Em memória de
1943-2012
Robert Kurz faleceu em 18 de Julho de 2012 com 68 anos de idade. Tudo indica que a influência da obra da sua vida vai continuar muito para lá da sua morte. Tanto os escritos por ele deixados (em anexo uma lista dos seus textos mais importantes) como a influência directa que Robert Kurz teve sobre as pessoas que o conheceram, bem evidente em muitos dos necrológios. Influência que resultava essencialmente duma relação com os seus conhecimentos e convicções insusceptível de ser corrompida ou instrumentalizada, como constata Daniel Späth:
“Desde que o conheci nunca o vi jogar a sua destacada posição teórica a favor de interesses tácticos de poder ou considerar a crítica como local de realização de sensibilidades pessoais; a arrogância e a fixação no ego eram-lhe profundamente estranhas. Que essa acusação seja levantada de vez em quando contra ele por alguns companheiros e companheiras de viagem deverá, nessa medida, ser atribuído ao desejo de deslocar para o plano pessoal diferenças objectivas de conteúdo e suas formas de decisão necessariamente veementes. Pois por muito polémicos que os seus textos e livros fossem, emanava do seu espírito refinado e da sua inexorabilidade convincente uma disputa pelo conteúdo e pela sua transformação em crítica radical, mas não a necessidade de autopromoção numa mera denúncia. Por muitos que tenham sido os violentos confrontos, por vezes desagradáveis com pena sua, que Robert Kurz conduziu e teve de conduzir na e com a esquerda, ele nunca perdeu a esperança de que esta se livrasse de vez dos seus restos burgueses, para finalmente realizar o projecto de uma ‘antimodernidade emancipatória’”.
Foi a unidade entre a pessoa e a obra e, de par com ela, a ausência da busca de poder e de vaidade pessoal que proporcionaram o impacto de Robert no seu campo de acção e nos projectos em que participou, mas também lhe granjearam inimizades, como constatou Heribert Böttcher no seu elogio fúnebre:
“O desafio do sofrimento humano não tornou Robert moralista, mas deu-lhe que pensar. Levou-o a uma análise que lhe permitiu reconhecer o que constitui o mal da situação na história do capitalismo: a valorização do valor como fim em si mesmo irracional, e – como ele assumiu do pensamento de Roswitha – a dissociação das actividades que servem para a reprodução da vida. Valor e dissociação constituem a dominação abstracta de um sujeito automático que condena as pessoas à impotência e à apatia. É importante distinguir entre o que é entendido categorialmente como essência do capitalismo no contexto formal de valor e dissociação, de trabalho abstracto, Estado, sujeito, etc., e o que pode ser descrito como suas manifestações. As alterações no plano das manifestações não atingem o contexto formal nem, portanto, a dominação abstracta. Com o reconhecimento desta, no entanto, ficam bloqueadas as vias da facilidade e do alívio. Fica bloqueada a fuga para a imediatidade tão estafada como simplista do activismo político ou para a orientação de campanhas nos movimentos sociais. Não faz sentido invocar o trabalho bom contra o trabalho alienado, o Estado contra o mercado, o sujeito contra o objecto. Um pólo não é a solução para o outro, mas parte do problema a ser resolvido.
Responder de forma moralista e activista ao desafio do sofrimento das pessoas no capitalismo parecerá concreto. Na verdade, essa resposta é abstracta num mau sentido, pois abstrai da mediação objectiva que faz sofrer as pessoas na sua pele. Insistir na mediação objectiva do sofrimento dos seres humanos no capitalismo e, portanto, na indispensabilidade da teoria é tão lúcido que pode levar a qualificar a pessoa como Lúcifer. O portador da luz é transformado em Satanás. Quem traz a luz do conhecimento a um sistema de funcionamento cego sofre rejeição, difamação e hostilidade por parte daqueles que se agarram à pretensa segurança de categorias e estratégias de acção familiares, não conseguindo assim abandonar nem mesmo as ideias ilusórias e irracionais de superação do capitalismo dentro do capitalismo.
