A grande regressão

 

 

“Estão a apelar contra o capital judaico, meus senhores? Qualquer pessoa que se insurja contra o capital judaico, meus senhores, já é um lutador das classes, mesmo que não o saiba. Vocês são contra o capital judaico e querem lutar contra os especuladores da bolsa. É isso mesmo. Derrubem os capitalistas judeus, pendurem-nos nos postes, espezinhem-nos. Mas, meus senhores, o que é que pensam dos grandes capitalistas, dos Stinnes, dos Klöckner?”

Ruth Fischer, do Comité Central do KPD, perante os estudantes nacionalistas, em 25 de julho de 1923

 

 

Ao reflectir sobre a catástrofe da esquerda alemã, parece contraproducente apontar o dedo a actores individuais que, com as suas acções, promoveram a desintegração que agora se verifica abertamente. Se ainda é possível um novo começo baseado na crítica radical, seria fundamentalmente errado tentar atribuir as causas da ascensão da frente transversal e da correspondente perda de significado da esquerda a culpados individuais – por mais influentes que tenham sido –, o que, em última análise, equivaleria a uma simples personificação. Seria o primeiro passo na direcção errada. As causas da ascensão da frente transversal, que conseguiu desenvolver um peso muito maior na actual crise sistémica do que nos anos 20 ou 30 do século XX, são mais profundas do que a luta pelo poder e a megalomania de uma Sahra Wagenknecht.

 

Parece fazer mais sentido começar pelos conceitos e concepções ideológicas da velha esquerda, que se revelaram tão susceptíveis à nova direita. São ideias anacrónicas que ficaram fora do tempo e que procuram uma ligação, tal como os seus apoiantes conservadores, que literalmente não conseguem ou não querem entender o mundo capitalista tardio devido à sua cegueira de crise. São remanescentes embrutecidos da velha esquerda social-democrata ou comunista ortodoxa, a maioria dos quais pensa em categorias do século XX. Social-democratas, leninistas, partes dos anti-alemães presos numa dobra do tempo da guerra mundial – estes estilhaços regressivos de uma tentativa histórica mundial que fracassou em 1989 estão a transformar-se em portadores da ideologia de direita através da frente transversal, uma vez que todo o seu quadro político de referência ficou cada vez mais dissociado da realidade da crise do capitalismo tardio.

 

Sahra Wagenknecht, a figura de proa da frente transversal alemã, inventou o oxímoro do conservadorismo de esquerda para esta forma decadente da esquerda, que já não é esquerda nenhuma. A ilusão tem um nome apropriado: uma esquerda que já não age progressivamente, que está virada para o passado, deixa simplesmente de ser de esquerda. A saudade conservadora do passado domina, de facto, esta velha (pós-)esquerda: da RFA do milagre económico, da União Soviética e/ou da RDA, da constelação da frente clara da Segunda Guerra Mundial etc. – enquanto o processo de crise sócio-ecológica irrefletido e em avanço implacável, juntamente com a correspondente fascistização, promove uma regressão abrangente no cenário.

 

A regressão, a recaída induzida pelo medo em formas anteriores de desenvolvimento, significa aqui, acima de tudo, diferentes tipos de defesa ideológica contra a crise, uma vez que o processo de crise ameaça fazer explodir o anacrónico edifício ideológico em que a velha esquerda se instalou – isto distingue a regressão da esquerda das habituais tendências reaccionárias da direita. Em termos concretos, a regressão da esquerda assume a forma de uma luta reaccionária contra a teoria radical da crise e a crítica categorial do capitalismo. Assim, a regressão visa, em última análise, impedir o estabelecimento de uma consciência de crise radical, que tenha reflectido sobre a necessidade de ultrapassar o capital como totalidade social para sobreviver. Isto equivaleria inevitavelmente a uma fuga da prisão capitalista do pensamento, que acabaria também por deixar para trás as formas, instituições e níveis de mediação da dominação capitalista sem sujeito; o que equivale a uma ruptura profunda que também afecta a própria identidade – expressão da socialização no capitalismo tardio. E isto afecta também o sujeito, incluindo o trabalhador, que só poderia ser “revolucionário” se já não quisesse ser trabalhador. As pessoas já não têm de querer ser aquilo para que foram socializadas no capitalismo.

