Thomas Meyer
Big Data e o novo mundo inteligente como estádio supremo do positivismo
Em seu artigo "Big Data e o novo mundo inteligente como estádio supremo do positivismo", Thomas Meyer aborda uma tendência recente no panorama científico, para a "física social" e o Big Data, que são aplicáveis em quase toda parte. Os apologistas das "Big Data Sciences" e das suas aplicações esperam resolver assim todos os tipos de problemas. Esses apologistas mostram nisso um forte impulso tecnocrático e uma completa falta de compreensão da sociedade e da história. Assim, Meyer delineia a pretensão da física social, como ela é formulada principalmente pelo cientista da computação Alex Pentland. São ainda inventariadas várias possibilidades de aplicação do Big Data, implementadas em muitos algoritmos. Por exemplo, na luta (preventiva) contra o crime e no prognóstico de possíveis “reincidentes”. A concluir são referidas várias críticas de esquerda (liberais) contra o Big Data, como as de Cathy O'Neil, que podem ser encontradas repetidamente no discurso público. Devido ao enorme barateamento dos sensores, câmaras, etc., todos os tipos de aparelhos podem ser equipados com eles e ligados à Internet. É assim que a "Internet das Coisas" é formada. Aqui, o mundo digital vem, por assim dizer, com inúmeras promessas de salvação: por exemplo, com "dispositivos inteligentes", pode economizar eletricidade e ajudar as pessoas a consumir "verde" e "sustentável". Também para a Internet das Coisas, "do novo mundo inteligente", são referidos críticos de esquerda (liberais), principalmente Evgeny Morozov, e mostradas as suas apreensões. Como regra, o indivíduo burguês é pressionado e ameaçado, na sua maioridade e liberdade de escolha, pelo Big Data e por uma infraestrutura cada vez mais "inteligente". No entanto, a digitalização não é vista por essas críticas no contexto da crise, da repressão social e da dinâmica da valorização capitalista em geral. Por princípio, o sistema de terror capitalista está armado digitalmente. A concluir, Meyer expõe algumas declarações da comunidade científica, que pretendem que, na sequência do Big Data, até é possível dizer adeus à necessidade de elaboração teórica e conceptual. Embora esta afirmação não não deixe de ser contestada na comunidade científica, pode-se aqui, de facto, falar, em citação livre de Lenine, do estádio supremo e último do positivismo. Não podia haver cabecinha académica mais vazia. (Resumo do texto na revista exit! nº 15, Abril de 2018)
1. Introdução: A mediação da teoria e da empiria como totalidade concreta * 2. Algumas ideias críticas sobre o uso da matemática nas ciências (sociais) * 3. A física social de Alex Pentland * . 4. Matemática aplicada como meio de repressão * 5. A Internet das Coisas e a idiotice do indivíduo abstracto * 6. Excurso: Sobre o problema da ética ou moral na crítica social * 7. Big Data e o "Fim da Teoria"
1. Introdução: A mediação da teoria e da empiria como totalidade concreta
Um indivíduo nunca existe imediatamente por si mesmo, mas, condicionado pela dinâmica processual fetichista da sociedade capitalista, é mediado pelo todo fetichista. A imediatidade dos factos indica que não se tenta nenhuma crítica deles, mas se evita criticá-los, por exemplo, configurando-os confortavelmente na ciência. As descobertas empíricas não podem ser entendidas sem conceitos teóricos, sendo que ambos, conceitos e empiria, estão numa relação dialéctica entre si. Adorno, em sua crítica da sociologia empiricamente orientada, escreveu: "Pensamentos teóricos sobre a sociedade como um todo não podem ser realizados por descobertas empíricas sem rupturas [...]. A visão da sociedade como um todo transcende necessariamente os seus factos dispersos. A construção da totalidade tem como primeira condição um conceito da coisa em que os dados díspares se organizam. Partindo do vivido, ela não pode ser a experiência fornecida pelos mecanismos de controlo socialmente instalados [...]; na consequência inquebrantável da própria consideração, leva sempre esse conceito ao material e modifica-o novamente em contacto com este. No entanto, se a teoria não quer cair no dogmatismo, de cuja descoberta está sempre próximo o cepticismo avançado, até à proibição do pensamento, então não deve descansar aqui. Ela deve traduzir os conceitos que traz, como que de fora, para aqueles que a própria coisa tem de si, para aquilo que ela quer ser, e confrontá-la com o que ela é. Deve dissolver a rigidez do objecto fixado aqui e agora, num campo de tensão entre o possível e o real: cada um deles se refere ao outro para poder ser." (Adorno 2003, 197)
A empiria, portanto, deve ser aplicada aos conceitos teóricos, e eles mesmos devem ser aguçados em confronto com a empiria. Pois toda a teoria tem o seu "núcleo temporal" e os próprios conceitos têm uma história. Ignorar a evidência empírica pode levar a um "traço anacrónico", reduzindo-se então a formação da teoria à nostalgia e à exegese dos "escritos sagrados". Na pior das hipóteses, em seguida, acaba-se com um estilo a-histórico e existencialista de "activismo conceptual". (1) Por outro lado, a empiria não pode ser conhecida na imediatidade, de modo que cada facto seja um facto positivamente dado por si, omitindo-se a sua constituição e a sua mediação históricas na dinâmica do processo social. Por isso, há certamente muitos estudos que descrevem com clareza a loucura do modo de produção capitalista (como a produção de plástico ou a agricultura industrial), mas só podem explicar insuficientemente essa empiria, devido à falta de fundamento na teoria económica e social; consequentemente as conclusões práticas resultam muitas vezes desamparadas e truncadas. Se em tais investigações falha mesmo o ímpeto de crítica social, acaba-se num "activismo dos factos" que, em última análise, apenas quer reconhecer o que pode ser expresso em gráficos, estatísticas e números.
Demarcando-se do activismo factual e conceptual, é necessário insistir no relacionamento dos factos empíricos com a dinâmica processual fetichista do capital, ou seja, com a totalidade; e, ao mesmo tempo, é preciso relacionar com a empiria os conceitos pelos quais a totalidade deve ser expressa, de modo que os conceitos daquilo a que eles pretendem apelar captem com nitidez e tornam possível reconhecer o contexto interno e histórico do empírico. A totalidade deve ser assim pensada concretamente. (Scholz 2009) É importante notar que o empírico não se esgota no conceito, devendo ser particularmente salientado, no quadro da dissociação-valor, que também deve ser reconhecida uma qualidade própria aos vários domínios do objecto, que não podem ser subsumidos na totalidade; em vez disso, é preciso partir de uma totalidade fragmentada e historicamente dinâmica.
Em seguida, serão delineados aspectos do Big Data, da física social, da Internet das Coisas e da crítica a eles associada, de tom predominantemente burguês de esquerda, num plano em grande parte fenomenológico ou empírico, que também é preciso ter em conta e não é simplesmente secundário. No entanto, não se pode ficar por essa crítica; é preciso desenvolver, para além dela, a visão do contexto formal e processual da totalidade social.
2. Algumas ideias críticas sobre o uso da matemática nas ciências (sociais)
Na modernidade (desenvolvida), a matemática recebe o estatuto de objectividade, rigor e isenção de valores. Esse estatuto é dado também às coisas que através dela se exprimem. Um enunciado que possa ser expresso por um número é, no nosso mundo moderno, o epítome da verdade. Um argumento tem ainda mais poder de expressão e de convicção se puder referir-se a quantidades, isto é, números e gráficos. (Ortlieb 2011) Assim, as ciências matematicamente constituídas, como prototipicamente a física, são consideradas "exactas", e as que o não são têm o estigma de não-exactas, de mera opinião, ou mesmo de ideologia.
No decurso do século XIX e o mais tardar no século XX diversas ciências procuraram guiar-se pela metodologia da física, pela modelação e experimentação matemáticas, a fim de obter o estatuto de exactidão e objectividade, visando transferir também para o seu métier o sucesso da física. A ideia de simplesmente repetir o sucesso de um ramo adoptando a sua metodologia noutro não deixa de ser problemática. Pois o sucesso (seja como for a sua avaliação) tem certas condições que podem não existir em outra área temática. Como regra, também não se reflecte sobre isso, pois para o efeito seria necessário confrontar-se com a lógica funcional das ciências e seus "interesses de conhecimento" (Habermas), ou seus "ideais de conhecimento" (K. M. Meyer Abich). Como veremos, uma abordagem irreflectida da matemática é tudo menos rigorosa. (2)
Um caso particularmente claro é o surgimento da economia neoclássica, a partir da década de 1870. Pôs-se como objectivo ultrapassar a economia clássica burguesa e estabelecer-se como uma disciplina universitária "exacta". Orientou-se pela física, mais precisamente pela mecânica clássica. Como apontou o economista neoclássico Irving Fisher (1867-1947), o objectivo era desenvolver um formalismo baseado na mecânica hamiltoniana (3), estabelecendo certas analogias conceptuais (partícula = indivíduo, energia = utilidade, etc.). (Mirowski 1989, 222s.) No entanto, essa pretensão e a sua implementação já receberam algumas críticas (há mais de 100 anos, conforme descrito por Mirowski).
A impossibilidade da experimentação, que pudesse verificar ou falsear uma teoria matematicamente formulada, ou mesmo estabelecer a situação na qual o modelo assume validade, é um argumento crucial contra a possibilidade de a transferência funcionar dessa maneira. Não se segue que a matemática não possa ser usada significativa e cognitivamente na teoria económica; mas deve-se notar que os modelos matemáticos da teoria económica geralmente não podem ter o mesmo significado e alcance que os da física. No entanto, já no plano da própria modelagem, pode ser identificado um problema sério: Olhando para os manuais correntes de economia, pode-se observar que as premissas do modelo geralmente não são identificadas ou verificadas quando um modelo é aplicado a uma nova situação. Além disso, as premissas do modelo são sempre feitas para se adequar ao conceito de equilíbrio de mercado: um rígido esquema de equilíbrio é, portanto, aplicado a todos os fenómenos imagináveis. As premissas do modelo são, assim, escolhidas de modo que nós sempre obtemos um cruzamento de duas tendências opostas, representadas pela chamada cruz de Marshall (4) (se os pressupostos do modelo fossem escolhidos de modo um pouco mais realista, poderíamos não ter intersecção, nem portanto equilíbrio. Ver Ortlieb 2004a). Além disso, esses modelos e suas hipóteses transmitem um quadro económico que nada tem a ver com o capitalismo real, com a produção industrial em massa e assim por diante. Há pouco mais do que "histórias da carochinha sobre o mercado". (Ortlieb 2004b) A teoria económica neoclássica é com razão chamada de “charlatanismo matemático”. (Ortlieb 2006) Uma possível razão para explicar porque toda uma disciplina científica é metodologicamente tão questionável foi fornecida por Alan Freeman. (Freeman 2006) Segundo ele, a economia neoclássica é menos uma ciência que estuda os factos do mundo exterior, e mais uma doutrina quase religiosa, que tem por conteúdo o dogma da harmonia do equilíbrio do mercado, tendo, portanto, carácter justificador do capitalismo. Esse dogma é comparável ao "Céu" na Idade Média, diz Freeman. Mas isso também implica que, sendo o objectivo criticar as ciências, seria insuficiente limitar-se a uma crítica imanente, a uma crítica dos métodos e pretensões.
Ora objectividade em sentido moderno, como afirmam ser sobretudo as ciências naturais, não é igual a verdade, certeza ou orientação pelos factos. Como observaram Lorraine Daston e Peter Galison, ser objectivo significa "ter um conhecimento que não traz nenhum traço do conhecedor". (Dasten, Galison 2007, 17) A objectividade é, portanto, uma forma de práxis que supostamente elimina a subjetividade do processo de cognição. A objectividade assim entendida é, pois, a expressão das relações sociais e da práxis cognitiva da forma burguesa de sujeito. A ilusão dessa objectividade consiste precisamente no facto de a práxis científica aparentemente nada ter a ver com o sujeito cognoscente.
Normalmente, a objectividade e a sua génese histórica ou social não são, ou quase não são objecto de reflexão na comunidade científica, e certamente não são questionadas. (5) O mesmo vale para o conceito de "exactidão", cujo significado é igualmente incerto.
De acordo com Herbert Auinger, não se vê por que não deva ser exacta uma linguagem não-matemática, ou seja, exacta no sentido de que a linguagem atinge aquilo a que se refere, com palavras claras e clareza conceptual. Ironicamente, filósofos como Gottlob Frege (1848-1925) condenam a imperfeição ou ambiguidade da linguagem com palavras muito claras. (Auinger 1995)
Quando falamos sobre a exactidão da linguagem matemática, concentramo-nos na compactidade da expressão matemática e no seu conveniente manuseio. Uma linguagem matemática, portanto, seria precisa e não ambígua, e uma linguagem não matemática não o seria (necessariamente).
