Dilacerada entre o Leste e o Ocidente

 

Breve panorâmica histórica do caminho para a guerra na Ucrânia no contexto da crise mundial do capital

 

Tomasz Konicz

 

No texto "Dilacerada entre o Leste e o Ocidente – Breve panorâmica histórica do caminho para a guerra na Ucrânia no contexto da crise mundial do capital", Tomasz Konicz tenta traçar a génese da guerra sobre a Ucrânia como um momento do processo de crise global. Começando com um breve esboço do fracasso do "socialismo realmente existente" capitalista estatal, que é apresentado no contexto do período de estagflação dos anos 70 e das crises da dívida dos anos 80, a catastrófica transformação sistémica da Ucrânia será exposta como um exemplo particularmente crasso dos colapsos socioeconómicos no espaço pós-soviético. Mostrar-se-á como a Ucrânia nunca recuperou deste choque de transformação, que muitas vezes destruiu a podre base industrial capitalista estatal ao estilo soviético, sem ser capaz de criar alternativas concorrenciais na semiperiferia deixada para trás.

A Ucrânia é vista como uma economia nacional economicamente pouco viável que – à semelhança de muitos Estados pós-soviéticos sem jazidas de recursos exportáveis – já não consegue manter um processo de valorização suficientemente amplo para garantir a estabilidade política e estatal, devido ao nível global de produtividade. O Estado ucraniano "fraco", a formação de uma oligarquia emergente da nomenklatura e a instabilidade política do país empobrecido, abalado por frequentes e particularmente fortes crises, são vistos como consequências deste limite interno do capital que se manifesta cada vez mais claramente a nível global – especialmente porque a Ucrânia também foi integrada nos correspondentes circuitos regionais de défice e bolhas de dívida regionais, como se verá.

Esta instabilidade interna, que não levou – como na Rússia – à formação de um regime autoritário, mas antes assumiu a forma de um regime oligárquico caracterizado por constantes lutas de facções – para além das coerções concretas da crise sistémica – forneceu a alavanca da política de poder para intervenções externas, que o Ocidente e a Rússia levaram a cabo com intensidade crescente, desde a Revolução Laranja até à guerra de agressão de Putin. Devido à crise, a Ucrânia estava economicamente no fim o mais tardar em 2013, e a oligarquia dominante teve de se decidir pela integração num sistema de aliança. A escalada que se seguiu e conduziu à guerra resultou do facto de ambos os campos geopolíticos, o Ocidente e o Leste, tentarem à viva força privar o respectivo adversário do acesso a este país de fronteira. (Apresentação do texto na Exit! nº 20, 05/2023)

 

1. O colapso do capitalismo de Estado soviético como momento da crise mundial do capital * 2. Da nomenklatura à oligarquia * 3. Desenvolvimento económico: transformação, economia de défice e programa do FMI * 4. A Ucrânia entre o Leste e o Ocidente * 5. Revolução, anexação da Crimeia, guerra civil, estabilização * 6. Em vésperas da guerra * 7. Resumo e perspectivas * Bibliografia

 

No início da guerra pela Ucrânia, quando o choque da megalomania do Kremlin acabava de se fazer sentir, Vladimir Putin perturbou o público ocidental alheio à história com bizarras palestras públicas sobre história, nas quais acusava Lenine e os bolcheviques de terem cometido uma terrível injustiça contra a Rússia durante a revolução, uma vez que teriam formado a Ucrânia na sua forma actual a partir apenas de territórios históricos da Rússia. (1) Putin surgiu como uma relíquia do nacionalismo agressivo e expansionista dos séculos XIX e XX, que sempre justificou as suas reivindicações territoriais com interpretações selectivas da história. No entanto este aparente anacronismo, que também é evidente no imperialismo neo-otomano de Erdoğan (ver Konicz 2020a), esconde a sua função actual.

No século XXI a reacionária ideologia da história de Putin, que em última análise encara a Ucrânia como uma construção comunista sintética e implicitamente lhe nega o direito à existência, constitui apenas o momento ideológico complementar do tácito alheamento da história na corrente dominante neoliberal em erosão. A vida no eterno presente, que é prolongado pela indústria cultural nos centros do sistema mundial, de modo que o horizonte de memória da classe média em erosão, que ainda se pode permitir a ideologia, se estenda apenas até ao último espetáculo, proporciona a essas narrativas o espaço público necessário, precisamente quando as guerras ou as crises criam a correspondente procura ideológica. Com base neste alheamento da história, criado pelo bombardeamento constante dos media, a história pode ser instrumentalizada – isto aplica-se tanto a Moscovo como ao Ocidente.

E é precisamente a ideologia da história cada vez mais propagada no decurso da guerra, tanto no Leste como no Ocidente (onde jornais liberais de esquerda, como o taz, praticam agora o revisionismo histórico de direita, permitindo que os direitistas russos, como Julia Latynina, difundam a velha mentira nazi da guerra preventiva de Hitler contra a União Soviética), (2) que torna evidente a necessidade de uma descrição da génese histórica do conflito na Ucrânia. Em geral os processos sociais complexos só podem ser plenamente compreendidos com base no seu desenvolvimento histórico. Mesmo o mundo capitalista, que na sua autopercepção reificada se vê como "natural" e eternamente existente, está num estado de mudança permanente em todas as suas contradições e só pode ser compreendido com base nessa mudança.

Isto também se aplica ao nacionalismo – e há aí uma ponta de verdade nas observações de Putin – que não é obviamente "natural", mas um produto da formação do Estado-nação capitalista dos séculos XIX e XX. E mesmo a consciência nacional está sujeita a mudanças: A ideia do que é suposto ser "alemão" na república campeã mundial de exportação é diferente da que os nazis propagavam ou das ideias discutidas na assembleia de Paulskirche.

A ironia da invectiva anti-ucraniana de Putin no início da guerra, em que a Ucrânia degenera num produto dos bolcheviques, é que se trata de uma projecção clássica, uma vez que Putin e o próprio Kremlin contribuíram significativamente para a formação do que se constituíu como uma nova consciência nacional russa após o colapso da União Soviética, numa mistura colorida de culto de Estaline e do czar (cf. Konicz 2014a).

O mesmo se aplica à consciência nacional ucraniana – são produtos identitários do colapso da União Soviética e da caótica transformação do sistema no espaço pós-soviético. É por isso que o culto da tradição é tão importante tanto em Kiev como em Moscovo, uma vez que a "invenção de tradições" (Hobsbawn), (3) que tem acompanhado os processos de construção do Estado desde o século XIX, ainda está em curso em ambos os Estados pós-soviéticos. Dado que tanto a Federação Russa como a Ucrânia emergiram do colapso da União Soviética, parece sensato examinar a génese da actual guerra neste horizonte temporal histórico. Além disso o desenvolvimento socioeconómico da Ucrânia e as estruturas domésticas e geopolíticas surgidas nesta "zona de fronteira" nas últimas três décadas têm de ser colocados no contexto do desenvolvimento contraditório do sistema mundial capitalista tardio. Só então as convulsões, as crises e a instabilidade na Ucrânia se tornarão plenamente compreensíveis – precisamente como momentos parciais do processo de crise global.

 

1. O colapso do capitalismo de Estado soviético como momento da crise mundial do capital

A crise do sistema mundial capitalista só pode ser entendida como um processo de desenvolvimento histórico de décadas, que se tem desenrolado por fases desde o fim do boom fordista do pós-guerra no final dos anos 70, progredindo da periferia para os centros. Os períodos de crise "latente", caracterizados por uma montanha de dívidas global crescente e por bolhas especulativas em ascensão, culminam em episódios de crise manifesta, em que essas bolhas rebentam, eclodem crises monetárias ou de dívida e depressões devastam economias inteiras. A crise da dívida do "Terceiro Mundo" nos anos 80, o colapso do bloco de Leste nos anos 90, a emergência de "Estados falhados" na periferia e a financeirização neoliberal do capitalismo nos centros, incluindo desde os anos 80 o aumento global da dívida que ultrapassou a produção económica global – as tendências de crise devem ser entendidas como momentos no desenvolvimento crescente das contradições do capital (cf. Kurz 1994a).

Que tipo de contradição é esta que tem estado "em processo" desde a imposição histórica do capital no contexto da expansão histórica do sistema mundial capitalista? No seu ciclo de valorização sem fim, o capital é forçado a livrar-se da sua própria substância. O trabalho, valorizado em processo de redução do capital, constitui a substância deste. Em última análise, o capital é um processo de valorização abstracto e real, em que são acumuladas quantidades cada vez maiores de trabalho abstracto, "morto", através de todas as mudanças de forma da mercadoria e do dinheiro (referidas por Marx na fórmula D-M-D’, dinheiro, mercadoria, mais dinheiro). A instabilidade, a propensão para a crise – mas também a dinâmica destrutiva – do sistema capitalista resulta da tendência do capital, imposta pelo mercado, para minimizar a utilização do trabalho no processo de produção, de modo a poder afirmar-se na concorrência. O que inicialmente resulta em lucros adicionais para o capitalista individual que introduz uma nova técnica de produção poupadora de trabalho leva a uma redução da massa total de trabalho no sector económico afectado, uma vez que esta "inovação" tenha sido implementada na economia como um todo. O sistema tende assim a reduzir a massa de valor nos ramos de produção existentes e a produzir "material humano" economicamente supérfluo. Os possíveis mecanismos de compensação do capital deparam-se com um limite interno absoluto (para mais detalhes, ver Ortlieb 2009).

As crises económica e climática são apenas duas faces de um mesmo processo de crise. À medida que a crise ecológica se desenvolve, o imperativo de crescimento do capital faz com que a fome de matérias-primas e de energia da máquina de valorização global do capital continue a aumentar – precisamente devido ao aumento da sua produtividade, à medida que diminui a quantidade de trabalho reificado por unidade de mercadoria e portanto o seu valor, (mais especificamente sobre o limite ecológico do capital: Konicz 2020b).

Esta "contradição em processo" (Marx 1953, 593), em que o capital por via da concorrência se liberta do trabalho que é a sua substância, ou seja, prossegue literalmente a sua "dessubstanciação", só pode ser mantida num movimento de expansão, quando se abrem novos mercados, áreas de crescimento etc. O capital tem de se expandir – ou desfaz-se a si próprio. Para além da expansão quantitativa, em que se abrem novos mercados e áreas de venda no país e no estrangeiro, foi sobretudo a expansão qualitativa, tecnológica, que permitiu ao capital "fugir" da sua contradição interna durante cerca de três séculos. O progresso tecnológico, que leva a uma redução da massa de força de trabalho gasta em ramos industriais estabelecidos através de "inovações" mediadas pela concorrência, também deu origem a novos ramos industriais, que por sua vez abriram mercados e campos para a valorização maciça da força de trabalho.

A economia burguesa descreve este processo histórico de contradições crescentes, que não é compreendido na sua contradição interna, como "mudança estrutural industrial": as velhas indústrias, que serviram como sectores líderes durante algum tempo, desaparecem para dar lugar a sectores económicos novos e mais modernos. Historicamente foram a indústria têxtil, a indústria pesada, a indústria química, a indústria eléctrica e, mais recentemente, a indústria automóvel fordista que serviram como "sectores líderes" na valorização de massas de trabalho – pelo que o dogma ideológico da economia se baseia no pressuposto implícito de que, apesar de todas as fricções, os novos sectores acabariam sempre por criar novos "postos de trabalho" em número suficiente para compensar a perda de trabalho nas antigas indústrias.

No entanto há décadas que isto não funciona. Se quiséssemos resumir a causa da actual crise sistémica numa frase tão compreensível quanto possível, ela poderia ser formulada da seguinte maneira: A crise é o resultado do fracasso da mudança estrutural industrial desde a década de 1980. Os surtos de racionalização da revolução microeletrónica já então levaram a que as novas indústrias de TI deixassem de ser capazes de criar novos postos de trabalho e oportunidades de valorização suficientes para compensar a massa dos trabalhadores que estavam a desaparecer nas antigas indústrias. Desde a década de 1980, quando o longo boom do pós-guerra chegou ao fim, deixou de haver um sector industrial líder no qual se pudesse valorizar trabalho em massa. A financeirização do capitalismo, que começou nos anos 80, foi uma reacção sistémica a esta crise da produção de mercadorias, em que as forças produtivas de certo modo rebentam com as relações de produção capitalistas.

No âmbito da financeirização global do capitalismo, em que o sector financeiro – especialmente nos EUA – se tornou o sector dominante da economia, a esfera financeira parecia assumir a função de um sector líder, um "motor" da economia. O facto de isto não poder funcionar a longo prazo, uma vez que não há valorização de trabalho criador de valor na esfera financeira, foi evidenciado pelos crescentes abalos nos mercados financeiros, que sacudiram o sistema financeiro global desde os anos de 1990. Após uma série de crises financeiras regionais na década de 1990, como a crise asiática e a falência russa, estabeleceu-se na segunda metade da década uma verdadeira economia global de bolhas financeiras. As bolhas especulativas cada vez maiores, que provocam abalos cada vez maiores nos mercados financeiros quando rebentam, substituem-se umas às outras: Desde a especulação dotcom com acções de alta tecnologia que rebentou em 2000, passando pelo boom imobiliário de 2007/08, até à gigantesca bolha de liquidez insuflada pela política monetária expansiva dos bancos centrais em resposta aos abalos nos mercados financeiros após o rebentamento das bolhas imobiliárias – com os políticos a tornarem-se os condutores desta dinâmica e a terem de recorrer a meios cada vez mais extremos para amortecer as consequências do rebentamento das bolhas, preparando o terreno para novas dinâmicas especulativas (fases de taxa de juro zero, impressão de dinheiro) (cf. também Kurz 2005).

