalização em curso servem para reduzir a parte do capital relativo no capital total. Isto significa que não faria necessariamente sentido manter o nível de produtividade alcançado em todo o lado (quem quer ser servido por robôs de assistência?). Se deixar de haver capitais a competir entre si, faz pouco sentido falar de um "nível de produtividade" quando diferentes "produtividades" podem coexistir em paralelo. Ou seja, nada impediria que certos produtos fossem produzidos de uma forma ou de outra, consoante a necessidade, a situação e o local. "Empresas artesanais", "fábricas" etc. deixariam de ser capital (e, portanto, empresas privadas ou estatais) e, por conseguinte, não teriam de competir pelas vendas, deixaria de haver um nível médio de produtividade em relação ao qual todos teriam de se medir, e também não haveria uma compulsão a que todos os locais de produção estivessem sujeitos a aumentar sempre a sua produtividade. Com efeito são apenas as relações capitalistas que obrigam as máquinas a funcionar como capital e a inundar o mundo inteiro de mercadorias. Por isso, se o consumo de energia e de materiais tem de ser refreado, não é de modo nenhum apenas através do recalcar das forças produtivas. As máquinas podem ser novamente desligadas depois de terem produzido um produto duradouro, ao contrário do capitalismo, em que é impensável que uma fábrica descanse após a satisfação da "necessidade real" até à próxima necessidade de produção. Se não houvesse capital, também não haveria "nenhuma necessidade ilimitada de trabalho excedente" (Marx 2005, 250) e, portanto, nenhuma necessidade de realizar um "produto excedente" (cada vez mais sem sentido) (cf. Hüller 2015, 16ss.).

Seria, portanto, incorrecto identificar as forças produtivas (no sentido de tecnologia) com a sua utilização como capital, ou a sua existência com a sua produção/utilização/eliminação ecologicamente problemática. Por isso, quando se fala da necessidade de ter de fazer mais trabalho físico (outra vez), não se deve deixar de analisar esta direcção do ataque em termos de crítica da ideologia: o apelo a fazer mais trabalho físico (outra vez) por razões ecológicas justifica certamente a possibilidade de activar uma ética protestante do trabalho ecologicamente legitimada, com a qual uma pessoa se teria de sacrificar pela "natureza".

 

Por outro lado, o défice teórico de uma "contracção da economia" torna-se particularmente claro quando Sarkar fala de um "mundo sobrepovoado" (ibid., 288). Com o seu aparte de que a população mundial tem de encolher, tal como a economia, Sarkar mostra-se capaz de alinhar com as partes mais reaccionárias do movimento pós-crescimento (Tanuro 2015, 167ss.) ou mesmo pior. (28) Kern, por outro lado, em contraste com a declaração bastante abrupta de Sarkar, ainda tenta fornecer razões. Kern distancia-se explicitamente de um malthusianismo "no sentido de uma 'selecção dos supérfluos'" (Kern 2019, 37). A sobrepopulação, segundo Kern, deve estar relacionada com a "respetiva pegada ecológica e, medida por este critério, são precisamente as nações industriais ricas que estão 'sobrepovoadas'" (ibid.). Assim, ele argumenta de forma semelhante à publicista Verena Brunschweiger, que escreveu que se deveria prescindir de ter filhos por razões de protecção climática, uma vez que isso reduziria o consumo de recursos e, consequentemente, as emissões de CO2. Este facto torna claro que a "sobrepopulação" não tem realmente nada a ver com o mero "número de pessoas" (cf. Meyer 2020b), mas muito mais com um modo de vida e de produção destrutivo. No entanto, Kern chama a atenção para outro aspecto, nomeadamente o da finitude da produção agrícola em geral e o facto de a Terra não poder alimentar um número arbitrário de pessoas (nem mesmo numa sociedade liberta do capitalismo), especialmente porque a quantidade de solo arável está a diminuir devido à erosão e desertificação (Peak Soil). (29) As alterações climáticas irão agravar enormemente esta situação. As projecções que indicam que dez mil milhões de pessoas ou mais podem ser facilmente alimentadas "baseiam-se em falsos pressupostos, como a actual utilização agrícola intensiva do solo, que não é obviamente sustentável". Uma agricultura sustentável seria – segundo Kern – "mais extensiva em termos de terra e menos produtiva" (Kern 2015, 335). (30) Por conseguinte, seria "indispensável examinar todas as possibilidades de como o crescimento populacional pode ser travado de uma forma não repressiva" (Kern 2019, 38). Infelizmente, Kern não entra em pormenores. O que é surpreendente, especialmente porque ele menciona como esse tópico é controverso na esquerda.

Se se quisesse iluminar as possibilidades correspondentes, estas deveriam incluir, acima de tudo, uma luta contra o patriarcado, que reduz as mulheres a "máquinas de gerar filhos". Isto incluiria uma crítica da religião, para além de uma crítica das ideologias de maternidade étnica: Considere-se, por exemplo, a atitude repressiva da Igreja Católica em relação ao aborto, ou os militantes "pró-vida" que frequentemente provêm do espectro evangélico do fundamentalismo cristão (Centro de Planeamento Familiar – Balanço 2012). Nos locais onde os fanáticos religiosos ganham influência, é sempre possível observar um aumento do terror patriarcal, pelo que o fundamentalismo religioso tem sido correctamente designado como um "movimento de protesto patriarcal" (Riesebrodt 1990). No entanto, o núcleo patriarcal do fundamentalismo tem sido frequentemente desvalorizado pelos seus críticos, maioritariamente masculinos (Sauer-Burghard 1992).

Todas as ideologias pronatalistas que consideram ter muitos filhos, muitas vezes sobretudo rapazes (por exemplo, na Índia), como uma virtude ou mesmo um dever devem ser combatidas. No entanto é fundamental que as circunstâncias sociais também sejam tidas em conta, uma vez que um elevado número de filhos dificilmente é causado apenas por uma ideologia patriarcal, mas sobretudo pelas condições de vida socioeconómicas (para além da educação, do grau de urbanização etc.). Heide Mertens escreve: "Não é o medicamento contraceptivo adequado, mas as circunstâncias sociais em que as mulheres têm filhos que são decisivas para o número de filhos que têm. Não é o número de pessoas que determina o estado do ambiente, nem o nível tecnológico do processamento da natureza, mas a forma como as pessoas produzem" (Mertens 1994, 182).

Note-se que a referência, geralmente racista, ao chamado excesso de população tem servido repetidamente de pretexto para não abordar a crítica da economia política e do patriarcado, mas para acusar os pobres (especialmente os do "Terceiro Mundo") da sua mera existência e para a negar (Abeselom 1995, Kayser 1985). Para além disso, a afirmação de que a população continuará sempre a crescer não é de todo defensável em termos empíricos. A crítica deve também centrar-se nas consequências sociais da redução da população (que não podem ser discutidas em pormenor aqui: cf. Bricker; Ibbitson 2019, bem como Wildcat n.º 104, 20ss.).

No que diz respeito ao presente, este "discurso da sobrepopulação" continua a ser extremamente explosivo, "porque, especialmente no actual movimento ecológico, é mais uma vez assumido de ânimo leve que, em primeiro lugar, há ‘demasiadas’ pessoas, que, em segundo lugar, estão a destruir a Terra com o seu consumo desenfreado" (ibid., 21). No entanto, se cada vez mais regiões do mundo se tornarem inabitáveis devido ao aquecimento global, temos de estar preparados para movimentos de refugiados e fomes sem precedentes. Ainda não está claro como "formas não repressivas [de] conter o crescimento populacional" (Kern 2019, 38) são supostas evitar isto. Continua a ser decisivo pôr fim à transformação e destruição do mundo pelo capitalismo.

 

6. Ecossocialismo e teoria marxiana da crise

As análises da teoria da crise tendem a receber pouca atenção no discurso ecossocialista. São frequentemente uma repetição das teorias de crise marxistas ou marxianas (por exemplo, Sakrar 2010, 21ss.). Ou seja, a tónica é colocada nas crises de subconsumo e de sobreprodução, na queda tendencial da taxa de lucro e na teoria da crise de Rosa Luxemburgo (ibid., 46ss.). (31) As considerações da teoria da crise não incluem a crise do trabalho. (32) Não se vislumbra, portanto, uma crise categorial do capital, e muito menos um concomitante "asselvajamento do patriarcado" (Scholz 1998).