Não é por acaso que o pensamento de Robert também foi sempre acompanhado de ignorância e hostilidade, de sarcasmo e zombaria, bem como de acusações de afastamento da prática e de falta de comunicação. No entanto, Robert insistiu em procurar a verdade do que precisava de ser reconhecido. Ele resistiu – para usar as palavras de Adorno – "à compulsão quase universal de confundir a comunicação do conhecido com o conhecido e, eventualmente, dar mais importância à comunicação do que ao conhecido". Ele insistiu em que: "o critério da verdade não é sua comunicabilidade imediata a todos."
Resistir às inimizades e permanecer firme perante as hostilidades é sobretudo possível a pessoas no seu íntimo orientadas de maneira contemplativa – a contemplação entendida como tentativa persistente e resistente de ir até ao fundamento das relações, como expressão de vontade indomável de conhecimento teórico, ou seja, de conhecimento que tenha em vista a totalidade. Isto não é feito por amor de ganho de conhecimento privado, mas para levar o conhecimento aos outros ou, na linguagem do misticismo, contemplata aliis tradere, para levar aos outros o que foi contemplado. No interesse do conhecimento e da humanidade resta esperar que os conhecimentos que Robert nos deixou a nós e ao público possam ser apreendidos e desenvolvidos e obtenham o reconhecimento que a ele lhe foi negado muitas vezes em vida. Esperemos que ainda haja tempo de o pensamento de Robert se tornar frutífero, para pôr fim ao que ele descreveu como uma catástrofe que se está a tornar realidade.”
A obra teórica de Robert desde o início definiu a exigência de reconhecimento da teoria como momento autónomo e constitutivo da emancipação social. Assim se diz em 1988 no Manifesto Auf der Suche nach dem verlorenen sozialistischen Ziel [Em Busca do Objectivo Socialista Perdido]:
“Mas no papel dessas enchentes de produção teórica nunca foi tocada a sua própria melodia às formas de socialização capitalista desenvolvidas até à reconhecibilidade, de modo a trazê-las à baila. A teoria na realidade nunca obteve o seu direito, porque nunca foi reconhecida como um momento com peso próprio no movimento de emancipação social. A esquerda, perante as circunstâncias existentes, tocou apenas as várias melodias dos seus próprios sonhos, declarações de intenção e prestidigitações políticas na teoria degradada em mero INSTRUMENTO. A ciência revolucionária perdeu o seu orgulho e a sua garra, pois foi sistematicamente rebaixada pela esquerda no seu conjunto a gata borralheira de premissas políticas e formas sociais de vida a-científicas e pré-científicas que ela tinha de servir como criada da legitimação. Como não passava de um meio para objectivos sociais políticos, que permaneciam eles próprios fora do alcance da reflexão crítica, a teoria revolucionária tinha de perecer. O entendimento da teoria da esquerda, apesar de todas as declarações de intenção socialistas e comunistas, manteve-se, em última análise, um entendimento burguês, positivista. Os próprios objectivos políticos subjectivos já eram sempre pressupostos à teoria, em vez de deduzidos dela. Este desdentamento metodológico no entendimento da teoria e a falsa imediatidade da vontade política já traziam assim o signo da imanência burguesa, mesmo enquanto a esquerda ainda não se tinha revelado na sua mais recente cidadania de preto-vermelho-amarelo.”