Estes episódios de crise do sistema mundial capitalista tardio não se reflectem apenas na história económica da Ucrânia; o declínio e a implosão do socialismo realmente existente, que será descrito mais adiante como um regime capitalista de Estado de industrialização atrasada, está intimamente ligado às crises da economia de mercado, à qual aquele se opunha segundo a ideologia oficial. O princípio do fim das ditaduras de desenvolvimento capitalista de Estado da Europa de Leste, cujos líderes insistiram frequentemente numa integração crescente no mercado mundial a partir do final da década de 1960, foi marcado pela profunda crise do sistema capitalista mundial na década de 1970, que entrou na historiografia sob o termo estagflação. O boom fordista do pós-guerra chegou ao fim, conduzindo a um aumento do desemprego e a um completo abrandamento económico em muitos dos principais países capitalistas, enquanto a política keynesiana de combate à crise da época fez subir a inflação, através de taxas de juro baixas e programas de estímulo económico sempre novos.

No entanto a nomenklatura "socialista" de países como a Polónia, a Hungria e a Jugoslávia já estava cada vez mais interessada em realizar a modernização atrasada das suas economias através de desmesurados empréstimos do Ocidente, devido à estagnação económica dos anos sessenta. O reembolso dos milhares de milhões de empréstimos ocidentais deveria ser realizado através da venda de mercadorias no mercado mundial, produzidas nos sectores económicos modernos financiados a crédito. E era precisamente a mesma estratégia que muitos dos países em desenvolvimento recém-independentes do Sul global seguiam na altura. Durante algum tempo, o cálculo pareceu funcionar, como mostram por exemplo os impressionantes dados económicos do início da década de 1970 na Polónia. (4) No entanto esta integração crescente no mercado mundial foi a ruína das ditaduras capitalistas estatais de desenvolvimento com a eclosão da já referida fase de crise da estagflação na década de 1970 (uma crise de sobreprodução capitalista simplesmente não estava no radar da nomenklatura socializada numa economia de escassez).

Fechou-se a clássica armadilha da dívida, à qual também sucumbiu a maior parte das tentativas de modernização na África, na Ásia e na América Latina: enquanto os produtos de exportação da Europa de Leste quase não conseguiam vendas no mercado mundial devido à crise sistémica de sobreprodução, a reviravolta das taxas de juro iniciada pelos EUA no final da década de 1970 – que se destinava a combater a inflação galopante – fez explodir os custos do serviço dos empréstimos contraídos. Além disso as economias capitalistas estatais da Europa de Leste já não estavam em condições de levar a cabo a Terceira Revolução Industrial da tecnologia da informação e da microeletrónica, que começou no início dos anos 80 nos centros do sistema capitalista mundial e levou a um enorme aumento da produtividade em toda a produção de mercadorias, fazendo com que as capacidades de produção tardo-fordistas da Europa de Leste – de qualquer modo importadas do Ocidente através de empréstimos – se tornassem rapidamente obsoletas e desvalorizadas. As ditaduras de desenvolvimento da Europa de Leste deixaram simplesmente de ser capazes de acumular a gigantesca quantidade de capital necessária para construir uma indústria de TI de capital intensivo.

As tendências para a estagnação no "Bloco de Leste", que eram óbvias na década de 1980, apontam assim para um défice sistémico profundamente enraizado nestas economias do Bloco de Leste – bem como para a base sistémica comum tanto do Leste como do Ocidente, que consiste na produção capitalista de mercadorias. Mas a implementação da produção de mercadorias na sociedade como um todo só foi estabelecida no Leste após a revolução de 1917, no início do século XX, e funcionou sob a direção do Estado. A União Soviética continuou a ser um regime de modernização capitalista de Estado cada vez mais petrificado, cada vez mais incapaz de se reformar.

O sistema centralizado de planeamento e gestão estatal da economia, que tornou possíveis os enormes – e também maciçamente assassinos – surtos de industrialização da União Soviética na década de 1930, deixou de ser capaz de lidar com a crescente diferenciação das economias capitalistas estatais na segunda metade do século XX. Em todo o Bloco de Leste, o Estado actuou não como um capitalista global ideal, mas como um capitalista global real, que procurou iniciar, coordenar e optimizar o processo de acumulação de capital na economia como um todo. Mas a produção de mercadorias coordenada por uma autoridade central de planeamento perdeu gradualmente eficácia à medida que se tornava cada vez mais complexa.

Enquanto o crescimento económico extensivo, ou seja, o desenvolvimento de novas capacidades de produção podia ser implementado rapidamente através da coordenação central do Estado, incluindo a mobilização mais brutal da força de trabalho (com a qual o estalinismo acabou por comprimir em cerca de uma década os horrores da "acumulação original" que ocorreu em Inglaterra ao longo de vários séculos), os esforços para alcançar o crescimento intensivo – resultante de surtos de modernização das capacidades de produção existentes – não passaram do começo nas economias do socialismo realmente existente. Muitos dos esforços de reforma em países socialistas estatais individuais (como na Polónia em 1956, na Checoslováquia em 1968 ou na RDA com o Novo Sistema Económico de Planeamento e Gestão de 1963) resultaram precisamente da percepção implícita da nomenklatura desses países relativamente a estas tendências de estagnação de uma estrutura económica centralista surgida no quadro da modernização atrasada de um país pré-industrial de facto – a União Soviética inicial. E este planeamento e gestão centralizados do Estado, que tornaram possível o rápido surto de industrialização dos anos 30, revelou-se inadequado para promover novos surtos de modernização de formações sociais de cunho fordista.

Robert Kurz considera a abolição da concorrência interna nas ditaduras de desenvolvimento capitalista de Estado como a condição prévia mais importante para o início da tentativa de modernização atrasada na União Soviética: "O paradoxo lógico de um sistema produtor de mercadorias sem concorrência teve sua origem no paradoxo histórico de que, nos inícios do século XX, uma nova economia nacional independente somente podia ser desenvolvida pela aplicação absoluta do elemento estatista. A concorrência tinha que ser abolida por causa da concorrência; para se poder subsistir na concorrência externa com os países relativamente mais desenvolvidos do Ocidente, para não ser absorvido por estes ou degradado a uma zona marginal subdesenvolvida, a concorrência interna tinha que permanecer eliminada por comandos estatais no sentido estalinista" (Kurz 1994a, 109s. [1993, 83]).

Devido a esta constelação historicamente determinada de permanente inferioridade económica em relação aos centros capitalistas avançados, as formações sociais capitalistas de Estado do Bloco de Leste, que lutavam constantemente para "recuperar o atraso" em relação ao Ocidente, petrificaram-se em economias de guerra permanentes, que se revelaram completamente inadequadas para responder em termos de tecnico-organizativos às exigências da Terceira Revolução Industrial, que já se tornava cada vez mais evidente no final da década de 1970.

Até à eclosão da crise global de estagflação e à reviravolta das taxas de juro nos EUA, os empréstimos abundantes do Ocidente conseguiram compensar esta incapacidade fundamental de modernização do capitalismo de Estado de cunho europeu de Leste – sobretudo na Polónia e na Jugoslávia, mas também na Hungria e na Roménia. Após o fracasso desta modernização importada, também o "socialismo de Estado" realmente existente fracassou, uma vez que deixou de ser possível recuperar o atraso económico e tecnológico em relação aos centros do sistema capitalista mundial – a partir dos anos 80, o domínio económico e sobretudo tecnológico do Ocidente sobre o Leste aumentou visivelmente (As crises económicas e de dívida na Polónia e na Roménia nos anos 80, que foram acompanhadas por cortes maciços no consumo, podem também ser entendidas neste contexto como formas de política de austeridade capitalista de Estado, em que o serviço da dívida foi pago com a miséria das massas – à semelhança da política de austeridade do FMI no Sul global na mesma altura).

A propósito, o público ocidental pode considerar desconcertante a equiparação fundamental do Bloco de Leste com o Ocidente, como formas diferentes do mesmo sistema produtor de mercadorias condicionadas pela não simultaneidade da modernização capitalista, mas, para as actuais elites funcionais da China ou da Rússia, é natural continuarem a valorizar um Estaline ou um Mao como modernizadores. Estaline, por exemplo, voltou a ser muito popular na Rússia precisamente porque lançou as bases do actual capitalismo russo através da sua brutal estratégia de industrialização. O mesmo se aplica a Mao na China. O carácter assassino em massa desta modernização atrasada na Rússia e na China, a que tanto Pequim como Moscovo se referem positivamente, é muitas vezes considerado um escândalo pelo público ocidental, sendo que o "Ocidente livre" gosta de varrer os seus próprios crimes para debaixo do tapete – basta pensar no regime de terror da Bélgica no Congo e no império colonial britânico na Índia (ver Hochschild 2000 e Davis 2011).

 

2. Da nomenklatura à oligarquia

A capitulação do socialismo de Estado realmente existente – de qualquer modo no essencial uma tentativa de modernização atrasada no quadro de uma ditadura de desenvolvimento de capitalismo de Estado – tomou nos antigos Estados satélites da União Soviética na Europa Central e Oriental um rumo diferente do seguido na Rússia e na Ucrânia. Enquanto entre Leninegrado e Vladivostok foram sobretudo partes da nomenklatura que asseguraram o controlo dos meios de produção numa vaga selvagem de privatizações, passando assim de uma elite de funcionários do capitalismo de Estado para uma burguesia ou oligarquia capitalista, nos países da Europa Central e Oriental ocorreu a grande venda de capacidades económicas ao capital ocidental, que foi sobretudo forçada pelo Ocidente devido ao elevado endividamento destes Estados em processo de transformação.

A afinidade essencial entre o defunto capitalismo de Estado de tipo soviético e o capitalismo mafioso emergente é particularmente evidente nas elites funcionais, a oligarquia surgida na década de 1990. A emergência do instável sistema oligárquico ucraniano, caracterizado por permanentes guerras territoriais e lutas pela distribuição, foi o resultado da implosão da União Soviética e do socialismo real da Europa de Leste. A maioria da primeira geração de oligarcas provinha da nomenklatura socialista de Estado, a camada de funcionários do Estado, do partido e do aparelho económico que lutou por uma privatização selvagem dos bens estatais, em lutas de poder brutais e por vezes bastante sangrentas no decurso da desastrosa transformação do sistema. A figura simbólica deste período de transformação caótica é o primeiro Presidente ucraniano, Leonid Kutchma, durante cuja presidência (1994-2005) o sistema oligárquico da Ucrânia tomou forma.

A classe dos funcionários soviéticos da economia estatal e dos ministérios do poder tinha as melhores condições de partida para se apropriar da antiga propriedade estatal, uma vez que possuía contactos e conhecimentos profissionais. A produção de mercadorias no âmbito do plano estatal era simplesmente convertida em produção de mercadorias orientada para o lucro no decurso da privatização – desde que os locais de produção sobrevivessem à transformação. O Estado, que antes se esforçava por controlar centralmente a economia, tornou-se o objecto dos interesses desta nova classe oligárquica. Um traço característico é a incapacidade do Estado ucraniano para desempenhar a sua função de "capitalista global ideal" (Engels 1973, 222) – que também pudesse eventualmente pôr no seu lugar as facções do capital, se as suas actividades pusessem em perigo a estabilidade do sistema como um todo. As estruturas estatais na Ucrânia nunca conseguiram alcançar o tipo de independência que permitisse ao Estado agir efectivamente como um factor de poder. Em vez disso, o Estado tornou-se a "presa" das redes e clãs oligárquicos. Os oligarcas que controlavam o aparelho de Estado utilizavam-no para fazer valer os seus interesses, por exemplo, para eliminar concorrentes indesejados.

Embora o aparelho de Estado ucraniano tome medidas contra oligarcas ou empresários a título individual, com o antigo presidente e "rei do chocolate" Poroshenko (5) na lista de alvos a abater (6) em 2020/21, estas investigações são marcadas pelos interesses económicos de oligarcas concorrentes, que conseguiram obter o controlo dos organismos estatais ajudando os seus partidos a ganhar eleições. Na Ucrânia as eleições decidem qual a facção oligarca que pode utilizar o Estado para fazer valer os seus interesses económicos. Uma vez que todos os oligarcas operam numa zona cinzenta do ponto de vista jurídico, ou seja, têm de ser corruptos para serem bem sucedidos, qualquer um deles pode ser acusado logo que os seus concorrentes se apoderem dos recursos estatais relevantes. Por isso todos os oligarcas têm de investir em partidos políticos. Os "homens de negócios" que conseguirem colocar o seu pessoal nas alavancas do poder do Estado não são acusados – e são, por conseguinte, os que aí se sentam. O oligarca Kolomoisky, (7) por exemplo, está por trás do Presidente ucraniano Zelensky, razão pela qual a campanha anti-corrupção que Zelensky prometeu durante a campanha eleitoral é dirigida contra os rivais de Kolomoisky, como Poroshenko e o "homem mais rico da Ucrânia", Rinat Akhmedov. (8)

Os meios de poder do Estado foram assim sistematicamente instrumentalizados para fins "extra-estatais", ditados pelos interesses da facção oligarca que ocupa o aparelho de Estado. A maior parte dos cargos e postos no sector estatal, que se encontram entre as raras fontes de rendimento à prova de crise devido às muitas crises e à situação económica frequentemente precária, foram assim distribuídos entre cliques e grupos que queriam utilizar este "saque" da melhor maneira possível. De acordo com a Transparência Internacional, (9) a Ucrânia é um dos Estados mais corruptos do mundo, ao nível de países como as Filipinas ou a Rússia. (10) Desde a transformação do sistema, o Estado ucraniano nunca teve uma "base económica" suficiente, que só poderia ser obtida através de receitas fiscais provenientes de uma valorização de capital suficientemente ampla na produção de mercadorias. É praticamente uma "loja de self-service" para os grupos que conseguem assegurar o controlo dos seus meios de poder.

