A crítica feminista da economia está de volta desde que a crise se agudizou na segunda metade da década de 2000. O texto ocupa-se, na perspectiva da crítica da dissociação-valor, de diversas abordagens feministas de crítica da economia que têm por referência análises de Marx. No centro delas está uma compreensão da “contradição em processo” e do limite interno do capitalismo reformulada à maneira feminista. Mostra-se que as referidas teorias permanecem num quadro imanente, reformista. Assim o care é posto como momento utópico, sem ver que a dimensão da reprodução conotada com o “feminino” sempre foi inerente ao patriarcado capitalista e não pode por isso ser prolongada no futuro como simples utopia. Não em último lugar coloca-se a questão da financiabilidade das actividades de care, se a massa absoluta de mais-valia se derrete, um facto que acaba por ser ignorado – mesmo quando é sabido. Também se evidencia que no feminismo mesmo concepções de orientação crítica do trabalho e de dimensão macro não rompem realmente com os princípios do patriarcado capitalista; em vez disso procuram-se soluções compatíveis com o capitalismo, mesmo que se admita – coisa impensável há poucos anos – a possibilidade de colapso do mesmo. No essencial tais reflexões feministas são susceptíveis de apropriação pela administração da crise, na senda do “colapso da modernização” (Robert Kurz) que hoje está à vista em toda a parte. (Resumo na Revista EXIT! nº 11)
1. Introdução: O renascimento da economia no actual discurso feminista * 2. A contradição em processo como lógica fundamental do capitalismo * 3. Sobre a relação entre dissociação-valor e contradição em processo como lógica fundamental do capitalismo * 4. Os aspectos de care da teoria da regulação (Silke Chorus) * 5. “Mais-valia e dimensão humana” (Sabine Plonz) * 6. A redefinição do económico com a ajuda da categoria (re)produtividade? (Biesecker/Hofmeister) * 7. Para lá do paradigma do trabalho? (Irene Dölling) * 8. Uma falsa defesa das dimensões teóricas macro nos estudos de género (Brigitte Young) * 9. Colapso do capitalismo e “grande transformação” em sentido feminista? (Ingrid Kurz-Scherf) * 10. Observações finais sobre críticas feministas recentes da economia a partir da perspectiva da crítica da dissociação-valor * 11. Resumo: crítica feminista da economia, contradição interna do capital em processo e dissociação-valor como princípio social formal
8. Uma falsa defesa das dimensões teóricas macro nos estudos de género (Brigitte Young)
Ao contrário de Dölling, Brigitte Young segue decididamente o caminho oposto, destacando a importância da dimensão macro. Ela certifica que a crítica feminista da economia se mantém metodologicamente presa aos planos micro e meso. “Apesar da expansão da economia na forma da mercadoria (economia privada) até processos não baseados no mercado, como por exemplo a economia do care, o sector público e a área do terceiro sector, apenas graças aos quais no seu conjunto se tornou possível um capitalismo funcional baseado no mercado... apesar disso a concepção feminista da economia persiste em hipóteses da microeconomia e do individualismo metodológico.” (Young, 2012, p. 37) (8) Young no artigo Zwei getrennt Welten? Finanzökonomie und Geschlechterforschung [Dois mundos separados? Economia financeira e estudos de género] (2012) trata da relação entre género, mercados financeiros globalizados (macro-economia) e, neste contexto, novos tipos de estruturas de governança. Uma questão aqui é como pode ocorrer a exclusão do conhecimento alternativo e feminista nas redes correspondentes, com o resultado de que a dimensão qualitativa é ignorada e são modelos matemáticos que definem a economia política. “Se o objectivo dos estudos de género é lidar especificamente com a economia financeira, então eles devem examinar a fundo as coerções e a estrutura do novo regime político do capitalismo privatizado e dos processos associados de financeirização sobre os factores de poder com especificação sexual e discursivos. Isso significaria colocar no centro da análise as mudanças institucionais e estruturais globais, regionais e locais no sector bancário (de investimento), nas agências de rating, nos modelos de contabilidade, nos hedge funds e nos mercados de derivados, nas autoridades reguladoras e de supervisão centrais, nos bancos centrais, nas redes financeiras públicas e transnacionais privadas.” (Young, 2012, p. 48) Tal é o programa de pesquisa que Young formula no final do seu artigo. E deixa claro no seu ensaio como pretende começar a realizá-lo.
A sua abordagem teórica mostra a combinação do poder estrutural e discursivo. Por poder estrutural ela entende o seguinte contexto: “Com a liberalização e desregulação dos mercados de capitais desde os anos de 1970 estabeleceu-se um capitalismo de mercado financeiro que confere aos actores do mercado financeiro uma influência dominante na organização interna das empresas..., na política fiscal e monetária nacional e mesmo na vida dos cidadãos e cidadãs comuns.” Surge uma nova “estrutura de governança”. “A capacidade dos bancos, hedge funds, fundos de investimento, companhias de seguros etc. para gerar crédito e dinheiro para além do Estado permite a estes intermediários do mercado financeiro criar novos instrumentos e produtos financeiros e transformar o dinheiro por todo o mundo à margem da regulação estatal.” (Young, 2012, p. 41). E esse poder estrutural por sua vez transformou o seu contexto em “poder discursivo”. “Se os actores do mercado financeiro propagam ideias, normas e discursos neoliberais globalmente, como se não houvesse alternativa à ordem capitalista da economia mundial, eles não defendem simplesmente interesses individuais ou de grupo, pelo contrário, eles em primeiro lugar produzem assim esses interesses... Isto significa que os actores financeiros ‘embalam’ ideias bem conscientemente e as apresentam simbólica e discursivamente... Assim se obtém legitimidade e autoridade face a abordagens alternativas que vão muito para lá do aspecto da influência.” (Young, 2012, p. 42) Formam o contexto para isso as “redes de conhecimento e de política” que constituem a nova estrutura de governança global. Isso permitiu aos “gurus do capitalismo financeiro convencer a política, os media e a sociedade de que as novas regras do capitalismo financeiro iriam desactivar a propensão para a crise do capitalismo... Em particular, os modelos dos ROCKET SCIENTISTS produziram um mundo matemático abstracto que apenas ele tornou possível a explosão do comércio de acções e derivados.” (Young, 2012, p. 43, destaque no original). As mulheres são aqui como sempre imaginadas como menos racionais e matematicamente menos dotadas.
Neste contexto Young defende também que se deve ligar género com os conceitos de “keynesianismo privatizado” e “financeirização” como “regime político”. “Com o conceito de keyenesianismo privatizado... aponta-se para a mudança de um modelo social e económico controlado pela macro-economia para um modelo de consumo financiado e endividamento privado, o que garantiu a procura económica apesar do recuo estatal. A financeirização é o motor deste keynesianismo privatizado e aponta para a ‘increasing importance of financial markets, financial motives, financial institutions, and financial elites in the operation of the economy and its governing institutions, both at the national and international level’.” (Young ou Epstein cit. em Young, 2012, p. 46)
Para gendrificar as abordagens macroeconómicas Young assume três tendências de Diane Elson. É a “tendência deflacionária”, em que se trata da estabilidade de preços que afecta especialmente as mulheres e as pessoas de baixo rendimento. Menciona depois a “tendência para a comoditização na forma da mercadoria”, ou seja, há uma expansão dos serviços públicos, fornecidos principalmente por migrantes, por exemplo, como pessoal doméstico privado, e que são aproveitados por quem está em melhor situação. Finalmente, é apresentada a “tendência para o ganha-pão” da qual os modelos económicos partem cada vez mais – apesar do aumento da participação feminina no mercado de trabalho. Estas tendências devem ser ligadas à “tendência para o shareholder value”, à “tendência para o risco individual” e também com as concepções de poder estrutural e discursivo. O princípio do shareholder value segundo Young não é apenas uma consequência da liberalização dos mercados financeiros, mas também da desregulação estatal; os recursos fluem agora para os sectores (do mercado financeiro) mais rentáveis (Young, 2012, p. 46 sg.). Como exemplo da individualização do risco Young apresenta a crise do subprime nos Estados Unidos. Foram particularmente afectadas as mulheres em famílias monoparentais e pertencentes a minorias étnicas, que agora têm de pagar a dívida aos credores. Mas estes ainda continuaram a dispor de “valores monetários estáveis (assets)”, de modo que estão a ganhar (ver os meus comentários sobre Chorus). Os bancos também foram apoiados com pacotes de resgate públicos. Young termina com a frase: “Só se essas estruturas e estratégias dos mercados financeiros forem analisadas através de uma perspectiva de género é que poderão ser encontradas soluções para o problema da destruição de emprego socialmente assegurado, bem como para a privatização dos sistemas. O mal não reside nas estruturas do mercado de trabalho e nem mesmo nas políticas inflacionárias dos bancos centrais, mas sim no sistema de um capitalismo dominado pela finança.” (Young, 2012, p. 48 sg.)