 

É a esta ruptura profunda e categorial com o querido inimigo capital1 que está a fugir a velha esquerda, que pode remeter para a ambivalência na obra de Marx em relação ao proletariado.2 A repressão e a marginalização generalizadas de uma consciência de crise radical e transformadora, que a velha esquerda e a frente transversal têm vindo a desenvolver nos últimos anos, não só resultaram de uma cegueira ideológica e de um medo literalmente identitário, como também foram promovidas por um oportunismo de crise da esquerda que continua a procurar lugares e posições na administração da crise do capitalismo tardio.3 O modesto grau de reflexão sobre a crise sistémica que já tinha sido alcançado perdeu-se em grande parte; a crítica categorial conscientemente conduzida do capital na sua agitação fetichista de amoque foi substituída por reacções irracionais e emotivas à crise.4 A ascensão da frente transversal na esquerda foi acompanhada pela marginalização da teoria radical da crise e da crítica categorial do capitalismo tardio.

 

O que se entende, então, por esta velha esquerda, na sua maioria absurdamente crente no Estado? A velha esquerda não tem necessariamente de ser velha; há também um número crescente de jovens em grupos comunistas ortodoxos, redes e contextos keynesianos – precisamente como expressão ideológica das crescentes tendências para o capitalismo de Estado causadas pela crise. O denominador comum da velha esquerda é formado por vários rudimentos de ideologia anacrónica, que está em decadência, a ficar castanha e a abrir-se ao fascismo do século XXI. O que a velha esquerda prega é um regresso às velhas verdades – social-democratas ou leninistas –, seja à luta social-democrata pela redistribuição, à questão social, a Keynes, a Lenine ou mesmo a Estaline, ao pensamento truncado da luta de classes e aos fetiches do trabalho e do proletariado.

 

Este regresso às ideias e conceitos do passado pretendia ter como objectivo inicial trazer à luz as verdades simples que se tinham perdido e contrariar as simples mentiras e agitação da direita. O populismo de direita seria pretensamente contrariado pelo populismo de esquerda. O que esta grande regressão trouxe de facto à luz, na sua cegueira de crise, ao remexer nas velhas conservas ideológicas da esquerda, foram termos e conceitos obsoletos e anacrónicos caídos fora do seu tempo, que foram esventrados – despojados do seu contexto histórico – e que se transformaram eles próprios praticamente em regressão, procuraram ligação, e atracaram na frente transversal e na ilusão da direita. São estilhaços ideológicos em regressão, formas anacrónicas e decadentes da velha ideologia de esquerda a caminho da nova direita.

 

Em primeiro lugar, o conceito de proletariado como sujeito revolucionário, que está a sofrer uma regressão para uma crença populista no povo e na vontade do povo. Uma vez que a classe operária, que é também capital variável, não cumpriu o seu destino revolucionário, instalou-se uma substituição regressiva entre os sectores da esquerda, em que o povo foi geralmente imaginado como o novo ponto de referência difuso. A vontade do povo devia ter uma expressão populista, com os interesses do povo a serem imaginados em oposição à classe dominante ou – em versão fraca – aos especuladores/ricos. Mas o que é que acontece quando o povo não quer tomar posição contra os “ricos aproveitadores”, mas se refugia no racismo e na xenofobia? Essa vontade popular não terá também de exprimir os interesses legítimos do povo, não terá também de poder ser socialmente canalizada de algum modo, ligando as reivindicações sociais a uma maior protecção das fronteiras?

 

O culto do proletariado, que degenerou numa “crença no povo”, está intimamente ligado ao velho paradigma da luta de classes da esquerda. Assim, o capitalismo não é mais do que a posição frontal de duas classes, o proletariado e a burguesia, cada uma das quais tem os seus próprios interesses de classe e está envolvida numa luta de classes permanente – por vezes aberta, por vezes encoberta – que é imaginada como a principal contradição capitalista. Tudo aparece no pensamento da luta de classes como um interesse, todos os fenómenos capitalistas devem, portanto, ser atribuídos a interesses, que os esquerdistas da luta de classes procuram com o famoso “Cui bono?” (“A quem aproveita?”) leninista. Um conflito de distribuição é aqui transformado na contradição principal, enquanto se ignora a contradição interna do capital, que tende a derreter a sua substância – o trabalho assalariado na produção de mercadorias – e que só pode prolongar esta “contradição em processo” em novos surtos de expansão.