Mantendo-se no horizonte categorial do marxismo do movimento operário, muitos ecossocialistas têm um entendimento truncado da crise dos anos 70, de 2007 e anos seguintes etc. A crítica de John Bellamy Foster e Fred Magdoff ao capitalismo, por exemplo, baseia-se na “formulação de um ‘capital monopolista’ a dominar os trabalhadores e a sociedade em geral. Para eles, o boom fordista, pós II Guerra Mundial e seus processos de acumulação teriam se baseado no controle oligopolista dos preços de mercado por parte de trustes e cartéis em processo de globalização [...] A crise do capitalismo dos anos 1970, assim, teria se dado devido a um problema de subconsumo da classe trabalhadora, em razão dos altos preços oligopolistas das mercadorias e altos níveis de exploração do trabalho." (Pitta 2021, 73s. [24]) Além disso, a crítica de Foster & Magdoff é contra a "irracionalidade dos mercados que conduziria à falta de produtividade do capital e à instabilidade das bolhas financeiras caracterizadas como especulativas por eles. Os autores engendram uma saída meramente distributivista e que centra no planejamento estatal da economia capitalista a possibilidade de retomada econômica e “reacoplamento” entre “financeirização” e PIB dos países. No limite, tais autores nem almejam ou formulam uma superação das contradições basilares da sociedade capitalista, mas apenas sua adequação ao postulado de uma economia racionalizada e regulada pelo Estado planificador como forma de alcançar preços justos de mercado, crescimento econômico e o fim da especulação financeira promotora de instabilidades generalizadas" (ibid., 75 [26]).

 

No entanto, Foster & Cª falam de facto de uma "crise terminal" num sentido ecológico e não no sentido de um limite interno ao movimento de valorização do capital em geral: "Quando falamos hoje da crise económica global, estamos, no entanto, a referir-nos a algo que pode vir a ser terminal, ou seja, há uma grande probabilidade de uma crise terminal – o fim de todo o período de domínio humano no planeta – se não mudarmos rapidamente de rumo. As acções humanas estão a produzir alterações ambientais que ameaçam a extinção da maioria das espécies da Terra e, juntamente com a civilização, possivelmente a nossa própria espécie" (Foster; Clark; York 2011, 402, sublinhado no original). Os autores sublinham que a lógica funcional básica do capitalismo torna-o incapaz – como a história tem demonstrado repetidamente – de lidar com os recursos e a natureza com sentido e de forma sustentável. O capitalismo só pode evitar todas as distorções e destruições deslocando-as ou externalizando-as, a fim de estabelecer repetidamente a dinâmica destrutiva da valorização (ibid., 73ss.). Um New Deal Verde ou um ecocapitalismo verde não alteraria este facto (cf. também Kern 2019, 85ss., 146ss.).

Foster, Clark e York, nos seus comentários (redutores) sobre a crise da economia mundial, sublinham as consequências ecológicas da crise, ou seja, que a crise está mesmo a acelerar a destruição da natureza: "Desde o início dos anos 70, a economia mundial tem sofrido de uma relativa estagnação [...] acompanhada de um aumento do desemprego e do excesso de capacidade. […] Ao mesmo tempo, o centro do sistema passou da produção de bens e serviços, que constituem o produto nacional bruto, para a multiplicação especulativa de activos financeiros. Um dos resultados destes processos foi a aceleração do ritmo de degradação do ambiente. Como resultado, não foi por acaso que em todo o mundo se verificou uma aceleração da destruição dos ecossistemas florestais naturais remanescentes, que segundo os critérios de Wall Street (!) são considerados como aplicações financeiras não activas a liquidar o mais rapidamente possível" (Foster; Clark; York 2011, 198s.). Os autores mostram o enorme desprezo pela humanidade que as elites funcionais do capital demonstram no sobreaquecimento das pessoas e da natureza: "Aqui é inevitável recordar os planeadores do Hudson Institute, que no processo de planeamento de uma grande barragem na Amazónia, no início dos anos setenta, chegaram a propor – como um crítico observou na altura: ‘Quem é que se importa se as inundações afogarem algumas tribos que não foram evacuadas porque se presumia que viviam em terrenos mais elevados, ou se algumas das espécies que vivem na floresta forem dizimadas’. De modo semelhante Lawrence Summers, agora o principal conselheiro económico de Obama, [...] escreveu um memorando interno afirmando: ‘A lógica económica de despejar um monte de resíduos tóxicos num país de baixos salários não é questionável e, portanto, devemos considerá-la’. Justifica-o com o seguinte argumento: ‘O cálculo do custo da poluição nociva depende das receitas previstas devido ao aumento das taxas de doença e de mortalidade. Deste ponto de vista, um determinado montante de encargos com a saúde deve ser imposto ao país com o custo mais baixo, que será normalmente o país com os salários mais baixos'" (ibid., 92).

 

Assim, para os ecossocialistas, a crise ecológica (crise climática, crise da biodiversidade, crise das matérias-primas, Peak Soil) é sem dúvida um factor central, que "pode ser descrito sem exagero como um apocalipse iminente" (ibid., 106). Dada a natureza finita dos recursos terrestres e a urgência de uma acção eficaz contra o aquecimento global e a destruição da biodiversidade, parece óbvio centrarmo-nos na crise ecológica. Uma vez que o tempo urge, as teorias marxistas (marxianas) da crise seriam apenas de valor secundário. O capitalismo será conduzido definitivamente ao "colapso" pelos limites ecológicos, o que, no entanto, não terá qualquer utilidade para ninguém quando a Terra se tornar largamente inabitável para os seres humanos. Nas palavras de Kern: "Hoje em dia as tendências de crise do capitalismo e um possível limite absoluto com que se depara teriam de ser reflectidas de forma completamente diferente dos tempos de Marx e dos seus sucessores imediatos. A crise contra a qual o capitalismo irá inevitavelmente fracassar provavelmente não resulta em primeiro lugar da sua autocontradição imanente, mas decorre de um limite externo que é de natureza física e geológica e, portanto, inevitável: a natureza finita dos recursos naturais da Terra e a sua crescente escassez, por um lado, bem como os limites da capacidade de carga do ecossistema da Terra, por outro lado, estabelecem um limite absoluto para a valorização do capital numa escala cada vez mais elevada. Estas condições naturais já não são compatíveis com a compulsão de crescimento inscrita no próprio capitalismo" (Kern 2015, 305). Noutro lugar, escreve: "Perante este limite absoluto, já não é concebível qualquer tipo de ‘externalização’, qualquer transformação imanente ao sistema. As teorias da crise de Marx têm apenas um valor parcial face a esta qualidade completamente nova" (Kern 2019, 191).

Por isso, poder-se-ia argumentar com Kern que, perante a catástrofe ecológica, é apenas de interesse secundário saber se o capitalismo acabaria por perecer devido às suas contradições internas ou se seria capaz de um novo modelo de acumulação; pois a crise ecológica e a urgência da sua solução existiam em ambos os casos.

 

Ao contrário de um "reducionismo ecológico" (Robert Kurz), que reconhece um limite externo mas não reconhece um limite interno ou o declara secundário, a teoria da crise da crítica da dissociação-valor pega na "contradição entre matéria e forma" (Ortlieb 2009). Assim, o limite interno da valorização do valor e o limite externo da natureza revelam-se como aspectos de um processo fetichistamente "deformado" de metabolismo com a natureza, que, a partir da sua dinâmica interna, caminha para um limite histórico. O movimento de valorização capitalista desencadeia uma dinâmica histórica que mina a sua própria substância, ou seja, o trabalho abstracto. O factor decisivo é a crise do trabalho através do desenvolvimento das forças produtivas. Isto conduz a uma crescente racionalização eliminatória do trabalho rentável do processo de produção, a par de um consumo crescente de material e energia (o que não significa, porém, que este último aspecto se aplique a todos os subsectores). Ortlieb explica: "Devido ao aumento da produtividade, ao longo da história do modo de produção capitalista mudou dramaticamente a relação quantitativa entre a riqueza abstracta medida em tempo de trabalho e os recursos materiais necessários para a sua produção. O próprio aumento da produtividade tem a sua origem na busca de lucros extra que estão ao alcance de quem consegue produzir mais barato que a concorrência. Este desenvolvimento significa que o trabalho é cada vez mais removido do processo de produção e substituído por máquinas. Com cada vez menos esforço de trabalho pode produzir-se cada vez mais riqueza material. Mas, uma vez que este não é o verdadeiro significado e propósito da produção, o tempo de trabalho não é reduzido, como seria possível e faria todo o sentido em termos materiais, mas é o cálculo inverso que é apresentado: para a produção da mesma riqueza abstracta, medida em tempo de trabalho, é preciso um output material cada vez maior e – uma vez que o trabalho é substituído por máquinas – um consumo ainda mais fortemente crescente de recursos. [...] A causa comum da crise económica e da ecológica reside nesta ‘contradição em processo’ (Marx), que consiste em o capital retirar cada vez mais o trabalho para fora do processo de produção, trabalho em cuja exploração, no entanto, a sua riqueza se baseia, riqueza que ele tem de continuar a procurar. Os suportes materiais da riqueza abstracta forçada ao crescimento excessivo são afinal finitos, de modo que esta expansão tem necessariamente de embater contra barreiras: a da procura solvente limitada (crise económica) e a dos limites naturais (crise ecológica)." (Ortlieb 2019, 321). Crise ecológica e crise de valorização são, portanto, as duas faces da mesma moeda. Por conseguinte, não é de modo nenhum o caso de a teoria da crise de Marx (que permaneceu fragmentária) ser agora apenas "de valor parcial" (Kern 2019, 191). O que teria de ser "historicizado", no entanto, seriam as teorias da crise do marxismo do movimento operário, que vêem uma crise do capitalismo como condicionada principalmente pela luta de classes e pela acção revolucionária do proletariado, ou aquelas reduzidas ao nível da circulação (como a de Rosa Luxemburgo), em que uma crise é apenas uma crise de limpeza ou uma crise de imposição do "próximo modelo de acumulação" (Kurz 2012, 244ss., 2005, 166ss., 2013b, 98ss., cf. também sobre as teorias marxistas da crise: Mattick 1974)