A tragédia ucraniana actualmente em curso revela também as duas diferenças mais importantes entre este regime oligárquico e o sistema autoritário "pós-oligárquico" da Rússia. No decurso de conflitos ferozes nos primeiros dias do reinado de Putin, foi quebrado pelo aparelho de Estado o poder da oligarquia russa, que tinha sido capaz de colocar grandes partes da economia sob o seu controlo no processo de privatização selvagem – tal como na Ucrânia – após o colapso da União Soviética. O antigo multimilionário Mikhail Khodorkovsky, que passou vários anos em campos de prisioneiros russos, simboliza esta vitória do Estado sobre uma casta de oligarcas predadores, que, tal como na Ucrânia, emergiu em grande parte da antiga nomenklatura soviética. Desde o ajuste de contas de Putin com o antigo proprietário da Yukos, que desafiou abertamente o chefe do Kremlin, nenhum oligarca se atreveu a opor-se seriamente ao Kremlin.

Já em 2015, Thorsten Fuchshuber sublinhou o permanente equilíbrio de poder político que a posição exposta de Putin no seio desta oligarquia estatal implica. O Presidente russo não é de modo nenhum tão omnipotente como imaginam muitos dos seus fãs castanhos avermelhados na Alemanha. Muitas das decisões do Estado russo são simplesmente o resultado de lutas internas pelo poder entre gangues domésticos concorrentes: "Quando Putin assumiu o cargo de Presidente, o Estado russo, e com ele a Rússia como sociedade produtora de mercadorias, pareciam estar a caminho do colapso, no meio da luta pelos despojos travada pelas várias elites ou antes gangs preocupados apenas com os seus próprios interesses em relação ao legado da União Soviética [...]. Putin contrariou esta tendência para a desintegração, não desempoderando as elites nem integrando-as no Estado de direito, na medida em que tal fosse possível no âmbito de formas estatais de governo, mas colocando-se à frente delas, porém de tal modo que se adaptou à sua rivalidade com a arbitrariedade das suas decisões políticas" (Fuchshuber 2015, 11, destaque no original).

No entanto o Estado russo ocupado por gangs concorrentes pode certamente ser descrito como o factor central de poder do país, quando se tem em conta estes processos de erosão interna. Na primeira década do século XXI, o Kremlin começou a assumir o controlo estatal dos sectores estratégicos da economia russa – e sobretudo do sector das matérias-primas. Assim na Rússia verificou-se uma renacionalização de grande parte do sector energético russo, no âmbito da estratégia de poder político do "império da energia", em grande parte modelada por Putin, que visa que o Kremlin controle o mais completamente possível toda a produção e distribuição de energia, desde os campos de petróleo e gás da Sibéria até às estações de serviço europeias. A estabilização socioeconómica da Federação Russa sob Putin é o resultado da concentração do país na exportação de matérias-primas, cujas receitas já não são retiradas do país por uma casta de oligarcas predadores. Juntamente com a indústria da defesa, o sector das matérias-primas é o único sector da economia russa que é competitivo a nível internacional, enquanto o resto da produção de mercadorias, que sofre de enormes défices de investimento, nunca recuperou do colapso do socialismo de Estado.

Uma grande parte da produção de mercadorias russa tem assim estruturas tão arcaicas e uma necessidade de modernização tão gigantesca como os conglomerados dos oligarcas do Leste da Ucrânia, mas, com os enormes recursos e fontes de energia sob controlo do Estado, o Kremlin tem bens de exportação que contribuem para a estabilização da economia russa e, portanto, ainda permitem a soberania económica e política. No entanto, todas as tentativas de "modernizar" a base industrial completamente desactualizada falharam até agora sob Putin. Por conseguinte, a Rússia não pode de modo nenhum ser considerada um "modelo de sucesso".

A Rússia é considerada um dos Estados mais corruptos do mundo, em que o Estado não se tornou o objecto das lutas pelo poder, mas antes o seu sujeito: a vitória de Putin sobre a predadora oligarquia da transformação criou a oligarquia estatal acima descrita, que emergiu dos ministérios do poder e do aparelho de segurança, cuja riqueza e poder advêm precisamente do controlo das empresas estatais. Por conseguinte, o sucesso empresarial depende – mesmo no sector privado – de bons contactos com o Kremlin e de uma posição segura no seio das cliques, tal como acontecia no tempo do czar. Aqui o Estado não é apenas o centro político do poder, mas também o centro económico do poder, no qual facções e cliques dos "ministérios do poder" russos (os famigerados silovniki) lutam por sinecuras e pelo controlo das empresas estatais. Também aqui o Estado é uma "loja de self-service" tornado presa da "oligarquia estatal", a qual "acomoda" os seus seguidores nos cargos e posições correspondentes, que servem sobretudo para dar segurança económica aos funcionários. Quanto a corrupção daí resultante corrói o autoritário aparelho de Estado russo a partir do seu interior foi o que revelou o vergonhoso desempenho do exército russo nos primeiros meses da guerra, uma vez que o aparelho militar também funcionava, obviamente, como uma estrutura estatal de abastecimento e alimentação. (11)

 

3. Desenvolvimento económico: transformação, economia de défice e programa do FMI

A transformação do sistema que deu origem ao mafioso capitalismo pós-soviético da década de 1990 foi caótica e desastrosa em quase todos os antigos Estados do Bloco de Leste, mas em nenhum deles os choques em todo o tecido social foram mais profundos do que na Ucrânia. Mesmo a catástrofe da transformação russa, que até hoje faz com que Putin apareça como um autoritário factor de ordem na Rússia, fica atrás do colapso económico da Ucrânia. A curta história económica da Ucrânia independente é, de facto, uma sucessão de crises, interrompidas por períodos de estagnação e bolhas financiadas pela dívida. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a taxa de desemprego real na Ucrânia no final da catastrófica década de 1990 era de cerca de 23%, (12) tendo a transformação sido acompanhada por uma redução geral do número de relações de trabalho em 33%. O salário médio era de apenas 40 dólares por mês (13) e o salário mínimo legal de 41% do salário médio não era suficiente para satisfazer sequer "as necessidades básicas de subsistência", de acordo com a OIT. A habitual desvalorização das poupanças soviéticas nas sociedades em transformação da Europa de Leste teve lugar na Ucrânia em 1993, o que significa que a maioria dos trabalhadores assalariados que não possuíam terras entraram na transição em grande parte expropriados.

O colapso da União Soviética desencadeou uma enorme recessão económica e uma onda maciça de pauperização na Ucrânia, que, como já referido, excedeu mesmo os choques socioeconómicos na Rússia (ver também Kurz 1994b). A Ucrânia esteve em recessão durante quase toda a década de 1990, registando por vezes taxas de contracção de dois dígitos (de 1992 a 1996). Este colapso da Ucrânia pós-soviética pode ser ilustrado de modo particularmente claro por um número: Em 1998, a produção económica da Ucrânia representava apenas 40,9% do seu nível de 1990. (14) As consequências sociais e económicas da transformação do sistema, apenas da qual a Ucrânia, tal como a Rússia, emergiu como entidade estatal, podem assim ser comparadas às consequências de uma guerra. No ano de catástrofe ucraniana de 1994, por exemplo, o PIB caiu 22,4%. Em geral, com excepção dos primeiros anos do século XXI, as fases de crescimento económico foram mais curtas e mais fracas do que nos países pós-soviéticos com grandes reservas de energia ou de matérias-primas, enquanto as recessões entre Lviv e o Donbass foram mais profundas do que na Rússia ou na Bielorrússia, por exemplo. O PIB da Ucrânia registou uma contracção de dois dígitos em 2009 e em 2014/2015.

A principal diferença entre a Ucrânia e os países em transformação da Europa Central e Oriental, que passaram a fazer parte da periferia oriental da UE a partir de 2004, é o facto de estes últimos terem experimentado pelo menos uma reindustrialização periférica após a catástrofe da transformação: No âmbito da globalização, muitas empresas ocidentais tiraram partido das elevadas diferenças salariais e externalizaram etapas de produção de trabalho intensivo não só para a China, mas também para a Europa Central e Oriental. Esta transformação de alguns Estados pós-socialistas em bancadas de trabalho alargadas para empresas ocidentais, principalmente alemãs – por exemplo, a Eslováquia, a Polónia e a Hungria – não ocorreu na Ucrânia; só pode ser observada, em certa medida, nos anos entre 2014 e o início da guerra (ver Konicz 2011).

A década de 1990 produziu assim uma "geração perdida" neste país da Europa de Leste, e só no início do século XXI é que o crescimento económico se instalou, alimentado pelas bolhas da dívida global, pelo boom imobiliário nos EUA e na Europa Ocidental e pelas economias de défice daí resultantes – bem como por uma bolha de dívida inflacionada na própria Ucrânia. Globalmente este apogeu do capitalismo impulsionado pelo mercado financeiro caracterizou-se pela bolha das "dotcom", que rebentou em 2000, e pela subsequente bolha imobiliária transatlântica (até 2007), que gerou um enorme aumento da procura devido à conexa actividade de construção especulativa, que também aumentou a procura de aço e trigo ucranianos. Durante este breve período, em que as instituições financeiras da Europa Ocidental, em particular, cultivaram práticas de empréstimo pouco rigorosas em toda a Ucrânia, pôde florescer a ilusão de uma economia ucraniana funcional. A grande bolha especulativa nos mercados imobiliários dos EUA e da Europa Ocidental e do Sul teve assim um ténue reflexo na Ucrânia. Além disso o boom económico global impulsionado pelo crédito, pouco antes do seu colapso, proporcionou boas oportunidades de venda para a indústria pesada do leste da Ucrânia, apesar da sua estrutura arcaica – por exemplo, para o aço do leste da Ucrânia – bem como para o trigo. A maré alta do crédito desencalhou todos os barcos, o que fez com que o salário médio ucraniano em 2008 fosse já de 180 euros. Com a eclosão da crise em 2008, a economia ucraniana de dívida e de défice também entrou em colapso, levando à já referida recessão profunda de 15% em 2009.

O breve boom financiado a crédito na Ucrânia pode ser claramente visto na evolução da dívida das famílias. (15) Esta aumentou de menos de cinco por cento do PIB em 2004 para um pico de 30 por cento em 2009, voltando a cair lentamente nos anos seguintes: em 2014 era apenas 15 por cento do PIB. Esta breve bonança foi alimentada por bancos ocidentais que se viram em dificuldades financeiras após o rebentamento da bolha de crédito – à semelhança do terramoto financeiro maior na Europa Ocidental e nos EUA. O austríaco Raiffeisen International (RI), por exemplo, fundado em 2005 como uma holding do Raiffeisen Zentralbank (RZB), com uma actividade centrada na Europa Central e Oriental, teve de ser reincorporado no RZB em 2009 (cf. Konicz 2009 & 2010). Os banqueiros austríacos, anteriormente celebrados como "pioneiros do mercado financeiro" da Europa de Leste, concederam o equivalente a 5,4 mil milhões de euros em empréstimos através da sua filial ucraniana, dos quais cerca de 20% estavam em risco de incumprimento em 2009. O lucro do RI caiu 78% para apenas 212 milhões de euros em 2009, enquanto as provisões para crédito malparado tiveram de duplicar para 1,7 mil milhões de euros no mesmo período. As instituições financeiras alemãs e francesas também estavam activas no país em menor escala, pelo que a Ucrânia fazia parte da economia de déficie da região financiada pelo capital financeiro ocidental. Até ao final de 2008 os bancos da Europa Ocidental tinham concedido empréstimos no valor de 1150 mil milhões de euros entre o Báltico e o Mar Negro. Para além dos austríacos foram os bancos de Itália, França, Bélgica, Alemanha e Suécia que geraram cerca de 84% da dívida nesta região através de empréstimos generosos.

Além disso o Estado ucraniano ficou à beira da falência nacional após o rebentamento da bolha da dívida. Com excepção de uma breve fase na viragem do século, a Ucrânia teve sistematicamente um défice da balança de transacções correntes, (16) semelhante ao dos "Estados endividados" do sul da Europa entre a introdução do euro e a eclosão da crise do euro, (17) o que acaba por conduzir inevitavelmente a um aumento da dívida no estrangeiro – e resulta nas correspondentes crises de dívida e dependências. No final de novembro de 2009, representantes do Governo queixaram-se ao Parlamento de Kiev de que o défice nacional estava a ultrapassar os "limites da sustentabilidade". A dívida do país tinha subido de 95 mil milhões para 225 mil milhões de Grívnias (cerca de 28 mil milhões de dólares americanos) no espaço de um ano. O défice do Estado nem sequer representava a maior parte da dívida externa que a Ucrânia tinha contraído nos últimos anos. Em 2009, os consumidores, as empresas e as entidades públicas da Ucrânia estavam endividados em cerca de 100 mil milhões de dólares americanos.

Um défice persistente da balança de transacções correntes, ameaças repetidas de falência do Estado e rebentamento de bolhas de dívida – as características do processo de crise em todas as economias que foram apanhadas na crescente concorrência de crise (por exemplo, no sul da zona euro) chamaram à cena o Fundo Monetário Internacional (FMI), que entrou em actividade no país da Europa de Leste com a habitual solução drástica neoliberal de empréstimos de crise e austeridade. O FMI e Kiev têm, portanto, uma longa história caracterizada por tensões e rupturas que remontam à década de 1990, mas que só se intensificaram com o rebentamento da economia mundial de défice em 2008 – e contribuíram para a escalada da crise política na Ucrânia em 2014. Após a eclosão da crise económica mundial, a Ucrânia teve de recorrer a empréstimos do FMI no valor total de 16,4 mil milhões de dólares americanos em outubro de 2008, para evitar a escalada da já referida crise da dívida. O programa foi novamente congelado após um ano e o desembolso de 10 mil milhões de dólares, porque Kiev se recusou a cumprir as condições do FMI, que consistiam em cortes nos subsídios e na protecção social.