 

A actual crise social e ecológica mundial está a ser alimentada precisamente por esta compulsão do capital para o crescimento impulsionada por tal contradição, e isso é realmente óbvio.5 No entanto, a crítica truncada do capitalismo feita pela esquerda da luta de classes só consegue colocar a questão do cui bono? Esta cegueira perante a crise, que ignora o fetichismo do capital,6 conduz assim directamente à procura de bodes expiatórios e à crença reaccionária em conspirações, que caracterizam a ideologia de crise da direita. Mesmo quando partes inteiras do mundo ameaçam tornar-se inabitáveis na sequência da crise climática, mesmo quando uma pandemia está a grassar, a velha esquerda, por vezes em conjunto com a nova direita, só consegue procurar maniacamente os apoiantes influentes e obscuros que seriam responsáveis porque lucrariam com isso.

 

A divisão ideológica do capital num capital industrial “bom”, criador e nacional, e num capital financeiro “mau”, rapinante e internacional, também faz parte do complexo da crítica truncada ao capitalismo. Como é sabido, os nazis levaram ao extremo esta ilusão de uma conspiração bancária judaica omnipotente, responsável por todo o tipo de crises e convulsões, enriquecendo-a com um anticomunismo fanático sob a forma do fantasma da “conspiração mundial judaico-bolchevique”.

 

Historicamente, este delírio anti-semita do “capital financeiro judaico destruidor” foi o ponto de partida mais importante para as tentativas de frente transversal, por exemplo em 1923 pelo KPD no âmbito do chamado “curso Schlageter”, que, no entanto, permaneceu um episódio (ver citação no início da introdução).7 Na esquerda actual, a crítica unilateral aos mercados financeiros foi feita sobretudo pelos keynesianos e pela famigerada “crítica dos mercados financeiros” Wagenknecht, após a eclosão da crise financeira global em 2008 – que inverteu a verdadeira natureza da crise, uma vez que as causas da crise se encontram na produção hiperprodutiva de mercadorias, a que tem de ser fornecida uma procura financiada a crédito através da formação de bolhas e montanhas de dívidas.8 Mesmo nas suas obras mais recentes, Wagenknecht produziu variações desta reaccionária “crítica do mercado financeiro”, que tem um flanco aberto ao anti-semitismo.

 

Os produtos da decadência do anti-imperialismo, que já na década de 1980 se viu confrontado com o problema de que muitos dos regimes de modernização surgidos da grande vaga de descolonização simplesmente fracassaram socioeconomicamente ou se tornaram arqui-reaccionários e/ou assassinos em massa – como o Iraque de Saddam Hussein – constituem outro meio de transição da velha esquerda para a frente transversal. Na altura, utilizou-se a construção de “potências objectivamente anti-imperialistas”, consideradas progressistas pelo simples facto de se oporem aos EUA, mesmo que perseguissem sangrentamente a esquerda (o Irão depois da revolução) ou massacrassem minorias (a guerra do gás venenoso do Iraque contra os curdos).

 

As simpatias dos anti-imperialistas por regimes reaccionários ou ditaduras modernizadoras sangrentas na periferia do sistema mundial, que normalmente andam de mãos dadas com o antiamericanismo primitivo, encontraram na Rússia de Vladimir Putin um objecto adequado para se ligarem à nova direita emergente, que se ancorou ideologicamente na Rússia “eurasiática”, a qual também se vê como um reaccionário contrapeso culturalista ao Ocidente.