A questão da relação entre teoria e práxis revelou-se, no desenvolvimento do projecto de crítica da dissociação e do valor, como fonte principal e chama permanente de mal-entendidos e inimizades, até mesmo nos obituários, em que Robert Kurz é acusado de “afastamento da práxis” e de "se fechar numa torre de marfim teórica cada vez mais alta". O texto Grau ist des Lebens Goldner Baum und Grun die Theorie [Cinzenta é a Árvore Dourada da Vida e Verde é a Teoria] confronta-se com tais acusações. Aí se diz a concluir:
“Uma verdadeira autopresunção da reflexão teórica seria a pretensão de ainda querer “derivar” a suplantação do capitalismo, pois isso significaria mesmo uma recaída na objectivação da teoria da estrutura; todo o “derivável” permanece per se preso ao campo da imanência capitalista. Inversamente, o mesmo vale para uma intencionalidade “existencial” com base na teoria da acção e indiferente à objectivação real fetichista. Pelo contrário, a intencionalidade de transcendência tem de enfrentar precisamente a falsa objectivação dominante; e isso só é possível na medida em que a reflexão teórica, enquanto tal, é firmemente praticada de modo continuado, até para além de si mesma. Para isso é preciso uma distância consciente da teoria crítica em relação a toda a práxis encontrada.
A pretensão ilusória de esbater essa distância vem de duas direcções. Por um lado, vem dos “activistas” da própria práxis, que se indagam insatisfeitos acerca do “valor alimentar” da teoria para os seus actos e feitos aparentemente auto-evidentes. Neste caso, muitas vezes não se trata de portadores directos da resistência social nas frentes de crise da socialização negativa, mas sim de poli-activistas, “círculos” etc. de esquerda, que normalmente se encontram, eles próprios, muito mais numa relação externa em relação às lutas sociais, ou que apenas as simulam. Falham na sua possível actividade de mediação, ao agirem simplesmente como aqueles organizer de que falava Adorno. Mas, por outro lado, a falsa pretensão de práxis também vem da própria elaboração teórica, quando os seus portadores não mantêm a devida distância e anseiam por uma fusão com formas de práxis existentes que facilmente são mistificadas. Em ambos os casos, a teoria crítica torna-se verdadeiramente supérflua, ou é transformada num mero “sermão dominical”, como uma espécie de literatura edificante para a operação de um activismo que, no fundo, também sem ela se difundiria, com a sua acção por si só legitimada, e que quer ficar à vontade na sua tacanhez. A crítica teórica até pode ser hostilizada a partir de tais estados de consciência; como dizia Marx no prefácio à 1ª edição de O Capital, também para ela tem de valer o “lema do grande florentino”: Segui il tuo corso, e lascia dir le genti!”
Em todos os projectos em que Robert Kurz participou com os seus escritos promoveu sempre o desenvolvimento da teoria – aqui em grande parte pressuposto conhecido – para lá do estado da discussão de então. É o caso também do seu último livro, Geld ohne Wert [Dinheiro sem Valor], concluído pouco antes e publicado pouco depois da sua morte. As inovações aí incluídas já são reclamadas no sub-título Linhas Gerais para a Transformação da Crítica da Economia Política. Robert deixou-nos aqui um legado cuja assimilação nos vai ocupar ainda por muito tempo.
Ao longo de todo o livro Robert Kurz confronta-se com a “Nova Leitura de Marx” (M. Heinrich, entre outros) e com a “Ortodoxia recente” (W. F. Haug, entre outros), às quais ele atesta por igual um “mais ou menos claro afastamento de Marx”. Na introdução do livro diz-se a propósito:
“No confronto com estas decidir-se-á se terá lugar uma transformação da teoria de Marx no sentido de se fazer avançar a revolução teórica ou mais um revisionismo de nova qualidade. No centro deste processo encontram-se necessariamente as categorias fundamentais da crítica da economia política e o seu estatuto. Trata-se de pelo menos cinco complexos de questões que têm de ser tratados e clarificados a este respeito, sendo que o presente ensaio não pode senão delimitar preliminarmente o terreno para dar uma resenha das linhas mestras do conflito teórico inevitável.