 

7. O papel do Estado

O que é notório nos ecossocialistas (marxistas ou não marxistas) é que os seus défices na teoria da crise também se reflectem num défice na teoria do Estado. A objecção à avaliação de Kern da teoria da crise de Marx seria que, sendo uma teoria mais desenvolvida, seria tudo menos secundária, se pudesse demonstrar que a capacidade de acção do Estado seria “prejudicada” pelo limite interno do capital. A capacidade de acção do Estado pressupõe a sua capacidade de financiamento. Esta deve ser assegurada por uma valorização bem sucedida do capital (nacional). Se o Estado atinge os limites da sua capacidade de financiamento, ou seja, da sua própria capacidade de valorização, então toda a acção do Estado é reduzida a desesperadas "estratégias de administração da crise". O curso da crise desde 2008, em que a crise dos mercados financeiros continuou como crise das finanças do Estado, incluindo colapsos estatais e a ameaças de falência do Estado, mostra que o Estado não é de modo nenhum soberano na realização do valor, mas é um participante ou parte deste processo. O Estado "não é a solução, mas uma parte integrante do problema" (Kurz 2010, 28). A crise do Estado como parte da crise do processo de valorização conduz, em última análise, à desintegração do próprio Estado. As suas instituições e os seus aparelhos de segurança asselvajam-se e pouco ou nada se diferenciam das milícias terroristas (Kurz 2003, Bedszent 2014). Uma teoria da crise marxiana possivelmente insuficientemente recebida [?] (33) e a ignorância de uma teoria da crise que continua a pensar Marx para além de Marx (Kurz 2012) levam a que a crise do próprio Estado se desvaneça. Apesar de todas as críticas ao Estado capitalista, Kern deposita alguma confiança na sua "capacidade prática de moldar as coisas". Para iniciar uma transformação ecossocialista, a economia teria de ser encolhida como "primeiro passo" – aqui Kern junta-se aos economistas pós-crescimento (Meyer 2021, 152ss.) – para pôr fim ao consumo desenfreado de recursos e de energia. Esta "fase de contracção requer um Estado forte" (Kern 2019, 174). Por necessidade e por falta de alternativas, o Estado democrático é procurado como actor para conduzir o processo de uma economia em contracção e para absorver as consequências sociais: "Mas na fase de contracção, em que sectores industriais inteiros (por exemplo, a indústria mineira) entram em colapso, em que indústrias-chave têm de ser reduzidas a uma fracção da sua dimensão anterior (na Alemanha, por exemplo, a indústria automóvel) e em que, sem um controlo político adequado, grandes massas de desempregados são confrontadas com o nada social, é necessário um actor democraticamente legitimado que tenha os meios para controlar esse processo. Independentemente da visão fundamental da relação entre Estado e sociedade [...] a questão mantém-se: que outro sujeito estaria disponível para intervir e dirigir nesta situação" (ibid., 34)?

 

O Estado é assim procurado por Kern como o actor para encolher a economia e limitar rigorosamente a oferta de energia. Para isso o poder de acção do Estado seria fundamental. O poder de acção do Estado e, portanto, todas as medidas para a transformação ecossocialista requerem recursos financeiros correspondentes. Isto "requer uma reestruturação do sector financeiro" (Kern 2019, 167). Referindo-se ao economista "heterodoxo" Helge Peukert, Kern salienta que a dependência das finanças estatais da tributação de uma economia baseada no crescimento, bem como a dependência "da grande economia financeira", devem ser eliminadas: "Uma economia em retracção requer uma política monetária soberana (!) do Estado, que não dependa precisamente das receitas de uma economia impulsionada pelo crescimento". O financiamento do Estado deve deixar de estar "dependente do alimentação endovenosa do capital". Para o efeito, o "sistema de criação de moeda até aqui vigente teria de ser substituído por um 'sistema de moeda plena [vollgeld]' (!)" (ibid.).

O que é notável aqui é o salto do nível quantitativo ("de quanto dinheiro precisa o Estado para o objectivo pretendido") para o nível qualitativo ("de que tipo deve ser o dinheiro"). Afinal, o que é o dinheiro? Aqui vem ao de cima a mesma ausência total de conceitos de "dinheiro" e de "financiamento" que caracteriza o pensamento quotidiano e a economia burguesa dele derivada.

 

A desejada soberania do Estado em matéria financeira deve permitir-lhe absorver as distorções sociais ligadas à retracção e realizar os investimentos necessários. E prossegue: "Na fase da rápida transição agora necessária para uma sociedade sem crescimento, será importante fazer imensos investimentos em sistemas de mobilidade ecoconformes, por exemplo, e também conseguir oferecer às pessoas que perdem o emprego ou que vão (ter de) trabalhar significativamente menos horas um rendimento de recuperação (o chamado dinheiro de oferta). Isto só pode ser conseguido através de um banco central que, enquanto subdivisão do Ministério das Finanças, ofereça estes fundos a instituições públicas, ou seja, de modo que não sejam reembolsáveis em termos de pagamento de juros ou de liquidação do montante de dinheiro disponibilizado per se [...]. Só assim se evita o caos destrutivo quando, devido à falta de crescimento, as receitas fiscais deixam de fluir, os investimentos não se concretizam e os desempregados se interrogam como poderão sobreviver sem os seus rendimentos anteriores" (ibid., 169ss.). O colapso dos rendimentos é inevitável, uma vez que a contracção da economia implica a redução ou a supressão total de certas produções. De um modo geral isto conduziria a uma redução do tempo de trabalho (embora, por outro lado, uma vez que as máquinas teriam de ser dispensadas aqui e ali, o tempo de trabalho aumentasse ao mesmo tempo, por exemplo na agricultura). Mas tal não deveria ser compensado por uma correspondente compensação salarial, uma vez que ela conduziria à inflação, como observa Kern (ibid., 171).

Aqui torna-se claro que não se trata, de todo, de uma crítica da forma do valor nem da recusa de qualquer terror do financiamento. O valor e, por conseguinte, o dinheiro, já não devem acumular-se (D-M-D'), embora as necessidades devam poder exprimir-se numa procura solvente, pelo que o dinheiro necessário para tal não teria sido ganho num processo de acumulação bem sucedido (mesmo que através de medidas de redistribuição subsequentes), mas seria criado e oferecido pelo Estado. O dinheiro oferecido seria efectivamente um rendimento básico incondicional, que Kern critica, com razão, noutro lugar (ibid., 124ss., sobre o RBI: Salz 2020) deixando-se aí embalar em formulações como "mentalidade parasitária" (!) e "comportamento parasitário" (!) (ibid., 135).

Não é a forma do dinheiro em si que se pretende aqui abolir, mas aparentemente apenas o "dinheiro errado". Aqui se retoma um tema familiar da crítica pequeno-burguesa do capitalismo: A questão do "dinheiro certo", seja ele "'dinheiro em redução' (de acordo com Gesell), 'dinheiro de dívida' (debitismo) e 'dinheiro pleno' (especialmente sob a forma de moeda com cobertura em ouro) [...]. O que todos têm em comum é o facto de não verem o trabalho como fonte do valor e o dinheiro como expressão de condições sociais distorcidas, mas antes associarem o bem-estar a ideias idealizadas de dinheiro, enquanto as queixas reais e a própria frustração são atribuídas às propriedades materiais do dinheiro ‘errado’ de hoje" (Hüller 2015, 308).

