PARIS – CIDADE DOS REBELDES
Afinal, foi em Paris que, após séculos de conflitos sangrentos, se inventou a revolta popular.
Andrew Hussey
Paris não apenas é considerada a cidade do amor, mas no século XIX foi considerada a "capital da revolução". Já em Fevereiro de 1358 teve lugar a primeira revolta dos parisienses contra a nobreza, e em 12 de Maio de 1588 estudantes e professores da Sorbonne construíram as primeiras barricadas na Place Maubert, no Quartier Latin. "Barriques" eram barricas cheias de areia e pedras que bloqueavam as ruas. No Estado central França, a capital Paris pôde desempenhar um papel dominante. Já na Idade Média muitas heresias emanavam da Universidade da Sorbonne, e até o Maio de 1968 mostrou uma Paris rebelde. Isto significa que Paris foi também a cidade dos revolucionários e dos rebeldes, dos intelectuais, escritores e artistas radicais e, naturalmente, dos emigrantes. Assim, nos séculos XIX e XX, os comunistas, os socialistas e os anarquistas que foram obrigados a fugir, mas também os escritores da oposição, ficaram por lá.
Paris apresenta-se assim como um museu, mas também como um laboratório, cujos lugares também podem ser visitados geograficamente. Nos anos 70, por exemplo, fiz uma peregrinação ao famoso cemitério Père Lachaise. Não só ali jazem importantes intelectuais, como também ali se travaram as últimas batalhas da Comuna, em 1871, e os últimos comunistas foram fuzilados no local, junto ao Muro dos Confederados.
É claro que a Paris de hoje já não é a metrópole do século XIX ou dos anos 70, mas os locais históricos ainda podem ser encontrados e são geralmente acessíveis de metro ou, actualmente, de comboio suburbano. As estações artisticamente concebidas expressam títulos e lugares históricos nos seus nomes, como Louis Blanc, Jaures, Victor Hugo ou Bastille, Gare d'Austerlitz, e uma estação ainda se chama Estalinegrado.
Mas a que se devem estas reflexões? Foram despoletadas por um maravilhoso guia cultural:
Rámon Chao, Ignacio Ramonet: Paris – Cidade dos Rebeldes,
Zurique 2010, 419 p., 32,50 EUR,
À editora Rotpunkt agradece-se a tradução. Os autores, dois jornalistas de esquerda, são eles próprios refugiados políticos da Espanha franquista; Chao vive em França desde 1956 e Ramonet desde 1972.
"Se Paris já não é o centro artístico e intelectual do mundo em matéria de contestação política, a capital francesa continua a ser a mais desafiante das cidades desafiantes. Para os parisienses no país e no estrangeiro, é um ponto de honra preferir a desordem à injustiça." (S. 21). O volume está estruturado de acordo com os 20 arrondissements parisienses, os lugares históricos facilmente localizáveis pelos mapas que o acompanham. Evidentemente, só posso referir-me a este tesouro a título de exemplo:
No 1º arrondissement encontram-se lugares centrais das revoluções: Na Place Vendôme – rebaptizada Place Internationale pela Comuna em 1871 – a Coluna Vendôme, doada em honra de Napoleão, foi derrubada sob a direcção do pintor Gustave Courbet "como monumento da barbárie, símbolo da violência brutal e da falsa glória, afirmação do militarismo". No Palais Royale, a 13 de Julho de 1789, Camille Demoulins apelou ao povo para se armar e, um dia depois, a Bastilha foi tomada de assalto.
No então Café de la Régence, na Rue Saint-Honoré, Marx e Engels tiveram a sua primeira longa conversa, em 28 de Agosto de 1844, e numa taberna da Rue Coquillière, Marx e Proudhon tiveram discussões intermináveis. Mas já em 1382 eclodiu ali uma revolta dos "maillotins" contra os cobradores de impostos e os usurários e, em Agosto de 1572, teve lugar aqui o massacre da Noite de Bartolomeu. Na revolução de 1848, as primeiras barricadas foram construídas aqui.