No entanto, deve ser enfatizado que esta exactidão só pode ser conectada com fenómenos passíveis de descrição matemática ou abordagem quantificada (ver o artigo "Ilusão Matemática" por Claus Peter Ortlieb nesta edição).
Mas a mudança para a matemática e o manuseamento pela matemática das questões das ciências sociais ou económicas, mesmo se feitos metodicamente, não devem ser confundidos com um exame profundo das questões a que se pretende conferir uma forma matemática: de acordo com Auinger, vários/as cientistas sociais, que procuraram ou tentaram justificar a matematização, criticaram o facto de existirem tantas teorias diferentes nas ciências sociais, o que, no entanto, não fala à partida contra elas, em termos de conteúdo. Com a matematização pretende-se pôr fim a essa variedade confusa; então a verdade do resto seria garantida pela matemática e pela lógica formal. Uma matematização pode, portanto, encontrar a sua razão de ser no facto de que não deseja (ou não pode) (mais) lidar com essas diferentes teorias e seus problemas em termos de conteúdo. Portanto, a aritmética também pode ser vista como substituta do pensamento (o pensamento é limitado ao quantificável ou quantificado). Certamente, a aplicação da matemática em certas áreas faz sentido e é apropriada ao domínio temático correspondente. Mas a fé do nosso tempo nos números também pode levar a sobrevalorizar a matemática e a sua aplicação, deixando tudo o mais, insusceptível de ser calculado, para a arbitrariedade subjetiva, e descartando-o como mera "especulação".
A objecção de que a matemática e as ciências matemáticas, o pensamento quantificado, não deveriam ser sobreavaliados também já foi expressa em tempos anteriores. Assim se expressou já Hegel (6) em sua Enciclopédia das Ciências Filosóficas: "Daí se segue a consideração adicional de que, sem ser mediada pelo pensamento, a quantidade é assumida imediatamente da ideia, acontecendo facilmente que seja sobreavaliada a sua validade em relação à extensão, e até ascenda a categoria absoluta. Esse é realmente o caso, se apenas as ciências cujos objectos podem ser submetidos a cálculos matemáticos são reconhecidas como ciências exactas. [...] Seria realmente mau, no caso de temas tais como liberdade, justiça, moralidade, até mesmo o próprio Deus, que não podem ser medidos e calculados ou expressos numa fórmula matemática, obter a nossa percepção renunciando a um conhecimento exacto, tendo de nos contentar com uma ideia vaga, sendo depois deixado ao critério de cada indivíduo fazer como quiser, no que respeita aos pormenores ou ao especial." (HW 8, 210s., citado por Auinger 1995, 16)
Também depois foram feitas observações acerca da sobreavaliação do modo de pensar quantificador, como Friedrich Nietzsche em A Gaia Ciência: "O mesmo acontece com essa crença com que se satisfazem hoje muitos naturalistas materialistas, que acreditam que o mundo deve ter seu equivalente e sua medida no pensamento humano, na avaliação humana, um "mundo da verdade", do qual seria finalmente possível aproximar-se com a ajuda de nossa pequena razão humana – como? Queremos realmente rebaixar a existência a um exercício de cálculo, a uma tarefa menor para matemáticos? Acima de tudo, não se deve despi-la do seu carácter ambíguo: é isso que exige o bom gosto, meus senhores, o respeito por tudo o que ultrapassa o horizonte! Que só haja direito a uma interpretação do mundo, na qual se está certo, na qual [...] se pode pesquisar e continuar a elaborar no vosso sentido científico, que admite contar, calcular, pesar, ver e agarrar e nada mais, isso é um despropósito e uma ingenuidade, se não uma doença mental ou uma idiotice. [...] Se julgássemos o valor de uma música pelo que dela se pode contar, calcular, traduzir em fórmulas – quão absurda seria essa avaliação 'científica' da música! Que se teria apreendido, entendido e reconhecido dela? Nada, absolutamente nada do que é realmente a 'música' em si! ...” (Nietzsche 2009, 285s.)
Hegel e Nietzsche marcam aqui pontos que se mencionam numa crítica da sobreavaliação da ciência matemática. (7) Argumentam, no entanto, em termos puramente epistemológicos, e não se referem ao plano social total, permanecendo assim à superfície. Pelo contrário, é preciso insistir em criticar não só uma aplicação irreflectida e talvez metodologicamente indevida da matemática ou do pensamento quantificador, mas também o contexto social em que esta aplicação tem lugar.
Claus Peter Ortlieb formulou uma crítica das ciências naturais matemáticas, mas com referência ao plano da teoria social, em seu texto "Objectividade Inconsciente". (Ortlieb 1998). Lá, com referência designadamente a Evelyn Fox Keller, constata-se que "nos esquecemos, por qualquer razão, de trazer a nossa própria sobrevivência para os objectivos do conhecimento científico." Então, o problema básico não é tanto uma mera utilização irreflectida da matemática e das "hard sciences", mas sim uma objectividade socialmente produzida, ou seja, a dinâmica fetichista do capital, que é indiferente aos interesses vitais do ser humano e da natureza, e considera todo o mundo apenas como substrato para o seu movimento de valorização.
Ligado às ciências matemáticas e à subsequente progressão no seu conhecimento está um desenvolvimento específico da tecnologia, que, por via de regra, consiste na aplicação dessas leis da natureza, estruturas ou princípios, descobertos e pesquisados pelas ciências correspondentes. No entanto, o próprio desenvolvimento técnico está num contexto social específico. Ele consiste, inter alia, em que a dinâmica fetichista do capital favorece desenvolvimentos técnicos tais que conduzam a uma poupança de trabalho abstracto, de modo que o correspondente emprego do mesmo tenha por resultado um barateamento de produtos e/ou um desenvolvimento de novos mercados (não esquecer a parte militar: pesquisa de armamentos etc). (8) O desenvolvimento técnico, juntamente com a pesquisa básica associada, evolui, pelo menos tendencialmmente, exactamente numa forma que corresponda ao imperativo de valorização do capital, ou pelo menos com ele se encontre. Mas isso também inclui a configuração do domínio dissociado, que constitui o pressuposto silencioso da valorização do valor; por exemplo, o fordismo dificilmente teria sido possível sem a correspondente implementação de uma estrutura familiar pequeno-burguesa.
Portanto, perante uma crítica perfeitamente compreensível da técnica, é necessário insistir que não se trata aqui da "técnica" em si, como ressoa, por exemplo, nas obras de Günther Anders (especialmente em Antiquiertheit des Menschen [O carácter antiquado do ser humano] I / II ), mas sim da dinâmica fetichista subjacente. Por exemplo, a rejeição do transporte privado não significa necessariamente a abolição do motor de combustão interna. E o facto de o mundo inteiro estar cheio de microelectrónica não decorre apenas e necessariamente da invenção do transistor, residindo a causa e a justificação no patriarcado produtor de mercadorias em si mesmo e na sua indiferença face ao conteúdo material, face à lógica própria da natureza e à sua infinitude, indiferença que encontra expressão na fórmula de Marx D-M-D', etc. (Cunha 2016, Heintz 1992) Este 'totalitarismo tecnológico,' como se diz nos suplementos culturais burgueses, por conseguinte, é por si só a expressão e a consequência do totalitarismo da relação de dissociação-valor. O que não significa que a técnica devesse ser "libertada" do fetiche do capital sem sofrer mudanças significativas, uma vez que o seu desenvolvimento e implementação já foram moldados pelas necessidades de valorização do capital. Isso é particularmente evidente na implementação económica, às vezes sem sentido, de um chamado valor utilitário: Para aumentar as vendas, define-se um desgaste programado ou uma obsolescência planeada. Por exemplo, meias resistentes a rasgos ou lâmpadas duráveis foram retiradas de circulação quando se tornou claro que o mercado muito rapidamente ficaria saturado. (Reuss & Dannoritzer 2013)
Através da dinâmica fetichista da relação de dissociação-valor, coloca-se na tecnologia um propósito específico, que naturalmente mudará ou se tornará obsoleto quando forem ultrapassadas as relações sociais e a correspondente forma de sujeito das pessoas no capitalismo. Para alguns valores utilitários ou tecnologias, como sejam o transporte individual ou as armas nucleares, será difícil, ou mesmo absurdo, imaginar que elas possam ser usadas numa sociedade livre. Para outros, no entanto, isso não é necessariamente claro, a partir da nossa perspectiva actual. Isso significa que, embora as tecnologias e a sua implementação estejam envenenadas, as suas potencialidades não se esgotam necessariamente na forma social a que estão restringidas. A questão é complexa, porque o precursor da tecnologia é uma relação de conflito socialmente mediada com a natureza inanimada e/ou animada, que encontra a sua expressão nas actuais ciências naturais, nas suas formas de pensar e nas suas práticas; e trata-se de uma relação com um substrato natural externo, ao qual, no entanto, deve ser atribuída uma autonomia, uma não-identidade, que não pode ser reduzida ao discurso, à interpretação humana e ao propósito. Caso contrário, estaria a ser reivindicada uma disponibilidade total da natureza, o que não exprimiria outra coisa senão a pretensão de transferir a natureza para o imperativo da valorização capitalista. A crítica da tecnologia está, portanto, associada à crítica das ciências naturais, e ambas devem ser relacionadas com o contexto social em que ocorrem. O reconhecimento da independência da natureza (embora não deva ser confundido com um "romantismo da natureza") leva a uma crítica da forma social que a nega, a uma espécie de "realismo dialéctico" (Roswitha Scholz); em contraste com um "novo materialismo" ou um "novo realismo", que, embora se diferenciem do pós-estruturalismo e da sua fixação no discurso, não têm em conta a totalidade social, nem chegam, portanto, a uma crítica da relação de dissociação-valor (veja-se o artigo de Roswitha Scholz nesta edição).
Depois criticada a teoria económica matemática, também o será de seguida uma tendência recente no cenário científico: o Big Data e a física social nele baseada. Para o efeito serão primeiramente analisadas a pretensão e a justificação desta disciplina, e depois submetidas a uma crítica.
3. A física social de Alex Pentland
Alex Pentland é indiscutivelmente um dos mais conhecidos e influentes cientistas da computação que se ocupam do Big Data. Big Data é a recolha e análise de volumes de dados numa dimensão nunca vista na História e que, portanto, não podem ser manipulados usando estatísticas tradicionais. Em seu livro "Social Physics – how social networks can make us smarter", Alex Pentland apresenta as maravilhas do Big Data e para que podem ser pesquisadas.
O uso de Big Data tem por objectivo entender o social. A disciplina científica correspondente é então chamada de "social physics", ou física social. No entanto, como abstrai do interior humano, seus enunciados são basicamente probabilísticos, como observa Pentland. (Pentland 2015, 16) Apesar disso, o objectivo é "to build quantitative, predictive models of human behavior in complex, everyday situations". (Pentland 2015, 12)
Mas como acontece isso exactamente e que promessas são feitas?
É muito simples, em princípio: há enormes quantidades de dados sendo recolhidos "by collecting digital bread crumbs from the sensors from cell phones, postings on social media, purchases with credit cards, and more". (Pentland 2015, 9) Para este fim, como Pentland enfatiza repetidamente, programas especiais são instalados nos "smartphones" dos sujeitos dos estudos realizados, que registam tudo o que é possível. Deste modo, os sujeitos podem ser observados durante um longo período de tempo em tempo real, e incontáveis gigabytes de dados são produzidos. Esses dados devem, então, ajudar a entender como uma ideia circula entre as pessoas e como esse fluxo de ideias (idea flow), juntamente com as informações, leva à mudança do comportamento humano (ou à capacidade de mudar). Além disso, foi construído um dispositivo que reúne as diversas informações de várias fontes: o "Socioskop". Segundo Pentland, isso deverá revolucionar o estudo do comportamento humano, tal como o microscópio revolucionou a biologia. (Pentland 2015, 10)
A diferença crucial relativamente à sociologia estatística tradicional é que, por princípio, milhões de pessoas podem ser observadas em tempo real, por um longo período de tempo.
Além disso, a física social deve permitir perceber “how this flow of ideas ends up shaping norms, productivity, and creative output of our companies, cities, and societies. It enables us to predict the productivity of small groups, of departments within companies, and even of entire cities. It also helps us tune communication networks so that we can reliably make better decisions and become more productive." (Pentland 2015, 4)
A física social baseada no Big Data visa filtrar as correlações de dados e, em seguida, modelá-las matematicamente. Deste modo, por exemplo, pode ser previsto e optimizado o comportamento humano (ou o tráfego). Para isso são visualizados os dados de muitos indivíduos e dos respectivos "grupos de pares", ou seja, o ambiente social imediato, os cliques, etc.
Pentland mostra um optimismo ilimitado sobre os resultados esperados da física social: "For the first time, we will have the data required to really know ourselves and understand how our society evolves. By better understanding ourselves, we can potentially build a world without war or financial crashes (!), in which infectious disease is quickly detected and stopped, in which energy, water, and other resources are no longer wasted, and in which government are part of the solution rather than part of the problem."(Pentland 2015, 18s.)