 

A guerra na Ucrânia, desencadeada pelo Kremlin, também levou a uma maior desintegração da esquerda alemã, que, por um lado – sob a forma do espectro liberal de esquerda – adoptou acriticamente as narrativas ocidentais e desertou para o campo da NATO, enquanto muitos anti-imperialistas acabaram por degenerar em imperialistas alternativos, bocas ao serviço do imperialismo russo. Aliás, mesmo em maio de 2024, o junge Welt, fiel a Putin, como porta-voz do espectro anti-imperialista, ainda mantém uma linha favorável a Wagenknecht e à BSW, apesar de os seus protagonistas agora proferirem abertamente a retórica da AfD. Há também relações pessoais entre o junge Welt e a organização da frente transversal Telepolis, por exemplo.

 

O anti-americanismo, como grande charneira ideológica entre a velha esquerda e a nova direita, é muitas vezes acompanhado por diferentes tipos de oposição ao liberalismo ocidental. Enquanto a esquerda condena os excessos das privatizações e o desmantelamento social do neoliberalismo, os pensadores da nova direita, como Alain de Benoist, podem criticar o liberalismo pelo seu cosmopolitismo, desenraizamento, vazio de identidade e falta de valores – também aqui são possíveis transições, por exemplo, através de uma crítica da globalização truncada e de base nacional. A crítica da globalização pode certamente degenerar em mera ideologia, numa ânsia de renacionalização de direita. A crítica da liberdade burguesa e da individualização/atomização neoliberal pode, consequentemente, transformar-se numa ideologia comunitária nacionalista/fundamentalista – o que, no entanto, apenas legitimaria ideologicamente a actual fase de crise pós-neoliberal, em que o capitalismo de Estado, o nacionalismo e o proteccionismo estão em ascensão. Também aqui Wagenknecht já fez o trabalho de base.

 

Por fim, o conflito no Médio Oriente – e, desde o massacre molecular de judeus pelo Hamas, em 7 de outubro de 2023, sobretudo a guerra de Israel contra o Hamas – constitui um ponto de partida semelhante para a migração dos esquerdistas para a direita. Por um lado, há os reflexos habituais de fomentar o anti-sionismo, que se transforma cada vez mais em anti-semitismo aberto à medida que os protestos progridem.9 As críticas às acções do exército israelita misturam-se cada vez mais com projecções (“genocídio”), até verdadeiros delírios anti-semitas que vêem o governo dos EUA ou os media como sendo dominados por uma conspiração judaica. Ao mesmo tempo, o ressentimento também pode funcionar no movimento pró-israelita, uma vez que a direita instrumentaliza o assassínio em massa de judeus pelo Hamas para alimentar o ressentimento anti-muçulmano, a xenofobia e o isolacionismo. A abertura múltipla da direita a esta constelação de crise – uma consequência da brutalização avançada induzida pela crise – reflecte-se nas disputas à direita, onde estão a ser debatidas as duas estratégias possíveis para instrumentalizar a guerra. Racismo ou anti-semitismo, como explorar o conflito, é o que a direita está a debater.10

 

A crítica truncada ao islamismo, presa à ideologia burguesa do iluminismo, constituiu também o ponto de viragem mais importante para a direita na cena anti-alemã. O confronto com a ideologia do islamismo, que – por exemplo, sob a forma do Estado Islâmico11 ou do Hamas – pode efectivamente assumir características genocidas, conduz ao racismo puro quando identificado com a ideologia burguesa tardia. Na facção mais dura dos anti-alemães, no posto da Bahamas, o ressentimento anti-muçulmano é agora abertamente articulado, por exemplo, apelando a uma “inversão do ónus da prova” para os muçulmanos.12 Os anti-alemães são também, por assim dizer, uma corrente da velha esquerda que vê o sistema mundial capitalista tardio preso numa dobra do tempo em que a constelação da Segunda Guerra Mundial persiste para sempre: com o islamismo no papel dos nazis. No entanto, deve notar-se aqui que esta pequena cena, cuja importância é frequentemente exagerada pelos seus opositores do espectro anti-imperialista, representa apenas um aspecto secundário das tendências da frente transversal.13

 