Com um sistema monetário pleno, deixaria de haver juros sobre "contas correntes [...]" (Kern 2019, 169). (34) De acordo com Kern, a reestruturação do sistema financeiro inclui uma mudança na criação de dinheiro: com um sistema monetário pleno, apenas o banco central estaria autorizado a criar dinheiro (ibid.). Assim, "os empréstimos ilimitados dos bancos privados ('moeda escritural')" alimentam o crescimento e com ele os juros, uma vez que os empréstimos têm de ser pagos. Ou seja, "a criação de moeda com base em empréstimos só pode, em última análise, funcionar numa economia de crescimento" (ibid., 167ss.) e esta teria de ser abolida e substituída por uma "economia de estado estacionário" (ibid., 169), isto é, uma economia parada. Por outro lado, Kern sabe com Marx que "não é apenas dos juros [...] que resulta a compulsão para crescer, mas também da compulsão para acumular capital devida à concorrência capitalista" (Kern 2015, 325).

Fica por esclarecer por que é que o dinheiro pleno haveria travar o crescimento. Devido ao desenvolvimento da produtividade do trabalho (como causa e efeito da concorrência), a produção de mercadorias teria de aumentar mesmo que a massa de valor se mantivesse, ou seja, D'=D. Se a mais-valia e, por conseguinte, os juros fossem eliminados, aplicar-se-ia D-M-D-M'-D..., mas M'>M teria de continuar a ser o caso mantendo-se a massa de valor constante (D'=D). Se se suprimisse também o crédito dos bancos privados, certos processos de produção não poderiam ter lugar e o mesmo aconteceria com o consumo que depende do crédito. No fundo, toda a "economia real" está dependente do crédito, ou seja, da alimentação vinda do futuro, o que mostra que a socialização capitalista tem de esbarrar em limites históricos, quando já não pode processar-se sobre as suas próprias bases. Na melhor das hipóteses, a "normalidade" só pode ser simulada através de cadeias intermináveis de crédito. Fica por esclarecer donde vem a soberania financeira do Estado, sendo exclusivamente o Estado autorizado a criar dinheiro através do banco central e a distribuir dinheiro, ou seja, a subsidiar tudo. Se o Estado fosse assim soberano, ou seja, se pudesse criar os seus recursos financeiros independentemente dos acontecimentos da produção, teria de poder criar valor por decreto, independentemente do trabalho abstracto despendido, de que o dinheiro é a expressão. Nesse caso, o Estado estaria fora do processo de valorização. Perante o asselvajamento dos aparelhos de Estado e o colapso dos Estados (Estados falhados), tal não pode ser de modo nenhum o caso.

 

Tal como Kern, Zeller formula várias ideias sobre o modo como a transformação ecológica poderia ser financiada. Os custos não deveriam ser impostos à classe trabalhadora (Zeller 2020, 72), mas sim às empresas fósseis. Para isso seria necessário "quebrar as anteriores estruturas e aparelhos de poder dessas corporações"; pois é claro que as corporações não "abririam mão voluntariamente dos lucros" (92s.). Aparentemente não se gasta uma reflexão sobre a questão de saber se o termo "corporação" ou "empresa" pode sequer ser conceptualmente separado de "lucro". Zeller dedica um capítulo inteiro à "reestruturação do financiamento" (149ss.), que contém disparates tão grosseiros como os seguintes: "O sistema monetário, a poupança, os sistemas de crédito e de pagamento são instituições importantes no interesse da sociedade. Por isso, devem necessariamente obedecer à lógica dos serviços públicos, ser organizados e geridos como serviços públicos. O sistema financeiro não deve ser uma fonte de lucros (!)" (159). Pelo contrário, o sistema financeiro deve ser "posto ao serviço do público em geral e da transformação socio-ecológica" (158). E ainda: "As actividades do sistema bancário estão orientadas para o bem comum. Devem estar ao serviço da transição de uma economia capitalista e produtivista para uma economia baseada na solidariedade, na sustentabilidade e na compatibilidade ambiental" (162). É quase de chorar com tal palavreado. É suposto tudo se tornar diferente, sustentável, ecológico e social, mas tudo é exigido em categorias reais capitalistas. O carácter fetichista do dinheiro – a abstracção que se tornou real – não é reconhecido, mas aparentemente só se critica o seu mau uso. A sociedade ecossocialista seria uma sociedade capitalista em que tudo continuaria a existir como antes (trabalho assalariado, sector financeiro etc.), mas curiosamente já não deveria obedecer aos critérios capitalistas, especialmente ao imanente motivo principal ou único do lucro. Zeller exige algo impossível. Não se pode pôr uma bolha de sabão no bolso nem etiquetar o verso de uma fita de Möbius. Do mesmo modo não pode haver uma sociedade capitalista em que já não se trate da produção de riqueza abstracta.

 

Zeller pode ser visto como o antípoda de Bruno Kern num ponto fulcral: Enquanto Kern, com razão, "diz adeus ao proletariado" (André Gorz), Zeller adora mesmo o proletariado, engolindo a realidade, como Kern oportunamente critica. (35) Ao mesmo tempo há semelhanças. Também Zeller força o Estado a abordar uma transformação ecossocialista. O Estado é o Estado da classe burguesa, pelo que tem de haver uma mudança na "relação de forças" (ibid., 178). No entanto, o Estado não implementará voluntariamente a transformação necessária. Os trabalhadores organizados teriam de "forçar o Estado a fazê-lo" (ibid., 73), como é dito repetidamente. Os poderosos nunca foram desempoderados "voluntariamente" (ibid., 183, 201), é de esperar um "confronto duro" (ibid., 132). Zeller não explica exactamente o que isto significa ou o que poderia resultar daí. Aparentemente, ele quer sugerir que, para uma crítica prática eficaz, não basta limitarmo-nos a correntes de luzes e bloqueios de ruas. Se olharmos para os movimentos sociais dos últimos 200 anos, infelizmente dizem muito a favor desta posição. Andreas Malm, um "bolchevista do clima", critica, por isso, o facto de o movimento de protecção do clima mais recente ter sido, por vezes, demasiado brando (Malm 2020b). (36) A brandura de muitos movimentos sociais, no entanto, não se baseia apenas no facto de não serem suficientemente militantes, mas também no facto de não conseguirem libertar-se do capitalismo e, por conseguinte, de se moverem na via da sua "decência". O reaccionário burguês fica rapidamente indignado e não se apercebe de que a normalidade capitalista, a sua "normalidade", se baseia na violência (a mão invisível do mercado e o punho visível do Estado), contra a qual nunca tem nada a objectar, desde que seja "apenas" contra refugiados, esquerdistas ou activistas da protecção do clima (que são deliberadamente assassinados em alguns países). Em contrapartida, a "violência contra as coisas" ou as "interrupções do curso normal do tempo" são julgadas de forma bastante diferente – especialmente na Alemanha. Pelo que é preciso chamar a atenção para a repugnante hipocrisia do "discurso sobre a violência" burguês. (37)

Como Zeller sublinha em vários pontos, uma reestruturação correspondente deve ter lugar sem que ninguém perca o emprego ou tenha de aceitar uma perda de rendimentos (Zeller 2020, por exemplo, 82). A preservação dos postos de trabalho é crucial, caso contrário não seria possível "conquistar a grande massa de assalariados para o necessário programa de reestruturação industrial" (108). A redução do tempo de trabalho tem de ser efectuada "mantendo o salário integral" (63). Os "trabalhadores não devem ser prejudicados pela reestruturação industrial" (106) e, em caso de perda de postos de trabalho, deve haver "uma reconversão profissional gratuita com indemnização salarial integral" e com "garantia de emprego posterior (!)" (ibid.).

Zeller sublinha que um movimento ecossocialista tem de ser feminista e anti-racista e, ao mesmo tempo, vê um papel central para os sindicatos e para a classe trabalhadora no processo de transformação, especialmente no processo de conversão da indústria (reconversão e desconstrução), uma vez que este depende do conhecimento e das competências dos trabalhadores (ibid., 57, 76ss.). Aqui Zeller está de facto a engolir a realidade. Os sindicatos não se caracterizam em geral por posições ecológicas radicais (38) nem têm sido um baluarte eficaz contra os desaforos de todo o tipo na crise da sociedade do trabalho das últimas décadas, tendo antes contribuído para organizar o declínio social.