Também teremos de agradecer à física social "[a] much better government" (Pentland 2015, 138), e aqui, se bem entendi Pentland, podendo abstrair dos meios tradicionais do discurso político. A posição de Pentland pode, portanto, ser vista como indicação de que a "capacidade de organização" do capitalismo por meio do discurso político atingiu historicamente os seus limites, tornando-se assim o discurso político como tal irrelevante, uma vez que se move nas categorias reais capitalistas e estas esbarram hoje no seu limite absoluto, só podendo, portanto, mobilizar "potencial de organização" no seu asselvajamento. Robert Kurz, consequentemente, falou do "Fim da Política". (Kurz 1994)
Pela "ideia", de que já acima se falou, Pentland entende o seguinte: "An idea is a stragegy (an action, outcome, and feature that identify when to apply the action) for instrumental behavior. Compatible, valuable ideas become ›habits of action‹ used in ›fast thinking‹ responses."(Pentland 2015, 20) Não se pode expressar mais claramente o carácter instrumental de toda esta organização. Não é de surpreender que, conforme indicado em vários pontos do livro, sejam usados incentivos para persuadir as pessoas a mudar ou optimizar o seu comportamento. Os críticos vêem isso como uma manipulação comportamental intencional. O manipular intencional mostra-se na forma como Pentland expõe várias vezes que a recolha de dados e o estudo da dinâmica das redes sociais também torna possível intervir activamente "to change the social network." (Pentland 2015, 5)
Já é fácil ver aqui que a física social nunca pensará (nem poderá pensar) em emancipação, devido ao horizonte bastante estreito dos seus conceitos e métodos; e muito menos numa análise social crítica do fetichismo, que seria necessária para uma compreensão adequada e crítica desta sociedade. Apenas se olha para o indivíduo imediatamente presente, alegadamente objectivo, que é considerado como um sistema de informação e de processamento de estímulos. A abordagem através da qual se pretende compreender o ser humano é, portanto, reificada, e tem uma inclinação para o totalitarismo. Supõe-se também que as pessoas, como meras máquinas de processamento de estímulos, podem ser passivamente manipuladas, ou controladas na direcção desejada (tanto a física social, como alguns dos seus críticos). Mas isso significaria assumir que a dominação é apenas externa ao sujeito e não tem nada a ver com a própria participação activa. Através deste esconder do nível psicossocial e do insistir no indivíduo e nos seus dados, fica completamente fora de vista a totalidade social que, para pessoas como Pentland, não passa seguramente de um absurdo metafísico. Também é consequente se, como mencionado acima, se abstrai do interior humano, uma vez que dificilmente poderia ser matematicamente modelado ou formalizado. A física social comporta-se de maneira semelhante ao behaviorismo de épocas anteriores. O ser humano era por ele considerado apenas um agregado de carne que poderia ser dirigido e controlado. Não por acaso defende Pentland realizar trabalhos de campo correspondentemente maiores: "We need to construct living laboratories – communities willing to try a new way of doing things or, to put it bluntly, to be guinea pigs (!) – in order to test and prove our ideas." (Pentland 2015, 186) Essa húbris não é muito surpreendente para uma visão de mundo tecnocrática, quando as pessoas são chamadas cobaias abertamente e sem rodeios! Isso dificilmente poderá ser entendido como uma metáfora colorida, mas sim como uma ameaça. Designar as pessoas como cobaias, assim as desumanizando, mais não significa do que pretender tratá-las como tal. Esse fenómeno também é conhecido em estudos médicos, em que pessoas que participaram nas experiências foram colectivamente referidas como "material" e, em regra, tratadas em conformidade. (Pappworth 1967, XI) Esta desumanização do ser humano com suporte científico mostrou-se com particular clareza na psiquiatria, em que as pessoas têm sido (ou são) (9) efectivamente reduzidas a um pedaço de hortaliça.
Como já foi indicado, a física social de Pentland trata acima de tudo de produtividade e de como ela pode ser optimizada. Estudos têm mostrado que quanto mais as pessoas comunicam e interagem umas com as outras, melhor é o fluxo de ideias, o que tem um impacto positivo na produtividade da empresa. (Pentland 2015, 93s.) Quem diria? O livro também capta mais ideias inovadoras: uma família é mais móvel e interage com uma maior variedade de pessoas quando tem mais dinheiro. (Pentland 2015, 164) Estes resultados extremamente profundos da investigação já parecem bastante ridículos e triviais, tendo presente o élan e a pretensão com que Pentland propaga a física social do Big Data. Este é um fenómeno de qualquer modo notável e carecedor de explicação, o facto de a ciência, quando pretende, com os instrumentos técnicos e matemáticos, poder agora, finalmente, ser capaz de entender o ser humano e a sociedade, muitas vezes acabe com resultados bastante triviais, quando não produz mesmo mais ou menos 'mitologia', como foi observado no caso da neurociência. (Hasler 2012) Também isso percebeu Stanislaw Andreski (1919-2007), que no seu tempo escreveu uma polémica contra as ciências sociais da época, especialmente contra o behaviorismo de Skinner, polémica que, a meu ver, também poderia ser usada contra o behaviorismo digital de Pentland: "O problema de como controlar o comportamento de humanos e animais através de punições e recompensas tem sido tratado em inúmeros artigos sobre direito penal, legislação, educação, gestão e educação animal, desde as obras de Aristóteles e Confúcio, para não falar dos inúmeros provérbios e da sabedoria popular. É sempre possível dizer algo importante e novo sobre este assunto, mas também é muito difícil. Mas um pouco de terminologia pseudocientífica pode confundir e intimidar as pessoas a pensar que uma versão altamente simplificada e, portanto, menos válida da sabedoria popular antiga é um desenvolvimento significativo” (Andreski 1977, 72).
Uma razão pela qual uma alta pretensão termina em resultados bastante triviais pode estar no facto de uma abordagem tecnocrática e orientada pela matemática não fazer justiça ao objecto da investigação. Pentland também se recusa a olhar para as estruturas sociais. Ele rejeita categorias como "mercado" e "classe" por serem para ele muito simplistas. Claro que a questão não é que categorias como classe ou mercado voltem a ter força, o que, na melhor das hipóteses, resultaria apenas numa análise e crítica sociais de proveniência marxista tradicional. Mas é importante notar que partes da intelligentsia burguesa estão prestes abandonar definitivamente a terminologia social. Assim se vê que há em Pentland um individualismo metodológico marcado. Porém, isso impede de ver que as condições sociais são históricas, assim impossibilitando de analisar e questionar as relações sociais, e por maioria de razão a sua constituição fetichista. A abordagem que possibilita a física social é, portanto, uma abordagem mais tecnocrática e afirmativa da dominação, já que torna impossível qualquer pensamento histórico. A determinação do devir histórico dos "factos sociais", que constituiria um pré-requisito básico para a sua crítica e, portanto, também para a possibilidade da ultrapassagem emancipatória dos mesmos, não é evidenciada pela física social.
Isso também é perceptível para alguns representantes da intelligentsia burguesa. O jornalista e crítico de Internet Nicholas Carr escreve sobre essa abordagem, que "[a] statistical model of society that ignores issues of class, that takes pattern of influence as givens rather than as historical contingencies, will tend to perpetuate existing social structures and dynamics. It will encourage us to optimize the status quo rather than challenge it". (Carr 2014)
Também é criticado pela esquerda que a física social tornaria "invisíveis as relações de dominação" (Wagner 2016, 149). No entanto, deve ser rejeitado um conceito de dominação como o usado em particular por muita gente na esquerda, que é frequentemente entendido mais como externo ou pessoal. Isso também ressoa em várias resenhas à esquerda, como a de Wagner, contra Big Data, etc. Pelo contrário, relações de dominação devem ser entendidas como relações fetichistas. Assim, Robert Kurz escreve no texto "Dominação sem sujeito": "A 'dominação do homem pelo homem' não deve, portanto, ser entendida em seu tosco sentido externo e subjectivo, mas como constituição abrangente de uma forma compulsória da própria consciência humana. [...] O conceito de dominação não deve assim ser meramente descartado, para em seu lugar se erguer o conceito de constituição do fetiche, que rebaixaria o sujeito e suas declarações a simples marionete. Antes, o conceito de dominação e seu conceito mediador "poder" devem ser deduzidos como conceitos da forma fenoménica universal das constituições de fetiche, que por sua vez se manifestam tanto prática como sensivelmente como espectro da repressão ou auto-repressão em diversas formas e em diversos planos. A forma de si mesmo inconsciente à consciência manifesta-se como dominação em todos os planos. Na figura da dominação, o sujeito como ser constituído pelo fetiche trava contacto real consigo mesmo e com os outros. As categorias objectivadas da constituição formam assim o (respectivo) padrão ou a matriz da dominação." (Kurz 2004, 206s.)
Crítica da dominação, seja em sentido redutor ou como crítica da constituição fetichista, não é em princípio tema para Pentland nem para outros físicos sociais. Pentland vê, ainda assim (!), que a quantidade de dados também pode ser abusada e usada contra as pessoas. Isso também se aplica a dados anónimos, pois estes geralmente podem deixar ser anónimos com relativa facilidade. (Pentland 2015, 228, 204) É por isso que ele preconiza seriamente um "New Deal on Data". (Pentland 2015, 180s.) Assim, uma série de medidas para garantir que o indivíduo permaneça senhor dos seus dados, para que cada indivíduo disponha sobre o que pode ser feito com seus próprios dados. Mas a possibilidade de questionar por princípio essa exorbitante recolha de dados e tornar pelo menos pensável pôr possivelmente fim a isso (como o questionamento do transporte individual torna pensável a sua abolição) é coisa que ele não menciona. Em vez disso, dá a impressão de que os desenvolvimentos técnicos e científicos devem ser aceites como um facto indispensável da natureza, que na melhor das hipóteses poderia ser regulado pelo Estado.
Basicamente, essas medidas delineadas por Pentland seriam úteis e o compromisso com elas seria de reconhecer. Por outro lado, o seu apelo em defesa da privacidade (que, devido ao desenvolvimento técnico e social, em qualquer caso, está em erosão) é pouco credível, se olharmos algumas das possíveis aplicações: Em princípio, tudo pode ser vigiado. Essas técnicas são quase predestinadas para uma coisa assim, e é justamente essa a motivação importante para o seu desenvolvimento. Em entrevista à Spiegel-Online, ele responde à questão de saber se interviria, quando se vê uma família em que o pai bebe demais: "Não, nunca. Mas poderemos no futuro. Quanto mais a ciência vai avançando e quanto melhor entendemos o comportamento humano, mais temos a obrigação de agir". (Pentland 2014) Eis algo sugestivo, que poderia ser chamado de "paternalismo digitalizado"; uma atitude mental que também desempenha um papel importante no chamado "nudging". Voltarei a isso depois.
Uma coisa presumivelmente significativa (significativa mesmo em termos de negação), que poderia ser feita com Big Data, seria seguir as vias materiais realmente existentes da produção material. Não, porém, com vista à sua "optimização" capitalista, mas para desde logo determinar e denunciar a sua completa loucura: Já se investigou em alguns lugares as absurdas cadeias de distribuição materiais a que o capitalismo leva, por causa da sua dinâmica processual, seja no cultivo de maçãs ou na produção de iogurtes, como mostrou o trabalho de Stefanie Böge. (1992, 2001)
O objectivo do modo de produção capitalista, como se sabe, é a bem-sucedida valorização do capital. Um capital individual faz isso tentando obter para si, através da concorrência, o máximo possível da massa de valor produzida no conjunto da sociedade. A consequência é, como Marx já descreveu, uma crescente concentração de capital. O que foi resumido por ele na frase "Cada capitalista mata muitos outros". (Marx 2005, 790) Hoje, esse fenómeno deve ser visto especialmente no contexto da globalização das últimas décadas, ou seja, ao contrário do tempo de Marx, concentrações de capital e fusões não devem ser interpretadas como expressão de um capital total em expansão, mas como investimentos de racionalização, no decurso da contracção do capital total, como modo do seu curso de crise. (Ver Kurz 2005, 288s.)
Mas desta dinâmica de fusões também decorre que o "vencedor" assume a quota de mercado do morto em combate, com o resultado de que o produtor de maçãs vitorioso, em seguida, fornece o mundo com maçãs que poderiam ser, na verdade, cultivadas "localmente". Deste modo, há cada vez maiores rotas de transporte, com o correspondente consumo de recursos, o que, no entanto, é aceite com um encolher de ombros, como uma fatalidade. Essa loucura existe do ponto de vista material, mas não do ponto de vista da economia empresarial: para a lógica da valorização este absurdo não é absurdo; tem a sua origem na "razão" da economia empresarial, sendo este mundo produtivamente desfigurado de acordo com ela.