O primeiro complexo diz respeito à questão de saber em que medida as categorias de Marx não representam categorias meramente teóricas ou um “modelo” meramente hipotético, mas são categorias reais ou, de acordo com Marx, “formas objectivas de existência”, às quais correspondem “formas objectivas de pensamento”. Neste último entendimento, porém, a diferença entre a relação histórica real e a sua reflexão teórica mesmo assim ainda não se encontra de todo nivelada. Acontece que na teoria o estatuto das categorias tem de ser outro que na realidade. Daí resulta o célebre “problema da exposição” no desenvolvimento sequencial da teoria de Marx, que até foi trazido à baila pela nova leitura de Marx, mas que de modo algum ficou resolvido adequadamente.
O segundo complexo refere-se à historicidade das categorias num sentido duplo. Por um lado está em causa o seu estatuto na história pré-moderna ou pré-capitalista. Será que devem ser entendidas como transversais às formações ou mesmo trans-históricas, ao menos para as culturas ditas superiores aproximadamente desde a revolução neolítica, ou aplicam-se em sentido rigoroso apenas ao capitalismo? Em que consiste afinal a diferença, e como pode a constituição histórica primordial do capital ser traduzida em categorias? Por outro lado tem de ser determinado o estatuto das categorias no seio da história interna do capitalismo. Trata-se de formas de existência em si dinâmicas que apenas podem figurar como sempre iguais na abstracção teórica, ou são em si estáticas, de modo que se lhes defronta uma história de acontecimentos exterior e meramente empírica? Da resposta a esta questão depende não só sabermos se uma exposição definitiva do “capital em geral” é de todo possível, mas também se existe um limite histórico interno da valorização do capital (teoria da crise).
O terceiro complexo ocupa-se da relação entre as categorias e a totalidade capitalista ou “processo global” (Marx) do capital que só é tratado no terceiro volume da obra principal de Marx. Aqui a questão do estatuto das categorias refere-se à relação entre a particularidade e a generalidade social. Será que as categorias da crítica da economia política podem ser conceptualmente representadas na mercadoria particular e no capital individual, ou trata-se à partida de categorias da totalidade que, enquanto tais, apenas se aplicam ao todo e têm de parecer erradas da perspectiva dos sujeitos económicos individuais e da sua actuação? Isso também significaria que o conceito de Marx do “valor individual” está errado e é devido apenas ao seu “problema da exposição”, em que implicitamente e sem querer se manifesta o “individualismo metodológico” das ciências sociais burguesas, obstruindo a prossecução da revolução teórica.
O quarto complexo afere o estatuto das categorias na relação entre essência e aparência. Será que no caso das categorias da crítica da economia política se trata de determinações da essência de um “apriorismo transcendental” que não podem manifestar-se enquanto tais de forma imediata, mas que ainda assim constituem a realidade social, ou podem os fenómenos capitalistas ser compreendidos nas categorias de forma directa e existir de forma independente? Como categorias reais transcendentais não podem ser empíricos, e se forem entendidos como empíricos não necessitam de uma definição transcendental. No primeiro entendimento, a teoria e o conhecimento empírico não podem fundir-se uma no outro e os fenómenos têm antes de mais de ser decifrados; no segundo, a essência e a aparência, e com elas também a teoria e o conhecimento empírico, coincidem de forma imediata, ou as próprias categorias são imediatamente empíricas. Nesse caso já apenas existem, a bem dizer, fenómenos, por um lado, e a sua observação “científica”, por outro.
O quinto complexo constitui de certo modo a conclusio do entendimento categorial total. O estatuto das categorias da crítica da economia política será positivo ou negativo? “Positivo” deve aqui ser entendido no sentido de uma objectividade exterior neutra com que um sujeito do conhecimento se defronta. É esta a constelação fundamental do mundo da ciência que exclui o conceito de crítica e, com ele, a bem dizer, também o subtítulo de O Capital de Marx. A crítica nesse caso tem de ser substituída por uma ética igualmente exterior. As categorias não são, desta perspectiva, apenas meros modelos do pensamento (como se insinuou no primeiro complexo), mas estão também relacionadas com uma objectividade inquestionável cujas “leis” apenas devem ser identificadas e tratadas de forma instrumental. Se, pelo contrário, o estatuto das categorias for negativo, também o seu conhecimento apenas pode ser negativo, ou seja, processar-se apenas no modus da crítica ao próprio objecto que deve ser destruído e cujas “leis” têm de ser abolidas.