As posições ecológicas (que não são mais do que pseudomedidas superficiais) dificilmente se tornarão "capazes de conquistar a maioria" enquanto as pessoas continuarem existencialmente dependentes do trabalho. Uma vez que o local de trabalho é a base da existência de cada um, ninguém exigirá simplesmente que a sua própria indústria seja mais ou menos abolida, especialmente porque os assalariados nos Estados centrais capitalistas são, como Kern salienta, beneficiários do "modo de vida imperial" (Brand; Wissen 2017) (sendo que a pegada ecológica é distribuída de forma muito desigual mesmo nos Estados centrais capitalistas, cf. Zelik 2020, 199ss., sobre a pegada ecológica: Unnerstall 2021, 155ss.) e, por isso, é pouco provável que estejam dispostos a renunciar simplesmente a essa vida (aqui há que pensar sobretudo na chamada classe média burguesa, que sabe inclinar-se para a direita e que, em alguns casos, já vê conspirativamente aproximar-se uma alegada "ditadura ecossocialista" quando os preços da gasolina sobem). Os sindicatos, porém, não podem assumir um papel "progressista" enquanto não forem mais do que a representação dos interesses do capital variável, ou seja, da classe trabalhadora na sua função de material humano para o processo de valorização. Os sindicatos reconhecem fundamentalmente a lógica de valorização do capital e, por isso, não estão em condições de percepcionar as necessidades sociais e materiais para além do invólucro formal da valorização capitalista, e muito menos de as exigir (cf. Meyer 2021, 144ss.). A sua solução não é minimamente abaixo o sistema salarial, como Marx ainda esperava (Marx 1955, 77). O seu ponto de vista é o ponto de vista do trabalho, que, na melhor das hipóteses, deveria ser pago "com justiça", ou seja, mais bem pago: "O antigo movimento operário, enquanto não assumiu a posição de libertar-se do trabalho abstracto, mas sim a posição de libertar esse mesmo trabalho, ele próprio se amarrou a ser aquela mera parte integrante do capital e a encontrar um duvidoso ‘reconhecimento’ apenas nesse sentido" (Kurz 2013a, 32). Zeller não vai minimamente além disto. Não é impossível que a resistência social se forme a partir das fileiras dos sindicatos, explodindo a imanência capitalista. O "mínimo progressivo" poderia consistir em "suavizar" a própria situação concorrencial, por exemplo, através de greves dos trabalhadores da VW a favor de condições de trabalho dignas para os enfermeiros ou contra o encerramento de hospitais. Seria importante estabelecer um nível horizontal que reunisse os "emaranhados" materiais e sociais dos diferentes sectores de (re)produção. Seria crucial recusar todas as reservas de financiamento e opor-se à visão reaccionária de que toda a produção e distribuição deve ser "produtiva de capital" (ou que a produção prejudicial ao ambiente deve continuar porque é produtiva de capital). Uma greve que siga obedientemente os "canais oficiais" e que se limite a defender os salários e as condições de trabalho na sua própria empresa ou a preservar os empregos em piores condições (por muito compreensível que seja do ponto de vista do capital variável) faz parte mais da administração repressiva da crise do que de um movimento de emancipação social. Como Robert Kurz afirmou numa entrevista: "Se as trabalhadoras e trabalhadores assalariados se identificam com a sua própria função no capitalismo e exigem aquilo que precisam apenas em nome dessa função [...] reconhecem que apenas têm direito à vida se conseguirem produzir mais-valia. Daqui decorre uma concorrência acirrada entre as diversas categorias de trabalhadoras e trabalhadores assalariados e uma ideologia de exclusão social darwinista. Isto é particularmente evidente na luta defensiva pela conservação dos postos de trabalho, que não tem qualquer perspectiva para além disso. Aqui muitas vezes concorrem entre si pela sobrevivência até os empregados das diferentes empresas do mesmo grupo. Portanto, é essencialmente simpático, e de resto também mais realista, que os trabalhadores franceses tenham ameaçado fazer explodir as fábricas para forçarem a obtenção de uma indemnização de despedimento razoável. Estas novas formas de luta não são defensivas nem positivas, mas poderão ser combinadas com outras reivindicações, como por exemplo a melhoria do rendimento dos desempregados. Na medida em que de tais lutas sociais surja um movimento social, também este, com a experiência dos seus limites práticos, se confrontará com as questões de uma nova ‘crítica categorial’ ao fim em si fetichista do capital e das suas formas sociais" (ibid., 27s.).

 

Se o Estado continua dependente da valorização do valor e a sua capacidade de acção não pode ser soberanamente estabelecida por si, coloca-se a questão da eficácia e do alcance das suas possibilidades reais. No entanto, o alcance do Estado é limitado pelos imperativos da valorização e a sua eficácia reduz-se à reorganização do crescimento económico. O que tem de ser feito, por exemplo, no caso da protecção do ambiente e do clima, e o que pode ser feito com base nas possibilidades técnicas, fica limitado, de facto, a que o capital individual possa obter lucro para si próprio e, eventualmente, criar ou manter postos de trabalho. O que está realmente em causa (a protecção do ambiente e do clima) torna-se, assim, uma questão menor. Ou, nas palavras de Karl-Heinz Brodbeck: "Se isto tiver algum efeito na redução dos danos ambientais, é necessariamente apenas um efeito secundário, porque no mundo dos constrangimentos materiais só são possíveis soluções lucrativas. A quantidade de soluções técnicas rentáveis para evitar uma catástrofe ecológica é certamente muito inferior à quantidade de soluções tecnicamente possíveis e ecologicamente necessárias. Deve-se, portanto, [...] perguntar se, do conjunto de soluções tecnicamente possíveis para conter a devastação planetária, para eliminar a fome etc., aquele subconjunto delas que pode ser explorado de forma lucrativa é suficiente para inverter as tendências visíveis" (Brodbeck 2012, 1125, ênfase no original).

 

Os limites da capacidade de acção do Estado a nível categorial não são sequer remotamente iluminados pelos ecossocialistas. Isto também é claro no caso do já mencionado "democrata do clima" Andreas Malm, que também invoca a capacidade de acção do Estado. Segundo Malm, o Estado é essencialmente – em termos marxistas – o Estado da "classe dominante" que "dispõe" dos meios de produção.

No seu livro Klima|x, Malm faz referência a um texto de Lenine escrito em Setembro de 1917 (Lenine 1970), bem como ao comunismo de guerra dos bolcheviques, ou seja, à política económica bolchevique de 1918-21. No entanto, Malm não a utiliza como um modelo a imitar em todos os aspectos: "Deve, portanto, dizer-se que a invocação do comunismo de guerra não pretende, de modo nenhum, sugerir que vamos levar a cabo execuções sumárias, enviar brigadas a requisitar alimentos para o campo ou militarizar o trabalho – tal como ninguém que veja a Segunda Guerra Mundial como um modelo para a mobilização climática quer lançar outra bomba atómica sobre Hiroshima" (Malm 2020a, 238s.).

Hoje em dia, como Malm afirma correctamente, a humanidade está a enfrentar um inimigo mortal. Por analogia com os bolcheviques e a situação na Rússia em 1917, as alterações climáticas ameaçam hoje uma catástrofe de proporções globais, "atraso [...] significa morte" (Lenine citado em ibid., 226). Tendo em conta a urgência do tempo e a amplitude das medidas necessárias contra as alterações climáticas etc., são necessárias medidas extremas, ou seja, medidas realmente eficazes. Mas, uma vez que não existe outra coisa para além do Estado burguês e que "nenhum Estado baseado nos sovietes [...] verá milagrosamente a luz do dia de um dia para o outro [...], não temos outra alternativa senão trabalhar com este desolado Estado burguês, acorrentado como sempre aos circuitos do capital" (ibid., 227ss.). Assim Malm também argumenta que é necessário recorrer às instituições e infra-estruturas estatais. Muitas medidas que são viáveis hoje em dia podem ser implementadas pelo Estado, especialmente através de proibições abrangentes que imponham a redução das emissões de CO2 em termos reais (sem que ninguém possa comprar a sua saída através do comércio de emissões ou algo semelhante). Assim, Malm, citando Lenine, escreve: "Todos sabem que medidas devem ser tomadas; todos sabem, nos recantos obscuros da sua consciência, que os voos continentais devem ser suspensos, os jactos privados proibidos e os navios de cruzeiro desmantelados com segurança, que as turbinas e os painéis devem ser produzidos em massa [...], os metropolitanos e as linhas de autocarros alargados, as casas antigas renovadas – sabemos tudo isto e muito mais. Os ‘meios para combater as catástrofes e a fome estão disponíveis’ e são do conhecimento geral. ‘Se o nosso Estado tivesse realmente querido exercer um controlo sério e objectivo, se as suas instituições não se tivessem condenado à inactividade absoluta pela sua bajulação perante os capitalistas, o Estado teria apenas de arregaçar as mangas’. E aplica-se outra parte da lógica de Lenine: qualquer 'governo que estivesse disposto a salvar [o nosso planeta] da guerra e da fome' teria de se dedicar a esse trabalho" (ibid., 218s., ênfase no original). Mas é pouco provável que tais medidas sejam "voluntárias". Quando o Estado toma medidas – o que também se verificou no caso do coronavírus – está apenas a ajustar os parafusos para tratar os sintomas, sem atacar as causas fundamentais. A acção do Estado destina-se a manter o movimento de valorização do capital. Se não o fizer, por exemplo, não construindo grandes projectos absurdos ou não abatendo as florestas tropicais, (39) é sem dúvida no interesse do ambiente, mas não no interesse da valorização do valor. O Estado teria então falta de impostos e trabalhar-se-ia menos (o que aumentaria os custos do Estado).