Como já foi explicado, a frente transversal alimenta-se sobretudo das regressivas correntes do comunismo tradicional e da velha social-democracia. E assumiu um significado muito maior na actual crise do que nos anos 20 ou 30 do século passado, quando tais tentativas permaneceram sempre meramente episódicas. Com a BSW, a frente transversal tomou a forma de partido e pode muito bem expulsar o Partido da Esquerda, que a tornou grande, de muitos dos parlamentos que ainda lhe restam. A propósito, a reacção do Partido da Esquerda à cisão da frente transversal na campanha para as eleições europeias de 2024 foi adoptar a ideologia da frente transversal sobre o papel central da “questão social” (alemã). No meio da actual crise sistémica, o Partido da Esquerda concentra-se numa “política social” anacrónica que já não pode ser realizada no caos da crise que se desenrola, em vez de discutir sobre caminhos de transformação para sair da crise capitalista permanente – enquanto os grandes do Partido da Esquerda enviam sinais de coligação a Wagenknecht.

 

A deprimente fase final do Partido da Esquerda culmina, assim, com a aceitação das desculpas ideológicas de Wagenknecht, com as quais ela legitimou a sua deriva para a direita. Trata-se, de facto, de um oportunismo sem limites até ao último suspiro, que tem como objectivo poder formar uma coligação com a frente transversal – e, assim, aceitar a normalização do fascismo. A frente transversal não procura um confronto com o fascismo, mas uma adaptação oportunista ao espírito do tempo de direita que está a emergir como resultado da crise. Este é o denominador comum entre a esquerda residual e a velha esquerda do Partido da Esquerda e da BSW. E não é por acaso que isto faz lembrar o método democrático-burguês de “combater” o extremismo de direita alinhando-se com ele – como foi recentemente o caso da política de refugiados no outono de 2023.

 

Mas o que é exactamente a frente transversal? Os activistas da frente transversal gostam particularmente de obscurecer este termo, rotulando todo o tipo de coisas como frente transversal. O antigo deputado do Partido da Esquerda, Dieter Dehm, por exemplo, perguntou numa entrevista publicada na revista de extrema-direita Compact14 se a aliança anti-Hitler não poderia também ser descrita como uma espécie de frente transversal. Para a frente transversal tudo é frente transversal para disfarçar a monstruosidade do seu pacto com a direita – também tendo em conta a experiência histórica. Frente transversal não se refere simplesmente à cooperação entre partidos ou forças de esquerda e de direita – por exemplo, quando os Verdes, o SPD ou a CDU entram numa coligação – mas à cooperação entre forças à esquerda e à direita do espectro político. Historicamente, foram as tentativas isoladas de aproximação entre o KPD e a direita nacional e/ou o NSDAP, que permaneceram episódicas; actualmente, é a aproximação muito real e duradoura entre a pós-esquerda wagenknechtiana, que antes se situava à esquerda dos verdes-vermelhos, e a AfD. É como se os da frente transversal quisessem concretizar a velha teoria do totalitarismo da Guerra Fria, difundida pela CIA a partir dos anos 50 (Sahra Wagenknecht, agente da CIA? Não seria uma bela teoria da conspiração que certamente pegaria neste espectro?)

 

A função objectiva da frente transversal, no entanto, é a de uma correia de transmissão ideológica que, por um lado, transporta ideias de direita para meios de esquerda e progressistas e, por outro lado, alimenta constantemente a nova direita com material humano novo e cego. Para muitos esquerdistas, a frente transversal funciona assim como uma espécie de “droga de entrada” para o mundo delirante da nova direita. O seu sucesso baseia-se na embalagem da ideologia de direita numa retórica de esquerda. O desenvolvimento da frente transversal nos últimos dez anos é uma prova impressionante de que todas as esperanças de poder “apanhar” os cidadãos cegos e revoltados abrindo-se à direita falharam redondamente – eram ilusórias ou meros pretextos para legitimar de algum modo a pretendida mudança para a direita. A frente transversal, em última análise, é o resultado da cegueira perante a crise de uma esquerda oportunista que se esquiva à crítica radical e à tematização da transformação do sistema que é necessária para a sobrevivência. A frente transversal é o caminho da esquerda para o extremismo do centro, que alastra na actual crise sistémica sempre que a questão sistémica não é colocada de forma ofensiva e acompanhada de uma prática transformadora.