Desta breve resenha já se depreende que a prossecução da revolução teórica de Marx será, em termos epistémicos, fundamentalmente crítica da ciência e terá de acabar com qualquer entendimento positivista do capital que ainda foi característico da totalidade do marxismo do movimento operário (tanto da ortodoxia como do revisionismo) e renasceu alegremente das cinzas sob uma forma pós-modernamente reformulada. Um momento essencial nesta abolição do pensamento positivista é constituído pela crítica radical do “individualismo metodológico”, não só como referido acima no terceiro complexo, mas como momento abrangente de todos os aspectos de uma nova interpretação da crítica da economia política.”
O programa assim formulado é realizado em Dinheiro sem Valor na realidade e no conceito de dinheiro. Já havia dinheiro muito antes do capitalismo, o que leva a que as categorias capitalistas que hoje se manifestam no dinheiro (trabalho abstracto, valor, forma de mercadoria) sejam apressadamente pensadas como trans-históricas, como se “já sempre” tivessem existido. É um erro, pois o dinheiro desempenhava nas relações pré-capitalistas, como “objectividade sacrificial simbólica”, um papel completamente diferente, não era dinheiro no sentido actual, não representava qualquer valor. Mesmo no desenvolvimento da sociedade burguesa, desde os primórdios da idade moderna até ao capitalismo industrial desenvolvido, a função social do dinheiro sofreu metamorfoses. Também daqui decorre claramente, mais uma vez, que o capitalismo tem uma história interna e não é a repetição do sempre igual. Dinheiro sem Valor tem portanto uma importância dupla: descreve não só o passado, mas também o desenvolvimento futuro da autodesvalorização do valor e da “crise histórica do dinheiro” que aí se manifesta.
O livro conclui com as tenebrosas perspectivas que se manifestam de um “regresso do arcaico”, virando-se contra a “regressão” predominante “para o terreno do fetiche do capital que já não é capaz de se reproduzir”:
“Quem ainda diz que o fetiche do capital e a sua "razão" imanente terá sido um passo positivo na história da humanidade (é o caso dos idealistas da troca, como idiotas históricos da ideologia do Iluminismo) deve ser designado nas condições do século XXI como maníaco pós-religioso, que não fica nada atrás dos maníacos pseudo-religiosos desta época. Essa razão é por natureza destruída na sua própria consequência histórica. Aquele estado de emergência da moderna relação sacrificial paradoxal que no passado surgia periodicamente já se tornou o estado normal para a maioria na sociedade mundial do início do século XXI e avança passo a passo nos centros capitalistas. Até bem dentro da esquerda faz-se notar uma identificação irracional e em pânico com a relação sacrificial fundamental, porque as pessoas foram instruídas mesmo intelectualmente nas categorias dessa relação e reprimiram o "outro" Marx da crítica radical do sistema de "riqueza abstrata".
A fuga para a co-gestão da crise só pode levar à cumplicidade com o sacrifício humano, consumado objectivamente e finalmente com plena consciência; não mais como sacrifício de energia laboral abstractificada até o material humano sugado cair morto, mas sim, depois de esta compulsão se tornar objectivamente obsoleta, já apenas como “eutanásia” para as massas dos não utilizáveis em termos capitalistas, a qual tem de assumir traços anómicos. Depois de o dinheiro ter sido transformado de vítima simbólica em objectividade geral do valor no sistema de "trabalho abstracto", agora o "dinheiro sem valor" pode regressar a relações quase arcaicas nesta base desvalorizada, dessubstancializada, que no entanto já não estão submetidas a qualquer ritual limitado, mas acabam numa matança e numa descivilização sem rumo. Se as metamorfoses do dinheiro na passagem do sacrifício humano para o objecto simbólico de substituição constituíram um processo parcial de civilização na base não suplantada das relações de fetiche, o fetiche do capital desencadeou um movimento sacrificial reificado que tem como resultado a regressão de todos os elementos civilizatórios da história humana anterior. Os sanguinários sacerdotes astecas eram inofensivos e amigáveis em comparação com os burocratas do sacrifício ao fetiche do capital global no seu limite interno histórico.”