Malm conclui que "nenhum Estado capitalista alguma vez fará tal coisa por si próprio. Teria de ser forçado a fazê-lo, utilizando-se toda a gama de pressões disponíveis ao público em geral, desde campanhas eleitorais a sabotagem em massa. Deixado à sua própria sorte, o Estado capitalista continuará a tratar apenas dos sintomas, que acabarão por atingir o seu ponto de ebulição" (ibid., 219, sublinhado no original).

O Estado teria de impor proibições, encerrar fábricas etc. e fazer cumprir essas medidas (pela força), mesmo que tivesse de ser obrigado a fazê-lo. O Estado teria de se enfraquecer a si próprio, ou seja, "pôr em perigo a localização" e, possivelmente, deixar um grande número de pessoas sem trabalho, do qual continuariam a depender mesmo depois de todo o tipo de proibições e expropriações, enquanto a reprodução social continuasse a efectuar-se sob formas capitalistas. Actos de sabotagem e "comunismo de guerra" de todos os tipos não ajudariam aqui nada.

Para além de "proibições draconianas" (Rob Wallace citado em ibid., 197), também se pretende nacionalizar as "empresas de energia fóssil" para as transformar "em programas de captura directa no ar" (ibid., 216), ou seja, para as tornar responsáveis pela remoção do CO2 da atmosfera. Em princípio, existe a possibilidade técnica de absorver o CO2 da atmosfera para o armazenar (Malm refere a start-up Climeworks). As empresas teriam de produzir um produto que não fosse vendido, mas armazenado no subsolo para sempre, o que não é possível em condições capitalistas, porque o objectivo de toda a produção é vender. Segundo Malm, a nacionalização poderia pôr termo a este absurdo. Para a conversão industrial subsequente, "era necessário muito dinheiro", que deveria vir "daqueles que têm a responsabilidade histórica pela emissão de CO2 em primeiro lugar" (ibid., 215). Também a nacionalização e os subsequentes processos de reestruturação técnica e organizacional teriam de ser financiados, mesmo que os chamados proprietários e accionistas fossem expropriados sem indemnização. Assim se mostra também aqui mais uma vez que o Estado continua dependente do processo de valorização do capital, que não pode produzir soberanamente os seus recursos financeiros e que tem de enfrentar o seu limite com eles.

 

O défice dos vários ecossocialistas em termos de teoria do Estado deverá ter ficado claro. Apesar de se constatar a dependência do Estado dos "circuitos do capital" ou do "crescimento", isto continua secundário ou apenas superficial. O Estado é interpretado de forma truncada como um "instrumento da classe capitalista", ou pensa-se que o Estado tem uma "política monetária soberana" que poderia organizar o "processo de contracção industrial" com "dinheiro pleno" e amortecer as distorções sociais que o acompanham através de subsídios (dinheiro de oferta). Em vez disso, a questão será exigir e lutar resolutamente pelas necessidades contra a forma dominante, em vez de prolongar como zombie a sua forma social através de um "financiamento alternativo". O trabalho como processo metabólico destrutivo da natureza deve ser radicalmente questionado e abolido, em vez de se tentar realizar um ecossocialismo com "garantia de emprego" com a ajuda do Estado, entre outras coisas. No entanto, contra a forma dominante também inclui "contra o Estado". Mesmo que continue a ser correcto arrancar o que é possível do Estado no âmbito das "lutas imanentes" (cf. Meyer 2021, 144ss.), o Estado faz parte do problema – e continua a ser uma ilusão confiar nele.

 

8. Perspectivas

Por mais louváveis que sejam os esforços dos ecossocialistas para incluir o processo de metabolismo com a natureza como um momento central da crítica social em ligação com Marx e Engels, os seus défices teóricos são igualmente claros. E testemunham a insuficiência de uma reavaliação e de um maior desenvolvimento do tradicional marxismo do movimento operário, do qual alguns não conseguem afastar-se de modo nenhum. No entanto, o distanciamento do marxismo do movimento operário é inútil se a "alternativa" a ele for justamente aquilo que normalmente se tenta resumir como "crítica pequeno-burguesa do capitalismo" e que, de facto, está generalizada em todos os tipos de contextos "alternativos" (pequeno-pequenino local e dinheiro alternativo).

 

O Estado não pode quebrar a sua própria constituição formal e, por conseguinte, é tudo menos a autoridade que poderia iniciar ou orientar uma transformação do modo de vida e de produção que já não pode ser uma modernização do capitalismo. Confiar, por necessidade, demasiada "capacidade de modelação" ao Estado e aos seus produtos decadentes pode revelar-se fatal. No fim de contas trabalha-se para aquilo que se pretende efectivamente evitar. De modo nenhum faria mais sentido apelar ao indivíduo, para que ele se torne agora a instância decisiva da mudança mundial (Quem, se não eu? Quando, se não agora?). Os imperativos éticos, por muito compreensível que seja o impulso de não querer ser um idiota consumidor imperial e de viver com sentido, pelo menos dentro do seu próprio "alcance", desvanecem-se na impotência do indivíduo face à prisão da "auto-responsabilidade resiliente autónoma" (Graefe 2019) e, por conseguinte, são escamoteadas as formas sociais de coerção através das quais a "vontade individual" (cf. sobre isso também o texto de Herbert Böttcher e sua crítica a Kant nesta edição da exit!) é restringida e jogada de volta sobre si mesma (sobre isso também cf. Distelhorst 2019). Por outro lado, a própria impotência também pode servir de desculpa para se afundar na passividade e no derrotismo (não há nada que possamos fazer de qualquer maneira!) ou para recorrer a todo o tipo de disparates compensatórios (utopia da loja biológica aqui e agora ou semelhante).

 

As alterações climáticas são evidentes e ninguém as nega, à excepção dos fascistas ou dos ideólogos da conspiração. Por outro lado, os oponentes destes, ou seja, os meios supostamente progressistas, não são o seu contrário, mas sim aqueles que afirmam que o "modo de vida imperial" (Brand; Wissen 2017) poderia ser "modelado" de forma ecologicamente verde sem que o patriarcado produtor de mercadorias fosse realmente questionado (ou mesmo percebido como um "problema"). O resultado é uma "insustentabilidade sustentável" (Ingolfur Blühdorn), com que se pretende expressar que a destruição da Terra seria apenas ecologicamente modernizada. A base para isso é a persistência do sujeito burguês na sua "realidade de vida" capitalista, juntamente com a sua chamada "liberdade", que dispõe de legitimidade democrática: "O que é crucial aqui é, em primeiro lugar, entender a política de não sustentabilidade não simplesmente como uma política de sustentabilidade ineficaz, falhada ou fracassada, mas como uma política que [...] persegue objectivos fundamentalmente diferentes. A sua agenda não consiste em provocar uma transformação sócio-ecológica no sentido da sustentabilidade, mas antes em manter e desenvolver as estruturas e trajectórias sócio-económicas existentes, em assegurar o desenvolvimento contínuo de entendimentos notoriamente insustentáveis da liberdade, da subjectividade e da auto-realização, e em gerir as consequências sociais que isto previsível e inevitavelmente acarreta. [...] A escalada de crises e catástrofes é mais vista como imprevisível e inevitável, e o desafio é gerir as suas consequências no interesse dos entendimentos prevalecentes da liberdade e dos padrões de auto-realização. [...]. Espera-se que a política da insustentabilidade seja simultaneamente democrática e exclusiva" (Blühdorn 2020, 139ss., ênfase TM).

A oposição entre "progressistas" e populistas de direita é apenas aparente e a convergência ou interpenetração mútua dos dois acabará por dissolvê-la, tanto mais quanto mais insustentável se revelar a "modernização ecológica" do capitalismo: "Assim, enquanto o negócio desonroso da exclusão de facto é deixado aos populistas de direita, dos quais os outros grupos sociais se podem distanciar de forma moralizadora, o neoliberalismo progressista cria as condições ideológicas com base nas quais uma parte da sociedade pode desenvolver a sua liberdade sem entraves e colher os lucros bem merecidos do seu auto-entendimento empresarial, e a outra parte pode ser deixada à sua sorte com a sua miséria auto-infligida" (ibid., 145, ênfase no original). É sabido que o ecológico-verde e o racista podem combinar muito bem, como demonstram figuras como Boris Palmer.