De criticar nas idéias de Young é principalmente que ela se limita a vaguear na superfície do mercado financeiro, de modo não-histórico e categorialmente rasteiro, sem tomar como ponto de partida da análise, no VERDADEIRO plano macro, as dinâmicas histórico-processuais essenciais do patriarcado capitalista. Não lhe ocorrem de facto categorias como mais-valia, trabalho abstracto, desenvolvimento das forças produtivas, contradição em processo, dissociação, com as quais categorias apenas se poderiam esclarecer a actual economia desastrosa de mercado financeiro e a actual crise. A ideia de uma crise fundamental e de um colapso do capitalismo ou, melhor dizendo, do patriarcado capitalista, não ocorre a Young, mesmo se ela exemplificou com desenvolvimentos e manifestações de crise (como a crise do subprime) e suas consequências especialmente para as mulheres e pessoas de baixo rendimento. Nessa medida ela continua fiel à perspectiva da teoria da regulação que antes tinha representado (Young, 1998). O capitalismo não é por ela questionado por princípio, pelo contrário, a questão para ela é como o “sistema do capitalismo dominado pela finança” poderia ser reformado pela gendrificação e por formas alternativas de conhecimento. Impressionante é que ela usa o vocabulário reificado da economia política (embora às vezes de esquerda), por definição colocado fora num contexto sistémico e que se pretende que seja gendrificado perante este pano de fundo. As mulheres são aqui as primeiras vítimas, mesmo se ela fala de mulheres dos escombros financeiros na crise (Young, 2012, p. 40 sg.).
Apesar de falar aqui de um “sistema” é preciso ver que Young ainda faz uma personalização problemática da crise do mercado financeiro. Os agentes financeiros (mesmo se por outro lado ela os vê como sendo “levados”) e os seus interesses de grupo que, num uso peculiar duma figura de pensamento estruturalista, apenas seriam criados pela sua reivindicação, constituem para ela um momento chave da miséria. É interessante ver como uma forma estruturalista de pensamento é realmente virada em intencional e como se pretende que seja a formulação dos respectivos interesses, apenas ela, a criar discursivamente esses interesses de modo tautológico. Isso torna tais considerações, apesar do ponto de vista supostamente sistemático de Young, susceptíveis de apropriação pelo anti-semitismo estrutural. Mesmo que se reconheça que tais tendências, como Young as descreve, TAMBÉM existem, elas não detêm o colapso do patriarcado capitalista nem são a causa da crise, mas sim parte integrante dela. NESTE estranho contexto é agora criticado por Young que as mulheres e o seu conhecimento alternativo sejam ocultados, sendo que – como se viu – este conhecimento vai contribuir apenas para a (re)produção de um capitalismo moralmente purificado. Em vez disso, é preciso pôr em questão o sistema patriarcal-capitalista como um todo, e de facto a partir da perspectiva da crítica da dissociação-valor, que também critica o entendimento sexualmente neutro da contradição em processo.
É de facto bem significativo que no feminismo a dimensão teórica macro deixe a desejar. No entanto, considerando esta dimensão na sua dinâmica histórico-processual, ela leva afinal ao colapso do capitalismo e também ao crash económico-financeiro. A partir daí poderia então esgotar-se completamente o debate e a análise diferenciada feministas a respeito de hedge funds, shareholder value etc. e estruturas correspondentes, como “keyenesianismo privado” e “financeirização”, portanto com as correspondentes estruturas internas da actual economia financeira, que Young agora determina como uma dimensão supostamente macroeconómica, reivindicando a este respeito a pretensão de um conhecimento feminista diferenciado. E deste modo, tendo em conta também os planos cultural-simbólico e psicanalítico, seria possível esclarecer por que é que as mulheres excluídas se tornam hoje as mulheres dos escombros financeiros, como muitas vezes foi o caso nas crises ao longo da história, uma vez que devem ser incluídas pelo critério das quotas, quando a carroça patriarcal-capitalista está atascada na lama provavelmente como nunca antes. Em vez disso, Young pretende saber regular a miséria patriarcal-capitalista meramente no seu interior como sempre. Aqui não em último lugar a supressão de postos de trabalho parece-lhe insuportável, sendo que em vez disso a questão deveria ser pôr em causa o trabalho (abstracto) por princípio. Assim, as alegadas considerações teóricas macro de Young estão manifestamente integradas no entendimento do “modo de trabalho, de vida e de reprodução” definido pela teoria da regulação, que basicamente é em primeiro lugar determinado na dimensão micro (por exemplo, “forças e contra-forças”), e na redefinição de care feita por Chorus (ver acima).
A chamada de atenção de Robert Kurz aos defensores de esquerda de um “primado da política” na era da globalização, em síntese pode ser fundamentalmente aplicada também a Young e ao seu apelo para que sejam ouvidas alternativas convencionais e formas feministas de pensamento, pois a “ilusão do primado da política” (Kurz, 2005, p. 394 sg.) constitui o subtexto implícito das observações de Young. “É a recusa obstinada a encarar de frente a crise categorial que leva à paralisação do pensamento e da acção. As consequências da terceira revolução industrial, o limite interno absoluto do ‘trabalho abstracto’, a crise da forma de sujeito ocidental masculino-branco e dos seus derivados, numa palavra, a decomposição histórica do moderno patriarcado produtor de mercadorias permanecem inteiramente fora da reflexão... A crise do trabalho e a crise das relações de género surgem como tema quando muito no plano fenomenológico, portanto com um alcance muito curto, apenas para não ter de admitir… a insustentabilidade da tentativa de reformulação do primado da política.” (Kurz, 2005, p. 410) Assim, por exemplo, também “a elaboração conceptual de ‘global governance'... roda em falso; faz parte de uma terapia ocupacional para... assessores políticos intelectuais. A... ideia de que a transnacionalização do capital constitui um processo muito real e qualitativamente novo não dá em nada, com toda a extensão ideológica completamente inadequada da constituição do citoyen aos espaços desterritorializados do capitalismo de crise.” (Kurz, 2005, p. 408) (9) Esta objecção também se aplica Caglar, que tenta provar contra Young que as objecções feministas são objecto de cada vez mais atenção nas redes (de conhecimento) económicas internacionais (Caglar, 2010).
9. Colapso do capitalismo e “grande transformação” em sentido feminista? (Ingrid Kurz-Scherf)
O ponto de partida de Kurz-Scherf no artigo „The Great Transformation” – Ausstieg aus dem Kapitalismus? [“A Grande Transformação” – Saída do capitalismo?] (2012) é como em Dölling – e em contraste com Young – explicitamente o diagnóstico do colapso do capitalismo: Ela pergunta “se o enfoque da crítica feminista ‘no’ capitalismo não assenta numa fantasmática continuação da influência do passado, em vez de enfrentar os desafios do futuro. Se até o Fórum Económico Mundial de Davos levanta a questão ‘is capitalism failing?’ e está à procura de novos modelos de organização da economia, então não devemos assumir que o capitalismo... há muito que esgotou o seu tempo? Se assim é, então a crítica feminista não deveria deixar de voltar-se para as alternativas que assomam no colapso do modo económico capitalista para combater uma restauração renovada da dominação masculina na era pós-capitalista?” (Kurz-Scherf, 2012, p. 83)
Kurz-Scherf apresenta no seu ensaio considerações de vários tipos, tais como quando ela traça o percurso dos desenvolvimentos da esquerda e do feminismo até à presente situação desastrosa e mostra como hoje os movimentos (feministas) reagem, sendo que o actual renascimento do feminismo, por exemplo no movimento occupy, lhe parece suspeito, a meu ver com razão. Este e outros pontos (de crítica) que eu tenho às observações de Kurz-Scherf, não podem ser discutidos aqui com mais detalhe. Em vez disso, deve destacar-se a sua avaliação básica da teoria da crise perante o pano de fundo da problemática do género.