Em julho de 2010, as duas partes acordaram novamente um empréstimo de emergência de cerca de 15 mil milhões de dólares, (18) que deveria ser acompanhado de aumentos maciços dos preços do gás natural. No final de 2013, porém, o Fundo Monetário declarou que as condições de austeridade só tinham sido parcialmente cumpridas por Kiev – na altura já liderada pelo governo pró-russo do Presidente Yanukovich –, o que impossibilitou a execução do programa de empréstimo. (19) Kiev decidiu então suspender as negociações com a UE sobre um acordo de associação, invocando as exigências de austeridade do FMI, (20) o que desencadeou os protestos Euromaidan patrocinados pelo Ocidente, que levaram ao derrube do governo, à intervenção militar russa e à guerra civil.

Os acordos seguintes entre o Fundo e Kiev já foram negociados por governos pró-ocidentais. Pouco depois da queda do governo, em março de 2014, Kiev recebeu promessas do FMI de 14 a 18 mil milhões de dólares para estabilizar as forças pró-ocidentais na luta contra Moscovo e as tentativas secessionistas do leste da Ucrânia. (21) Seguiram-se outros acordos em 2015, 2017 e 2020, cada um relacionado com programas de austeridade, cortes sociais ou condições políticas. Por vezes o FMI estabeleceu ligações entre o montante dos empréstimos e os objectivos de guerra de Kiev na guerra civil. Em maio de 2014, pouco depois de o massacre fascista de manifestantes pró-russos em Odessa ter feito escalar a guerra civil ucraniana para a fase quente, o FMI avisou o governo pró-ocidental de Kiev que a "perda" do Donbass teria um impacto negativo no montante dos empréstimos ocidentais. (22)

 

4. A Ucrânia entre o Leste e o Ocidente

As disputas com o Fundo Monetário aqui brevemente mencionadas eram apenas um aspecto da crescente propensão da Ucrânia para a crise, que tornava o país vulnerável à intervenção externa e à perda de soberania. Foi precisamente esta crise financeira, arrastando-se durante anos e reflectindo o processo da crise capitalista acima descrito, que fez de Kiev o objecto de uma luta de poder geopolítico entre a Rússia e o Ocidente. Em 2013 – pouco antes da intervenção e da guerra civil – a Ucrânia tinha um enorme défice da balança de transacções correntes de mais de 8% do produto interno bruto (PIB), enquanto o défice orçamental ascendia a cerca de 6,5% do PIB. Em última análise, durante anos a Ucrânia importou mais bens do que conseguiu exportar (ver Konicz 2014b). O enorme défice comercial, que atingiu um máximo histórico de 7,3 mil milhões de dólares no terceiro trimestre de 2013, deve-se a dois factores: Em primeiro lugar, as necessárias importações de energia da Rússia e, em segundo lugar, as consequências do colapso da estrutura económica do socialismo de Estado explicadas acima, que nunca foram superadas e desencadearam um surto maciço de desindustrialização. A Ucrânia nunca recuperou desta situação.

Esta propensão para a crise económica, que conduziu a uma instabilidade permanente na superestrutura política oligárquica da Ucrânia, fez desta nova zona de fronteira entre o Leste e o Ocidente um objecto privilegiado de intervenção nos crescentes conflitos geopolíticos entre o Ocidente e a Rússia na Eurásia. A primeira grande intervenção do Ocidente ocorreu com a Revolução Laranja, em novembro de 2004, quando as alegações de fraude eleitoral contra o candidato presidencial pró-russo Yanukovich, que iria suceder ao primeiro Presidente ucraniano Kuchma, conduziram a semanas de protestos sem derramamento de sangue que levaram à presidência o seu rival Yushchenko, amigo do Ocidente. Esta maratona de protestos, que conduziu a uma série de revoluções coloridas no espaço pós-soviético, foi apoiada por organizações não governamentais ocidentais, como a fundação Open Society, a fundação Konrad Adenauer e a Freedom House do governo dos EUA.

Por um lado, Yushchenko deu início à integração da Ucrânia na UE, que se traduziria num acordo de associação. Por outro lado, com a sua política interna nacionalista, promoveu uma guerra cultural contra a língua russa, que teve como resultado a ucranização do Estado e do sistema educativo.

Em termos de política da história, reabilitou o fascismo ucraniano ocidental, declarando os fascistas e colaboradores nazis "heróis da Ucrânia". A intervenção ocidental na Ucrânia também resultou em consequências autoritárias em todo o espaço pós-soviético. Historicamente, a grande formação autoritária na Bielorrússia, no Cazaquistão e na Rússia só começou em toda a sua extensão após a Revolução Laranja de 2004 na Ucrânia, depois de os grupos de reflexão e as ONG ocidentais terem podido explorar a relativa liberdade existente no país para fazer passar a presidência pró-ocidental, mas também nacionalista, de Yushchenko. Na Rússia, por exemplo, as organizações não governamentais que recebem financiamento do estrangeiro são obrigadas a registar-se como "agentes estrangeiros" desde 2012. (23)

A segunda grande intervenção na Ucrânia foi levada a cabo pela Rússia no inverno de 2005/06, em certa medida em resposta à Revolução Laranja – sob a forma de uma "disputa de gás" de uma semana entre os dois países, que prejudicou o abastecimento de gás à UE no inverno e demonstrou à economia ucraniana, em especial à indústria pesada do leste do país muito carente de energia, o elevado nível de interdependência económica entre as duas antigas repúblicas soviéticas. A Rússia conseguiu impor as suas exigências de aumento do preço do gás para os níveis do mercado mundial (na altura, a Gazprom exigia 230 dólares por 1000 metros cúbicos), mas teve de concordar com o fornecimento de gás natural turquemeno mais barato através da rede de gasodutos russa. No entanto, este acordo representou um encargo económico adicional para Kiev, o que contribuiu para uma rápida deterioração da balança de transacções correntes e da situação orçamental – especialmente porque as disputas sobre os preços da energia entre Kiev e Moscovo se intensificaram repetidamente.

Esta intervenção russa, que utilizou os preços da energia como alavanca de poder, também foi bem sucedida até certo ponto: em 2010, Yushchenko sofreu uma derrota eleitoral catastrófica, com um resultado eleitoral de cinco por cento, devido ao seu rumo nacionalista, à má situação económica e à turbulência da política energética, enquanto Yanukovich, amigo da Rússia – um homem da oligarquia ucraniana oriental – conseguiu prevalecer contra Yulia Tymoshenko. Nos três anos seguintes, seguiu-se uma aproximação gradual a Moscovo, acompanhada de um aumento das tensões com o FMI e o Ocidente – até que a sangrenta luta pelo poder eclodiu abertamente no inverno de 2013.

Tinha chegado o momento de tomar uma decisão: Os enormes défices gémeos ucranianos acima explicados só podiam ser mantidos através de financiamento externo, razão pela qual Kiev tinha de escolher entre injecções financeiras do Leste ou do Ocidente – e a integração nas respectivas esferas de influência. Kiev teve assim de escolher entre o regime de austeridade do FMI e os combustíveis fósseis baratos de Moscovo, sendo que ambas as opções implicavam uma perda de soberania. E Yanukovich, que tinha a sua casa política no leste da Ucrânia, decidiu a favor do Leste. Em última análise, a Ucrânia de 2013 era economicamente pouco viável devido à falta de jazidas de combustíveis e a estruturas industriais arcaicas. Faltava-lhe um "modelo de negócio" económico que garantisse uma ampla valorização da força de trabalho na produção de mercadorias para financiar as infra-estruturas sociais e o aparelho de Estado, ou que, pelo menos, proporcionasse suficientes receitas em divisas provenientes da exportação de matérias-primas.

Afinal a Ucrânia, tal como a maioria dos Estados pós-soviéticos ou pós-socialistas sem grandes jazidas de matérias-primas, revelou-se pouco viável do ponto de vista económico. O centro industrial do leste do país caracteriza-se por uma indústria pesada pouco competitiva, degradada e ultrapassada, enquanto o oeste foi largamente desindustrializado. Uma das consequências do colapso do socialismo de Estado foi também a divisão económica entre o leste e o oeste da Ucrânia. As regiões ocidentais e "pró-europeias" do país representam a sua periferia interior, que nunca esteve sequer perto de recuperar do colapso da União Soviética. O oeste nacionalista caracteriza-se pela desindustrialização, pelo empobrecimento, pela degradação das infra-estruturas e pelo elevado desemprego. Não é exagero falar de uma região economicamente "terra queimada", uma zona de colapso económico. Esta fractura interna entre a Ucrânia oriental, dominada pela Rússia, caracterizada por uma indústria pesada obsoleta, e a Ucrânia ocidental, nacionalista, onde o ucraniano é amplamente falado, constitui a linha de fractura central do país.

Aliás, há alguns anos, a Bielorrússia autoritária teve um destino semelhante ao da Ucrânia (ver Konicz 2020c), e, devido à escalada das tendências da crise económica, optou por uma integração mais estreita com a Rússia, a fim de evitar uma "revolução" apoiada pelo Ocidente. Enquanto Kiev se orientou para o Ocidente, o chefe de Estado bielorrusso Lukashenko optou pela integração na Federação Russa. Para estes Estados pós-soviéticos, a curta era de plena soberania nacional que começou após o colapso da União Soviética (a Bielorrússia, por exemplo, viveu durante anos do processamento de petróleo russo subsidiado nas suas refinarias e vendido a preços do mercado mundial – até que a Rússia começou a fazer subir os preços) está assim a chegar ao fim, devido ao facto de não terem praticamente nenhuma base económica em que a acumulação de capital possa ter lugar a uma escala suficiente para a sociedade como um todo. O Estado-nação independente está assim a tornar-se – e esta é uma tendência não genuinamente da Europa de Leste – um modelo histórico obsoleto, que está a ser absorvido por alianças económicas regionais. Só os países pós-soviéticos com grandes jazidas de matérias-primas, como o Turquemenistão, podem ainda comprar a sua soberania nacional através da exportação maciça de matérias-primas. A partir do momento em que as jazidas de matérias-primas para exportação são insuficientes, instalam-se na região pós-soviética os processos de crise socioeconómica que deram à Bielorrússia e à Ucrânia a sua instabilidade política.

Assim esta miséria pós-soviética apenas reflecte o processo de crise global do sistema mundial capitalista tardio delineado no início, o qual, devido à falta de um regime de acumulação que valorize em massa trabalho, continua a funcionar apenas a crédito, não só na semiperiferia, mas também nos centros – embora estes ainda tenham as suas grandes zonas económicas, com o euro e o dólar, que até há pouco tempo permitiam o endividamento através da emissão monetária. Com a sua intervenção na Ucrânia em 2013/14, a UE e os EUA asseguraram que a região pós-soviética não teria à sua disposição um instrumento de crise semelhante. Assim, o "Grande Jogo" pela Eurásia assemelha-se efectivamente a um imperialismo de crise, a uma luta contra o declínio socioeconómico induzido pela crise, com os centros a esforçarem-se por manter a sua posição dominante à custa da periferia. É uma espécie de luta no Titanic. É por isso que os conflitos geopolíticos assumem frequentemente a forma de agitação política interna, de revoltas etc., que só são possíveis graças à desestabilização induzida pela crise das sociedades em causa.

A Rússia e o Ocidente utilizaram esta instabilidade para incorporar a Ucrânia nos respectivos sistemas de alianças. Para o Kremlin a Ucrânia desempenhava um papel central como parte de uma União Euro-Asiática, um bloco económico independente entre a UE e a China, que também seria mais resistente aos choques de crise. Na intervenção sangrenta de 2013, Washington e sobretudo Bruxelas/Berlim estavam principalmente preocupados em impedir a formação de uma aliança euro-asiática para competir com a UE (Washington também queria impedir uma aproximação estratégica entre Berlim e Moscovo, o que também explica os conflitos intra-ocidentais em 2013/14 (ver Konicz 2014c). A "União Euro-Asiática" promovida pelo Kremlin pretendia unir várias economias da região pós-soviética num sistema de alianças transnacional inspirado na UE. Para além do Cazaquistão e da Bielorrússia, esta união deveria também incluir a Ucrânia. A união aduaneira introduzida pelo Kremlin foi vista como o primeiro passo do ambicioso projecto geopolítico de Putin. Esta união constituiria um sério contrapeso para os europeus, que há muito se habituaram a ver o Leste como seu quintal, como observava o Wiener Zeitung na primavera de 2013: "A 'União Euro-Asiática' seria o bloco económico russo entre o 'Ocidente' e a China. E mais poderosa do que a UE, porque as forças armadas russas liderariam provavelmente uma política de segurança comum. A União Europeia carece completamente deste braço. Com uma União Euro-Asiática de pleno direito, a UE ficaria – com base nos actuais fluxos de mercadorias – dependente de Moscovo para uma série de matérias-primas e sectores energéticos. [...] Com base em todas estas informações, a UE tentou atrair a Ucrânia para o seu lado com um acordo de associação. Infelizmente, Bruxelas não disse uma palavra sobre o assunto". (24)

Recordemos: 2013, em plena crise do euro, foi a época em que o então ministro alemão das Finanças, Schäuble, transformou a zona euro numa caserna prussiana, através de duros programas de austeridade, para cimentar o domínio de Berlim na "sua" união monetária. Os Estados intimidados da periferia sul da zona euro, como a Grécia, que Schäuble tinha conduzido à depressão, também ficariam privados de alternativas estratégicas à UE alemã. É por isso que tanto Berlim como Washington estavam interessados em impedir a "União Euro-Asiática" de Moscovo, intervindo em Kiev.

Sem o potencial socioeconómico da Ucrânia, este "projeto de prestígio" russo não seria realizável e o Kremlin não poderia manter-se "em pé de igualdade" com a UE no futuro. Para além deste motivo estratégico central, as considerações militares e económicas também desempenham um papel na intervenção do Ocidente. A Ucrânia possui excelentes terrenos agrícolas e a parte ocidental do país poderia ser transformada numa "bancada de trabalho alargada" para as empresas ocidentais, devido ao baixo nível salarial. A adesão da Ucrânia à NATO equivaleria, em última análise, a uma grave derrota militar para a Rússia, que perderia agora um "Estado-tampão" perante a aliança militar ocidental.