Em conclusão, é preciso dizer mais uma vez que, apesar de todos os méritos do discurso ecossocialista (com todos os seus défices em termos de teoria da crise e do Estado), as análises psicossociais e críticas do sujeito terão de ser muito mais focadas. A crise do capitalismo significa também uma crise do sujeito (Wissen 2017). Mais ou menos todos os "meios sociais" são afectados por isto, como mostra a pandemia do coronavírus. São de pouca utilidade as análises que fazem com que a "classe trabalhadora" fique bem vista ou que se perdem em estudos históricos pormenorizados (Foster 2020).

 

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(1) Mas também no Leste já em 1975 o filósofo marxista Wolfgang Harich, com o seu livro Kommunismus ohne Wachstum? – Babeuf und der ›Club of Rome‹ [Comunismo sem crescimento? – Babeuf e o "Clube de Roma"].

(2) Uma vez que muitos ecossocialistas provêm do espectro marxista e aderem a um anti-imperialismo anacrónico ou completamente desleixado (cf. Kurz 2003, 2009), não admira que também se encontrem posições anti-sionistas ou anti-semitas nas suas fileiras. O "ecoleninista" e ecologista humano Andreas Malm consegue referir-se positivamente à chamada "resistência de massas" dos "palestinianos" no seu livro How to Blow Up a Pipeline [Como fazer explodir um oleoduto] (ibid., 128: aqui especificamente à série de ataques incendiários contra Israel em 2018). Durante uma videoconferência em 2021 (https://www.youtube.com/watch?v=p_pamp3oi78), Malm exprimiu a sua repulsa pela resposta "protogenocida" de Israel aos milhares de foguetes disparados pelo Hamas em Maio de 2021 (cf. Jappe; Aumercier; Zacarias 2021).

(3) Outras correntes ecológicas, como o ecofeminismo (Vandana Shiva, Maria Mies et al.) ou as que provêm da tradição anarquista, como a ecologia social de Murray Bookchin, não são discutidas neste texto (cf. Holland-Cunz 1994, 138ss.).

(4) As posições absurdas que podem resultar de aspectos do marxismo do movimento operário que ainda não foram ultrapassados são impressionantemente evidentes em Michael Löwy (que, com algumas reservas, vem da tradição trotskista): "Todo o modo de produção e de consumo criado em torno de um consumo cada vez maior de energia, com o carro particular ou numerosos produtos domésticos que consomem muita energia, tem de ser transformado no quadro da abolição das relações de produção capitalistas e do início de uma transição para o socialismo. Escusado será dizer (!) que qualquer transformação do sistema de produção ou de transportes – por exemplo, a substituição progressiva do transporte rodoviário pelo ferroviário – tem de estar ligada a uma garantia (!) de pleno emprego (!)" (Löwy 2016, 34). E noutro lugar: "A concepção socialista de planeamento não é outra coisa senão a democratização radical da economia. [...] Durante as primeiras fases das sociedades de transição que se avizinham, os mercados continuarão certamente a ocupar um lugar importante (!), mas o seu domínio será já cerceado e limitado à medida que a transição para o socialismo prossegue" (ibid., 48).

(5) "Esta interpretação não deve ser reduzida ao aspecto científico-tecnológico, no sentido de uma industrialização atrasada. Pelo contrário, tratava-se de instalar as formas sociais dum sistema produtor de mercadorias, ou seja, da substituição das obrigações pessoais pela monetarização e economificação de todas as relações, da passagem das tradições agrárias às formas burguesas do sujeito e do direito, da imposição (em vez de abolição) do "trabalho abstracto" e da dissociação sexual moderna. O horizonte emancipatório deste processo não era outro senão a "luta pelo reconhecimento" no interior da ontologia capitalista, nomeadamente o reconhecimento das regiões periféricas e dependentes como sujeitos nacionais independentes do mercado mundial" (Com Marx para além de Marx, 17, ênfase no orig., em exit-online.org; em Português: obeco-online.org).

(6) Crítica a Saito: Grassmann 2018.

(7) Sobre a metafísica da história na modernidade: Kurz 2004b, sobre Hegel e Marx: Postone 2003, 122ss. e Fetscher 1985.

(8) Assim, Marx critica o espanto dos economistas burgueses (neste caso, especialmente o de John Stuart Mill) pelo facto de o tempo de trabalho não ter sido reduzido, apesar de todo o progresso técnico: "No entanto, este não é de modo nenhum o objectivo da maquinaria utilizada pelo capital. Como qualquer outro desenvolvimento da força produtiva do trabalho, ela destina-se a tornar as mercadorias mais baratas e a encurtar a parte da jornada de trabalho de que o trabalhador necessita para si próprio, a fim de prolongar a outra parte da jornada de trabalho que ele dá gratuitamente ao capitalista. É um meio de produção de mais-valia" (Marx 2005, 391, ênfase TM).

(9) Isto é evidenciado, por exemplo, por A questão agrária, de Kautsky, de 1899, e por A questão agrária e os "críticos de Marx", de Lenine, de 1901, cf. Foster 2014, 229ss.

(10) A referência acrítica à "classe trabalhadora" já é evidente no entendimento marxista básico do capitalismo: o que é criticado é a apropriação da mais-valia, ou seja, a exploração do trabalho, mas não a forma do valor ou o trabalho em si (nem a forma da dissociação). Por exemplo, John Bellamy Foster e Fred Magdoff, na sua tentativa de definir o capitalismo: "Em suma, o capitalismo é um sistema económico e social em que os proprietários do capital (capitalistas) se apropriam da mais-valia da produção gerada pelos produtores directos (trabalhadores). Isto leva à acumulação de capital – investimento e acumulação de riqueza – entre os proprietários. A produção assume a forma material de produção de mercadorias para um mercado com o objectivo de gerar lucro e promover a acumulação. Neste processo, os indivíduos perseguem o seu interesse próprio e são regulados apenas pela concorrência entre si e pelas forças impessoais do mercado" (Foster; Magdoff 2012, 38).

(11) Tal como o agrónomo bávaro Carl Nikolaus Fraas, que foi além de Liebig e investigou a influência do clima e dos processos físicos/geológicos (decomposição das rochas etc.) no solo e na vida vegetal e, vice-versa, a influência da desflorestação e da erosão no clima (Saito 2016, 249ss.).

(12) O guano é uma mistura de vários fosfatos e nitratos, entre outros, formada por excrementos de aves marinhas.

(13) Ver Weiner 1988. No entanto, os discursos ecológicos no início da União Soviética não podem ser atribuídos apenas ao marxismo. Em parte foram também influenciados pelas tradições (neo-)românticas alemãs.

(14) O que [bem?] se quer dizer com isto é que os representantes do marxismo ocidental não estavam, em geral, interessados nas descobertas científicas do século XX (que tornaram a Dialéctica da Natureza de Engels parcialmente obsoleta), especialmente as que lidam com o processo de metabolismo da natureza. E muito menos os marxistas soviéticos. Estes últimos, no entanto, julgaram estas descobertas e desenvolvimentos (física quântica e teoria da relatividade, por exemplo) a partir da perspectiva do "materialismo dialéctico": no início, desaprovaram-nas como idealismo, fideísmo ou algo semelhante, mas depois consideraram que a física moderna confirmaria o materialismo dialéctico. Um ponto de vista muito controverso, cf. Wetter 1958.

(15) Uma dificuldade frequente para a qual Karl-Heinz Brodbeck chama a atenção "reside na completa indeterminação do significado de 'dialéctica'" (Brodbeck 2012, 131). Com Brodbeck, é importante ter em mente que a "dialéctica" é ou foi frequentemente nada mais do que um jargão pomposo. Assim, "encontramos repetidamente formulações que capitulam perante as contradições, desistem de pensar e chamam ‘dialéctica’ à combinação inautêntica de juízos contraditórios. [...] Poupar-se a pensar e simplesmente justapor conceitos que se referem uns aos outros ou dependem uns dos outros de forma opaca e chamar a isso 'dialéctica' é mero jargão" (ibid., 137).

(16) O marxismo ocidental é avaliado de forma semelhante por Kohai Saito: "Nos textos que sobreviveram há várias indicações claras do próprio Marx de um forte interesse pela ecologia. Se, no entanto, a afirmação de que a ecologia de Marx era apenas um aspecto secundário insignificante da sua teoria pareceu convincente durante muito tempo, a razão para isso encontra-se na tradição do marxismo ocidental [que] se preocupava principalmente com as formas sociais – por vezes até num tratamento quase fetichista da Ciência da Lógica de Hegel – sem avançar para a problemática da 'substância' na crítica de Marx à economia política" (Saito 2016, 303, ênfase no original).