Kurz-Scherf critica por princípio que muitas vezes apenas sejam julgados os limites ecológicos do crescimento, mas não os económicos. Ela põe inteiramente em acção o conceito de “limite interno”. As “situações-problema da economia capitalista estão nos seus princípios de construção interna, que inicialmente a ajudaram com um enorme dinamismo, mas depois lhe colocaram limites internos. Estes apenas temporariamente puderam ser movidos para sectores e regiões até aí não industriais… através de ‘conquistas territoriais’.” (Kurz-Scherf, 2012, p. 101) Neste contexto, Kurz-Scherf ataca modos de criticar mesmo de esquerda que, por exemplo, declaram os mercados financeiros culpados e recorre à tese dos excessos de capacidade. No entanto, estes não são para ela a última causa da crise, mas é precisamente a dinâmica capitalista em si que traz consigo estes excessos de capacidade.
Em contraste com a abordagem superficial de Brigitte Young, ela vê “a base da economia política” no seguinte contexto, que também é responsável pela actual crise fundamental (não apenas do mercado financeiro): “A economia política das sociedades modernas... em seus segmentos capitalistas baseia-se estruturalmente, isto é, independentemente da sua configuração de conteúdo material, num forte momento de virtualidade, que também se manifesta nos sectores ‘produtivos’, por exemplo no domínio do valor de troca sobre o valor de uso ou de utilização, na comunicação quando muito indirecta entre preço e valor e no estatuto do dinheiro como afinal a única medida do valor da economia capitalista... A economia capitalista não está orientada em primeira linha para a satisfação das necessidades, mas sim para instrumentalizar estas para a sua verdadeira finalidade – a valorização, a apropriação e acumulação privada de capital. Necessidades individuais e exigências da sociedade interessam à economia literalmente ‘capitalista’ somente na forma de procura com poder de compra; mas a economia capitalista zela pela minimização... das principais fontes de poder de compra individual e social – os salários. Esta contradição interna na construção da economia capitalista torna-a vulnerável a crises imanentes ao sistema. No entanto, esta contradição já é baseada noutra, ou seja, na contradição entre uma economia de valorização regulada pelo mercado e uma economia de assistência privatizada com o código de género nela embutido da economia global.” (Kurz-Scherf, 2012, p. 93) Neste caso, tanto as necessidades concretas da reprodução como também as actividades (reprodutivas) que lhes estão associadas são realizadas principalmente pelas mulheres, separadas. A satisfação dessas necessidades é uma questão secundária. Ela é considerada como feita através do trabalho abstracto. Aqui segundo Kurz-Scherf com a racionalização e a tecnologia também se deve atingir novamente um nível de produtividade que esbarra nos “limites do crescimento” económico.
O capitalismo de mercado financeiro representa algo qualitativamente novo e algo velho ao mesmo tempo: “O chamado capitalismo de mercado financeiro, numa perspectiva feminista, representa uma ruptura com as práticas precedentes, mas não necessariamente incondicional... Ele é de certa forma apenas a sua continuação para além do ponto em que o seu sentido, já sempre questionável mas em última instância credível, tem de regressar à sua grande promessa – ‘prosperidade para todos’. Pré-requisito para a ‘financeirização’ da economia capitalista, que agora está empurrando Estados inteiros para a ruína, era, obviamente, um capital à procura de um enorme excesso de retorno, capital que tinha sido ganho na chamada economia real, mas que já não encontrava nem encontra lá aplicações suficientemente rentáveis e procura-as agora principalmente em negócios especulativos... Por isso... não vale a pena fazer de conta que a ‘economia real’ tem de sobreviver ao ‘tsunami’ da falência da economia especulativa e suas consequências nos orçamentos de alguns Estados-Membros da UE, a fim de, em seguida, novamente apoiada, voltar ao progresso do desenvolvimento tecnológico e ao crescimento económico constante – em caminhos comprovados, na via do pleno emprego e da igualdade.” (Kurz-Scherf, 2012, p. 92)
No contexto desta dinâmica de desenvolvimento ela também vê os “limites da tecnologia”. Estes geram desemprego, que por sua vez reduz o poder de compra em massa. As discussões sobre a redução do tempo de trabalho tiveram aqui por consequência a expansão do emprego feminino a tempo parcial e dos contratos de trabalho precários, o que atinge não só mas especialmente as mulheres. As tendências de terciarização a caminho de uma sociedade de prestação de serviços mostram-se não necessariamente em favor das mulheres, como por vezes se presume. Finalmente, Kurz-Scherf também vê limites na execução profissional de uma “indústria da cultura, do conhecimento, da saúde e do care” (ver Kurz-Scherf, 2012). Embora as relações tradicionais de género tenham mudado nos últimos anos e as mulheres estejam a trabalhar – estão à vista limitações qualitativas das necessidades básicas anteriormente satisfeitas na esfera privada, que eram tradicionalmente garantidas pelas actividades reprodutivas das mulheres (ver Kurz-Scherf , 2012, p. 100). Kurz-Scherf vê uma razão importante para a dinâmica aqui esboçada nas “fantasias megalomaníaca(s)” que assentam na “construção da masculinidade moderna” (Kurz-Scherf, 2012, p. 101): “Pode parecer essencialista, mas a ideia absurda de crescimento infinito parece-me, de facto, também enraizada numa construção da masculinidade que, em auto-engrandecimento prometeico, acha que pode substituir mesmo a condição básica de toda a vida – natalidade e mortalidade e, em particular, a fugacidade.” (Kurz-Scherf, 2012, p.99) Kurz-Scherf, contudo, não avança mais.
No fundo ela vê o problema da contradição em processo quando fala dos “princípios de construção interna, que inicialmente a ajudaram (a economia capitalista R.S.) com um enorme dinamismo e depois no entanto esbarram em “limites internos”. Mas permanece conceptualmente imprecisa. Falta-lhe, por exemplo, o conceito de mais-valia (relativa) em ligação com o desenvolvimento das forças produtivas, portanto, “a racionalidade e a tecnologia” comunicada através da concorrência de capitais individuais que acaba por provocar um afastamento de matéria e forma (do valor). (10) Ela vê aqui de facto uma “contradição interna” entre a economia capitalista e a dissociação do feminino, mas pretende que isso seja esclarecido como uma ECONOMIA de assistência, em vez de ter em conta POR PRINCÍPIO também o seu significado não-económico por si mesmo dentro da ordem patriarcal-capitalista, situação em que uma economificação só ocorre de certo modo secundariamente através da mercantilização e estatização das actividades de atendimento e apoio.
Kurz-Scherf considera insuficientes os debates habituais na esquerda sobre os “riscos francamente apocalípticos que parecem inerentes à economia capitalista”. “Faltam… contrapropostas radicais e concepções alternativas de organização da economia. No espectro de esquerda do debate, a retórica abstracta da crise traduz-se concretamente sobretudo em propostas mais modestas para a re-regulação dos mercados financeiros e a tributação apenas moderada das operações financeiras, em discussões cuidadosas das nacionalizações e referências benevolentes a projectos mais pequenos da economia solidária. Conceptualmente predominam a incerteza e o desamparo.” (Kurz-Scherf, 2012, p.88) Ela vê o perigo de que, no decurso do renascimento de Marx e da crítica do capitalismo, a “questão da mulher” mais uma vez passe a contradição secundária. É por isso que ela quer entre outras coisas fortalecer novamente uma “obstinação feminista” passada para segundo plano nomeadamente através da academização. A crítica feminista teria pois de ser geral, visando a conexão de “ bom trabalho e boa vida.” Também uma ciência social feminista teria de preparar-se para isso. No entanto o “feminismo crítico segue em grande parte os caminhos marcados do discurso machista nas perspectivas da teoria social e da política social. Ele corrige e aumenta os quadros de crítica social predominantemente prescritos por homens. Coloca-os “em questão no entanto apenas pontualmente, considerando a sua cegueira perante o género.” (Kurz-Scherf, 2012, p. 95 sg.) Em vez disso a crítica do capitalismo teria de ser ampliada e aprofundada, mas ao mesmo tempo também tornada “relativa, no sentido da sua inserção normativa em opções de emancipação social para o futuro.” (Kurz-Scherf, 2012, p. 95) Neste contexto ela também critica as perspectivas androcêntricas que reduzem a reprodução à produção da força de trabalho (Kurz-Scherf, 2012, p. 102). (11)
Ela apela para a consolidação das “actuais abordagens de um projecto utópico feminista obstinado e independente, que não siga o aconchego renitente de fantasias de um mundo perfeito, mas coloque na agenda a luta pelo futuro.” (Kurz-Scherf, 2012, p. 103) “... Na realidade a fixação nos mercados mundiais, em ordens mundiais, em sociedades mundiais etc. (que ela, mais uma vez, vê no contexto de fantasias masculinas megalomaníacas), desvia-se da necessidade de uma reorganização interna da economia moderna – por exemplo, no que diz respeito ao entendimento subjacente de trabalho, à relação entre economia e democracia, à busca de novas formas de coordenação da actividade económica para lá do espectro muito estreito das formas de coordenação do mercado e do Estado.” (Kurz-Scherf, 2012, p. 101 sg.)