Para a Rússia a disputa sobre a Ucrânia representa, portanto, uma última oportunidade de manter o seu estatuto de superpotência imperial no futuro. Sem a Ucrânia a Rússia "deixa de ser um império euro-asiático", observou o geopolítico norte-americano Zbigniew Brzezinski no seu clássico geopolítico O Grande Tabuleiro de Xadrez. A "perda" da Ucrânia equivaleria, portanto, ao mais grave acidente geopolítico para o Kremlin, que destruiria as ambições de poder político de Putin. Agora o sonho russo de uma União Euro-Asiática acabou; em vez disso, a Rússia tem de lutar pelo seu estatuto de grande potência, enquanto o Ocidente se prepara para estabelecer permanentemente a sua influência em locais onde apenas as unidades blindadas alemãs conseguiram avançar por pouco tempo.

No entanto, a luta geopolítica e militar pela Ucrânia também deve ser entendida como parte da luta hegemónica global entre os EUA e a China, que estão cada vez mais a ser levados a um confronto, precisamente devido à crise económica e ecológica de todo o sistema mundial capitalista. Oceânia vs. Eurásia – assim se pode resumir a actual luta hegemónica global, com os campos imperialistas a esforçarem-se por expandir as fronteiras das suas esferas de influência. Os EUA em declínio vêem a China e uma aliança euro-asiática como a ameaça central à hegemonia em erosão de Washington. A intervenção dos EUA em Kiev tem assim como objectivo consolidar o seu próprio sistema de alianças "oceânicas", que se estende o mais possível através do Atlântico e do Pacífico. Onde é que a Ucrânia – ou o que restará do país – vai encontrar o seu lugar? Numa aliança euro-asiática com a Rússia e a China ou no sistema de aliança do Ocidente.

A Ucrânia tornou-se assim literalmente um campo de batalha numa guerra imperialista de crise, com as linhas da frente a deslocarem-se também dentro do Ocidente. Os EUA, por exemplo, através de uma estratégia de escalada na Ucrânia, estão a tentar restabelecer firmemente na sua esfera de influência a UE dominada pela Alemanha, que desde a era Trump cada vez mais quer agir como um actor independente. Sobretudo na sequência da revolução pró-ocidental em Kiev, tornou-se claro, já em 2013/14, que Berlim é um actor geopolítico independente e não permite que Washington dite a sua política. Em 2013 ainda havia acordo sobre a tentativa de separar a Ucrânia da planeada união económica russa. Nessa altura a Alemanha, através da Fundação Konrad Adenauer, estava a apoiar o partido UDAR de Klitschko, (25) que defendia uma mudança de poder através de novas eleições e que rapidamente entrou em conflito com forças mais radicais, patrocinadas pelos EUA, durante os combates na Maidan. O famoso "Fuck the EU" da diplomata norte-americana Victoria Nuland, publicado como gravação de uma conversa telefónica no auge da crise, reflecte precisamente estas diferenças intra-ocidentais, que também explicam a actual relutância da Alemanha em fornecer armas à Ucrânia – enquanto Berlim aproveita a oportunidade da guerra de agressão russa e lança um gigantesco programa de armamento, para acrescentar uma componente militar ao domínio económico da Alemanha na zona euro.

A mudança de orientação geopolítica da Ucrânia, que teve lugar durante este "Grande Jogo" neo-imperial entre a Eurásia e a Oceânia, reflecte-se literalmente na sua balança comercial. (26) Os estreitos laços económicos entre os Estados pós-soviéticos da Rússia e da Ucrânia deram lugar, durante o mandato do Presidente pró-ocidental Yushchenko (2005-2010, então ainda financiado por Poroshenko), a uma maior participação da UE no volume de comércio do país da Europa Oriental, enquanto o comércio com a Rússia voltou a ser mais importante durante o mandato de Yanukovich (2010-2013). Foi apenas após a revolução em 2013/14 e a anexação da Crimeia pela Rússia que se verificou uma desconexão económica permanente entre os dois países pós-soviéticos.

Outro factor que conduziu ao afastamento sustentado da Ucrânia da órbita económica da Rússia foi a gradual abertura, liderada pela Polónia, do mercado de trabalho europeu aos assalariados ucranianos, que beneficiou principalmente a parte ocidental desindustrializada do país. Só em 2017, cerca de 580 000 ucranianos viajaram para a Polónia em busca de trabalho, mais de dois terços dos quais provenientes da região ocidental do país. (27) No total, é provável que vários milhões de ucranianos estejam agora a trabalhar na UE, na sequência da abolição das restrições laborais e das regras em matéria de vistos.

País de emigração clássico, a Polónia, de onde mais de dois milhões de assalariados partiram para a Europa Ocidental em busca de trabalho desde que o país aderiu à UE, também constituiu a vanguarda de uma política de imigração aberta, que no entanto permaneceu estritamente limitada à migração laboral da região pós-soviética. (28) Contudo a generosa concessão de vistos de trabalho aos imigrantes ucranianos por parte da Polónia não teve apenas motivações económicas, mas também geopolíticas. Este facto acelerou a dissociação da Ucrânia da órbita geopolítica e económica da Federação Russa. A miséria económica ucraniana foi ainda mais exacerbada pelo corte extensivo dos laços económicos tradicionais entre a Rússia e a Ucrânia, após o derrube pró-ocidental do governo que tinha sido formado durante a era soviética. O rápido aumento da migração laboral para o Ocidente funcionou como uma espécie de válvula de escape social.

A parte ocidental da Ucrânia, nacionalista e socioeconomicamente devastada após a transformação, cujos grupos fascistas desempenharam um papel de liderança na revolta em Kiev, recebeu assim uma tábua de salvação económica. As remessas dos trabalhadores migrantes podem agora desempenhar um papel socioeconómico tão importante na Ucrânia ocidental como na Polónia pouco depois da sua adesão à UE em 2004. Enquanto o leste da Ucrânia estava mergulhado na guerra civil, o oeste do país alcançou um certo grau de estabilização socioeconómica antes do início da guerra.

 

5. Revolução, anexação da Crimeia, guerra civil, estabilização

Os observadores ocidentais gostam de argumentar que os grupos organizados e as milícias de extrema-direita constituíam apenas uma pequena parte dos participantes nos protestos de 2013/14, mas estes grupos militantes bem treinados e organizados foram decisivos para o derrube violento do governo e o fim da presidência de Yanukovich. Sem esta ponta de lança de extrema-direita, que constituía cerca de dez por cento dos participantes nos protestos, o derrube das forças pró-russas em 2013, que foi conseguido através de lutas militantes e, em última análise, armadas, teria sido impossível, como explicaram os neonazis ucranianos num evento em Kiev no início de 2022, na véspera da invasão russa da Ucrânia. (29)

Em janeiro de 2014, as forças moderadas da oposição tinham-se tornado os motores de uma dinâmica alimentada pelos extremistas, que tinham assumido claramente a liderança nas ruas e sabotado as soluções de compromisso com Yanukovich. Na altura, este domínio da direita sobre os protestos podia ser visto muito claramente no exemplo de exportação da política alemã, Vitali Klitschko. As suas tentativas de impedir a escalada de violência forçada pelos extremistas de direita, a 19 de janeiro de 2014, valeram ao campeão do mundo de boxe um ataque com um extintor de incêndio, acompanhado de vaias. Klitschko foi igualmente vaiado após o seu primeiro encontro com Yanukovich, depois de ter conseguido persuadir "os bandidos de direita que se encontravam nas barricadas da rua Grushevsky a fazer uma breve trégua", como noticiou o Spiegel-Online. (30) Foram precisamente estes "agitadores" de extrema-direita que assumiram a liderança nas ruas. Com a ajuda dos seus militantes e seguidores bem relacionados, eram capazes de iniciar confrontos com a polícia a qualquer momento, a fim de torpedear todos os esforços para acalmar a situação.

Nessa altura as forças dominantes eram decididamente fascistas, como o partido Svoboda (Liberdade), liderado pelo agitador Oleg Tyagnibok, que incitava constantemente os seus apoiantes, provenientes sobretudo do oeste da Ucrânia, a lançar novos ataques. Estes extremistas de direita obtiveram cerca de 12% dos votos nas eleições de 2012. Além disso as redes neofascistas militantes recentemente formadas desempenharam um papel proeminente nos confrontos nas ruas. Os neonazis, em especial os do hooliganismo e do futebol, reunem-se na rede militante nazi "Sector de Direita" (Prawy Sektor), cujas unidades fortemente organizadas estão na linha da frente dos confrontos de rua. Segundo a BBC os activistas da rede nazi Prawy Sektor constituíram a "ponta de lança" dos ataques militantes contra unidades policiais. (31)

Na altura os activistas do Pravy Sektor chegaram a apelar abertamente nas redes sociais a doações de "catapultas, tacos de basebol, bolas de aço, ponteiros laser, garrafas de gasolina, correntes e material pirotécnico", noticiou a emissora norte-americana Radio Free Europe (RFE/RL). Em 22 de janeiro de 2014, Andrei Tarasenko, o coordenador desta rede neonazi, anunciou uma "guerra de guerrilha" e uma "guerra civil" em toda a Ucrânia se o campo da manifestação fosse evacuado. (32) A hegemonia de direita que emergiu na Ucrânia desde 2013, a mudança maciça para a direita no discurso público, é evidente pelo facto de a revista norte-americana de esquerda e liberal The Nation (33) ter publicado em 2014 uma reportagem crítica sobre os slogans em Kiev, produzidos pelo nacionalismo ucraniano na década de 1930. Os activistas progressistas têm de lutar "em duas frentes" dentro do movimento da oposição, disse um activista à The Nation. É uma luta contra um regime autoritário e contra o nacionalismo extremo, que é reconhecido e considerado legítimo na Maidan. Slogans como "Glória à nação! Morte aos inimigos!" ou "Ucrânia acima de tudo" seriam entretanto populares na Maidan. Estes slogans tornaram-se desde então comuns.

O mesmo se aplica à imagem histórica da extrema-direita na Ucrânia, que depois de 2013 conseguiu transformar em heróis populares os colaboradores nazis e os fascistas ucranianos que participaram fanaticamente no Holocausto alemão e no assassínio em massa no Leste. A ironia mais amarga do apoio alemão ao Euromaidan, quando o então Ministro dos Negócios Estrangeiros, Steinmeier, se encontrou uma vez com um extremista de direita como o líder do Svoboda, Tyagnibok, para conversações, (34) é certamente o facto de muitos neonazis ucranianos terem realmente uma opinião muito positiva da Alemanha. O amor dos extremistas de direita ucranianos pela Alemanha leva-os, por exemplo, a desfilar com uniformes das SS (35) em manifestações e comícios. (36) No dia 1 de janeiro de 2014, por exemplo, cerca de 15 000 extremistas de direita marcharam por Kiev numa fantasmagórica procissão de tochas, (37) em homenagem ao colaborador nazi Stephan Bandera (algo como o Rudolf Hess do fascismo ucraniano). Alguns manifestantes fizeram-no envergando os uniformes da Divisão SS da Galicia, criada pelos nazis na Ucrânia ocidental após a invasão da União Soviética (estas marchas realizam-se actualmente todos os anos).

As unidades de combate Bandera da Organização dos Nacionalistas Ucranianos (OUN) – cujos slogans ressoaram em massa na Maidan pela primeira vez em 2012 – foram construídas pela Wehrmacht mesmo antes da invasão da União Soviética e integradas nos planos de ataque. Estes colaboradores ucranianos participaram em inúmeros massacres durante a guerra, dos quais foram vítimas centenas de milhares de judeus, polacos, dissidentes e opositores políticos. Encorajadas pelos ocupantes alemães, estas forças fascistas ucranianas organizaram, por vezes, elas próprias campanhas de extermínio, como o brutal pogrom de Lviv, em que a população judaica da cidade foi reunida, despida, torturada e assassinada poucos dias após o início da guerra. (38)

Esta prática de assassínio em massa do fascismo ucraniano, amplamente documentada e indiscutível em estudos históricos sérios, não impede que os extremistas de direita de hoje honrem como heróis Stephan Bandera, a OUN ou a Divisão SS da Galicia. Os políticos de extrema-direita eram convidados bem-vindos nos funerais dos veteranos nazis, por exemplo. Aqui as ordens para o disparo da salva de honra feito pelos nazis vestidos como homens das SS ainda eram dadas em alemão – a tradição obriga. Esta imagem decididamente nacional-socialista da História, que o Svoboda levou para as ruas de Kiev a 1 de janeiro de 2014, ilustra não só a divisão socioeconómica mas também cultural da Ucrânia entre um Leste de língua russa, marcado pela indústria pesada, e um Oeste de língua ucraniana, desindustrializado. Os actores e as organizações da colaboração fascista ucraniana com a Alemanha nazi durante a guerra, que são venerados no Oeste, são considerados como um bando de criminosos e traidores nazis no Leste e no Sul da Ucrânia. (39)

Esta divisão também se reflecte na política oficial de história do Estado. Enquanto a divisão ucraniana SS da Galicia foi reabilitada no leste e são constantemente erguidos novos monumentos ao colaborador nazi Bandera, o Presidente Yanukovich, cujo eleitorado foi recrutado no leste da Ucrânia e que foi deposto em 2014, mandou revogar o título de "Herói da Ucrânia", que tinha sido atribuído a Bandera pelo seu antecessor Yushchenko. A ideologia da história de extrema-direita, que consiste em classificar Bandera e a OUN como "heróis nacionais" por se terem oposto brevemente à ocupação alemã sem consequências (Bandera foi detido após a proclamação não autorizada da independência e viveu em Munique após a guerra), (40) só se popularizou a nível nacional após a revolução de 2013, na sequência da hegemonia da direita que emergiu no discurso histórico ucraniano.