Por isso, numa crítica dos resultados materiais do capitalismo, é preciso insistir que não é simplesmente o plano material que leva à destruição ambiental, ao desperdício de recursos, etc., mas sim a forma social em que os "valores de uso" têm de se mover, situação em que o conteúdo material é preparado de acordo com a forma. A crescente concentração do capital e, por maioria de razão, a "contradição entre matéria e forma" (Ortlieb 2009), no entanto, não saltam à vista, quando apenas é analisado o lixo dos dados de muitos indivíduos, e toda a gente tem na cabeça apenas a "optimização".
Como veremos mais abaixo com clareza, a função do Big Data e das suas aplicações é socialmente repressiva (por parte do Estado e também por parte do capital individual), como já foi sugerido abertamente e sem rodeios por Pentland. O Big Data tem sido usado há muito tempo como um instrumento repressivo, como mostrou fenomenologicamente a matemática Cathy O'Neil em seu livro "Weapons of math destruction". (10)
4. Matemática aplicada como meio de repressão
No nosso admirável mundo novo digital são recolhidos todos os tipos de dados que podem ser armazenado em enormes bases de dados. São depois avaliados por determinados algoritmos ou modelos matemáticos. Deste modo, pretende-se calcular se uma determinada pessoa é digna de crédito, se o/a candidato/a deve ser recrutado/a, qual a probabilidade de um/a criminoso/a ter uma recaída (!) (e com as decisões judiciais a condizer), se é provável que ocorram crimes num determinado bairro (!). Algoritmos também fazem avaliações que determinam o futuro do emprego como professor. O'Neil apresenta no livro todos os tipos de exemplos. A perfídia dos algoritmos está em que normalmente permanece segredo comercial o que eles fazem e como o fazem. O julgamento do algoritmo é, portanto, absoluto, e o contraditório não é possível. Acontece também normalmente que muitas vezes esses algoritmos não apresentam qualquer "error feedback" (O'Neil 2016, 133) (ou então apenas um feedback positivo sobre si mesmo, "pernicious loop feedback"), que pudesse fazer a contraprova de que um algoritmo estava de facto correcto. É claro que esses algoritmos têm consequências extremamente repressivas para muitas pessoas, pelo que O'Neil os chama de "weapons of math destruction" (WMD). Essas "armas" são "by design, inscrutable black boxes; [t]hey define their own reality and use it to justify their results. This type of model is self-perpetuating, highly destructive – and very common." (O'Neil 2016, 29, 7)
Um problema aqui é que muitas pessoas não têm acesso à matemática (aplicada) e, portanto, são frequentemente impotentes contra os julgamentos de tal modelo. A credibilidade e a reputação acrítica das "ciências objectivas" do nosso tempo também podem contribuir para isso. Mas modelos desse tipo são tudo menos objectivos: "A model´s blind spots reflect the judgements and priorities of its creators. […] Models are opinions embedded in mathematics. […] these models are constructed not just from data but from the choices we make about which data to pay attention to – and which to leave out.“ (O'Neil 2016, 21, 218, destaque de TM).
O'Neil continua: "Nevertheless, many of these models encoded human prejudice, misunderstanding […] Like gods, these mathematical models were opaque, their workings invisible to all but the highest priests in their domain: mathematicians and computer scientists. Their verdicts, even when wrong or harmful, were beyond dispute or appeal." (O'Neil 2016, 3)
Além disso, o poder preditivo real de alguns desses modelos é extremamente mau. Como Andreas von Westphalen critica: "Um elaborado estudo da Pro Republica [...] prova que pelo menos um algoritmo frequentemente usado discrimina com base na cor da pele. O estudo também mostra que a precisão no cálculo do risco deixa muito a desejar: apenas 20% dos que foram previstos para cometer um acto violento cometeram de facto um crime violento nos dois anos seguintes. A Pro Republica sentencia ironicamente que – mesmo incluindo todos os crimes e contra-ordenações – a previsão é pouco mais precisa do que um lance de moeda ao ar" (Von Westphalen 2016, 63s.) (11)
O principal problema desses algoritmos ou modelos é que eles são frequentemente auto-referenciais. Por exemplo, no combate preventivo ao crime. As bases de dados mostram que um grande número de crimes foi detectado em "bairros problemáticos" negros, especialmente os chamados "crimes de droga". O algoritmo, portanto, prevê uma grande probabilidade de crime nesses bairros. Assim, a polícia reage com a presença correspondente – e eis que muitos crimes são detectados e, portanto, o algoritmo foi "bem sucedido". O algoritmo cria, assim, uma interpretação do mundo, que sempre se confirma a si mesma. É claro que há um feedback positivo aqui, o que levará a uma presença ainda maior da polícia. Deste modo, os afectados são punidos pela sua própria existência, a sua pobreza é criminalizada: "In this system, the poor and nonwhite are punished more for being who they are and living where they live. […] The result is that we criminalize poverty, believing all the while that our tools are not only scientific but fair." (O'Neil 2016, 97, 91)
Estruturas e relações sociais racistas são, portanto, reproduzidas e cimentadas através do Big Data e de algoritmos, embora a pretensão destes algoritmos seja serem supostamente "objectivos", ou mesmo "justos", como é o caso principalmente na área da justiça; por exemplo, um algoritmo não pode "julgar" de modo racista. No entanto, esquece-se aqui que as pessoas que o desenvolvem podem ser bastante racistas; e, mesmo não o sendo explicitamente, modelam matematicamente uma realidade racista e socialmente repressiva, e reproduzem-na com certos pressupostos. (O'Neil 2016, designadamente 24-27) Por exemplo, os algoritmos de avaliação de risco calculam a probabilidade de uma recaída de um delinquente avaliando questionários. No entanto, esses questionários são estruturados de tal modo que alguém que cresceu num "bairro problemático" necessariamente tem um risco maior. Pode-se objectar que os resultados racistas não decorrem necessariamente da metodologia; mas – e isso é crucial – sejam quais forem os pressupostos e questionários, o objectivo é usar esses métodos para modelar uma realidade racista, com o objectivo de uma perseguição penal mais eficiente e menos onerosa.
Portanto, acho que o Big Data e suas aplicações neste caso são de importância secundária; pois já antes dos tempos do Big Data havia elevada presença policial em "bairros" negros, "guerra às drogas", encarceramento em massa de pobres (cf. Wacquant 2013, Meyer 2017). O foco de O'Neil não está na análise clara das causas sociais do racismo e da criminalidade; ela acusa de facto que Big Data e suas aplicações, ou algumas delas, as "armas de destruição matemática", colocariam em risco a democracia; mas não questiona se a própria democracia não é já um sistema de dominação, nem em que medida os algoritmos aplicados representam apenas uma forma técnica de desenvolvimento de como o capitalismo em crise trata os seus delinquentes, pobres e excluídos.
A situação é semelhante quanto ao carácter extremamente conservador que a recolha de dados atribui às pessoas, como uma consequência social. Porque recolhendo todos os dados, o ser humano é fixado no seu passado: "Big Data processes codify the past. They do not invent the future. Doing that requires moral imagination, and that‹s something only humans can provide." (O’Neil 2016, 204) O que supõe que "mathematical models, by their nature, are based on the past, and on the assumption that patterns will repeat“. (O’Neil 2016, 38)
Assim qualquer um pode não conseguir emprego só porque teve um internamento numa clínica psiquiátrica há alguns anos. Um algoritmo correspondente filtra esses candidatos. Mais uma vez é preciso contestar que tais práticas já eram comuns no passado, e é por isso que um algoritmo não pode ser o principal problema aqui. Isso pode ser ainda mais evidente hoje em dia, já que estão disponíveis muito mais dados de muito mais pessoas com muito mais rapidez. No entanto, em termos de lógica da valorização, compreende-se que as pessoas com sérios problemas emocionais (anteriores) sejam rejeitadas como candidatas, porque são ou podem ser disfuncionais para a empresa. Cada capital individual tem de se manter na concorrência, mas isso também significa que os custos com pessoal, como todos os outros, devem ser mantidos tão baixos quanto possível. Então o problema em sentido causal não é um algoritmo (independentemente da verdade com que ele possa "julgar"), mas a exigência de ter de existir como portador de força de trabalho, e geralmente ser eliminado ou adiado (também com a "bem-intencionada" intenção pedagógica ou ressocializadora) se não puder ser atendido.
Esta prática de certa filtragem algorítmica tornou-se entretanto comum para os candidatos ao emprego: "Such tests now are used on 60 to 70 percent of prospective workers in the United States, up to 30 to 40 percent about five years ago […]." (O. Neil 2016, 108)
Curiosamente, no entanto, muitas vezes não se trata de encontrar o melhor candidato na selecção, mas acima de tudo livrar-se de muitos de forma rápida e barata. (O'Neil 2016, 109)
A vantagem de custo que se coloca aqui é decisiva para uma aplicação destes algoritmos: "For most companies, those WMD’s are designed to cut administrative costs and to reduce the risk of bad hires […]. The objective of the filters, in short, is to save money. […] Replacing a worker earning $50,000 a year costs a company about $10,000, or 20 percent of that worker‹s yearly pay, according to the Center for American Progress. Replacing a high-level employee can cost multiples of that – as much as two years of salary." (O’Neil 2016, 118)
No entanto, O'Neil permanece no plano fenomenológico, e não procura uma explicação para o facto de a mobilização de um local de trabalho exigir custos iniciais cada vez mais elevados, porque um número aparentemente muito grande de candidaturas inunda as empresas e se revela como factor de perturbação.
O'Neil, como foi dito, constata o carácter socialmente repressivo do Big Data e escreve consequentemente que o Big Data corre o risco de seguir o mesmo caminho da frenologia há séculos (O'Neil 2016, 121s.), ou seja, desenvolver-se ainda mais como maquinaria repressiva (ou, melhor dizendo: armar digitalmente a já existente máquina de repressão). Não só porque todo o processo é opaco (sigilo comercial) (12), mas porque, em muitos algoritmos ou modelos entram pressupostos ou preconceitos questionáveis, que acabam por ter consequências socialmente repressivas. Portanto, o Big Data pode ser correctamente entendido, pelo menos em parte, como um "charlatanismo matematizado" (Ortlieb 2006).
Embora O'Neil critique as aplicações questionáveis do Big Data, denuncie as suas consequências repressivas e torne a pretensa "objectividade" da modelagem matemática muito questionável nas suas intervenções ("Models are opinions embedded in mathematics."), mostrando a inadequação destes modelos para a descrição do comportamento humano, no entanto não chega a um questionamento fundamental do modo de pensar positivista.
Suponhamos que eram desenvolvidos algoritmos e modelos realmente correctos, reflectindo com precisão o comportamento das pessoas: o que seria obtido daí em termos de crítica da repressão social? Pelo menos então deveria saltar à vista que uma crítica imanente da ciência, por muito necessária, tem os seus limites, e que é preciso estendê-la a uma crítica que vá além disso. Crítica que deve incluir a crítica da social dialéctica sujeito-objecto, que em vão se buscará em tais críticas imanentes. Por exemplo, numa crítica ao modelo do homo oeconomicus, critica-se que as pessoas não podem ser reduzidas a essa imagem do ser humano, e que ela, consequentemente, não é realista; por outro lado, argumenta-se que muitas pessoas realmente se comportam em muitas situações como se estivessem agindo de acordo com esse modelo (caso contrário, teriam de aceitar desvantagens económicas). (Baumbach 2015, 297s.) Como esse "facto" deve ser entendido? A operação da ciência positivista apenas se sentiria confirmada, os pressupostos do modelo seriam correctos e esse facto externo seria tão certo quanto a existência anterior dos dinossauros ou a forma esférica da Terra. No entanto, é um facto em que as pessoas nisto não se esgotam, que isto foi criado apenas pela acção social das próprias pessoas, e que se repercute sobre elas como uma compulsão, isto é, como um facto, que se lhes contrapõe como objectividade.
Mas se nos limitarmos a uma crítica imanente, daí decorrendo apenas que os métodos aplicados de modo ingénuo ou errado simplesmente devem ser confrontados com métodos melhores ou mais rigorosamente aplicados, levando isso depois, quase inevitavelmente, a uma afirmação continuada das condições existentes. Assim, sabe-se que vários críticos e críticas dos economistas neoclássicos apenas acabaram por aterrar na economia pós-autista ou "heterodoxa", e, embora pretendam ter desenvolvido modelos mais realistas, no entanto, tal como os economistas neoclássicos, também não questionam as formas burguesas de transporte, o trabalho, etc., nem mesmo as formas científicas usuais de pensar.