Em Kurz-Scherf começa por ser surpreendente que ela exija de facto uma nova obstinação feminista mas não eleve a relação de género patriarcal-capitalista a uma posição de grande teoria no plano macro, como na dissociação-valor. Essa relação é construída por ela num determinado tipo de concepção de Marx. Para ela a crítica do capitalismo deve ser ampliada e aprofundada apenas através do feminismo sendo simultaneamente relativizada. Nessa medida ela acaba por fazer como as teorias feministas por ela criticadas. Falta uma terminologia categorial que tenha como alvo o todo patriarcal-capitalista. Há mesmo pontos onde o significado da “questão da mulher” é por ela minimizado: “De facto, o questionamento da relevância das questões de género tem naturalmente a sua legitimidade, especialmente na crise actual em face de verdadeiros desastres que, pelo menos em primeira linha, não deflagram no eixo do género. Numa observação mais minuciosa, no entanto, vê-se que ‘a questão da mulher’ em si... de modo nenhum deve ser considerada esgotada.” (Kurz-Scherf, 2012, p. 94 sg.) No entanto cabe ao feminismo trabalhar então directamente na concepção de perspectivas de superação no sentido de “bom trabalho” e “vida boa” não só dentro do feminismo, mas de modo mais geral “para todos”.
Kurz-Scherf aqui não simplesmente se atola no plano sociológico da teoria, mas cai completa e imediatamente na conceptualidade da prática da política. Ao contrário disso, uma crítica dialecticamente mediada concebe a dissociação-valor como o núcleo do todo patriarcal-capitalista, e justamente no seu desenvolvimento real histórico-dinâmico, no qual se inclui hoje o seu colapso e os seus limites internos, de certa maneira como contradição em processo de tipo novo e diferente na dimensão MACRO. Assim, na teoria da dissociação-valor a reprodução da força de trabalho não é o centro da análise teórica, uma abordagem que Kurz-Scherf com razão problematiza como reducionista. Mas também a sociedade como um todo não pode ser dividida em uma parte capitalista e outra patriarcal como parece dar a entender Kurz-Scherf. São ambas em si diferentes e, justamente por isso, numa dissociação-valor constituída dialecticamente como princípio formal, um, o valor, não só constitui o pressuposto da outra (a dissociação), como parece ser também o caso em Kurz-Scherf nas suas observações concretas. Mais que isso, o valor e a dissociação condicionam-se igualmente em entrelaçamento dialéctico. Simplificando, sem dissociação não é possível de antemão fazer valor (mais-valia). No entanto para Kurz-Scherf a “parte dissociada” – vista neste sentido teórico macro – funciona verdadeiramente antes. O valor (mais-valia) e o trabalho abstracto não são tratados como factualidade fundamental do ponto de vista de crítica da dissociação-valor a partir do qual tudo o mais pode ser “derivado”, como é no fundo particularmente visível em Dölling. Kurz-Scherf, ao contrário de uma crítica da dissociação-valor considerada como dimensão macro (ver acima) em sua dimensão histórico-processual, também não chega a diagnosticar no presente um “asselvajamento do patriarcado”, que agora, perante o tornar-se obsoletas das instituições patriarcais família e trabalho pago, caracteriza o próprio colapso do patriarcado capitalista, com as correspondentes consequências sexualmente específicas de que as mulheres deveriam ser agora mulheres dos escombros, como administradoras da crise, não só na política e na economia, mas também na vida quotidiana, quando a crise alastra; ou seja, Kurz-Scherf, apesar de toda a retórica sociologista e politicista, não penetra na empiria real da maioria das mulheres, que pode ser tornada acessível a partir da lógica da dissociação-valor com a sua diferença entre essência e aparência (cf. Scholz, 2011 a).
Com a perspectiva teórica da dissociação-valor, que inclui os planos psico-social e simbólico-cultural, também se poderia justificar que os fantasmas da masculinidade megalomaníaca pertencem genuína e estruturalmente ao patriarcado capitalista através da dissociação do feminino (fraqueza, emotividade, falta de racionalidade etc.). Para Kurz-Scherf tais fantasmas entram em jogo de modo meramente externo; eles não são mediados com as restantes observações. No entanto, a totalidade é mais do que a economia; mesmo sendo preciso criticar duramente a promoção publicitária do desconstrucionismo nas últimas décadas. A dissociação do feminino neste contexto também tem um papel fundamental na formação das ciências naturais e na sua aplicação no contexto do desenvolvimento das forças produtivas, ou seja, para os “limites da tecnologia”, que são hoje visíveis na revolução micro-electrónica e no consequente desemprego em massa. A dissociação está de facto muito bem “depositada” [eingelagert] (Kurz-Scherf) ou “replicada” [eingefaltet] (Kurz) na política e na economia e isso também deve ser analisado em concreto. Mas o alcance teórico macro do problema está longe de ser compreendido. Especialmente, na maneira de ver de Kurz-Scherf – como eu disse – estariam assim as mulheres condenadas ao imediato e ao prático, como é habitual na ideologia da dissociação-valor, e teria sido desviado o olhar do plano teórico macro da dissociação-valor como princípio formal de toda a miséria, uma vez que no fundo mais uma vez são invocadas as “mulheres com pensamento prático” (Plonz, 2011, p. 375).
Interessante nas observações de Kurz-Scherf, no entanto, é que – em completo contraste com o mainstream feminista – ela dá conta dos limites internos em geral, sobretudo no que se refere à economia, e fala do “colapso do capitalismo”. Ela refere-se não em último lugar a Elmar Altvater, como se este não pertencesse já ao núcleo duro de uma crítica do valor desde meados dos anos 1980, que, desde então para cá, recolheu para esta muito escárnio e maldizer. “Afinal de contas um dos mais prolíficos críticos alemães do capitalismo aunciou já em 2005 O fim do capitalismo, como nós o conhecemos.” (Altvater cit. em Kurz-Scherf, 2012, p. 87) (12) Aqui, no entanto, seria fatal pretender olhar para “mercados mundiais, ordens mundiais, sociedades mundiais etc.” apenas com fantasias de grandeza masculinas, como diz Kurz-Scherf, que se afastam da “reorganização interna das economias modernas” (Kurz-Scherf, 2012, p. 101). Não só porque as condições reais complexas exigem uma análise correspondentemente complexa. As suas próprias reflexões sobre os limites internos são elas mesmas apenas possíveis no contexto de análises assim abrangentes, com base nas quais então podem ser directamente reconduzidas ao concreto e ao prático-político. As suas reflexões baseiam-se em última instância num grande teórico por excelência: Karl Marx. Curiosamente, sob a influência de objecções da crítica da dissociação-valor, Kurz, a partir de uma análise do capital (mundial), chega a uma conclusão muito semelhante à de Kurz-Scherf. “A subjetividade moderna com conotação masculina em todas as suas variantes já se imagina sempre ‘fazedora’ de si mesma e da história, embora... com diferentes acentuações.” (Kurz, 2005, p. 398)
O feminismo só pode ultrapassar as suas fronteiras actuais se ele mesmo se virar para uma Big Theory e não deixar que o mandem para a caminha, como era tradicionalmente considerado verdadeiramente adequado para o feminino e para as mulheres. É crucial aqui que a dissociação-valor seja entendida como uma superestrutura objectiva e que as análises feministas deixem de visar o normativo e o moral como de costume. Este plano também é crucial em Kurz-Scherf.
Tratar-se-ia então não de uma “reorganização interna das economias modernas”, ou seja, de uma re-incorporação da economia, mas de uma sociedade diferente. A orientação imanente ao sistema revela-se também aqui na adesão impensada a valores como a democracia, a justiça etc. como se estudos feministas e também estudos desenvolvidos em contexto pós-colonial não tivessem já estabelecido suficientemente a conexão interna entre a misoginia, o racismo e os valores do iluminismo.