No 2º arrondissement, Gracchus Babeuf reuniu-se com os seus camaradas nos Banhos Chineses em 1796 para a "Conspiração da Comunidade dos Iguais". Na Rua Montmartre, o dirigente socialista Jean Jaurès, que se insurgiu contra a guerra, foi assassinado em 1914. Na Rue Saint-Joseph, nasceu Émile Zola, autor de romances naturalistas de crítica social, mas que também expôs o escândalo do "Caso Dreyfuss" através do seu artigo "J'accuse" em "L'Aurore". Na mesma rua, o combatente da Comuna Eugène Pottier, perseguido pela reacção, escreveu a "Internationale".
No 3° arrondissement, viveu Victor Hugo na Place de Vosges.
O 5º arrondissement acolhe pensadores revolucionários tão diversos à sua maneira como François Villon em Cluny – La Sorbonne e, durante algum tempo em 1885/86 e depois de ter fugido de Viena em 1938, Sigmund Freud.
No 6º arrondissement, a igreja de Saint-Germain-des-Près foi transformada em prisão durante a Revolução. Aqui, quando os monárquicos ameaçaram Paris, tiveram lugar os massacres de Dezembro de 1792. Olympe de Gouges, uma das primeiras feministas, também foi vítima deles. Ela tinha criticado duramente Robespierre. Jean Paul Marat, que vivia na Rua Antoine Dubois, foi também assassinado nesse local, a 13 de Julho de 1793. Georges Danton vivia no Boulevard Saint-Germain e na mesma rua vivia o médico Joseph-Ignacio Guillotin, que recomendou a guilhotina com o seu nome para humanizar as execuções. No número 7 da rue des Grand- Augustins, Pablo Picasso trabalhou e viveu de 1936 a 1955 e, durante a ocupação alemã, oficiais terão visitado o seu atelier. Picasso deu-lhes postais do quadro Guernica. Quando lhe perguntaram se o tinha feito, Picasso respondeu: "Não, foram vocês".
No 8.º arrondissement viveram muitos exilados , incluindo a família Karl e Jenny Marx, na Rue Vaneau; uma filha também nasceu ali, a 1 de Maio de 1844. Os Marx conheceram aí Heinrich Heine e Frederic Chopin e, em 1845, foram expulsos e foram para a Bélgica. Após a revolução de 1848, o governo provisório levantou a expulsão e regressaram a Paris. Após um interlúdio em Colónia, onde Marx se tornou chefe de redacção da "Nova Gazeta Renana", foi expulso e regressou a Paris apenas um ano depois. Expulso de novo em Julho de 1849, foi definitivamente para Londres. Bakunin também veio para Paris em 1844 e viveu na Rue Varenne. As feministas e socialistas Flora Tristan e Pauline Roland também devem ser mencionadas.
No 13º arrondissement viveu o grande revolucionário Louis-Auguste Blanqui, que passou 40 anos na prisão. Marx estava convencido de que faltou este chefe à Comuna. Mas o governo sabia provavelmente porque é que não o trocava por 74 reféns. Zhou Enlai e Deng Xiaoping, que, ao contrário de Mao Tsé Tung, conheciam a Europa Ocidental, também viveram neste bairro na década de 1920.
O 14º arrondissement é onde viviam os emigrantes revolucionários da Europa de Leste. Rosa Luxemburgo tinha um pequeno quarto na Avenida Reillez em 1895/96, antes de regressar a Zurique para terminar os estudos. Lenine também teve várias moradas aqui, a partir de 1904, e Trotsky, a partir de 1914.
No 16º arrondissement, Honoré de Balzac viveu no número 47 da rua Raynouard.
17º arrondissement: Em 1917, chega a Paris um certo Nguyen Ai Qnoc, ou seja, Ho Chi Minh. Em 1920, participou no congresso de fundação do precursor do Partido Comunista Francês, o SFIC.
Para o 18º arrondissement, deve ser mencionada Louise Michel, que participou activamente na Comuna como revolucionária.
Sartre, Simone de Beauvoir, Camus e muitos outros parisienses também poderiam ser mencionados.
No que respeita ao desenvolvimento cultural e social em Paris, é de referir também as obras de Walter Benjamin e Siegfried Kracauer.
Original “PARIS – STADT DER REBELLEN” in EXIT! 9, 2012, p. 194-196, https://exit-online.org/pdf/exit_komplett/exit-09-final-dseitig.pdf. Tradução de Boaventura Antunes