Esta hegemonia na política da história da extrema-direita após 2013 constituiu mais um dispositivo explosivo no interior da Ucrânia, uma vez que a ideia de transformar os colaboradores nazis em ícones nacionais é inaceitável no leste e no sul da Ucrânia. Para o especialista em extremismo Andreas Umland, especializado na Europa de Leste, o extremismo de direita ucraniano, com os símbolos e ideias agressivamente propagados da "Organização dos Nacionalistas Ucranianos", representa mesmo um movimento "implicitamente separatista", (41) uma vez que esta imagem da história prejudica a formação de uma consciência histórica ucraniana. A veneração das organizações e dos líderes do nacionalismo ucraniano do tempo da guerra seria vista como "inapropriada e até ofensiva" no sul ou no leste – apesar do ressentimento xenófobo e racista que também existe, segundo Umland, no final de 2013, em antecipação da guerra civil que se aproxima.

A ampla rejeição do fascismo ucraniano no leste e no sul da Ucrânia, onde a vitória da União Soviética contra a Alemanha nazi continua a constituir uma parte central da identidade russófila regional, poderia facilmente ser instrumentalizada pela Rússia na sua intervenção, uma vez que a "Grande Guerra Patriótica" também desempenhou um papel central – a par do czarismo reacionário e do imperialismo puro e simples – nos esforços do Kremlin acima referidos para formar uma nova identidade nacional na Rússia. A oposição do Kremlin ao nacionalismo ucraniano, no entanto, não tem motivação antifascista, mas sim nacionalista e imperialista. A Rússia de Putin é conhecida por ser um importante financiador e promotor do extremismo de direita na Europa. (42) Não foi apenas o Ocidente que contribuiu para a eclosão da guerra civil, que não se coibiu de recorrer a milícias nazis no "Grande Jogo" imperialista sobre a Ucrânia, mas também a Rússia, que agiu como uma potência imperialista clássica – ocupando e anexando a Crimeia em resposta à revolução em Kiev em março de 2014.

Esta anexação imperialista clássica – mesmo tendo sido bem recebida pela maioria da população da Crimeia – não só representou uma clara violação do direito internacional, como também alimentou o fogo do extremismo de direita ucraniano, que viu confirmado o seu ódio fanático pela Rússia. A espiral de escalada iniciada pela Euromaidan continuou, e a extrema-direita ucraniana entrou em acção em resposta à anexação russa da Crimeia – e fê-lo na sua tradição de assassínio em massa em 2 de maio de 2014, em Odessa. (43) Nas semanas anteriores, activistas pró-russos tinham-se reunido na cidade portuária russófila do Mar Negro para uma espécie de contra-Euromaidan, para se manifestarem contra o derrube do governo de Yanukovich, o revisionismo histórico ucraniano de extrema-direita e os laços da Ucrânia com o Ocidente, num protesto permanente. Em 2 de maio, extremistas de direita da Ucrânia ocidental esmagaram este protesto num excesso de violência tipo pogrom, no qual dezenas de manifestantes foram mortos. Por conseguinte, é óbvio que a extrema-direita ucraniana não só desempenhou um papel de liderança no derrube do governo pró-russo democraticamente eleito, mas também – em interacção com o imperialismo russo – na subsequente escalada militar que conduziu à guerra civil.

Este pogrom fascista de Odessa – que os media ocidentais significativamente gostam de banalizar como uma "tragédia" ou "catástrofe incendiária" – foi o sinal para a guerra civil aberta na Ucrânia. Em Donbass, Kharkiv e Lugansk, ao contrário do que aconteceu na Crimeia, não houve inicialmente uma intervenção russa coordenada pelo Estado. O movimento separatista surgiu espontaneamente e foi esporadicamente apoiado por russos, por vezes oficiais do aparelho de Estado russo. Só quando as milícias e unidades militares ucranianas continuaram a fazer recuar os separatistas do leste da Ucrânia ao longo da guerra civil e as forças pró-russas estavam à beira da derrota é que os militares russos intervieram no verão de 2014 para estabilizar a frente fora de Donetsk e transformar a guerra civil num conflito "congelado", interrompido por combates esporádicos. Esta linha de frente "congelada" durou até 2022 – repetidamente interrompida por breves batalhas. É uma estratégia comum do Kremlin manter em standby esses conflitos não resolvidos – como na Transnístria ou na Ossétia do Sul –, uma vez que podem ser escalados novamente quando surgir a oportunidade, desde que isso convenha aos cálculos imperiais russos.

A guerra civil, que de facto foi trazida do exterior para o país já social e economicamente destroçado, sob a forma de intervenção ocidental e de anexação russa, foi acompanhada de violações maciças dos direitos humanos. A tortura foi praticada não apenas pelos separatistas pró-russos, como os media alemães gostavam de noticiar, (44) mas justamente também pelas forças ucranianas, sendo que as fronteiras entre a autoridade do Estado e as milícias de extrema-direita se esbateram, como provam os depoimentos de testemunhas. (45) A população civil do leste da Ucrânia, cada vez mais considerada como atrasada e inferior em Kiev depois de 2013 devido à hegemonia emergente da direita, (46) viu-se encurralada entre as frentes de uma guerra civil, como em tantas outras guerras civis na periferia ou semiperiferia do sistema mundial nas últimas décadas. A Amnistia Internacional acusou ambas as partes do conflito de recorrerem à tortura em grande escala, (47) estimando a ONU entre 7900 e 8700 casos, pelos quais os separatistas e as forças governamentais são responsáveis em proporções sensivelmente iguais. Mesmo antes da invasão russa cerca de 14 000 pessoas foram mortas. (48) Do lado ucraniano as milícias nazis e os serviços secretos ucranianos, em particular, terão recorrido a práticas de tortura, tendo cidadãos ucranianos por vezes ameaçado entregar activistas pró-russos a grupos de extrema-direita, como o "Sector de Direita".

Seria certamente errado ver Kiev como um mero objecto de uma luta externa pelo poder imperial. Antes de 2013, a oligarquia ucraniana oriental manobrava há anos entre o Leste e o Ocidente, explorando precisamente as tensões imperialistas entre o Leste e o Ocidente para adiar a perda de soberania, mas, como já foi referido, face à crise económica e da dívida acima descrita, Yanukovich teve de decidir em 2013 a favor da integração no sistema de alianças ocidentais ou russas para ser salvo da falência do Estado, em troca da cedência parcial da soberania do Estado através de empréstimos, redução dos preços da energia, acesso ao mercado etc.

O mais tardar em 2014, a Ucrânia tinha-se tornado claramente o palco de uma luta pelo poder imperialista e de crise entre o Ocidente e a Rússia, que não podia ficar sem consequências para a estrutura oligárquica do débil aparelho de Estado ucraniano. O "asselvajamento" crescente do Estado ucraniano, que era um meio de poder e uma instância de abastecimento para cliques oligárquicas concorrentes, acelerou-se com o eclodir da guerra civil e a intervenção militar. A tendência de crise para a desnacionalização e o colapso dos aparelhos de Estado que existe em grande parte da periferia do sistema mundial capitalista tem sido claramente evidente na Ucrânia desde 2013/14. Em alguns casos os rendimentos provenientes de subornos ou "taxas" arbitrárias e o dinheiro da protecção constituem a maior parte dos rendimentos dos funcionários públicos. Como já referido, esta instabilidade do Estado, que tem sido destruído por intermináveis lutas oligárquicas, é também uma das condições prévias que tornaram possível a intervenção externa na Ucrânia. A Ucrânia pode transformar-se num "Estado falhado" – o mais tardar à medida que a guerra que começou em 2022 avança – no qual vários grupos e tropas de oligarcas travam as suas lutas pelo poder.

Isto também explica porque é que as estruturas formais do aparelho de segurança ucraniano deram tão rapidamente lugar à formação de milícias de extrema-direita em muitos locais em 2014: Muitos polícias e oficiais estavam concentrados em ganhar dinheiro da forma mais eficaz possível nos postos que tinham "conquistado" – o eclodir da crise e a necessidade de um confronto militar com as milícias simplesmente exigiram demais destes "funcionários públicos" (uma conclusão semelhante pode ser tirada do desempenho do exército russo no início da guerra em 2022).

Inicialmente, o sistema oligárquico ucraniano sofreu uma transformação "militar" induzida pela crise e pela guerra, que ainda existe em certa medida actualmente. Na fase quente do conflito, em 2014, os oligarcas ucranianos foram geralmente considerados como os mais importantes promotores do desenfreado sistema de milícias e da consequente militarização da política interna na Ucrânia. Já não bastava comprar partidos e políticos. Cada oligarca que se prezasse arranjou uma milícia.

O exemplo mais proeminente é o do oligarca ucraniano de leste Rinat Akhmetov, o homem mais rico da Ucrânia, cujo conglomerado industrial estava sediado no Donbass. Akhmetov opunha-se aos separatistas e apoiava o governo central. Cerca de 300 000 trabalhadores assalariados trabalhavam no conglomerado industrial de Akhmetov. Em meados de 2014, Akhmetov continuava a tentar em vão mobilizar os "seus" trabalhadores em comícios e marchas para lutarem contra os separatistas do leste da Ucrânia. (49) Actualmente, o antigo "rei do Donbass" tem de residir no exílio em Kiev. Akhmetov financiou milícias tal como a empreendedora Yulia Tymoshenko, a cuja formação armada se terão juntado cerca de 8000 homens em meados de 2014.

Juntamente com Akhmetov e com o "Rei do Chocolate" Petro Poroshenko, que foi eleito presidente em 2014 e que convenientemente também é proprietário de um grupo de comunicação que inclui estações de televisão e rádio, o oligarca Igor Kolomoisky desempenhou um papel central na luta de Kiev contra os esforços de independência no leste da Ucrânia. Kolomoisky foi nomeado governador do oblast ucraniano oriental de Dnipropetrovsk pelo presidente interino da Ucrânia, Olexandr Turchynov, em março de 2014, e imediatamente promoveu a defesa militar desta região industrial, criando o "Batalhão de Dnipr" – a sua milícia com financiamento privado. "Os salários, que vão de mil dólares para os soldados a cinco mil dólares para um comandante, tornam o serviço atractivo", disse um funcionário administrativo aos media ucranianos. Tendo em conta o empobrecimento e o desemprego provocados pela crise, que também criou uma geração de assalariados economicamente supérfluos na Ucrânia, estas ofertas eram muito atractivas para muitos jovens. Tal como já foi referido, Kolomoisky também formou o presidente ucraniano Zelensky, que começou a sua carreira numa das estações de televisão do oligarca.

A "revolução" pró-ocidental da Euromaidan, que supostamente pretendia romper com a corrupção e o domínio dos oligarcas, acabou por conduzir apenas à sua brutalização e militarização, na sequência das quais o Estado ucraniano correu o risco de dissolver-se. Enquanto os oligarcas assumiam lentamente as características de senhores da guerra, a actividade das milícias no Leste ganhava vida própria. O grande número de grupos ucranianos de extrema-direita e nacionalistas, que muitas vezes lutavam por iniciativa própria no Donbass e em Lugansk a partir da primavera de 2014, dificultou uma acção coordenada contra os separatistas – especialmente porque a moral e a força de combate das forças armadas ucranianas eram muito baixas nessa altura. Então, o que fazer? A solução de Kiev foi integrar nas forças armadas ucranianas estes combatentes de extrema-direita, e no caso do nazi Batalhão Azov até unidades inteiras. A estrutura organizativa destas formações de extrema-direita manteve-se assim parcialmente intacta até hoje, embora tenham sido integradas, por vezes apenas formalmente, no aparelho militar ucraniano. O mesmo se aplica ao aparelho policial: a "Milícia Nacional", formada por nazis organizados, serve como força auxiliar da polícia. (50) E os oligarcas ucranianos continuam a financiar directamente estas "forças armadas" – Akhmetov, por exemplo, é um dos maiores patrocinadores do exército ucraniano.

Quando os combates no Leste diminuíram e muitas formações nazis foram formalmente integradas no aparelho de Estado ucraniano (os nazis do Batalhão Azov receberam um imóvel de prestígio no coração de Kiev, a chamada Casa dos Cossacos), (51) uma certa normalização pareceu regressar à Ucrânia a partir de 2016, apesar do conflito congelado no Leste. As milícias de extrema-direita usavam agora, pelo menos, uniformes ucranianos e estavam formalmente subordinadas ao Estado. A viragem para a UE abriu o mercado de trabalho europeu a muitos trabalhadores assalariados, o que contribuiu para a estabilização social do país, enquanto não entrou em colapso a economia global de defice mantida pela impressão de dinheiro dos bancos centrais.

Depois de 2014, a UE começou também a integrar economicamente a Ucrânia na sua esfera de influência, o que foi acompanhado pela externalização de etapas de produção de trabalho intensivo para este país de baixos salários da Europa de Leste. A indústria automóvel alemã começou a transformar a Ucrânia – à semelhança da Polónia e da Hungria após 2004 – numa "bancada de trabalho alargada". (52) E, finalmente, como novo Estado da linha da frente ocidental no "quintal" imperial da Rússia, a Ucrânia podia contar com o já referido financiamento fiável do FMI. (53) Consequentemente, os partidos do movimento de extrema-direita, que pensavam estar em ascensão por volta de 2013/14, sofreram uma perda de importância política durante esta fase de estabilização precária da Ucrânia, que estava dependente da economia de defice ocidental – ao mesmo tempo que a ideologia de direita se tornava hegemónica, particularmente na política da história.