Kurz-Scherf dá em geral a impressão de ambivalência. Assim ela evoca utopias concretas e o seu apuramento de balanço, o que “existe assim” na sociedade actual, para chegar a uma re-incorporação da economia, criticando por outro lado com razão as alternativas existentes e as críticas da esquerda (ideologias alternativas de bem-estar no que diz respeito a pequenas redes sociais, reprimendas ao mercado financeiro e aos especuladores, tendências para uma mera domesticação dos mercados financeiros, ilusões sobre a possibilidade de regulação reformista do capitalismo etc.). Na exigência de “utopias concretas” ela permanece impotente, pendurada no abstracto. Já o apelo ao prático e concreto que é bom torna a sua posição – contra a sua intenção – susceptível de apropriação para a reprimenda aos especuladores e, portanto, para um anti-semitismo estrutural.
A TEORIA feminista no entanto terá antes de mais de desenvolver uma obstinação no seu próprio terreno: o da reflexão TEÓRICA que já sempre pressupõe essencialmente distância crítica. Isto não significa condenar e negar intervenções práticas (não em último lugar no que diz respeito à melhor remuneração das actividades de assistência!), mas uma mulher não tem de tomar para si de antemão as concepções práticas que tradicionalmente já lhe estavam sempre destinadas e, numa retórica de militância e obstinação, regredir ainda para trás da sua real fixação nos princípios.
É assim que hoje, por exemplo no discurso hegemónico, se evita uma perspectiva emancipatória de planeamento, mesmo que apenas esboçada; ainda que neste plano não devesse ser imposto qualquer tabu de abstracção. É preciso, portanto, também em termos de critérios para uma sociedade diferente, livrar-se do “ponto de vista da dimensão micro e meso” e permitir-se pensar um “outro mundo” abrangentemente organizado, mesmo que os movimentos sociais actuais não se dêem bem com isso, movimentos para os quais como para Kurz-Scherf, numa perspectiva pragmática, não em último lugar para lidar com a crise, a questão é “o local” (Kurz-Scherf, 2012, p. 101). Em vez disso teria de ser considerada uma perspectiva abrangente, formulada na teoria dos sistemas, da relação entre o sistema global e os seus subsistemas de forma completamente nova, para lá da perspectiva de planeamento do velho socialismo. No caso também não se trataria de uma mera “obstinação” feminista, pelo contrário, esta teria de se mediar dialecticamente com as linhas de orientação objectivas (da crítica da dissociação-valor) para pretender permitir-se a entrada sem ingenuidade nem legitimações normativas voluntaristas.
10. Observações finais sobre críticas feministas recentes da economia a partir da perspectiva da crítica da dissociação-valor
De seguida gostaria agora de resumir de forma breve e concisa a crítica às abordagens feministas da economia analisadas a partir da perspectiva da teoria da dissociação-valor, antes de expor mais uma vez sinteticamente a relação entre contradição em processo e dissociação-valor. Kurz-Scherf conhece basicamente a contradição em processo com a qual o capitalismo mina os seus próprios fundamentos, tentando dizimar as despesas do trabalho e o tempo correspondente tanto quanto possível, quando estes continuam a ser a condição da sua existência. Mas a formulação utilizada por ela permanece obscura. Ela tem perfeitamente em conta a dissociação do feminino; esta no entanto flutua estranhamente no ar com todas as implicações e pressupostos deste desenvolvimento. De algum modo surge apenas externamente. Assim, o verdadeiro problema de base não é reconhecido, isto é, que a dissociação-valor constitui o verdadeiro princípio patriarcal-capitalista e, assim, também co-constitui fundamentalmente o momento de teoria da crise da contradição em processo. Neste contexto, aliás, Kurz-Scherf também não põe em questão a categoria trabalho, o que teria de acontecer não só em termos de “práticas”, mas também como uma determinação fundamental da sociabilidade constituída patriarcal-capitalista, em mediação com as “actividades femininas” reprodutivas. Para Kurz-Scherf em vez disso é a falsa questão da relação “bem-sucedida” de “trabalho e vida” (ambos estabelecidos ontologicamente) na perspectiva utópico-normativa de re-incorporação da economia que está desde o início no centro das atenções.
De acordo com a teoria de dissociação-valor as mulheres não podem ser simplesmente atribuídas ao sector do care de forma reificada, pelo contrário, a dissociação-valor como essência do patriarcado capitalista passa por todas as áreas, razão pela qual as mulheres, apesar de habilitações mais elevadas, ainda continuam a ganhar menos hoje (mesmo que façam o mesmo trabalho que os homens) e são cada vez mais integradas no mercado de trabalho, sendo que a vida como simples dona de casa está agora completamente desacreditada. Por último, mas não menos importante, a dissociação-valor também se mostra no facto de que na actual crise fundamental se atribuir às mulheres o papel de mulheres dos escombros. Em Kurz-Scherf também as profundas dimensões cultural-simbólica e psicanalítica são muito pouco abordadas, dimensões que apenas elas permitem explicar o princípio fundamental da dissociação-valor e a totalidade social, bem como as fantasias masculinas megalómanas de grandeza, ainda que ela de passagem também envolva pelo menos a dimensão cultural-simbólica. Ainda assim Kurz-Scherf reconhece os limites internos absolutos do capitalismo e da possibilidade de valorização.
Irene Dölling, por outro lado, questiona muito bem o trabalho (pago) e, na verdade, como modo de “socialização”, mas permanece no plano sociológico micro do estilo de vida de Weber como pressuposto básico, fora do plano de uma constituição social fundamental abrangente. Nela também não há qualquer via para a dissociação-valor como princípio fundamental no contexto da “contradição em processo”, ainda que ela tome em consideração o chegar ao fim dos “anteriores modos de socialização, de integração e de controle” capitalistas. Estranhamente no entanto ela – precisamente – não chega ao diagnóstico do tempo do asselvajamento do patriarcado na era pós-moderna, onde as mulheres são responsáveis pelo “dinheiro e pela (sobre)vivência” sendo os homens simultaneamente “transformados em donas de casa”, quando as instituições família e trabalho (pago) se desfazem. No fundo Dölling tem uma inclinação androcêntrica quando concebe o trabalho (pago) como um princípio fundamental de socialização, em vez de se referir a este num nível mais abstracto de dissociação-valor na dimensão histórica processual, sendo que tanto o valor como a dissociação logicamente são igualmente originais e na sua mediação dialéctica nenhum dos dois lados pode funcionar sozinho como pressuposto do outro.
Nessa medida seria necessário ocorrer o acesso ao todo social e aqui serem examinadas as dimensões macro, a fim de, em seguida, colocar o plano micro (estilo de vida) e também o plano meso sociológico (instituições) em relação com isso.
Brigitte Young critica, por outro lado, o “individualismo metodológico” e exige a consideração do plano macro. No entanto, ela permanece em sua análise do capitalismo de mercado financeiro inspirada na linguagem da economia política, apenas superficialmente presa ao correspondente entendimento da estrutura. Ela não toma em consideração a razão profunda da contradição em processo, que deveria ser colocada no contexto da crítica da dissociação-valor modificada pelo feminismo, para então envolver a superfície do mercado financeiro de hoje.
No entanto, se Dölling, Young e Kurz-Scherf na perspectiva da crítica da dissociação-valor também aduzem sem dúvida pontos de vista bastante interessantes, embora formulados de forma distorcida e enviesada (crítica do trabalho, crítica do “individualismo metodológico”, colapso e limites internos do capitalismo em associação com as correspondentes assimetrias de género), a abordagem de Biesecker/Hofmeister apresenta-se como a mais problemática. Elas querem transformar o mundo inteiro numa grande casa de trabalho. Em vez de reconhecerem o trabalho e o valor mais as actividades reprodutivas femininas com eles dialecticamente estabelecidas como princípio fundamental constituinte da sociedade no seu todo e os colocarem radicalmente em causa, para elas tudo funciona como valor, até mesmo a natureza. Em vez disso seria preciso fazer a distinção entre actividades criadoras de mais-valia e actividades femininas dissociadas e reprodutivas. Para Biesecker/Hofmeister a questão é sobretudo o limite ecológico do capitalismo. A contradição em processo, a formação da mais-valia, os actuais processos de desvalorização e COM ISSO ligadas a importância das actividades de care e a dinâmica histórica associada não desempenham nelas qualquer papel. Do mesmo modo Biesecker/Hofmeister não vêem que as actividades de care também já sempre co-constituem essencialmente o capitalismo enquanto menos classificadas e, portanto, não podem ser simplesmente prorrogadas para além do capitalismo como momento utópico central. Seria preciso ver aqui a dissociação-valor como princípio fundamental histórico-dinâmico. Isso deveria ser concebido em toda a sua fragilidade como absoluto negativo, em vez de estabelecer o care como categoria bíblica e/ou suprahistórica-ontológica, como é particularmente evidente em Plonz. A insistência na prestação de care e a satisfação das necessidades correspondentes, que na verdade TAMBÉM contêm um MOMENTO de impulso somático, não deve levar-nos a tornar este momento mais ou menos subliminarmente um verdadeiro ponto de partida externo assente na moral, como é o caso em muitas abordagens feministas da economia. Caso contrário, uma pessoa, homem ou mulher, encontrar-se-á simplesmente nas garras seguras das tradicionais relações de atribuição patriarcais-capitalistas que é preciso suplantar.