O que aqui é apresentado, obviamente, não são as consequências do processo de uma lei natural, como Robert Kurz não se cansou de chamar a atenção: o fetiche do capital é feito pelos seres humanos e também pode ser por eles eliminado. A barbárie não é inevitável.
Claus Peter Ortlieb
Escritos teóricos mais importantes de Robert Kurz
Der Kollaps der Modernisierung. Vom Zusammenbruch des Kasernensozialismus zur Krise der Weltökonomie, Frankfurt a. M. 1991 [O colapso da modernização. Da derrocada do socialismo de caserna à crise da economia mundial, São Paulo, Ed. Paz e Terra, 5ª edição, 1996]
Honeckers Rache: Zur politischen Okonomie des wiedervereinigten Deutschlands, Berlin1991
Potemkins Ruckkehr: Attrappen-Kapitalismus und Verteilungskrieg in Deutschland, Berlin 1993 [O Retorno de Potemkin. Capitalismo de fachada e conflito distributivo na Alemanha, São Paulo, Ed. Paz e Terra, 1993]
Die Welt als Wille und Design. Postmoderne, Lifestyle-Linke und die Ästhetisierung der Krise [O Mundo como Vontade e Design. Pós-modernidade, esquerda chique e estetização da crise], Berlin 1999
Schwarzbuch Kapitalismus. Ein Abgesang auf die Marktwirtschaft [O Livro Negro do Capitalismo. Um canto de despedida da economia de mercado], Frankfurt a. M. 1999, Segunda edição ampliada 2009
Marx lessen. Die wichtigsten Texte von Karl Marx für das 21. Jahrhundert [Ler Marx.Os textos mais importantes de Marx para o século XXI], Frankfurt a. M. 2000
Weltordnungskrieg. Das Ende der Souveränität und die Wandlungen des Imperialismus im Zeitalter der Globalisierung [A Guerra de Ordenamento Mundial. O Fim da Soberania e as Metamorfoses do Imperialismo na Era da Globalização], Bad Honnef 2003
Die Antideutsche Ideologie. Vom Antifaschismus zum Krisenimperialismus: Kritik des neuesten linksdeutschen Sektenwesens in seinen theoretischen Propheten [A Ideologia Anti-Alemã. Do antifascismo ao imperialismo de crise: crítica da novíssima essência sectária alemã de esquerda nos seus profetas teóricos], Münster 2003
Das Weltkapital. Globalisierung und innere Schranken des modernen warenproduzierenden Systems [O Capital Mundial. Globalização e Limites Internos do Moderno Sistema Produtor de Mercadorias], Berlin 2005
Geld ohne Wert. Grundrisse zu einer Transformation der Kritik der politischen Ökonomie, Berlin 2012 [Dinheiro sem Valor. Linhas gerais para a transformação da crítica da economia política, Lisboa, Ed. Antígona: publicação anunciada para 06/2013]
Der Letzte macht das Licht aus. Zur Krise von Demokratie und Marktwirtschaft [O Ultimo Apaga a Luz. Sobre a crise da democracia e a economia de mercado], Berlin 1993
Blutige Vernunft. Essays zur emanzipatorischen Kritik der kapitalistischen Moderne und ihrer westlichen Werte [Razão Sangrenta. Ensaios sobre a crítica emancipatória da modernidade capitalista e seus valores ocidentais], Bad Honnef 2004
Der Alptraum der Freiheit. Perspektiven radikaler Gesellschaftskritik. Essays, Kritiken, Polemiken [O Pesadelo da Liberdade. Perspectivas da Crítica Radical. Ensaios, Críticas, Polémicas], Ulm 2005 (juntamente com Roswitha Scholz und Jörg Ulrich)
Artigos de revista de maior dimensão