 

6. Em vésperas da guerra

A Rússia estava assim a ficar sem tempo, uma vez que a integração no Ocidente da Ucrânia, que Moscovo considera ser a parte mais importante da sua própria esfera de influência pós-soviética, corria o risco de se tornar irreversível. A anexação russa da Crimeia e a subsequente guerra civil no Leste tiveram outra consequência para a política interna ucraniana, que Moscovo não tivera em conta: deixou de existir o equilíbrio entre forças nacionais e russófilas na Ucrânia. A divisão política da Ucrânia entre um leste pró-russo e um oeste nacionalista, que se tinha manifestado desde os anos 90 nas correspondentes alternâncias de poder entre clãs oligárquicos ucranianos orientais (Viktor Yanukovich) e pró-ocidentais (Viktor Yushchenko), foi assim unilateralmente resolvida a favor do nacionalismo ucraniano ocidental. Isto foi como um pano vermelho para o Kremlin, que com a anexação imperial da Crimeia tinha contribuído justamente para este deslocamento da frente interna ucraniana. Este equilíbrio destruído foi utilizado pelas forças nacionalistas para marginalizar e acabar por ilegalizar todo o espectro político russófilo na Ucrânia.

Mesmo antes do início da guerra, em fevereiro de 2022, a divisão da paisagem política ucraniana entre forças orientais e forças nacionalistas já tinha sido unilateralmente destruída a favor do nacionalismo. Consequentemente Moscovo viu-se privada da sua influência não militar na Ucrânia, depois de o líder da oposição ucraniana pró-russa Viktor Medvedchuk, um confidente próximo de Putin, ter sido preso por "traição" em 2021, e de três estações de televisão de língua russa terem sido proibidas. Activistas do maior partido da oposição pró-russo foram atacados por nazis ucranianos no leste do país, tornando quase impossível a sua actividade política normal. (54)

Significativamente, os esforços autoritários e nacionalistas na Ucrânia sob o Presidente Zelensky quase não foram notados no Ocidente, enquanto em Moscovo se espalhou a sensação de que a Ucrânia estava finalmente a sair da esfera de influência russa: economicamente através da sua integração na UE, politicamente através da repressão das forças pró-russas. As disputas em torno da adesão da Ucrânia à NATO foram, por assim dizer, o momento final da deriva da Ucrânia, que Moscovo continua a considerar uma componente central da esfera de influência da Rússia no espaço pós-soviético.

O Ocidente já não estava disposto a tolerar a esfera de influência russa no espaço pós-soviético, enquanto a UE e a NATO se preparavam para aí estabelecer a sua influência permanente. Era precisamente esta "zona de influência" clássica, como a reivindicada pelos EUA no hemisfério ocidental ou pela RFA na Europa Central, Oriental e do Sudeste, que o Ocidente já não estava disposto a ceder a Moscovo. Durante os meses de negociações que antecederam a guerra, nem Washington nem Berlim quiseram excluir a futura adesão da Ucrânia à NATO. Mostraram claramente a sua vontade de aceitar Kiev – mas, ao mesmo tempo, o Ocidente excluiu uma intervenção directa no conflito. Foi assim assinalada a Moscovo e a Kiev a vontade da NATO de se expandir na região pós-soviética, sem quaisquer garantias de apoio a Kiev no caso de um conflito daí resultante.

A este respeito o Ocidente é claramente cúmplice da guerra. Se se tratou de um erro de cálculo, uma vez que quase ninguém esperava um ataque em tão grande escala por parte da Rússia, ou se o conflito foi deliberadamente provocado com o objectivo de "sangrar a Rússia" na Ucrânia, como sugere a ajuda militar rápida e maciça, continua a ser por enquanto uma especulação. A Rússia está, portanto, a travar uma guerra imperialista de agressão na Ucrânia, mas esta pode certamente ser descrita como uma guerra de agressão "provocada", uma vez que o Ocidente não tomou quaisquer medidas sérias para satisfazer as exigências da Rússia relativamente às obrigações de neutralidade da Ucrânia. (55) Teria Putin atacado a Ucrânia apesar dessas promessas de neutralidade? Nunca saberemos.

Simultaneamente, a integração das forças de extrema-direita no aparelho de Estado ucraniano (56) e a sua intervenção na guerra civil revelaram-se uma faca de dois gumes, uma vez que constituíam e continuam a constituir, de longe, as mais poderosas formações de combate, mas mantendo ao mesmo tempo um elevado grau de autonomia. Ainda antes do início da guerra, nazis vestidos com uniformes militares desfilavam nos quartéis ucranianos, prometendo cortar os odiados "moscovitas" com facas e cantando louvores ao colaborador nazi Bandera como seu "pai". (57) Estas forças saídas do movimento de milícias de extrema-direita, (58) que também desempenharam um papel de liderança no pogrom de Odessa de 2014, têm certamente influência e autonomia de acção no aparelho de segurança. Já em 2019, a Amnistia Internacional, por exemplo, referindo-se aos crescentes ataques fascistas no país, alertava para as forças de extrema-direita que tinham conseguido infiltrar-se profundamente no podre aparelho de Estado ucraniano (59) e sobre as quais o governo ucraniano já não tinha controlo. (60)

O mesmo se aplica à política externa em relação à Rússia, que foi sabotada pelas milícias nazis ucranianas – a extrema-direita ucraniana é incapaz de chegar a um compromisso quando se trata de negociações de paz com Moscovo. Durante a campanha eleitoral, Zelenskyi prometeu lutar contra a corrupção e iniciar um processo de paz. E o presidente tentou mesmo persuadir as milícias estacionadas no leste da Ucrânia a participar no processo de desanuviamento acordado durante uma visita à linha da frente em outubro de 2019. (61) A visita do presidente à frente terminou numa troca de golpes verbais com os "veteranos"; seguiu-se uma tempestade de merda da direita nas redes sociais, críticas veementes de opositores políticos, ameaças maciças contra Zelensky – e a capitulação do presidente às milícias de direita no leste. Zelensky repetiu então os esforços de integração do período da guerra civil em relação à extrema-direita. (62) O ponto alto desta táctica de integração foi certamente a atribuição da mais alta condecoração da Ucrânia, o "Herói da Ucrânia", a um neonazi do Pravy Sektor (esta organização nazi foi oficialmente integrada nas forças armadas ucranianas, à semelhança do Regimento Azov). (63)

Este bloqueio político interno por parte da direita ucraniana, militarmente poderosa e susceptível de dificultar futuras negociações, coincidiu assim com um curso de confrontação geopolítica no espaço pós-soviético, alimentado pelos crescentes processos de crise socioeconómica. Isto é evidente na decisão do Kremlin de lançar uma guerra de agressão, o que equivale a uma clássica fuga das convulsões internas para a guerra. É óbvio que a esfera de influência do Kremlin no espaço pós-soviético, que o Kremlin planeava transformar num terceiro centro geopolítico de poder entre a UE e a China, estava sujeita a um rápido processo de erosão: No Cáucaso, durante a guerra do Nagorno-Karabakh (outono de 2020), durante a revolta na Bielorrússia (verão de 2020, ver Konicz 2020c) e, mais recentemente, durante a agitação sangrenta no Cazaquistão (início de 2022), a estrutura específica do poder pós-soviético, cujo representante mais proeminente é Vladimir Putin, parece estar a mostrar fissuras cada vez mais claras. As ambições imperiais do Kremlin estão assim a colidir cada vez mais com uma realidade em que Moscovo se encontra na defensiva geopolítica. A deriva da Ucrânia para a órbita do Ocidente foi a gota de água que fez transbordar o copo do Kremlin.

Ao mesmo tempo, o Ocidente – que entre 2014 e 2022 treinou e reforçou sistematicamente as forças armadas ucranianas abertas à extrema-direita (64) – já não estava disposto a aceitar as esferas de influência russas no espaço pós-soviético. Esta posição expansionista, que colocou o Ocidente e o Leste em confronto na região de fronteira ucraniana, é também motivada pelas crescentes contradições causadas pela crise. A RFA especulou sobre a ligação periférica da Ucrânia à UE, como "bancada de trabalho alargado" e como produtora de hidrogénio. (65) Para os EUA, a guerra na Ucrânia é um campo de batalha na luta contra a Eurásia, acima descrita. Washington está, de facto, a lutar para manter a hegemonia, especificamente a posição do dólar americano como moeda de reserva mundial, que até recentemente permitiu ao governo dos EUA acumular défices orçamentais e dívidas gigantescos através do programa de impressão de dinheiro da Fed sem se afundar na inflação, como é o caso da Turquia, por exemplo. A inflação, que já estava a ganhar velocidade antes da guerra, indica que isso já não é possível, o que também está a tentar Washington a correr riscos geopolíticos e militares cada vez maiores – até ao confronto com a potência nuclear Rússia na Ucrânia.

A extrema-direita ucraniana – cujas unidades de combate são, de longe, as mais poderosas – em todo o caso tem consciência de que só está a ser inundada de armas pelo Ocidente porque está a servir os seus interesses. Na lógica habitual dos talibãs, que prevalece nos processos de desintegração social, os seus líderes esperam simplesmente assumir o controlo da guerra e realizar as suas alucinações ideológicas. A este respeito, a guerra na Ucrânia poderá durar mais do que o fim formal da guerra por procuração do imperialismo de crise – e a "narrativa da liberdade" ocidental poderá presumivelmente terminar de forma tão cruel como no Afeganistão (ver Schuhr 2021).

E, no entanto, mesmo que esta guerra tenha sido "provocada", trata-se de uma guerra imperialista de agressão por parte da Rússia. Em nenhum momento, fora da propaganda russa, foi possível estabelecer uma ameaça territorial à Federação Russa no período que antecedeu a guerra.

A paranoia russa sobre a influência corrosiva e as maquinações conspiratórias do Ocidente, em que a erosão social induzida pela crise no espaço pós-soviético é reificada e/ou personificada, andou de mãos dadas com a génese de uma nova frente ideológica, em que se imaginou uma batalha global de ideias entre as sociedades tradicionais euro-asiáticas e o liberalismo e cosmopolitismo ocidentais "antinaturais". Este culturalismo, que postula uma origem cultural comum e profundamente enraizada dos povos euro-asiáticos, anda de mãos dadas com a ideia de uma restauração imperial que se liga à tradição soviética e czarista (expurgada dos rudimentos socialistas). Por isso, o cientista social Andreas Umland, especialista na Europa de Leste, já em 2014 descrevia os dirigentes de Putin como "imperialistas", que por vezes utilizavam a linguagem de uma ideologia culturalista para "legitimar as suas políticas expansionistas". (66)

A ideia neo-imperial de uma origem e de um sistema de valores euro-asiáticos comuns, de uma "autêntica civilização euro-asiática com as suas diferentes variações nacionais" (Umland), permite assim que as narrativas abertamente racistas e nacionalistas passem para segundo plano. O racismo flagrante e aberto, como o praticado pelos neonazis russos – muitas vezes com consequências assassinas (cf. Konicz 2008) – também não pode fazer parte da ideologia oficial do Estado russo, uma vez que a Federação Russa é um Estado multiétnico, o que o Kremlin tem sempre de ter em conta na produção da ideologia. O projecto imperial de uma União Euro-Asiática é assim acompanhado por uma ideologia reacionária correspondente.

Este culturalismo restaurador e retrógrado, que chora a perda da grandeza imperial da União Soviética e da era czarista na sua já referida produção de tradição, é cultivado sobretudo entre a antiga nomenklatura tardo-soviética, que ainda hoje constitui a camada dirigente na Rússia. Mas a ideologia euro-asiática de Alexander Dugin, que chegou a ser tolerada na célebre Universidade Lomonosov, em Moscovo, entre 2010 e 2014, representa uma forma extrema deste culturalismo que foi temporariamente promovida pela elite governante russa. No espírito da revolução conservadora alemã da década de 1920, à qual se refere favoravelmente, Dugin propaga uma ruptura com as tradições soviéticas e czaristas que foram reanimadas pela oligarquia estatal de Putin, para formar um "supranacionalismo euro-asiático" e um grande império euro-asiático sob liderança russa num novo começo fascista.

Estas forças, que cresceram durante os anos Putin e tendem para o abertamente fascista, tomando emprestado da nova direita europeia e copiando as suas estratégias metapolíticas de política de hegemonia, têm certamente o potencial para se tornarem as aproveitadoras da crise da guerra e do fim iminente da era Putin. O sitiado líder do Kremlin tem estado sob pressão, não dos liberais, mas da direita, pelo menos no decurso da guerra até novembro de 2022.

 

7. Resumo e perspectivas

A tragédia ucraniana reflecte assim claramente a crise global do capital. Todos os momentos do processo de crise podem ser identificados na história da Ucrânia pós-soviética: desde os surtos de desindustrialização e empobrecimento, que têm afectado repetidamente muitas sociedades periféricas e semiperiféricas a partir da primeira vaga de crises da dívida na década de 1980, passando pela formação de bolhas de dívida e pela integração em circuitos de défice regionais, até às tendências para a desnacionalização e para a crescente instabilidade política, que cria espaço para ideologias de crise e intervenções externas. A proximidade da Ucrânia economicamente pouco viável de um centro do sistema mundial, a sua posição como "zona de fronteira" entre o Ocidente e o Leste, promoveu a dialéctica da desestabilização interna e da intervenção externa do imperialismo de crise, que culminou na guerra.

Ao mesmo tempo a guerra sobre a Ucrânia parece estar a anunciar uma mudança fundamental na dinâmica da crise, que está a deixar para trás a sua fase neoliberal. Em retrospectiva a guerra sobre a Ucrânia pode realmente ser vista como o fim de uma época, um ponto de viragem no processo de crise global, para além do qual o sistema mundial capitalista tardio em crise entrou numa nova qualidade da crise. As tendências antes latentes estão agora a romper abertamente, tornando-se dominantes e caracterizando o processo de crise.