Isto também se aplica a Silke Chorus, que quer ancorar com suavidade feminista o lado care na teoria da regulação, enquanto uma relação de género de algum modo imaginada exterior deve por sua vez constituir essencialmente o capitalismo. Reformas e alianças devem aqui constituir o caminho comprovado para um bom capitalismo purificado e limitado, que se considera eterno. Na sua concepção com base na teoria da regulação exprime-se a aspiração primordial da maioria das esquerdas e também das feministas de esquerda, ou seja, que deve ser possível regular o capitalismo, por favor, e civilizá-lo até se tornar irreconhecível, sem aqui tomar em consideração possíveis limites internos ou tendências de colapso. Do ponto de vista da teoria da regulação tem de ser possível encontrar um novo regime de acumulação a todo o custo, sendo o capitalismo então reorganizado politicamente de modo emancipatório sob a acção de forças e contra-forças.
Como já foi dito, no feminismo é sobretudo Kurz-Scherf que tem em conta seriamente este colapso, embora também ela gostasse de poder suplantar esses limites internos de preferência dentro da democracia e dentro do capitalismo, de modo a chegar a uma re-incorporação da economia a partir de um capitalismo purificado, que então de algum modo já não deveria ser ele mesmo.
11. Resumo: crítica feminista da economia, contradição interna do capital em processo e dissociação-valor como princípio social formal
Nenhuma das posições até aqui tratadas, portanto, se atreve a tematizar radicalmente “género” e dissociação-valor como relação de base essencial do patriarcado capitalista – mesmo se um ou outro detalhe de tais considerações é bastante adequado para determinar mais aproximadamente esta constelação fundamental. A seguir gostaria agora de apresentar mais uma vez resumidamente a “dissociação” em mediação dialéctica com o valor como essência do patriarcado capitalista, focando nomeadamente a consideração da dinâmica processual da dissociação-valor. A “dissociação” não é apenas pressuposto deste processo, mas a DISSOCIAÇÃO-valor como tal modifica-se a si mesma neste processo. Não é uma estrutura rígida, como se pode encontrar no entendimento burguês da ciência, mas uma lógica processual, isto é, uma “estrutura” assim entendida já é sempre inerente à mudança histórico-processual. Por conseguinte também não é possível determiná-la por definição esquemática, mas ela revela-se apenas no seu pleno desenvolvimento histórico-dinâmico.
Assim, se no fordismo os custos de reprodução da força de trabalho puderam baixar em relação à mais-valia do ponto de vista do capital, mesmo se os salários reais e o poder de compra do “sujeito homem branco ocidental” subiram continuamente, como Chorus diz com razão – ainda que limitada pela teoria da regulação – de modo que foi possível durante um certo tempo uma win-win situation [em inglês no original: situação de duplo ganho] entre “capital e trabalho” para satisfação geral, situação esta proporcionada pela mais-valia relativa e pela optimização das possibilidades de consumo, nas últimas décadas a situação é diferente. Ao contrário do fordismo, com seu modelo de mulher dona de casa e homem ganha-pão, agora, no pós-fordismo, com o crescimento do sector dos serviços, as mulheres estão geralmente cada vez mais integradas no domínio do trabalho pago, elas já não são apenas responsáveis pela família, como exigia a imagem burguesa da mulher desde século XVIII, que apenas na década de 1950 se tornou efectiva para todas as classes e estratos sociais.
A dinâmica da dissociação-valor, com o princípio patriarcal da formação de mais-valia, mostra uma nova face no pós-fordismo, no estado actual das forças produtivas, quando agora na “terceira revolução industrial” via microeletrónica a produção de mais-valia relativa se reduz ela própria ao absurdo. Este processo, que traz consigo um papel cada vez mais importante do capital financeiro, na verdade já começou no início do século passado e culminou depois da abolição da cobertura monetária com Bretton Woods (Kurz, 2012, p. 330 sg.) A compra de novos equipamentos de capital deixou então de ser financiável pela mais-valia, pelo contrário, passou a ser financiada cada vez mais a crédito (e paga pela mais-valia a ser ganha no futuro). O resultado foi a dilatação da superestrutura do crédito, a formação de bolhas etc. Virou-se tudo para a bolsa, a produção tornou-se uma coisa secundária. Este processo culminou no chamado capitalismo de casino. Nessa medida é verdade, de facto, que a “virtualização”, no sentido de maximizar os lucros abstractos, determina o patriarcado capitalista, para lá das coisas úteis, como diz Kurz-Scherf, e isto está intimamente relacionado com a lógica das relações hierárquicas de género. As fantasias megalomaníacas masculinas têm sua correspondência normativa nas ideias e práticas capitalistas patriarcais, na medida em que os homens – ao contrário das mulheres – devem ser racionais, orientados para a concorrência e a competição, bem como assertivos, enquanto as mulheres são para o corporal e o sensível (Haug 1996, p. 229 e sg.). Não em último lugar, o desenvolvimento das forças produtivas e a geração de mais-valia através da aplicação do conhecimento científico tem o seu fundamento, também num plano simbólico-cultural e social-psicológico, na dissociação do feminino, como mostram trabalhos feministas anteriores (ver Scheich 1993). (13)
Neste processo, não apenas os empregos são irremediavelmente aniquilados, mas simultaneamente o care é agora cada vez mais organizado pelo critério do mercado. No entanto, uma vez que isto já não pode ser financiado pela redistribuição da mais-valia, ocorre também uma crise económica nas actividades de care desenvolvidas profissionalmente no contexto da socialização da dissociação-valor no seu conjunto. Com o patriarcado capitalista colapsa também o Estado social/de bem-estar. Os limites internos também são evidentes no facto de as actividades tradicionalmente prestadas por mulheres e de conotação feminina, que exigem uma lógica de gastar tempo, deverem agora a ser feitas profissionalmente, com uma lógica de poupar tempo. Na senda da agudização da crise e da continuação do colapso do patriarcado capitalista é provavelmente de esperar que essas actividades tenham de voltar a ser realizadas de novo informalmente pelas mulheres duplamente sobrecarregadas.
No entanto, de acordo com a teoria da dissociação-valor, as mulheres não podem à partida ser simplesmente atribuídas ao sector de care de forma reificada, pelo contrário, é preciso enfatizar mais uma vez, a dissociação-valor como essência do patriarcado capitalista atravessa todos os domínios, razão pela qual as mulheres ainda hoje, apesar de habilitações superiores, continuam a ganhar menos (mesmo que realizem o mesmo trabalho que os homens) e são mais do que nunca coagidas a procurar um trabalho remunerado. A falta de poder de compra – é essa a percepção num plano superficial – requer agora um maior envolvimento das mulheres na área do trabalho pago. De facto, é a dinâmica do valor como contradição em processo que aumenta cada vez mais a massa de coisas produzidas por unidade de tempo, um processo que, por outro lado, aumenta simultaneamente cada vez mais o desemprego em massa (contradição entre matéria e forma (do valor)), amalgamado com a DISSOCIAÇÃO-valor como plano fundamental. Esse processo, por sua vez, reflecte-se hoje no facto de que já não se trata simplesmente de, sob o ditame do consumo patriarcal capitalista, poder comprar muita coisa, mas de as mulheres em qualquer caso serem forçadas a assumir de modo sexualmente neutro um trabalho remunerado (em part-time) ou algo equivalente na economia informal, ainda que acabem por ir parar maioritariamente a domínios de actividade com conotação feminina (que não precisam de coincidir com o care).