O perigo de aumentar o controlo social, que emana do Big Data, também está sendo cada vez mais discutido noutros lugares. Por exemplo, há um algum tempo, vários cientistas publicaram o "Manifesto Digital". (13) Esse manifesto procura chamar a atenção para os caminhos do desenvolvimento totalitário possíveis através do Big Data. Assim se olha para a China e Singapura, como exemplos que nos dão uma ideia de onde a jornada de digitalização pode levar: "A concepção agora implementada na China de um citizen score dá-nos uma ideia disso: pela pontuação dos cidadãos através de uma escala de classificação unidimensional é planeada uma vigilância abrangente e não só. Como o número de pontos, por um lado depende dos cliques na Internet e do bom comportamento político, mas, por outro lado, determina as condições de crédito, os possíveis empregos e os vistos de viagem, trata-se também da tutela da população e do seu controlo social." (Digital Manifesto 17)
Verifica-se que, se a mesma coisa acontecesse nas democracias ocidentais, seria irrelevante se viesse do Estado ou de empresas privadas (como a Google!) (14). Infelizmente, a essas pessoas parece escapar o facto de, no Ocidente, já estarem em curso coisas como as sugeridas na citação, o que não apenas Cathy O'Neil expôs. (Becker 2017) Claro que não é tomada nota de que as chamadas democracias há muito são "pós-democráticas" (Colin Crouch), regimes de estado de excepção vigilante, em que a cada um é tendencialmente conferido o estatuto de criminoso como existência; muito claro em todas as várias medidas que foram tomadas após o 11 de setembro. (ver Kurz 2003b, Trojanow; Zeh 2010)
Dois exemplos explosivos e muito claros do maravilhoso mundo da democracia devem ser citados. Desde 2009, vem sendo trabalhado e pesquisado na UE o projecto chamado INDECT: "O sistema de vigilância auxiliado por computador deve detectar automaticamente 'comportamento anormal' e identificar suspeitos por meio de reconhecimento facial e comparação com bases de dados. Para esse propósito, a Internet e o espaço predominantemente urbano são vigiados sem problemas. Informações de redes sociais e privadas são ligadas com outras bases de dados, como registos policiais, é usado o reconhecimento facial automatizado por câmaras de vigilância, e são consultados os dados biométricos de bilhete de identidade e passaporte, que devem estar disponíveis em formato digital. [...] INDECT é, portanto, uma outra forma de Inteligência Artificial. A ligação em rede concreta e a avaliação dos dados acontecem – nem poderia ser de outro modo – à porta fechada. 'Comportamento anormal' equivale para os responsáveis do projecto a 'comportamento criminoso'".
Isso não consiste apenas no facto de, pouco antes de apertar um botão, olhar para a câmara gritando "Allahu Akbar", mas, designadamente, "andar muito depressa ou muito devagar, gritar ou praguejar, movimentar-se na direcção errada, 'andar à toa', encontrar-se com muitas pessoas, ficar muito tempo na vizinhança imediata de um determinado objecto [...]. Uma vez um suspeito – e quem não seria suspeito diante de comportamentos chamados 'anormais'? – caído na mira de INDECT serão usados minúsculos drones de vigilância controlados remotamente, com câmaras embutidas de alto desempenho, que identificam e rastreiam o suspeito. Esses drones estão interligados entre si e devem cooperar uns com os outros 'inteligente e autonomamente', formando enxames de drones." (Jansen 2015, 109s.)
O próximo passo lógico seria armar esses drones e prosseguir com eles, no próprio Ocidente dourado, a guerra automatizada, como ela é conduzida, por exemplo, no Afeganistão.
A "democracia mais populosa do mundo" – a Índia – surgiu com o seguinte: "O maior projecto biométrico do mundo de um único Estado está a ser realizado na Índia. Estima-se que 1200 milhões de pessoas, um sexto da população mundial, sejam registadas digitalmente no subcontinente asiático. O projecto é chamado 'Aadhaar' [...]. O projecto de biometria envolve, na prática, que de todos os indianos, párias ou da elite social, sejam recolhidas imagens digitais das dez impressões digitais e de ambas as íris, e uma foto do rosto, depois processados e armazenados num banco de dados digital. A cada indiano deve também ser fornecido um número de identificação único de doze dígitos. [...] Ligada ao número está informação não apenas biométrica, mas também demográfica, como nome, idade, sexo ou casta (!). O que cimenta ainda mais a continuada separação racista dos indianos em diferentes castas[...]". (Jansen 2015, 105s.)
As numerosas possibilidades de vigilância do Big Data em combinação com a "inteligência artificial" são maravilhosas para o permanente estado de excepção, para o controlo social e a contra-insurgência (preventiva). A diferença entre a UE e a China é apenas gradual. Aos autores e autoras escapa, no entanto, que o capitalismo digitalizado está predestinado precisamente para os fins descritos acima, sendo que um capitalismo digital sem eles certamente não existirá – tendo em conta as distorções sociais realmente existentes e as condições de crise em que essas técnicas e seus desenvolvimentos ocorrem. Tudo isso é ignorado. Totalitários são sempre apenas os outros! (ver Kurz 2001, 2002a)
Aqui, porém, deve-se ainda enfatizar o seguinte: Embora essas numerosas tecnologias de vigilância sugiram a realização de um Estado total, à la 1984 de George Orwell, este momento não deve ser exagerado. Porque, primeiro, essas tecnologias são usados sobretudo também por empresas privadas, inclusive desempenhando um papel importante ao nível do capital individual, e em segundo lugar, a própria soberania está em erosão e asselvajamento. Isto é evidente, por um lado, pelo facto de o aparelho de segurança do Estado estar a decair, equiparando-se aos bandos terroristas privados, como se pode ver claramente, por exemplo, no Terceiro Mundo. (15) Por outro lado, também o aparelho de violência está sob condição de financiamento, que dificilmente pode deixar intocada a sua funcionalidade: assim é que, simultaneamente com a extensão da vigilância por câmaras, repetidamente se fala da escassez de pessoal, ou seja, em parte, as técnicas de vigilância, etc., também podem ser entendidas como medidas de racionalização. Nas forças armadas isso é ainda mais óbvio: assim, nos últimos anos a "guerra de drones" tem sido tão acelerada, porque é mais barata do que uma intervenção regular, uma vez que as "guerras de ordenamento mundial" estão evidentemente a atingir os limites da sua financiabilidade.
Na pior das hipóteses, essas tecnologias seriam usadas para reprimir insurreições e manter a "segurança", pelo menos é essa a intenção; mas se isso realmente funcionará é mais do que questionável; após o levantamento, apenas continuaria o estado de excepção, dificilmente chegaria uma normalidade burguesa da "lei e ordem", pelo contrário, seria de esperar uma guerra civil molecular, a ditadura do estado de necessidade ou coisa que o valha. A omnipotência do Big Brother termina na sua falta de financiabilidade.
Além disso, o "Manifesto Digital" critica, tal como Pentland, o uso ou uso indevido dos dados contra os interesses dos proprietários, como é evidente na publicidade personalizada, no "nudging" e no fenómeno da "filter bubble". Por último, os mecanismos de busca dão ao "usuário" especificamente o que corresponde às suas (supostas) preferências. A consequência é uma auto-referencialidade, "uma espécie de prisão digital do pensamento" (Manifesto Digital 15), que consiste em alguém receber apenas notícias, filmes ou livros determinados por um algoritmo correspondente ao consumo passado de média; portanto, já não haveria surpresas, nem coisas para se debater e discutir com os outros (Simanowski 2014, 78s.); Deste modo, "informações personalizadas podem destruir inadvertidamente a coesão social" (Manifesto Digital 11).
No entanto, mesmo que os autores não o afirmem, fica claro que essas "filter bubbles" estão muito alinhadas com o neoliberalismo e com a sua ideologia, na qual de qualquer modo não existe sociedade, mas apenas indivíduos que consomem nos mercados. E também ao carácter social narcisista essa técnica oferece alguns benefícios de bem-estar; ou seja, não mais ter de lidar com o mundo exterior, fora do universo paralelo especialmente distorcido. É preciso enfatizar que também aqui a tecnologia não deve ser responsabilizada por esse efeito, que ela fortalece e continua; no entanto, os seres humanos já antes são narcisistas e incapazes de entrar em conflito, e é isso que lhes permite existir em seu mundo virtual, como "usuários" em sua "câmara de eco" , sem vomitar. (16)
Apesar de uma certa crítica, os autores do "Manifesto Digital" fundamentalmente não questionam a digitalização (nem o capitalismo); porque, como diz um certo professor Weikum numa entrevista, "a digitalização em si é um fenómeno evolutivo que há muito tempo se manifesta". Embora outros vejam e critiquem tendências afinal (!) totalitárias, recomendando , portanto, um debate para uma certa "regulação", Weikum pronuncia-se contra eles: "A ciência não pode ser regulada; isso seria como a censura no jornalismo ou a proibição dos estudos anatómicos pela Igreja na Idade Média. "(Manifesto Digital 49s.)
Evolução e Idade Média são justamente as palavras-chave mobilizadas quando a ciência não sabe como justificar. Naturalmente que o problema não será uma questão de "regulamentação", mas está claro quão rapidamente o limite de críticas razoáveis já foi alcançado em algumas pessoas.
Um questionamento fundamental da digitalização, no entanto, não pode ser equiparado à consequente rejeição da tecnologia digital em geral. Pode haver possibilidades de uso razoáveis, ou podem ser desenvolvidas, mas, para que isso aconteça, teriam de ser primeiro determinados os correspondentes critérios de sentido e finalidade, em termos de conteúdo concreto. Mas isso só é possível no contexto de uma crítica radical do capitalismo; porque a única medida, ou o único critério que o capitalismo pode pensar e implementar é a valorização do valor e a extensão máxima dos mercados, etc; e é claro que esse critério não é adequado para julgar o sentido e a finalidade duma (possível) tecnologia, uma vez que se abstrai fundamentalmente dos níveis material e social. Se eles aparecerem, é como custo ou factor de perturbação da economia empresarial. Sem dúvida, isso não é novidade, em princípio: quando uma tecnologia antiga ficou ameaçada de racionalização devido ao "desgaste moral", ela sempre foi substituída pela mais rentável e mais eficiente em termos de lógica da valorização, e isto em toda a parte onde se possa abrir um correspondente mercado. As catástrofes sociais e ecológicas daí eventualmente resultantes foram então aceites e minimizadas como alegadas necessidades de "progresso".
Assim, a digitalização significa, de facto, a implementação da tecnologia digital em todos os níveis da sociedade (sob reserva de financiabilidade). Mas este "totalitarismo tecnológico" alimentado pela dinâmica fetichista do capitalismo deve ser rejeitado e fundamentalmente questionado!
5. A Internet das Coisas e a idiotice do indivíduo abstracto
Outra área de actividade do Big Data é a chamada "Internet das Coisas", que inclui todo o tipo de dispositivos caracterizados pela sua "inteligência". Isto porque, devido ao enorme barateamento dos sensores, agora é possível equipar com sensores todos os dispositivos imagináveis, na indústria e no sector particular (e milhares de milhões de vezes!). Estes exploram o estado do dispositivo e do seu ambiente, registando tudo o que pode ser registado por sensores (ou câmaras). Uma correspondente conexão à Internet resulta na Internet das Coisas.
Deste modo surgem relógios inteligentes, caixotes do lixo inteligentes e chaleiras inteligentes, frigoríficos inteligentes, etc. O desenvolvimento de tais dispositivos serve, de facto, para tornar possível o consumo "mais sustentável", pelo menos é o que alegam os fabricantes. Assim, Evgeny Morozov escreve em seu livro Novo mundo inteligente sobre caixotes do lixo inteligentes: "BinCam, um novo projecto de pesquisadores britânicos e alemães, quer modernizar a nossa abordagem do lixo, de modo a tornar os caixotes do lixo mais inteligentes e – isso mesmo – mais sociais. Como funciona: um pequeno smartphone, ligado ao interior da tampa do caixote do lixo, tira uma foto cada vez que alguém fecha a tampa – é claro, para documentar o que é depositado. Um grupo de pessoas mal pagas, recrutadas através do site Mechanical Turk da Amazon, avalia as fotos. Tanta coisa para ver. Quantas coisas podem ser recicladas? Quantos alimentos são deitados fora? Junto com essa informação, a foto é enviada para a página do Facebook da pessoa a quem pertence o caixote. Lá, outros usuários podem vê-la. Os criadores da BinCam esperam que, se houver caixotes de lixo inteligentes em muitas residências, se possa fazer uma competição lúdica em torno da reciclagem, com a ajuda do Facebook. Semanalmente, os resultados são calculados e, à medida que as quantidades de alimentos e materiais recicláveis diminuem, os proprietários obtêm folhas e barras de ouro (simbólicas). Quem coleccionar mais folhas e barras ganha. Missão cumprida, planeta salvo!" (Morozov 2013, 20)
Não só cada expressão de vida é documentada para todos, mas também cada pessoa é obrigada a optimizar o seu consumo, em termos de tecnologia de sustentabilidade (e tecnologia de saúde). Como se isso não fosse suficiente, ainda se faz disso um jogo infantil. Ao último fenómeno Morozov também chama "gamification". O que devia ser objecto de um discurso crítico é traduzido num jogo de idiotice infantil, como é o caso quando se pretende incentivar as pessoas a economizar energia através dum "diálogo sem palavras" vertido em tecnologia [...]. Um exemplo é a lagarta – uma extensão eléctrica (na forma de uma pequena lagarta) projectada para encorajar os usuários a pensar em quanta energia é desperdiçada pelos equipamentos em stand-by. A lagarta tem três modos de operação: quando o dispositivo [...] é ligado, a lagarta respira devagar e com firmeza; se estiver desligado, não faz nada; no entanto, se estiver em stand-by, a lagarta começa a contorcer-se e a estremecer, como se estivesse com dores. Os proprietários atenderão as necessidades da lagarta, como se ela fosse um ser vivo?" (Morozov 2013, 539)
Morozov apresenta mais exemplos. Como as chaleiras eléctricas inteligentes, que acendem no vermelho quando não devem ser usadas, por ser muito elevada no momento a carga na rede eléctrica. As coisas inteligentes ajudam-nos a economizar eletricidade e ainda fazer algo pelo ambiente! Graças a Deus!