Die Krise des Tauschwerts. Produktivkraft Wissenschaft, produktive Arbeit und kapitalistische Reproduktion [A Crise do Valor de Troca. Ciência força produtiva, trabalho produtivo e reprodução capitalista], Marxistische Kritik 1, 1986
Abstrakte Arbeit und Sozialismus. Zur Marx'schen Werttheorie und ihrer Geschichte [Trabalho Abstracto e Socialismo. Sobre a teoria do valor de Marx e a sua história], Marxistische Kritik 4, 1987
Auf der Suche nach dem verlorenen sozialistischen Ziel. Manifest für die Erneuerung revolutionärer Theorie [Em Busca do Objectivo Socialista Perdido. Manifesto pela renovação da teoria revolucionária], Initiative Marxistische Kritik, IMK (Hrsg.), 1988
Alles im Griff auf dem sinkenden Schiff. Überakkumulation, Verschuldungskrise und "Politik" [Tudo sob Controle no Navio que se Afunda. Sobreacumulação, Crise de Endividamento e “Política”], Marxistische Kritik 6, 1989
Deutschland einig Irrtum. Die Wiedervereinigungsfalle und die Krise des warenproduzierenden Weltsystems [Alemanha, Equívoco Unido. A armadilha da reunificação e a crise do sistema mundial produtor de mercadorias], Krisis 8/9, 1990
Die verlorene Ehre der Arbeit. Produzentensozialismus als logische Unmöglichkeit [A Honra Perdida do Trabalho. O socialismo dos produtores como impossibilidade lógica], Krisis 10, 1991
Geschichtsverlust. Der Golfkrieg und der Verfall marxistischen Denkens [A Perda da História. A guerra do golfo e o declínio do pensamento marxista], Krisis 11, 1991
Geschlechterfetischismus. Anmerkung zur Logik von Weiblichkeit und Männlichkeit [Fetichismo Sexual. Nota sobre a lógica de feminilidade e masculinidade], Krisis 12, 1992
Subjektlose Herrschaft. Zur Aufhebung einer verkürzten Gesellschaftskritik [Dominação sem Sujeito. Sobre a Superação de uma Crítica Social Redutora], Krisis 13, 1993
Das Ende der Politik. Thesen zur Krise des warenförmischen Regulationssystems [O Fim da Política. Teses sobre a crise do sistema de regulação da forma da mercadoria], Krisis 14, 1994
Der Zusammenbruch des Realismus. Anmerkungen zum Verfall der ehemaligen linken Opposition [O fracasso do realismo. Notas sobre a decadência da antiga oposição de esquerda], Krisis 14, 1994
Postmarxismus und Arbeitsfetisch. Zum historischen Widerspruch in der Marxschen Theorie [O Pós-Marxismo e o Fetiche do Trabalho. Sobre a contradição histórica na teoria de Marx], Krisis 15, 1995
Die Himmelfahrt des Geldes. Strukturelle Schranken der Kapitalverwertung, Kasinokapitalismus und globale Finanzkrise [A Ascensão do Dinheiro dos Céus. Os limites estruturais da valorização do capital, o capitalismo de casino e a crise financeira global], Krisis. 16/17, 1995
Die letzten Gefechte. Ein Essay über den Pariser Mai, den Pariser Dezember und das Bündnis für Arbeit [Os Últimos Combates. O Maio parisiense de 1968, o Dezembro parisiense de 1995 e o recente acordo trabalhista alemão], Krisis 18, 1996
Antiökonomie und Antipolitik. Zur Reformulierung der sozialen Emanzipation nach dem Ende des 'Marxismus' [Antieconomia e Antipolítica. Sobre a reformulação da emancipação social após o fim do "marxismo”], Krisis 19, 1997