(17) No entanto, Franz Mehring (1846-1919) também defendia este ponto de vista: Hanak 1976, 63ss. É de referir que o próprio Engels encorajou esta ideia, ao declarar que a filosofia era mais ou menos supérflua devido ao progresso das ciências. Assim, no Anti-Dühring diz: "A partir do momento em que se exige a cada ciência que torne clara a sua posição no contexto geral das coisas e do conhecimento das coisas, torna-se supérflua qualquer ciência particular do contexto geral. De toda a filosofia anterior, o que então ainda permanece independente é a doutrina do pensamento e as suas leis – a lógica formal e a dialéctica. Tudo o resto (!) é absorvido pela ciência positiva da natureza e da história" (ibid. 24, cf. também Schmied-Kowarzik 2018, 110).

(18) O termo emergência tenta mostrar os limites de um ponto de vista reducionista, ou seja, o ponto de vista segundo o qual os fenómenos empíricos da natureza podem ser explicados inteiramente por um nível mais fundamental "subjacente", como a biologia pela química e a química, por sua vez, pela física quântica. Sobre os "limites do reducionismo", cf. Hedrich 1990.

(19) Schmied-Kowarzik refere-se aqui a uma passagem frequentemente citada da Dialéctica da Natureza (Engels 1972a, 452ss.).

(20) No entanto, há também passagens relevantes em Marx que sugerem que o processo de desenvolvimento capitalista é visto como um processo natural (ou análogo a um processo natural). Por exemplo, na introdução ao primeiro volume de O Capital: "Mesmo que uma sociedade tenha descoberto a lei natural do seu movimento – e o objectivo último desta obra é revelar a lei económica do movimento da sociedade moderna – não pode saltar nem eliminar as fases naturais do desenvolvimento (!). Mas pode encurtar e suavizar as dores de parto" (Marx 2005, 15s.). Isto deve ser mencionado para que Engels não tenha de ser usado aqui como bode expiatório devido ao seu "objectivismo proto-estalinista das leis".

(21) Note-se que o "positivismo" de Engels consistia também em ter esclarecido, com referência a Darwin, Lyell e outros, algumas "certezas do ser" de origem grega, cristã e cartesiana, ou seja, ideias como a imutabilidade das espécies, a dualidade entre espírito e matéria.

(22) Isto não exclui medidas significativas e eficazes ou bem sucedidas. Pensemos na proibição dos CFC, ou seja, dos clorofluorocarbonetos, que destroem a camada de ozono.

(23) Aparentemente o nível de grotesco e absurdo atingido pelo "discurso da sustentabilidade" burguês já não pode ser ultrapassado: "As armas de fogo são uma parte aceite da guerra moderna e das operações militares, mas quando a sua utilização termina o ambiente sofre. Os cartuchos e invólucros usados não só sujam a paisagem, como também podem constituir um perigo para a vida selvagem nativa – para não mencionar o impacto que os resíduos químicos, como os metais das balas e a ferrugem, podem ter no crescimento futuro das plantas e na sustentabilidade. O exército dos EUA reconheceu o problema e está agora a pedir ideias sobre como mitigá-lo com a ajuda de cartuchos biodegradáveis e dispersão de sementes; os primeiros ensaios de campo já estão em curso. Em Janeiro de 2017, o Departamento de Justiça dos EUA solicitou publicamente propostas para desenvolver "munições práticas biodegradáveis contendo sementes especiais de que germinem plantas amigas do ambiente para eliminar resíduos de munições e poluentes. [...] Os animais deveriam poder comer estas plantas sem ficarem doentes com elas'" (Charlie Osborne em zdnet.com, 13.1.2017, citado em Žižek 2020, 364s.).

(24) Raul Zelik refere-se aqui a Walter Benjamin.

(25) Cf. a exigência energética absurdamente elevada das chamadas Bitcoins: https://de.statista.com/infografik/18608/stromverbrauch-ausgewaehlter-laender-im-vergleich-mit-dem-des-bitcoins/.

(26) A energia eólica e a energia solar, por exemplo, não estão continuamente disponíveis, ao contrário da energia nuclear ou da energia de combustão do carvão/petróleo/gás. Para remediar este facto seria necessário um "meio" que pudesse armazenar energia temporariamente. Neste caso, o "hidrogénio" parece ser uma possibilidade (cf. Geitmann; Augsten 2021). A avaliação de Sakar pode, portanto, ser considerada parcialmente desactualizada. No entanto, é de notar que, por vezes, o rendimento da colheita das energias renováveis é inferior, ou seja, "o quociente entre a quantidade de energia que uma determinada tecnologia disponibiliza e a que tem de ser gasta durante todo o ciclo de vida da instalação (construção, funcionamento, desmontagem, incluindo a extracção de matérias-primas) através da intervenção humana" (Huke; Ruprecht; Herrmann 2020). O mesmo se aplica à densidade de desempenho: ou seja, quanta superfície é necessária ou quanta superfície deve ser construída para obter a mesma quantidade de energia em cada caso?

(27) Não se deve ignorar aqui os limites ecológicos a toda a satisfação de necessidades e como a realização das necessidades é determinada pela forma capitalista da dissociação-valor. Assim, as próprias necessidades devem ser questionadas ou examinadas em termos da sua função social ou das suas consequências; basta pensar aqui na necessidade compensatória do turismo ("força através da alegria") ou na "necessidade" de tubos de plástico para beber, de uma "casa própria" ou de outros objectos de consumo que fazem parte de uma "identidade" ou de um "estilo de vida" cujo questionamento é em geral afectivamente evitado.

(28) Por exemplo, a chamada ecologia profunda, formulada na década de 1970 pelo filósofo norueguês Arne Næss. Andreas Malm escreve: "A ecologia profunda representa [...] uma forma profundamente reaccionária de ecologia que localiza a origem do dilema [da degradação ambiental etc.] na civilização humana enquanto tal, centra-se na sobrepopulação e promete como panaceia a redução da humanidade a uma fracção do seu tamanho actual" (Malm 2020b, 173s.). Como exemplo recente desta corrente, Malm menciona o livro Deep Green Resistance (publicado em alemão pela Promedia), cujos autores estimam que um "'tamanho de população verdadeiramente sustentável [...] seria entre 300 e 600 milhões (!)'". Malm comenta que os "meios concretos para provocar uma tal extinção em massa [...] [permanecem], como tantas vezes, na obscuridade". (ibid., 174). Crítica da ecologia profunda e de outras correntes ecológicas reaccionárias em Ditfurth 1996, 123ss.

(29) No entanto, isto pode certamente ser remediado, cf., por exemplo Laufmann 2020, 159ss.

(30) Kern não pensa em outras possibilidades que existem para produzir alimentos. Por exemplo, a produção de proteínas através de bactérias: Mit Bakterien schonend die Welt ernähren [Alimentar tranquilamente o mundo com bactérias], spektrum.de, 30.7.2021.

(31) Sobre a teoria da crise de Rosa Luxemburgo, cf. Kurz 2005, 166ss. e Hüller 2015, 185ss.

(32) Para além dos aspectos empíricos: Desemprego, automatização, precarização.

(33) A compilação de textos de Marx feita por Kern (2015) não inclui designadamente o "fragmento das máquinas" dos Grundrisse.

(34) É grotesco escrever uma frase destas quando, paralelamente, os juros dos depósitos estão realmente a ser abolidos ou tornados negativos, abertamente para os montantes elevados e indirectamente através de "taxas" para os montantes mais pequenos.

(35) Cf. a recensão de Kern ao livro de Zeller (2020) em http://oekosozialismus.net/.

(36) Sobre o problema da violência e do terror na revolução: cf. a discussão de Isaak Steinberg (1981) sobre o bolchevismo. Cf. também Wallat 2012, 44ss.

(37) Alguns pensadores burgueses afirmaram abertamente o núcleo violento da sociedade burguesa: "A questão de saber se a violência deve ou não ser usada na sociedade, se é vantajosa ou não, não faz sentido, porque a violência é sempre usada; tanto por aqueles que querem manter certas uniformidades como por aqueles que as querem quebrar, e a violência destes últimos opõe-se e ataca a violência daqueles. De facto, aqueles que do lado da classe dominante rejeitam o uso da violência estão na realidade apenas a rejeitar o uso da violência por parte dos opositores que querem fugir à regra da uniformidade, e se aprovam o uso da violência, estão na realidade apenas a aprovar o uso da violência por parte das autoridades para forçar os opositores à uniformidade" (Vilfredo Pareto, citado em Brodbeck 2012, 62).

(38) Sendo que já há alianças entre sindicatos e o movimento climático: https://verkehr.verdi.de/themen/nachrichten/++co++e4846fb6-91b2-11e9-9aa9-525400f67940. Cf. Zelik 2020, 91.

(39) Sendo que se pode comprar direitos de emissão não cortando (!) a floresta tropical (Tanuro 2015, 112s.).

 

 

Original “Alternativen zum Kapitalismus – Im Check: Ökosozialismus” in revista exit! nº 19, 2022, p. 15-66. Tradução de Boaventura Antunes

 

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