Morozov chamou assim "solucionismo" ao olhar tecnocrático-reducionista que aqui brilha, social e historicamente completamente ignorante: A estreiteza do solucionista torna-se clara pelo facto de ele só conhecer o seu martelo e só ver pregos em toda a parte. (Morozov 2013, 25s.)
Semelhantemente arrumada é a optimização do consumo por "self-tracking", ou seja, através da gravação de dados pessoais, de funções vitais, como o sono, etc., para que possamos, em seguida, vigiar a "pegada pessoal de CO2 e minimizar as nossas próprias emissões de dióxido de carbono, comprando produtos mais eficientes e utilizando meios de transporte mais ecológicos." (Morozov 2013, 546) (17)
O consumo não é "óptimo" nem necessariamente saudável, como bem se sabe. Mas há muito que não se deixa à decisão do indivíduo quanto e o quê consumir, mas há uma tendência, que há muito tomou a forma de medidas políticas ou de agitação, para ir "empurrando" as pessoas (nudging) através de "manipulações subtis" supostamente na "direcção certa" (por exemplo, barras de chocolate "não saudáveis" nas prateleiras difíceis de alcançar, ao contrário da folha de alface "saudável", sendo suposto que as primeiras são menos compradas). O “nudging” é justificado pelos seus seguidores pelo facto de que as pessoas tendem a decidir "erradamente", não passando de tolas, que precisam de ser guiadas, para serem protegidas de si mesmas! De qualquer modo, as justificativas poderiam ser resumidas de maneira assim aberta e directa. Assim se impõe um "paternalismo libertário" novo e "mais suave" que, como dizem os críticos, "incapacita" os cidadãos e cidadãs, e lhes impõe uma ascese neoprotestante (com redução de custos no serviço de saúde, se por self-tracking se conseguir de facto uma vida saudável, andando pelo menos 1.000 passos por dia). Um paternalismo que quer assustar as pessoas contra tudo o que é suposta ou realmente insalubre (como enchidos gordos ou cigarros). A chamada "saúde pública" é, segundo ele, apenas uma questão de consumo individual, não de produção, e certamente não de condições nem de relações sociais, no mundo do trabalho e da reprodução!
No entanto, essa perspectiva imediata de indivíduo abstracto, como aparece no nudging, encontra-se não apenas na física social ou na economia comportamental, mas também nas críticas ao nudging, que muitas vezes são liberais. Assim, dito resumidamente, insiste-se geralmente na "maturidade" do indivíduo, na "liberdade de escolha", exige-se "discurso político" e "esclarecimento" em vez de "manipulação": o indivíduo saberá então melhor que ninguém o que é melhor para si. (18) Mas essas posições geralmente também padecem da ideia de que o consumo e os seus conteúdos se reduzem à suposta liberdade de escolha do indivíduo, do "consumidor responsável", ou seja, à idiotice do indivíduo abstracto. O que não é visto pelos liberais, infelizmente, é que a maravilhosa "maturidade" burguesa consiste precisamente em internalizar as relações coercivas do capitalismo, agindo de acordo com os seus imperativos, sem a necessidade de um aparelho estatal de força. A liberdade de escolha do "consumidor responsável" é, em última análise, a liberdade do escravizado.
Esta enaltecida liberdade burguesa é, por um lado, indiferente a qualquer conteúdo e, ao mesmo tempo, profundamente unidimensional: "A liberdade de pensar, de produzir e de consumir inclui […], por um lado, uma arbitrariedade absoluta […]. Quanto ao conteúdo, mais uma vez, não interessa nada. Quanto a isso, a liberdade, o pensamento, a opinião e a crítica são sempre qualitativamente vazios; ou o seu conteúdo é casual, exterior e insignificante no verdadeiro sentido da palavra. Por outro lado, a mesma liberdade abstracta contém uma limitação e exclusão impiedosa. A sua forma social de modo nenhum é arbitrária, mas fixada de modo completamente unidimensional; ela define todas as relações, porque, como disse Marx com razão, ela é simultaneamente forma de existência e forma de pensamento, neste modo de produção e de vida. Perante ela nem uma centelha de crítica é permitida. Quem a viola é bloqueado; quem a põe em causa é declarado insano. É permitido quase tudo, justamente porque uma coisa não é permitida, ou seja, arrombar a "jaula da servidão" (Max Weber), a forma férrea do ser permitido. A arbitrariedade do conteúdo das relações de mercadorias e dinheiro constitui uma relação coerciva sem igual. Este é o segredo de toda a democracia e liberdade da modernidade." (Kurz 2017, 78)
A forma e o conteúdo do consumo, do uso da energia, do sistema de transportes, etc. devem, de facto, ser objecto de um discurso crítico. Com a tecnologia inteligente e o nudging a ela associado, no entanto, esses problemas são transferidos para o nível do indivíduo e do consumo individual, sendo assim privados de qualquer crítica; estas pessoas altamente ininteligentes não enxergam outro nível. Mas uma crítica do consumo, ou, mais precisamente, uma crítica dos resultados materiais do capitalismo só pode ser feita incluindo o plano social global, em que é preciso ter em consideração a determinação da forma e o ajustamento do conteúdo pela relação de capital, pela valorização do valor e pela dissociação sexual.
Uma crítica do consumo individual não leva a nada, se nem sequer se vê como se produz realmente. Por exemplo, o progresso técnico na agricultura nos Estados Unidos, mais especificamente na indústria do milho, desde os anos 70 do século passado, não só levou a um embaratecimento do milho, mas daí resultaram "montanhas de milho", que agora de algum modo "teriam" de encontrar escoamento. Então o milho passou a ser transformado num concentrado de açúcar, que foi adicionado a uma infinidade de alimentos. Isso deve ser responsável pelos altos níveis de obesidade e diabetes na população dos EUA. Tomasz Konicz escreve: "Ganhos de produtividade na agro-indústria capitalista, portanto, não levam à conservação dos recursos naturais limitados, mas ao esforço para criar, a bem ou a mal, novos campos de procura para manter o processo de valorização – sendo o corpo humano, se necessário, abusado para acumular frutose." (Konicz 2013, 19)
O sudoeste dos Estados Unidos há anos que sofre de escassez de água. Na agricultura, no entanto, continuam a ser cultivadas exactamente as culturas (como as amêndoas) que exigem um grande consumo de água. Em vez de cortar exactamente esses cultivos devido à seca e mudar para outras culturas menos intensivas em água, continua-se com aquelas, porque são as mais lucrativas! (veja Konicz 2014)
Portanto, é óbvio que não faz sentido, na busca da sustentabilidade, da saúde, etc., considerar apenas o indivíduo consumidor, ou o produto final à venda, sem envolver o plano social. Uma orientação para o indivíduo, para o "consumidor", passa ao lado do essencial.
Franziska Baumbach escreve, em sua crítica da antropologia do indivíduo burguês, referindo-se a Marx, o seguinte: "Entender a sociedade como um conjunto de indivíduos ignora o facto de que a estrutura social é determinada pela forma de relacionamento das pessoas entre si. Numa sociedade de livre concorrência, na qual os produtores privados isolados se encontram socialmente através da troca das suas mercadorias, o ser humano aparece como um indivíduo completamente independente. Este resultado do modo de produção capitalista, indivíduos isolados, leva a uma imagem do mundo que, invertendo causa e efeito, pretende ter uma imagem do ser humano individual, sem ter em consideração as circunstâncias sociais." (Baumbach 2015, 160, destaque de TM)
Para lá das observações de Baumbach, é preciso constatar, com Robert Kurz: "Porém, se esse todo ou 'processo global', como fetiche do capital ou 'sujeito automático', constitui o verdadeiro pressuposto e, assim, a determinação da essência da sua relação autonomizada face aos seus próprios actores, a quem fugiu das mãos, então também os produtores privados ou capitais individuais já estão, na realidade, socializados 'por detrás das suas costas', antes de empiricamente entabularem relações no mercado. Eles, como actores reais, apenas podem consumar pelo mercado, a posteriori, o que objectivamente já existe a priori, a saber, a mediação universal, a dependência mútua e a partilha de funções profundamente escalonada da reprodução social. É um contexto de encadeamento abrangente feito de produções parcelares, relações de subcontratação e infra‑estruturas multiplamente articuladas e mutuamente engrenadas que, por intermédio do capital, tomou forma como complexo global apriorístico. […] Pois no plano do capital individual parece ainda tratar‑se de um acontecimento que possa ser apreendido com os meios da teoria da acção que, em certa medida, se resume ao cálculo subjectivo e em que se defrontam de forma imediata actores do interesse. Aquilo que constitui esses mesmos actores e que não aparece, na sua percepção limitada, como um objecto distinto, nomeadamente a entidade pressuposta do 'processo global', desaparece num mundo composto por factos imediatos. […] O que transcende os sujeitos agentes e perfaz o movimento real de valorização é o todo do 'sujeito automático', o apriorismo constitutivo e transcendental que apenas se manifesta no capital individual, mas não o é em termos categoriais."(Kurz 2012, 173, 177s.)
É preciso, pois, insistir sobretudo no carácter social do indivíduo e na sua forma determinada pelo todo fetichista, quando toda a responsabilidade recai sobre o indivíduo como indivíduo, enquanto a totalidade social desaparece, como obviamente acontece em todos os debates sobre nugding, sustentabilidade, etc.
As possibilidades de aplicação de produtos inteligentes parecem inesgotáveis, continua Morozov: "Hoje, sensores sozinhos, sem conexão com redes sociais ou armazenamento de dados, podem fazer muito. Para os idosos, por exemplo, tapetes inteligentes e toques inteligentes, que detectam e avisam se uma pessoa cair, podem ser uma grande ajuda." (Morozov, 2013, 23)
Assim se aponta outra área para o uso da tecnologia digital e inteligente: a área dos cuidados e da reprodução. Na formulação de Gisela Notz: "Já estão em acção robots cuidadores desenvolvidos por empresas japonesas, com braços fortes e grandes olhos, que conseguem levantar os idosos da cama e colocá-los na cadeira de rodas. Há ursos de peluche com núcleo electrónico que os dementes podem abraçar, bonecas humanóides e animais de peluche equipados com inteligência artificial e tecnologia de reconhecimento de voz, que conseguem cantar, acariciar e falar, e que, segundo os relatórios divulgados pelas partes interessadas, são adorados pelos idosos. Se houver problemas, os robots cuidadores podem informar o pessoal cuidador" (Ver o artigo de Andreas Urban nesta edição.) Também se fala de cozinha inteligente "para a cozinheira (!)". Com isto, no entanto, "as imagens de género estereotipadas não são [...] desmanteladas, mas sim modernizadas e refixadas" (Notz 2016, 31).
É claro que a indústria está interessada em equipar o maior número possível de dispositivos com sensores. O ponto é, novamente, economizar custos, porque uma monitorização em tempo real dos dispositivos permite que as empresas extraiam mais dos seus postos em actividade. Em segundo lugar, [...] a possibilidade de prever a fiabilidade das máquinas e componentes no futuro e, portanto, poder garantir melhor a sua manutenção" (Woudhuysen; Birbeck 2016).
Mesmo Morozov observa que a redução de custos é um motivo convincente para a introdução de produtos inteligentes: "Uma empresa start-up com o bonito nome de BigBelly Solar quer revolucionar a eliminação de resíduos através de contentores de lixo que, usando energia solar e sensores embutidos, informam a empresa de remoção de resíduos se estão cheios e quando precisam de ser esvaziados. Isso permite optimizar as formas de recolha de lixo, o que economiza combustível. A cidade de Filadélfia experimenta desde 2009 esses contentores. Já reduziu o número de recolhas de resíduos de 17 para 2,5 por semana, e o número de funcionários de 33 para apenas 17. Num único ano isso trouxe poupanças de 900.000 dólares." (Morozov, 2013, 23s.)