A lógica da dissociação-valor mostra-se também não em último lugar no facto de na actual crise fundamental ser atribuído às mulheres o papel de mulheres dos escombros, quando as instituições trabalho assalariado e família se desfazem e se chega a um assselvajamento do patriarcado. Isto não se aplica “apenas” às iniciativas de auto-ajuda principalmente promovidas por mulheres nas favelas por esse mundo; pelo contrário, coloca-se a questão de saber se as mulheres mais uma vez não estão a conquistar “navios que se afundam” (Ulrich Beck), quando elas penetram nos altos comandos da política e da economia à escala da globalização, domínios macro portanto que por si só tendem a ser desvalorizados pela “desvalorização do valor”, na medida em que perdem capacidade de organização, poder, credibilidade e força legitimadora.
O colapso do capitalismo deve assim ser determinado fundamentalmente com a teoria da dissociação-valor; mesmo a contradição em processo é determinada por essa lógica e, portanto, deve ter um novo fundamento. Numa crítica social que abandone o androcentrismo a “dissociação” deixará de ser um mero acessório. Por outras palavras, mesmo a contradição em processo fundamenta-se no nível subterrâneo da dissociação, a única que torna este processo possível. Trata-se, portanto, de definir a DISSOCIAÇÃO-valor como princípio formal histórico-dinâmico, se for tido em conta que o desenvolvimento das forças produtivas é essencialmente determinado pelo constructo segundo o qual as mulheres seriam menos racionais, mais emocionais, e que até hoje de facto lhes foi atribuído o domínio da reprodução como campo de actividade, embora há muito tempo elas busquem simultaneamente um trabalho remunerado e sejam mais qualificadas do que os homens. Assim, a contradição entre conteúdo e forma (do valor) é ela própria essencialmente mediada pela lógica da dissociação-valor.
A re-exposição da contradição em processo do ponto de vista da crítica da dissociação-valor não deve aqui permanecer apenas limitada ao plano sociológico micro e meso entrelaçado com o plano económico, no sentido dos fenómenos sociais superficiais, mas tem de chegar à totalidade. A determinação marxiana da contradição em processo, portanto, não pode ser simplesmente alargada à dimensão da dissociação, mas tem de ser exposta numa qualidade completamente nova perante si mesma, o que, em última análise, também significa fazer valer um outro fundamento como contradição em processo, que também é superior aos feminismos existentes. O todo social não pode ser dividido em uma parte capitalista e uma parte patriarcal. Ambos pertencem um ao outro, sem no entanto serem idênticos. Por isso é preciso partir de uma lógica de dissociação-valor DIALECTICAMENTE constituída, que por sua vez condiciona a contradição em processo.
NESTE contexto seria preciso tomar em consideração a história e a lógica da relação entre a dominação da natureza e a feminilidade em suas modificações até hoje, e justamente no contexto dos limites ecológicos do crescimento, e não como em Donna Haraway (à qual também Biesecker/Hofmeister se referem, como já foi dito) no contexto da hipótese de uma relacionalidade homem-natureza-máquina. Em vez disso, seria preciso questionar tal “visão relacional” que já não quer saber de princípios fundamentais abrangentes (ver também Scholz, 2010, 2012). Em ligação com isto seria preciso sobretudo examinar os trabalhos anteriores de Elvira Scheich sobre “dominação da natureza e feminilidade” que, com efeito, têm Sohn-Rethel e Horkheimer/Adorno como referência fundamental, mas sem levar em conta fundamentalmente a perspectiva da mais-valia e a contradição em processo; para o efeito a sua concepção deveria ser talvez reescrita e modificada.
Finalmente é preciso notar aqui ainda que a crítica da dissociação-valor como princípio social fundamental se estende também a “outras áreas” que parecem não ter nada a ver com a dimensão de “género”, áreas onde ela, se questiona o universalismo androcêntrico, também não pode colocar-se a si mesma como absoluta. Ela é então forçada a relativizar-se a si mesma para persistir em si mesma, ou seja, a crítica da dissociação-valor também vê as suas próprias limitações e também faz parte de toda a sua essência ter de dar lugar a “outros Outros” (crítica do racismo, do anti-semitismo, do anticiganismo, da homofobia/hostilidade aos transsexuais etc.), pois não quer ela mesma comportar-se como universalista. Contudo, ela não pode ignorar outros patriarcalismos no mundo, que entram em amálgama com a lógica patriarcal moderna (ver, por exemplo, a discussão sobre a violação, mesmo que erradamente conduzida, em relação à “Índia”). Neste contexto, é preciso em geral dar atenção à lógica própria dos diferentes domínios, esferas e planos na apreciação da análise, onde a crítica da dissociação-valor já sempre procede de uma totalidade fragmentada, mesmo sob a forma de identidades híbridas, sendo que esta lógica própria não pode no entanto permanecer simplesmente como tal, pelo contrário, tem de estar sempre simultaneamente relacionada com uma totalidade assim determinada. Questão que, contudo, não pode ser aqui aprofundada, já tendo sido parcialmente clarificada noutros lugares (por exemplo, Scholz, 2005, 2010) (14)
Notas
(1) Kurz no livro Das Weltkapital [O capital mundial] procura ter em conta o princípio da dissociação-valor como princípio social formal e provar que valor e dissociação são igualmente originais. Haveria aqui algumas correcções a fazer. Assim, ele ainda fala, por exemplo, de uma “microestrutura da lógica da dissociação-valor” (Kurz, 2005, p. 55). A dissociação-valor, porém, representa uma lógica que se sobrepõe às categorias internas da economia – sendo assim ela a verdadeira macroestrutura. Por isso a crítica da dissociação-valor sabe justamente da importância dos domínios de certo modo fora desta macroestrutura. No entanto, estes não podem nunca existir simplesmente por si mesmos, mas também não podem ser tratados macrodimensionalmente na lógica da identidade. Isto já implica sempre uma lógica de dissociação-valor em si quebrada. Como tal, a crítica da dissociação-valor é forçada a insistir absolutamente nesta macroestrutura, caso contrário a relação de género aterraria lá onde supostamente sempre pertence: no marginal, um estatuto em que nada tem a ver com a universalidade já desde sempre androcêntrica, mas continua a ser seu apêndice. Não posso aqui entrar em outros pontos de crítica. De notar no entanto também que muitos conhecimentos supostamente novos nas actuais concepções marxo-feministas de crítica da economia por causa das objecções da crítica da dissociação-valor já podem ser encontrados em Kurz. Em particular, ele tenta pensar em geral a “contradição em processo” juntamente com a dissociação-valor como princípio social fundamental – ver também o meu debate com as considerações de Kurz-Scherf neste ensaio.
(2) Com isso também estou em contradição com Elvira Scheich por mim absolutamente apreciada. Do facto de os descobridores e inventores individuais (masculinos) se terem tornado obsoletos no capitalismo reificado, conclui ela que a produção de conhecimento científico(-natural) se efectua agora de modo calculado e organizado, quase-neutro quanto ao género (ver Scheich, 1993, p. 185 e sg.) Pelo contrário, é de presumir que é a dissociação-valor como princípio social de base que até hoje produz esse aparência.
(3) Mesmo se a hoje muito aclamada Gabriele Winker no seu ensaio Soziale Reproduktion in der Krise – Care Revolution als Perspektive [Reprodução social na crise – a revolução do care como perspectiva] não faz qualquer referência explícita à teoria da regulação, a sua argumentação vai numa direcção semelhante (Winker, 2011)
(4) Do ponto de vista da crítica da dissociação-valor como tematizaçao da contradição básica esta constatação, no entanto, é tão banal que foi tratada até hoje apenas lateral e implicitamente. Em vez disso o decisivo é conceber a dissociação-valor como princípio social fundamental no sentido de contradição em processo. Quanto a isso a transição para o fordismo e depois para o pós-fordismo é apenas um subponto. Como tais, no entanto, elas são transformações históricas importantes – mas apenas com isso em mente. A DISSOCIAÇÃO-valor como princípio social formal não pode ser pensada externamente a isso, pelo contrário, ela como tal determina a forma e constitui a totalidade concreta, mesmo fora da determinação marxiana de produção e reprodução e das suas interpretações (feministas) pela teoria da regulação. Perante ESTE pano de fundo as mudanças históricas teriam de ser colocadas no contexto do “movimento em si” (Kurz, 2012).