 

Os textos aqui reunidos fornecem uma visão histórica da génese, do desenvolvimento e do avanço da frente transversal nos últimos dez anos. Trata-se de uma história deste movimento literalmente “nacional-social”, escrita no tempo presente. O relato começa com a eclosão da guerra civil na Ucrânia e as “Vigílias pela Paz”, descreve as disputas no seio da esquerda durante a crise dos refugiados e conclui com a mania do pensamento transversal e as primeiras posições tomadas pela BSW após a sua fundação. Muitos dos textos recolhidos não só traçam o desenvolvimento histórico da frente transversal, como também descrevem a sua formação ideológica, que interage estreitamente com o processo de crise capitalista e a correspondente ascensão da nova direita.

 

Devido a sobreposições temáticas, três textos e uma entrevista foram retirados do e-book Faschismus im 21. Jahrhundert [Fascismo no Século XXI], que tratam da mania do pensamento lateral que foi essencial para o extenso emaranhado da nova direita e da frente transversal.

 

 

 

1. Que inclui também, por exemplo, a erosão do Estado como “capitalista ideal” e a desvalorização do dinheiro como equivalente geral do valor.

 

2. Por um lado, Marx definiu o trabalhador no processo de produção como capital variável; definiu o trabalho assalariado como a substância do capital. Ao mesmo tempo, porém, partiu do princípio – de acordo com a crença no progresso da época – de que os proletários tinham uma missão histórica a cumprir como sujeito revolucionário. No entanto, Marx também criticou severamente o movimento operário na sua Crítica ao Programa de Gotha de 1875, que ainda hoje vale a pena ler.

 

3. https://www.konicz.info/2020/12/09/der-linke-bloedheitskoeffizient/. Em Português: http://obeco-online.org/tomasz_konicz13.htm

 

4. Procura de bodes expiatórios nos surtos de crise, na inflação especulativa, na “crítica dos mercados financeiros” etc.

 

5. https://www.mandelbaum.at/buecher/tomasz-konicz/klimakiller-kapital/

 

6. https://www.konicz.info/2022/10/02/die-subjektlose-herrschaft-des-kapitals-2/

 

7. https://www.rote-ruhr-uni.com/cms/texte-und-vortrage/Die-KPD-und-der-Nationalismus

 

8. https://www.labournet.de/politik/wipo/wipo-deb/kapitalismuskritik/buch-kapitalkollaps-die-finale-krise-der-weltwirtschaft/

 

9. Ver, por exemplo, o junge Welt de 10 de outubro de 2023, no qual o massacre de civis israelitas pelo Hamas foi descrito como uma “ofensiva contra Israel” e os porta-vozes de grupos palestinianos puderam descrever o assassínio em massa como uma “esperança para a Palestina”. junge Welt, 10.10.2023, “Esperança para a Palestina”, Líbano. Grupos de esquerda apoiam ofensiva contra Israel

 

10. https://blog.campact.de/2023/10/angriff-israel-rechte-reaktionen/

 

11. https://www.kritiknetz.de/religionskritik/1259-globalisierte-barbarei

 

12. https://www.redaktion-bahamas.org/hefte/93/Es-geht-um-Israel.html

 

13. Para a análise dos anti-alemães, ver: Robert Kurz, Die antideutsche Ideologie, Vom Antifaschismus zum Krisenimperialismus: Kritik des neuesten linksdeutschen Sektenwesens in seinen theoretischen Propheten [A ideologia anti-alemã. Do antifascismo ao imperialismo de crise: crítica da novíssima essência sectária alemã de esquerda nos seus profetas teóricos], 2003 Münster.

 

14. https://www.compact-online.de/diether-dehm-ueber-querfront-in-compact-3-2023/ (Dehm nega que tenha dado autorização para que esta entrevista fosse publicada em Compact.)

 

 

Original “Die große Regression” in www.exit-online.org. Este texto constitui a introdução ao livro de Tomasz Konicz Deutschlands Querfront: Altlinke auf dem Weg zur Neuen Rechten [Frente Transversal da Alemanha: A velha esquerda a caminho da nova direita]. Tradução de Boaventura Antunes

 

 

http://www.obeco-online.org/

http://www.exit-online.org/