Mas não se deve ficar por esses pontos isolados. A visão é que todos eventualmente viveremos em "cidades inteligentes" (também Alex Pentland está apaixonado por "data-rich cities"). No entanto, é muito questionável, como explica Rainer Fischbach, se uma sociedade equipada com dispositivos inteligentes reduziria realmente o consumo de energia, pois também seria preciso incluir na conta a sua produção e a infra-estrutura correspondente. Além disso, um mundo de dispositivos inteligentes seria vulnerável a ataques de hackers, e a protecção, que ainda não existe, seria muito cara. (ver Fischbach 2015)
No entanto, há partes "inteligentes" da infraestrutura às quais Morozov também se refere: "Carros que não arrancam quando o condutor está embriagado; comunidades isoladas que não toleram intrusos; pontes das quais não se pode saltar; sistemas de tarifas exactas em autocarros públicos, graças aos quais o condutor não precisa de trocos e por isso é atacado com menos frequência [...]" (Morozov, 2013, 320s.) Ou que ninguém mais consegue passar sem bilhete nos bloqueios de corpo inteiro, no sistema de metro de Nova York; viajar sem bilhete é impossível. (Morozov 2013, 319s.) Em última análise, o objectivo de uma cidade inteligente está acima de tudo na "prevenção situacional do crime". Graças à tecnologia inteligente, o crime e o comportamento desviante devem agora ser finalmente abolidos, pelo que é claro que nada precisa de ser mudado nas condições sociais que possam estar por detrás deles. Isto mostra claramente que as tecnologias de Big Data estão no contexto de um discurso securitário e da correspondente práxis caceteira. As consequências de uma infra-estrutura inteligente seriam, como Morozov sublinha com clareza, tornar simplesmente cada vez mais estruturalmente impossível o comportamento desviante e, assim, a violação da lei. Segundo Morozov, isso limitaria severamente a capacidade de uma pessoa agir moralmente (ver abaixo o excurso sobre ética ou moral na crítica social). Mas, por outro lado, a possibilidade de violar a lei e de ter um comportamento desviante é necessária, como observa Morozov, uma vez que pode estimular o discurso e as mudanças políticas, pois na história muitas alterações foram possibilitadas pela desobediência civil e pela resistência (19): numa cidade inteligente, não poderia ter existido uma Rosa Parks (20), como faz notar Mozorov. (Morozov 2013, 342s.)
Naturalmente que, para contrariar a "smartificação" da infra-estrutura e a concomitante limitação das possibilidades humanas de acção, não basta referir-se a um sujeito moralmente livre ou autónomo, como se ouve em Morozov. A "smartificação" da infra-estrutura, a Internet das Coisas e a digitalização da política devem ser vistas em termos do seu papel no capitalismo de crise. A "smartificação" tem muito a ver com a economia de custos e com a famosa "segurança". Sem a digitalização, tendo em vista as condições de crise, simplesmente haveria cassetetes da polícia sem um sensor de aceleração, o que dificilmente melhoraria a situação geral. (21)
O mesmo vale para uma desejada "automação da política". O facto de as decisões políticas deverem ser expostas ao Big Data e às simulações computacionais correspondentes também tem a ver principalmente com o facto de a esfera política, como autoridade reguladora capitalista, há muito ter atingido os seus limites na crise e ter perdido eficácia. Pelo contrário, como já mencionado, é preciso falar do "Fim da Política" (Robert Kurz).
O Big Data também parece estar associado à esperança de que as "ciências" forneçam aos políticos receitas que possam ter sido negligenciadas até agora, e/ou testem a eficácia dessas receitas por meio de simulações em computador (se algo útil virá daí ou não é outra questão). Essa abordagem também lembra um pouco a ideologia dos transumanistas, que, para resolver os problemas do mundo, estão exigindo o desenvolvimento de uma inteligência artificial que supere o ser humano e, de algum modo, o substitua como espécie. (ver Meyer 2016)
Uma crítica da delegação da "responsabilidade social" no Big Data, como formulada por Westphalen (von Westphalen 2016), é compreensível, mas não leva a nada, se no final possivelmente apenas for exigido um obsoleto keynesianismo (de esquerda). A partir daí espera-se uma certa "capacidade de configuração política". Além do facto de o keynesianismo ter servido apenas para regular e preservar o mecanismo capitalista, essa perspectiva há muito se tornou obsoleta, nada tendo a ver com responsabilidade e planeamento social significativos. Isso é demonstrado, em especial, pela absurda política económica na China, que queria assumir a "responsabilidade política" da crise através de uma política de investimento em infraestruturas, e que em alguns anos consumiria mais betão do que os EUA ao longo de todo o século XX! (ver Konicz 2015)
Em última análise, tal desenvolvimento, como podemos observar, é apenas consequente para uma sociedade fetichista que simplesmente é demasiado cega em relação a si mesma, e que não consegue justificar-se nem fundamentar-se a si mesma (e nem sequer o tenta). O novo mundo inteligente, afinal, não é senão o estado de excepção digitalizado, um ordenamento inteligente do estado de necessidade, que quer lidar com qualquer problema ou pseudoproblema (22) com ainda mais segurança, ainda mais vigilância e ainda mais tecnologia digital. A digitalização é pouco mais que a reprodução da insanidade capitalista numa escala maior.
6. Excurso: Sobre o problema da ética ou moral na crítica social
Ainda que o problema da moral ecoe em Morozov, na sequência da "smartificação" da infra-estrutura, mesmo assim dificilmente se pode dizer que ele tem um ponto de vista moralista, pois, ao lidar com a "solucionismo", ele está bem ciente de toda a complexidade dos problemas sociais (embora não no sentido do questionamento radical do capitalismo em geral).
Não obstante, é possível apontar-lhe um modo fundamentalmente problemático de argumentar, a saber, o apelo à ética, ou à moral.
Este apelo vê-se, por exemplo, nos debates sobre "ética empresarial", encontra-se em todos os tipos de "comités de ética" (ver von Bosse 2010), culminando em projectos absurdos de programar moralmente uma "inteligência artificial". (23)
Nos debates sobre a ética, o cepticismo é sempre apropriado. Transfere-se "responsabilidade" para o indivíduo, ou para uma instituição, e sugere-se uma acção eticamente correcta, fazendo desaparecer completamente as coerções objectivas e as imposições abrangentes do capitalismo. A ética funciona, assim, como uma espécie de "lubrificante indispensável" (Scholz 2013, 30) para a manutenção do patriarcado na forma da mercadoria, e tem a consequência de encobrir ou recalcar as relações de dominação e a sua constituição fetichista: Porque a ética, no sentido de propagação de máximas morais de acção, faz escândalo sobre a maldade de certas acções humanas, ou de certos desenvolvimentos técnicos ou das suas aplicações, sem, no entanto, se expressar sobre as relações sociais subjacentes. Porém, isso não exclui necessariamente que os discursos éticos e o que eles pretendem atingir em termos de conteúdo possam ter momentos apropriados.
Em todo o caso, os comités de ética examinam geralmente resultados do desenvolvimento técnico e propõem regulamentos ou restrições, a menos que desde o início tenham uma função legitimadora, se não mesmo banalizadora. Assim se afirma e reforça a ideia de que a investigação e o desenvolvimento são à partida neutros, que as questões éticas lhes são externas, e que também aí nada têm a perder.
O mesmo se aplica aos debates ou discursos em que está em causa a justiça, ou a falta de aplicação da mesma. Também aqui se omite a crítica do capitalismo e das suas categorias de base reais, restringindo-se a crítica normalmente a lamentar a falta de participação de certos grupos sociais, ao mesmo tempo que não se tem em conta a crise sociedade do trabalho, nem se questiona fundamentalmente e em termos de conteúdo aquilo em que os desfavorecidos pretendem participar.
Robert Kurz formulou a crítica de tal "ética democrática" da seguinte maneira: "O apelo à justiça já pelo seu nome deriva do conceito de uma subjectividade funcional jurídica. Um "direito" à vida, à alimentação, à habitação, etc. é em si mesmo absurdo; ele só faz sentido num sistema de referência social que tende a não pressupor naturalmente todos esses princípios elementares da reprodução humana, estando, pelo contrário, sempre a pô-los objectivamente em questão. A forma jurídica e os direitos do sujeito democrático são apenas a outra face complementar do 'lupino' sujeito económico, com o seu interesse pelo dinheiro, desprovido de qualquer outra emoção humana. No entanto, na mesma medida em que, com a totalização da forma da mercadoria e a sua incapacidade de reprodução funcional tornada simultaneamente manifesta, cada vez mais pessoas deixam de ser sujeitos económicos deste sistema, deixam também de ser sujeitos jurídicos, deixando, portanto, de ser seres humanos em geral pela definição do sistema. É verdade que, nas economias relativamente vitoriosas, a aparência da situação de legalidade pode ser mantida por algum tempo; no entanto, esta aparência está ligada ao funcionamento das redes de redistribuição social e, portanto, à competição 'com sucesso' na concorrência aniquiladora de outras economias do mercado mundial. Substancialmente, qualquer pessoa que não pode mais representar um sujeito económico do mercado a longo prazo é apenas um morto em férias. As condições das economias perdedoras e colapsadas confirmam essa lógica bárbara diariamente e em formas cada vez mais brutais." (Kurz 2013, 18)
Debates éticos ou morais, discursos sobre a justiça, etc. podem, portanto, ser vistos como tentativas impotentes de lidar com as barbáries não conceptualizadas e, assim, incompreendidas, precisamente porque as causas sociais dessas barbáries são recalcadas por esses debates.
O carácter esquizóide dos debates éticos é às vezes muito claro: propaga-se sempre, por um lado, o auto-empreendedorismo neoliberal, o trabalho por projecto "individual", a auto-optimização permanente, talvez para resistir melhor à concorrência, e, por outro lado, critica-se moralmente que as pessoas sejam tão extremamente egocêntricas, narcisistas e sempre completamente indiferentes ao outro. O outro nesta sociedade não é um ser humano, não é um amigo que ainda não se conhece, mas apenas mais outro concorrente com o próprio, na viagem para Jerusalém. Mas dificilmente alguém ousa dizer isso: todos devem ser simplesmente "amáveis" com os outros.
Para entender teoricamente e questionar radicalmente o capitalismo, é preciso um "apriori pré-teórico" (Robert Kurz). (24) Este consiste em não estar de acordo com as relações, com os sofrimentos e com as imposições abrangentes que o capitalismo traz consigo. Do desacordo, no entanto, não decorre necessariamente o desenvolvimento de uma crítica radical. É de criticar, por exemplo, quando essa discordância toma a forma de uma reivindicação ética ou moral. Pois se uma reivindicação ética fôr formulada, então, a meu ver, o aguilhão da crítica necessariamente não terá sido puxado até ao fim, mas terá sido bastante embotado; uma reivindicação ética insistirá no indivíduo e nas suas acções (ou nas instituições e nos seus membros), estreitando assim consideravelmente o horizonte da crítica; acabando por se chegar, entre outros, à "alimentação eticamente correcta", à "linguagem politicamente correcta", a comunidades e contextos locais, ao "anarquismo como estilo de vida", (25) etc., em que supostas alternativas são supostamente "vividas livres da dominação".
Para apurar esta ideia: mesmo pretender alicerçar eticamente a falta de concordância com Auschwitz não passa de uma perversão. De facto, resulta de Auschwitz uma determinada prática, como Adorno apontou, de tratar o pensamento e a acção de tal modo que Auschwitz ou algo similar não se repita, mas isso não é uma reivindicação ética. (Adorno 2003b, 358) As reivindicações éticas são geralmente endereçadas aos indivíduos como indivíduos, pressupondo as formas de comunicação e relações sociais que os forçam a com elas se conformarem; mas o desacordo com elas exige uma crítica radical e uma ultrapassagem prática. Assim deve ser entendido também o "imperativo categórico" de Adorno.
É preciso, como disse Marx, mandar abaixo todas as relações em que o ser humano é um ser escravizado e humilhado. Pois o destinatário da crítica radical não é o indivíduo ou uma instituição, ignorando todas as relações sociais, mas sim o actual agir dos seres humanos, ou seja, a sua práxis, que é vista no contexto de uma objectividade social destrutiva, que é (re)produzida precisamente por essa práxis, sendo reivindicado pela crítica que têm de ser abolidas precisamente essa objectividade, isto é, a dinâmica fetichista do capitalismo, e a forma de sujeito subjacente. Só então a ideia de uma "coexistência pacífica" do ser humano com a natureza pode ser realizada.