Weinkenner aller Länder, vereinigt Euch! Postmodernismus, Lifestyle-Linke und die Ästhetisierung der Krise [Enólogos de Todos os Países, Uni-Vos! O pós-modernismo, a esquerda chique e a estetização da crise], Krisis 20, 1998
Blutige Vernunft. 20 Thesen gegen die sogenannte Aufklärung und die westlichen Werte [Razão Sangrenta. 20 Teses contra o chamado Iluminismo e os "Valores Ocidentais"], Krisis 25, 2002
Negative Ontologie. Die Dunkelmänner der Aufklärung und die Geschichtsmetaphysik der Moderne [Ontologia Negativa. Os obscurantistas do Iluminismo e a metafísica histórica da Modernidade], Krisis 26, 2003
Tabula Rasa. Wie weit soll, muss oder darf die Kritik der Aufklärung gehen? [Tabula Rasa. Até onde é desejável, obrigatório ou lícito que vá a crítica ao Iluminismo?], Krisis 27, 2003
Die Substanz des Kapitals. Abstrakte Arbeit als gesellschaftliche Realmetaphysik und die absolute innere Schranke der Verwertung. Erster Teil [A Substância do Capital. O trabalho abstracto como metafísica real social e o limite interno absoluto da valorização. Primeira parte], Exit! 1, 2004
Die Substanz des Kapitals. Abstrakte Arbeit als gesellschaftliche Realmetaphysik und die absolute innere Schranke der Verwertung. Zweiter Teil [A Substância do Capital. O trabalho abstracto como metafísica real social e o limite interno absoluto da valorização. Segunda parte], Exit! 2, 2005
Grau ist des Lebens goldner Baum und grün die Theorie. Das Praxis-Problem als Evergreen verkürzter Gesellschaftskritik und die Geschichte der Linken [Cinzenta é a Árvore Dourada da Vida e Verde é a Teoria.
O problema da práxis como evergreen de uma crítica truncada do capitalismo e a história das esquerdas], Exit! 4, 2007
Der Unwert des Unwissens. Verkürzte „Wertkritik“ als Legitimationsideologie eines digitalen Neo-Kleinbürgertums [O Desvalor do Desconhecimento. “Crítica do valor” truncada como ideologia de legitimação de uma nova pequena-burguesia digital], Exit! 5, 2008
Die Kindermörder von Gaza. Eine Operation „Gegossenes Blei“ für die empfindsamen Herzen [Os Assassinos de Crianças de Gaza. Uma operação “chumbo derretido” para corações sensíveis], Exit! 6, 2009
Es rettet euch kein Leviathan - Thesen zu einer kritischen Staatstheorie. Erster Teil [Não há Leviatã que vos salve. Teses para uma teoria crítica do Estado. Primeira parte], Exit! 7, 2010
Es rettet euch kein Leviathan - Thesen zu einer kritischen Staatstheorie. Zweiter Teil [Não há Leviatã que vos salve. Teses para uma teoria crítica do Estado. Segunda parte], Exit! 8, 2011
Kulturindustrie im 21. Jahrhundert. Zur Aktualität des Konzepts von Adorno und Horkheimer [A Indústria Cultural no Século XXI. Sobre a actualidade da concepção de Adorno e Horkheimer – tradução em curso], Exit! 9, 2012
Original Zur Erinnerung an Robert Kurz (1943-2012) in revista EXIT! Krise und Kritik der Warengesellschaft, 10 (11/2012) [EXIT! Crise e Crítica da Sociedade da Mercadoria, nº 10 (11/2012)], ISBN 978-3-89502-346-0, 272 p., 13 Euro, Editora: Horlemann Verlag, Heynstr. 28, 13187 Berlin, Deutschland, Tel +49-(0)30 49 30 76 39, E-mail: info@horlemann-verlag.de, http:// www.horlemann.info. Tradução de Boaventura Antunes (02/2012).