Isto aplica-se desde logo à revisão da globalização, como já se está a ver nas corridas à desvalorização da moeda e nas guerras comerciais, que agora ameaçam transformar-se numa verdadeira desglobalização, em que sistemas de alianças concorrentes, já instáveis, acabam por destruir as cadeias de valor globais surgidas nas últimas décadas neoliberais e – se tal for possível na manifesta crise socioecológica – formar sistemas económicos regionais ou nacionais. Isto corresponde à tendência para a "integração vertical" na estrutura de produção das grandes empresas, em que as etapas de produção são reintegradas e os componentes e produtos preliminares são produzidos internamente. Por vezes as empresas com actividade global "copiam" em diferentes regiões locais de distribuição ou de produção individuais – que até há pouco tempo ainda serviam a cadeia de produção global –, a fim de se tornarem mais resistentes a futuros choques no sistema global, mesmo que isso seja dispendioso.

Um outro momento da nova fase da crise, em que o limites externos e internos do capital interagem, é também claramente reconhecível durante a guerra na Ucrânia, que é acompanhada por uma crise alimentar em muitas regiões periféricas: a escassez de recursos e de alimentos, que agora ainda pode ser apresentada como consequência da guerra, vai tornar-se um fenómeno permanente. Isto significa que a inflação veio para ficar.

Com o colapso da economia global de défice cada vez mais evidente, com a desvalorização do valor também iminente nos centros, nas zonas do euro e do dólar, que com toda a probabilidade anuncia a estagflação, até mesmo as cadeias de abastecimento globais de matérias-primas, recursos e produtos alimentares básicos que não são vítimas do proteccionismo crescente correm o risco de entrar em colapso ou, pelo menos, de serem gravemente prejudicadas. A crise de escassez que caracteriza a nova qualidade da crise e que já se está a propagar na periferia pode assim tornar-se um momento central da nova fase da crise – e também aqui o "estrangulamento do aprovisionamento" que a indústria alemã, por exemplo, está a sofrer é apenas a manifestação desta nova qualidade da crise, que apenas assomou no decurso da pandemia, de um sistema mundial em desintegração aberta.

O carácter do "Grande Jogo" neo-imperialista sobre a Ucrânia mudou consequentemente desde 2014 – quando o Ocidente interveio para impedir a formação da "União Euro-Asiática" propagandeada por Putin. Com a luta pelas regiões do sul e sudeste da Ucrânia, que o Kremlin quer incorporar no seu império podre, está agora a ocorrer uma guerra pelos recursos de aspecto arcaico. Estas regiões têm os rendimentos agrícolas mais elevados. Moscovo, que não conseguiu modernizar a economia russa, está assim a alargar a sua estratégia de um "império da energia", no qual se esforça por controlar amplamente a "cadeia de valor" das fontes de energia, para incluir outros recursos "escassos": os alimentos básicos. A Rússia não quer ser apenas uma estação de serviço de combustíveis com armas nucleares, quer ser também um armazém de cereais – especialmente em antecipação da crise climática.

A invasão russa da Ucrânia é assim uma antevisão do período de crise que se avizinha, em que um sistema capitalista mundial em vias de desintegração deixará de permitir uma hegemonia fixa ou a formação de blocos, devido aos crescentes impactos económicos e ecológicos, enquanto os conflitos abertamente beligerantes por recursos essenciais são susceptíveis de aumentar, mesmo entre as grandes potências, que se isolam cada vez mais da periferia. Por conseguinte, é provável que a guerra acabe por se tornar um instrumento político – mesmo nos centros em erosão do sistema mundial. Como o capital já não pode continuar a sua vida de zombie financiada a crédito devido à dinâmica desvalorização do valor, os monstros estatais do capitalismo tardio estão a cair uns sobre os outros, o que também está a tornar instáveis todas as alianças actuais, uma vez que a pressão da concorrência induzida pela crise também está a aumentar entre a UE e os EUA, entre Pequim e Moscovo.

O que também se torna claro no disfuncional Estado racista russo de Putin, bem como no aparelho de Estado da Ucrânia repleto de milícias nazis, é a dialéctica acelerada entre a formação do Estado autoritário e a erosão do Estado. É um erro básico interpretar a guerra na Ucrânia como uma luta entre a democracia e a ditadura, erro que poderia de facto ser corrigido olhando para a situação em Varsóvia, Budapeste ou Ancara. A nova fase de crise é mais susceptível de ser caracterizada pela luta orwelliana de regimes autoritários ou fascistas pelos recursos do que por uma nova edição da "Guerra Fria".

E no entanto esta tendência para uma administração da crise autoritária e, em última análise, abertamente fascista, é um fenómeno de superfície, que só exteriormente está ligado ao fascismo do século XX. A mobilização total e totalitária durante a Segunda Guerra Mundial tornou possível o boom fordista do pós-guerra, uma vez que não houve efectivamente desmobilização após o fim da guerra e a produção em massa de tanques passou para a automobilização das sociedades capitalistas do pós-guerra; mas desta vez não está à vista um regime de acumulação semelhante, em que o trabalho em massa seria valorizado na produção de mercadorias. Há apenas o abismo do sobreendividamento total, a desvalorização iminente do valor e a catástrofe climática incipiente, que dão uma forma diferente à função objectiva do fascismo, como forma terrorista de crise da dominação capitalista. O momento sempre presente do fascismo como dominação dos gangues de extorsão, ou seja, das comunidades de saque concorrentes, como a Teoria Crítica constatou clarividentemente, está a tornar-se dominante na actual crise sistémica.

A formação autoritária do Estado, que se está a tornar cada vez mais presa de gangues de extorsão, vai assim a par da sua erosão interna. Na Ucrânia, como foi descrito, este processo já está bastante avançado. A desastrosa invasão russa também revelou até que ponto as tendências de erosão do Estado progrediram também no seio da oligarquia estatal russa, uma vez que até o exército, que é essencial para a projecção de poder do Kremlin, foi evidentemente apanhado por completo neste processo.

Poder-se-ia mesmo argumentar que – com o imperialismo de crise e o fascismo em luta pelo anómico, como um claro culto da morte – na fase de declínio do capital, os momentos da sua dinâmica de expansão surgem mais uma vez fugazmente, sobrepõem-se e interagem – inteiramente no sentido de uma negação dialéctica da negação, de modo que fenómenos aparentemente familiares, a um nível mais elevado do contraditório desenvolvimento capitalista, seguem uma lógica invertida de desenvolvimento, impulsionada pela contracção do processo de valorização. São lembranças do sangrento capitalismo inicial da fase ascendente do capital, que o sistema mundial em agonia desencadeia mais uma vez sobre a humanidade. Mesmo o mercenário, que está actualmente a celebrar um regresso nas guerras neo-imperialistas de distribuição e colapso, é um produto do capitalismo inicial, quando os primeiros "recebedores de soldo" surgiram em massa na Guerra dos Trinta Anos como forma embrionária do assalariado, aterrorizando a população.

Sem uma ultrapassagem emancipatória do capital na sua fuga cega e fetichista para a destruição do mundo, a crise tem o seu ponto de fuga final no pânico, no corte de todos os laços libidinais entre os membros da sociedade, desencadeado pela escalada da concorrência de crise, cuja manifestação já aparece regularmente no amoque individual. A par da guerra nuclear global, que se está a tornar uma ameaça cada vez maior no imperialismo de crise à medida que a intensidade da crise aumenta, é a crise climática que provavelmente irá actuar como o maior produtor de pânico: Especificamente, a inabitabilidade cada vez mais evidente de grandes partes do Sul global, que coloca limites objectivos a todas as formas de administração da crise, mesmo as mais brutais e abertamente terroristas. Isto marcaria a transição para o colapso puro e simples da civilização.

Desta agora óbvia compulsão sistémica para a autodestruição, que também se está a materializar muito concretamente na Ucrânia, cresce a necessidade para a sobrevivência da ultrapassagem emancipatória do capital, que constitui por assim dizer o último constrangimento objectivo com que o regime capitalista do constrangimento objectivo tem de ser passado à história. Por isso a luta pela transformação do sistema terá de ser o elemento central da práxis de esquerda, em vez de se perder na claque da Nato ou de Putin, como faz actualmente grande parte da esquerda alemã perante a guerra da Ucrânia.

 

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Schuhr, Benedikt: Mörderischer Agnostizismus – Afghanistan und das Scheitern der Linken [Agnosticismo assassino – O Afeganistão e o fracasso da esquerda], 2021, em fractura.online.

 

Notas

(1) https://www.nytimes.com/2022/02/21/world/europe/putin-ukraine.html.

(2) https://taz.de/Vom-Kult-des-Sieges-zum-Kult-des-Krieges/!5851531/.

(3) http://bitly.ws/AXRN.

(4) http://bitly.ws/AXR2, http://bitly.ws/AXRh.

(5) http://bitly.ws/AXRx.

(6) https://orf.at/stories/3268565/.

(7) http://bitly.ws/AXS5.

(8) http://bitly.ws/AXSa.

(9) https://www.transparency.org/en/countries/ukraine.

(10) https://www.transparency.org/en/countries/russia.

(11) http://bitly.ws/AXSr.

(12) http://bitly.ws/AXSB.

(13) http://bitly.ws/AXSV.

(14) http://bitly.ws/AXTD.

(15) http://bitly.ws/AXTL.

(16) http://bitly.ws/AXTV.

(17) https://tradingeconomics.com/spain/current-account.

(18) http://bitly.ws/AXUx.

(19) https://en.interfax.com.ua/news/general/183061.html.

(20) http://bitly.ws/AXUI.

(21) https://www.ft.com/content/737e3bd8-b587-11e3-81cb-00144feabdc0.

(22) http://bitly.ws/AXUP.

(23) http://bitly.ws/AXVa.

(24) https://www.wienerzeitung.at/meinung/leitartikel/612424_Russlands-EU.html.

(25) https://voxeurop.eu/de/merkel-macht-klitschko-fit-gegen-putin/.

(26) https://de.statista.com/infografik/1944/importe-und-exporte-der-ukraine/.

(27) http://bitly.ws/AXVM.

(28) http://bitly.ws/AXVU.

(29) https://www.youtube.com/watch?v=u7tFRvWcs5c.

(30) http://bitly.ws/AXWd.

(31) https://www.bbc.com/news/world-europe-25826238.

(32) https://www.rferl.org/a/ukraine-kyiv-protests-guerrilla-war/25238878.html.

(33) https://www.thenation.com/article/archive/ukrainian-nationalism-heart-euromaidan/.

(34) https://www.dw.com/de/zwischen-hoffen-und-bangen-in-kiew/a-17448315.

(35) https://www.timesofisrael.com/ukraine-divided-over-legacy-of-nazi-fighters/.

(36) https://twitter.com/DaniMayakovski/status/1497682826992529412.

(37) https://eu.usatoday.com/story/news/world/2014/01/01/ukraine-bandera/4279897/.

(38) https://en.wikipedia.org/wiki/Lviv_pogroms_(1941).

(39) Um revisionismo histórico semelhante, em que os colaboradores nazis são transformados em heróis populares, está também muito difundido em muitos países do Leste da UE, como os Estados Bálticos e a Hungria. Bruxelas apoia oficialmente esta reacionária política da história com leis correspondentes, como a introdução de um "Dia Europeu da Memória das Vítimas do Estalinismo e do Nacional-Socialismo", em abril de 2009.

(40) https://www.dw.com/de/stepan-bandera-ukrainischer-held-oder-nazi-kollaborateur/a-61839689.

(41) http://bitly.ws/AXX5.

(42) Cf. por exemplo: https://taz.de/Europas-Rechtspopulisten-und-Russland/!5042541/.

(43) http://bitly.ws/AXXm.

(44) http://bitly.ws/AXXp.

(45) https://www.osce.org/files/f/documents/e/7/233896.pdf.

(46) http://bitly.ws/AXXI.

(47) https://www.amnesty.nl/actueel/ukraine-torture-and-secret-detention-on-both-sides-of-the-conflict-line.

(48) https://www.pbs.org/newshour/world/u-n-documents-prisoners-torture-abuse-in-ukrainian-conflict.

(49) https://www.theguardian.com/world/2014/may/20/ukrainian-oligarch-akhmetov-backs-kiev-workers-strikes.

(50) http://bitly.ws/AXY7.

(51) http://bitly.ws/AXYj.

(52) http://bitly.ws/AXYv.

(53) http://bitly.ws/AXYC.

(54) https://twitter.com/Russ_Warrior/status/1299040499937021952.

(55) http://bitly.ws/AXYG.

(56) https://www.illiberalism.org/far-right-group-made-its-home-in-ukraines-major-western-military-training-hub/.

(57) https://twitter.com/DaniMayakovski/status/1497695668323991554.

(58) https://unherd.com/2022/03/the-truth-about-ukraines-nazi-militias/.

(59) https://www.illiberalism.org/far-right-group-made-its-home-in-ukraines-major-western-military-training-hub/.

(60) http://bitly.ws/AXYX.

(61) http://bitly.ws/AXZ5.

(62) https://consortiumnews.com/2022/03/04/how-zelensky-made-peace-with-neo-nazis/.

(63) https://twitter.com/tkonicz/status/1499066235094458381, https://www.jpost.com/international/far-right-group-to-join-ukrainian-military-396464.

(64) https://www.latimes.com/opinion/story/2022-02-25/ukraine-cia-insurgents-russia-invasion.

(65) https://www.energate-messenger.de/news/219313/deutschland-eroeffnet-wasserstoffbuero-in-kiew.

(66) https://www.kritiknetz.de/images/stories/texte/Umland_Dugin_Putin.pdf.

 

Original „Zerrissen zwischen Ost und West – Kurzer historischer Überblick über den Weg in den Ukraine-Krieg vor dem Hintergrund der Weltkrise des Kapitals“ in revista exit! nº 20, 05/2023, p. 117-158. Tradução de Boaventura Antunes, 09/2024.

 

http://www.obeco-online.org/

http://www.exit-online.org/