7. Big Data e o "Fim da Teoria"
Com o "Big Data" já foi consequentemente declarado por alguns o "Fim da Teoria", e essa é provavelmente a alvorada do estágio supremo e final do positivismo. Devido às quantidades incríveis de dados possibilitadas pelo Big Data e pelo novo mundo inteligente, bastariam as correlações; no futuro, os números poderiam falar por si mesmos; teoria e modelagem poderiam ser dispensadas. Esta é a visão de Chris Anderson, ex-editor-chefe da revista Wired. (ver Anderson 2013) Claro que houve oposição da comunidade científica. Tal como na física, não faz sentido simplesmente "medir por aí adiante", é preciso haver já um pensamento teórico, com o qual se determina o que medir e com que finalidade. (ver, por exemplo, Mazzocchi 2015, Boyd; Crawford 2012) Assim Gerhard Lauer (um representante das "Digital Humanities") também defende que quanto mais dados estão disponíveis, tanto mais a teoria é necessária. (Lauer 2013)
Por muito dignas de reconhecimento que possam ser tais objecções ao suposto fim da teoria, em geral são muito pouco questionados o individualismo metodológico, a objectividade moderna, a suposta neutralidade e isenção de ideologia. Certamente existem nichos, indivíduos e pequenos grupos que em parte fazem isso, mas nos grandes projectos científicos nada disso acontece. Por exemplo, investem-se milhares de milhões para as neurociências pesquisarem perturbações mentais que, supostamente, têm a sua causa apenas no cérebro do indivíduo, e nada têm a ver com condições sociais estruturais. (Schleim 2016) Não seria, portanto, surpreendente se, no processo de digitalização do pensamento, a comunidade científica e a universidade empresarial (e, claro, todas as empresas privadas que realizam investigação e desenvolvimento) fossem vítimas de uma ignorância sem fundo e, portanto, abandonassem definitivamente qualquer reflexão crítica, ou até a sua mera possibilidade. Em todo o caso, a reflexão crítica nunca foi hegemónica no panorama científico.
Objecções críticas que certamente existem contra o Big Data e suas aplicações (veja-se o Manifesto Digital) voltam, por isso, a ser facilmente escondidas, quando é posta a perspectiva de quantos e quão fantásticos novos postos de trabalho são possíveis através dele. (Por exemplo, Helbing; Pournaras 2015) Infelizmente, a reflexão crítica e o questionamento fundamental das condições sociais não são óbvios, não surgem automaticamente da matemática aplicada com perfeição metódica, nem da impecável manipulação de cadeias de signos formalmente lógica. O facto de a reflexão teórica (imanente) estar a desaparecer levanta a suspeita, como escreveu uma vez Robert Kurz, "de que a reflexão teórica se cala porque a dinâmica social subjacente se apaga." (Kurz 2002b) (26) Isso explicaria por que razão vários profetas da ciência e evangelistas da técnica abandonam a possibilidade de um discurso sobre o significado e o conteúdo da tecnologia em geral, e pensam que tudo pode ser trabalhado e todos os problemas podem ser resolvidos apenas pela técnica e por um modo de pensar quantificador.
A invocação do fim da teoria lembra fatalmente o fim da história proclamado por Francis Fukuyama. Depois da pós-modernidade, a sociedade tardoburguesa parece ter entrado, com o Big Data, numa nova fase de estupidificação organizada. No entanto, na minha opinião, isso já não surpreende, pois, na pós-modernidade, a possibilidade de reflexão crítica já caiu tanto que se confinou largamente ao nível linguístico, rejeitando uma "grande teoria” por suposto totalitarismo. O pós-moderno pensamento da arbitrariedade, a mudança para a argumentação culturalista, o hipostasiar das diferenças etc. pouco mais eram do que a expressão da capitulação intelectual, perante as relações sociais incompreendidas.
O problema básico da forçosa digitalização das ciências, do suposto "fim da teoria", não está portanto numa crença ingénua na matemática, na técnica e nos muitos dados, com que supostamente todos os problemas poderiam ser resolvidos, mas no facto já estar de qualquer modo mal colocado em termos de reflexão crítica, devido às condições de crise. Mesmo onde a teoria crítica social marxista se tornou novamente moda, na universidade evita-se um questionamento radical das relações sociais, para não perder uma possível carreira académica, devido às condições há muito tempo mais precárias, segundo o badalado slogan "publish or perish". Assim, uma ciência de alto a baixo economificada e privada da reflexão está bem qualificada para os disparates digitais. Mas não se deve aqui confundir causa e efeito, pelo contrário, para mais uma vez o enfatizar, é importante criticar o Big Data e o novo mundo inteligente não apenas no plano imanente da ciência, mas também, como se abordou aqui, em relação à sociedade como um todo. A crítica apontará então para além da comunidade científica e da sua tacanhez.
Notas
(1) Ver o confronto de Robert Kurz com os anti-alemães: Kurz 2003.
(2) Reflectir sobre a matemática envolveria estar ciente das suas limitações, e um exame epistemológico e histórico-filosófico do seu conteúdo, coisas que geralmente são marginalizadas no mundo científico de hoje. Veja-se, por exemplo, Rießinger 2010; em detalhe: Bedürftig; Murawski 2015, assim como Heintz 2000.
(3) Na mecânica hamiltoniana, em homenagem a William Rowan Hamilton (1805-1865), um sistema mecânico é definido pela função hamiltoniana, que em certa medida representa a energia total do sistema, expressa em coordenadas generalizadas e impulsos generalizados, cf. Penrose 2007, 471s.
(4) Assim designada em homenagem ao economista Alfred Marshall (1842-1924).
(5) Este ponto poderia ser mais elaborado. Por razões de espaço, e porque se tornaria um texto independente, isso não pode ser feito neste momento. Com a eliminação do factor subjetivo designa-se usualmente o preconceito pessoal, mas, na verdade, ela vai muito além disso, designadamente, a externalização de preocupações éticas, a divisão sujeito-objecto (cartesiana), a dissociação do "feminino" (sentimentos, corpo), etc. Ver Ortlieb 1998, e por exemplo: List 2008, Braun; Kremer 1987 e Pernkopf 2006.
(6) Cf. sobre Hegel: Späth 2013 e 2014.
(7) Evgeny Morozov também faz a citação de Nietzsche em seu livro "Smarte neue Welt [Novo mundo inteligente]", que será discutido com mais detalhe posteriormente.
(8) Há outros objectivos que, embora resultem do imperativo da valorização do capital, não podem ser simplesmente subsumidos no aspecto de poupar trabalho abstracto, cf. Becker 2017.
(9) Pode ser que, em virtude das reformas havidas, as condições no mundo psiquiátrico já não sejam as descritas no filme "Voando sobre um ninho de cucos" (1975). No entanto, ainda hoje a psiquiatria é um instrumento de repressão: por exemplo, quando são feitas avaliações psiquiátricas contra beneficiários de Hartz IV não "empregáveis", cf. Allex 2015.
(10) Seria de mencionar e criticar também que O'Neil (foi) activista do Occupy Wall Street. Isso não me impede de assumir aqui os seus comentários críticos sobre o Big Data.
(11) Ver também a entrevista de rádio: www.freie-radios.net/79689.
(12) É claro que na crítica não se trata de exigir que as pessoas tenham livre acesso ao próprio código de programação, que os não especialistas não conseguiriam entender de qualquer maneira. O que O'Neil pretende criticar é que geralmente não é claro com que critérios e padrões um algoritmo realmente classifica e julga.
(13) www.spektrum.de/pdf/digital-manifest/1376682.
(14) Para as críticas da Google cf. Edel 2016.
(15) Cf. Konicz 2016, esp. 51-80: "Der Zusammenbruch der Peripherie [O colapso da periferia]", bem como as informações na nota 21.
(16) Sobre o carácter social narcisista cf. Wissen 2017.
(17) Mais sobre Self-Tracking, Lifelogging, movimento Quantified-Self, cf., por exemplo: Selke 2014, Lupton 2016 e Schaupp 2016. Todos os permanecem bastante no plano empírico, mas Schaupp também analisa a conotação sexual do Self-Tracking.
(18) Cf. sobre isso diversos textos em: www.novo-argumente.com/thema/nudging. Ver também o texto "12 Thesen für den mündigen Verbraucher [12 teses para o consumidor responsável]", www.novo-argumente.com/unser_leben_gehoert_uns/manifest_fuer_den_muendigen_verbraucher.
(19) Para evitar mal-entendidos, mais uma vez se enfatiza aqui explicitamente: Morozov não está a falar de actos ilegais, que visem provocar mudanças sociais! O ponto é que uma infra-estrutura inteligente ou automatizada restringe as opções humanas de acção, na medida em que certos “pecados do quotidiano" se tornam impossíveis; como também infracções ao "ordenamento racial" ou similares. Pois tais violações poderiam possibilitar um discurso sobre se não faria todo o sentido modificar certas leis, podendo resultar, por exemplo, que as viagens sem bilhete por razões de pobreza pudessem levar a subsidiar fiscalmente o transporte público, ou que o consumo ilegal de álcool ou de cannabis pudesse levar a uma mudança na política proibicionista.
No entanto, não quer dizer que isso deva ser entendido como um apelo ao comportamento criminoso, embora seja sensato ou necessário questionar ou abolir a qualificação penal de certos actos; como foi o caso da homossexualidade (ou é, dependendo do lugar); até 1994 vigorou na Alemanha o §175 do Código Penal.
Mas objecções críticas à lei (penal) existente devem ser ligadas ao contexto de uma crítica fundamental desta sociedade, se se pretende submeter à crítica, por um lado, uma "criminologia populista" (Cremer Shepherd; Steinert 2014) e simultaneamente, por outro lado, as condições sociais e identidades sociais dos criminosos. O comportamento criminoso (como crime contra a propriedade, viajar sem bilhete) é tudo menos "subversivo", não passando da continuação da concorrência por outros meios.
(20) Rosa Parks (1913-2005) foi presa em 1.12.1955 por não querer sair do seu lugar reservado a brancos num autocarro. Se o autocarro já fosse "inteligente" na época, provavelmente ela não teria conseguido sentar-se num "lugar para brancos", já que isso seria tecnicamente impossível, por exemplo, se o banco reconhecesse com sensores a cor da pele da pessoa que se pretendesse sentar. As violações directas da "ordem racial" (e a infra-estrutura estava alinhada com ela) foram um importante componente prático do movimento pelos direitos civis.
(21) Uma tendência para o estado de excepção já foi estabelecida pela definição de "zona de perigo", cf. www.cilip.de/2014/10/05/gemeingefaehrlich-gefahrengebiete-bescheren-der--polizei-sonderbefugnisse, cf. também Montseny 2016. Algo assim também pode funcionar, como se sabe, sem tecnologia inteligente. A tecnologia inteligente no domínio policial deve ser vista como uma medida de racionalização técnica para apoiar, acelerar e reduzir o preço da "segurança e ordem". Sem essas técnicas, no entanto, o Estado policial e o estado de excepção não desapareceriam, já que o "problema de segurança" é uma expressão da crise do capital. Isto está à vista, desde a formação de bandos e de distúrbios nos bairros problemáticos dos socialmente supérfluos, até ao "Estado falhado" etc. cf. Pohrt 1997, assim como Bedszent 2014.
(22) Morozov também dá exemplos de pseudoproblemas, isto é, problemas que só existem nas cabeças dos "solucionistas". Por exemplo, através do Self-Tracking, Big Data e assim por diante é possível registar quase todos os detalhes de uma vida. Deste modo, a possibilidade de esquecer (!) é subitamente considerada como um problema que é preciso abolir! Aqui se torna clara a pretensão autoritária de uma vontade totalitária e androcêntrica de querer dispor sobre tudo. Portanto, não é coincidência que os agitadores do "movimento Lifelogging", como Garry Wolf, Steve Mann ou Gordon Bell, sejam homens.
(23) Não pode haver reificação mais óbvia do que atribuir qualidades humanas a uma máquina. Mas isso também tem a ver com o facto de a visão científica do ser humano já ser fortemente redutora, cf. Bächle 2014
(24) Ver a palestra de Robert Kurz e a discussão "Die Geschichte der Wertkritik – Zum historischen Bedingungszusammenhang von Theoriebildung [História da Crítica de Valor – Sobre o Contexto Histórico Condicional da Elaboração Teórica]" (2010).
(25) No entanto, este foi duramente criticado pelos mais inteligentes dos/das anarquistas: é o caso de Murray Bookchin (1921-2006) em: Bookchin 1995. Além disso, Bookchin também criticou a hostilidade à teoria de grande parte da cena anarquista, o kitsch dos "povos primitivos" supostamente originais e livres da dominação, e uma "crítica da tecnologia" a-histórica, de John Zerzan, por exemplo, que rejeita a tecnologia como tal e pretende seriamente voltar a antes da revolução neolítica (!).
(26) Mas o facto de a reflexão crítica (imanente) estar a desaparecer não significa que se passe o mesmo com a produção da ideologia. Em vez disso, é preciso notar que a própria comunidade científica está cada vez mais ideologicamente abandalhada ou asselvajada. Pode-se confirmar esta afirmação, por exemplo, em pessoas como Franz Hörmann, um economista, agora porta-voz financeiro do partido "Deutsche Mitte [Centro Alemão]" (a partir de Verão 2017). De resto um partido com pretensão ética (!).
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