(5) De resto também Mascha Madörin não faz jus a esta dimensão do colapso quando continua presa à contagem de horas para as actividades (profissionais) de care, mesmo tendo consciência de que a dimensão care não é absorvida no económico, tentando quantificá-la economicamente e em cálculo de tempo; a partir daqui procuram-se depois soluções imanentes. (Madörin, 2010)
(6) Isso não significa de modo nenhum que diferentes tipos de discriminação possam ser equiparados na lógica da identidade e explicados androcentricamente a partir de UM princípio, nomeadamente o princípio do trabalho, como também fazia a posição crítica do valor / do trabalho androcêntrica clássica; pelo contrário, a crítica da dissociação-valor na sua fragilidade não pode novamente proceder ela própria de modo androcêntrico-monista, fazendo-se passar por absoluto. Antes ela é forçada a relativizar-se, não só podendo, mas TENDO DE insistir em si mesma. Sobre isso não é possível avançar aqui mais (ver, por exemplo, Scholz, 2005, 2012)
(7) Aliás, também Kathie Weeks argumenta de modo semelhante a partir da muito aclamada perspectiva operaista (Weeks, 2011).
(8) Mais comum é o conceito de “individualismo metodológico” recentemente criticado por Robert Kurz no livro Dinheiro sem valor. Tanto lá como também em Young trata-se da crítica da hipostasiação dos planos micro e meso. Mas se Young pretende chegar à dimensão decisiva dos mercados financeiros e das suas estruturas e mecanismos, que não são suficientemente considerados nas análises feministas, para Kurz trata-se de destacar o “todo da relação fetichista do capital” no contexto dos recentes debates sobre o marxismo. “Se o capital é o verdadeiro pressuposto da forma da mercadoria, assim continua ainda a aplicar-se que o capital global ou o ‘processo global’ do capital tem de ser o verdadeiro pressuposto do capital individual e, com ele, também da mercadoria individual. Desta perspectiva, que assume um entendimento dialéctico da totalidade e já não segue o individualismo metodológico com o seu raciocínio modelar, a exposição de Marx no fundo apenas pode referir-se ao todo mediado em si mesmo da relação fetichista do capital. As categorias reais do capital que são objecto da exposição teórica de Marx devem, por isso, ser entendidas desde o início e em todos os planos da exposição como meras categorias do todo social, do capital global e do seu movimento global enquanto massa global que não pode ser abarcada de uma forma empírica imediata porque tanto em termos qualitativos como em termos quantitativos é algo diferente do movimento empírico dos capitais individuais. No entanto, este último é o único que se apresenta aos actores na prática, ao passo que o verdadeiro movimento do capital global real apenas pode ser registado de forma empírica com base nos seus efeitos sociais (sobretudo em tempos de crise).” (Kurz, 2012, p. 176 sg.) Kurz vê aqui a “contradição em processo” como núcleo desta relação que finalmente está ligada com a divergência entre matéria e forma (do valor) (cf. Kurz, 2012, p. 247 sg.) Contudo Young afasta-se deste ponto de vista para um plano superficial fenomenológico e a-histórico, com base em hipóteses não conceptuais da ciência política e da economia política que ela pretende gendrificar (ver abaixo).
(9) É notório que considerações FUNDAMENTAIS sobre o papel do Estado dificilmente ocorrem nas considerações feministas críticas da economia. Também no meu texto este momento essencial é referido apenas de passagem e por razões de redução de complexidade terá de ser tratado noutra ocasião.
(10) Também é problemática a utilização de alguns conceitos, tais como o conceito de “apropriação privada” (ver citação acima); faz lembrar a visão marxista tradicional que parte de uma dominação subjetiva da classe capitalista. Tanto quanto me é dado ver, no entanto, tal quadro de referência não determina a argumentação fundamental de Kurz-Scherf. Não posso aqui alargar-me sobre os seus conceitos de uso de outra forma difusos. Para mim do que se trata aqui é que ela parte basicamente da dinâmica interna do capitalismo e, portanto, dos “limites internos” que lhe estão associados. Neste sentido, ela tem um estatuto especial no discurso económico (e não apenas feminista).
(11) Kurz-Scherf constata aqui que a crítica do capitalismo não é per se de esquerda (monopólio da crítica do capitalismo de esquerda no FAZ [Frankfurter Allgemeine Zeitung, N. T.], crítica do capitalismo em associação com tendências racistas e excludentes etc.). Por isso a crítica social de esquerda hoje tem de deixar claro, tanto teórica como praticamente, o seu ímpeto de emancipação social, no qual a chamada questão da mulher é um teste decisivo. Aqui, a meu ver com razão, Kurz-Scherf não está segura sobre se o (pseudo-)feminismo que actualmente se pode encontrar representa um progresso ou apenas uma passagem para outras metamorfoses patriarcais (Kurz-Scherf, 2012, p. 90).
(12) Altvater parte, com Braudel, dum princípio do mercado e duma importância do dinheiro ontológicos até hoje, ou seja, ele foge da crítica radical do capitalismo, da dinâmica do mercado e do dinheiro. Para ele o capitalismo já é sempre eternizado em tais princípios e assim deve continuar ser numa perspectiva emancipatória. Neste contexto, também surpreende que Kurz-Scherf coloque a questão de saber se, entre outras, a economia artesanal tradicional, a economia do conhecimento e a do care podem ser simplesmente consideradas como “empresas capitalistas”, ou se são outra coisa (Kurz-Scherf, 2012, p.94; ver a crítica de tais perspectivas em relação a Altvater em Kurz, 2012, p. 377 sg.).
(13) Mesmo as abordagens relacionais cibernéticas e da teoria dos sistemas, que aparentemente podem ser úteis para uma crítica da “dissociação do feminino”, servem para a não-inscrição das relações hierárquicas de género, porque nessas teorias verdadeiramente nada mais pode ser dissociado. “A dissociação do feminino” permanece por assim dizer do lado de fora, ou tem caráter meramente secundário. Em face do “sistema” real, definido como ontologicamente neutro, ela pode no máximo existir como um ponto no interior do sistema, que deve ser posto em relação com outros pontos, sub-sistemas etc.; por outro lado, mesmo a partir de alguns lados feministas, é suposto que as mulheres já têm sempre “em cima delas” um pensamento relacional. A dimensão fundamental do próximo, do íntimo não é assim em princípio abandonada (como, por exemplo, em Kuiper, 2010); uma mulher está sempre incorporada em qualquer contexto e assim pode realmente esquecer-se de si; a dimensão e a crítica abrangentes da dissociação-valor permanecem, pois, a grande distância. Posições (feministas) da teoria dos sistemas/cibernéticas/relacionais de resto podem ser reconhecidas muitas vezes em esquemas altamente elaborados sobre como e que nem tudo está ligado a tudo, sem ver que essa complexidade tem um fundo essencial na dissociação-valor como princípio de socialização, princípio que, só ele, traz consigo ou permite que surja como tal essa complexidade, que agora deve ser exposta de modo cientificamente meticuloso.
(14) Com isto questiona-se mesmo se os limites da dialéctica, e até da dialéctica negativa de Adorno, terão de ser ultrapassados com a teoria da dissociação-valor. No entanto, este não é um problema da teoria do conhecimento, mas um problema de suplantação da práxis social, razão pela qual tais formas de intermediação, no sentido de reconhecer que a teoria do conhecimento tem de ser sempre baseada na teoria social, não podem ser ignoradas. Isto já se aplicava mesmo a um discurso (crítico do valor) marxista clássico que se movia de modo reducionista no universalismo androcêntrico (ver Postone, 2003). Mais ainda a uma posição crítica da dissociação-valor. Sobre isso não posso aqui aprofundar mais (ver Scholz, 2012).
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Original FEMINISMUS – KAPITALISMUS – ÖKONOMIE – KRISE. Wert-Abspaltungs-kritische Einwände gegenüber einigen Ansätzen feministischer Ökonomiekritik heute em www.exit-online.org. Publicado na revista EXIT! Krise und Kritik der Warengesellschaft, 11 (7/2013) [EXIT! Crise e Crítica da Sociedade da Mercadoria, nº 11 (7/2013)], ISBN 978-3-89502-370-5, 224 p., 13 Euro, Editora: Horlemann Verlag, Gneisenaustr. 85, 10961 Berlin, Deutschland, Tel ++49 (030) 84 71 18 14, Fax ++49 (030) 84 71 18 11, E-mail: info@horlemann-verlag.de, http://www.horlemann.info/. Tradução de Boaventura Antunes (10/2013)