Roswitha
Scholz
FORMA
SOCIAL E TOTALIDADE CONCRETA
Na urgência
de um realismo dialéctico hoje
Totalidade concreta em Georg Lukács * Totalidade concreta em Theodor W. Adorno * Totalidade concreta em Moishe Postone * Totalidade concreta e crítica da dissociação e do valor * Crítica do fetiche e da reificação como falsa imediatidade em John Holloway * Imediatidade antidialéctica em Hardt/Negri e em Badiou * O falso retorno da dialéctica após o seu suposto fim * Conclusão: alegações finais por um realismo dialéctico, hoje, para lá dos esquematismos tradicionais
Uma objecção
central da crítica do valor às posições do marxismo tradicional diz que
estas recorriam ahistoricamente a hipóteses sociologicamente truncadas, mais
precisamente a hipóteses da sociologia das classes; ao que se contrapunha,
desde logo, a fundação social com base na relação de valor. Os planos
estruturais mais concretos e a empiria eram muitas vezes explicados
dedutivamente a partir desta relação e considerados como momentos secundários
da análise. Por isso, inversamente, as posições da crítica da dissociação
(e do valor) não raras vezes foram acusadas de se moverem em campos altamente
abstractos, quase ignorando os factos empíricos concretos.
Penso que,
entretanto, já é mais que tempo de se tomar em consideração novamente, ou
pela primeira vez, a forma social fundamental; considerando-a, contudo, no seu
desenvolvimento enquanto totalidade
concreta e na dinâmica histórica que lhe está associada, ou seja, na
mediação com análises concretas. Consideração que se torna necessária, não
em último lugar, com o surgir de novas desigualdades sociais e com a ruína
iminente das classes médias, na decadência avançada do capitalismo. No
contexto da EXIT!, ao contrário da crítica do valor dedutiva abstracta, há
muito se fez jus a esta tarefa (ver, por exemplo, Grimm 2006, Mielenz 2008,
Rentschler 2004, 2005, Scholz 2007, 2008). Contudo, certos críticos
social-democratas de esquerda e politólogos académicos (ver Briken, entre
outros, 2009), tal como outros críticos da esquerda radical (ver, por ex.,
Hanloser/Reiter 2008) pretendem não perceber esta abrangência dos planos
concretos da análise e continuam a exigi-la. Algumas formulações da velha crítica
do valor, há muito ultrapassada pela crítica mais desenvolvida da dissociação
e do valor, são assim tomadas como critério e objecto da discussão.
Se a relação
com a totalidade concreta e o recurso ao plano sociológico constituem partes
integrantes da elaboração teórica com que aqui se argumenta, não se trata de
um modo de proceder ele próprio meramente sociologista, como diz a acusação
contrária também surgida ocasionalmente. Pois os contextos sociológicos são
aqui sempre pensados juntamente com a forma social. Esta última não se
dissolve na sociologia, para aí ser depois simplesmente menorizada e ficar
vegetando como simples acidente. Neste contexto, também se omite a hipótese de
que a categoria da classe não poderia em princípio ser imaginada fora da forma
social fundamental do valor, ainda que hoje não seja possível provar essa hipótese
empiricamente sem mais. Era precisamente a oposição das classes que constituía
a charneira com a totalidade concreta no marxismo tradicional. A sua existência
requer evidência empírica e precisa da correspondente prova. É uma abstracção
equivocada tomá-la como a inevitável forma social fundamental (ver Ellmers,
2007). Se a realidade social muda, também a própria teoria – na melhor tradição
da Escola de Frankfurt – tem de mudar, ou seja, a “classe” está hoje
obsoleta e estão à vista outras disparidades sociais, que têm de ser
referidas historicamente à forma fundamental, ela própria em mudança. Assim,
a teoria abrangente também nunca se pode simplesmente render à totalidade
social estabelecida.
A crítica
abstracta do valor dos anos de 1980 e 1990 sem dúvida já foi capaz, como
nenhuma outra posição, de diagnosticar (não profetizar!) lucidamente os
desenvolvimentos futuros no plano estritamente económico, como acabou por se
tornar evidente no crash financeiro
global (cf., por ex., Kurz 1991, 1995, 2005). Hoje todos os possíveis
cientistas económicos e activistas do movimento de esquerda querem arvorar na
lapela injustificadamente esse mérito, sobretudo no círculo da ATTAC.
Precisamente onde ainda não há muito tempo a teoria da crise da crítica do
valor, que falava do Colapso da Modernização,
era tida como duvidosa e apocalíptica. E ainda hoje esse prognóstico é
omitido, não por acaso precisamente entre aqueles que dele supostamente sempre
souberam. Simultaneamente, apesar da crise qualitativamente nova, continua a
afirmar-se “cientificamente” e com diferentes contas que o capitalismo poderá
continuar para sempre. “Todas as crises passam” é o lugar-comum da esquerda
e dos académicos de esquerda. E, se assim não for, tanto pior para a
realidade. Requintadamente, mas pela certa (!), o mundo desmoronar-se-á,
incluindo a forma académica do positivismo científico, mas sempre com o alvo
guardanapo de tecido em seu aro dourado, colocado meticulosamente ao lado do
prato. Por conseguinte, não há como evitar que elementos da crítica radical
da dissociação e do valor sejam aproveitados na área académica apenas para
serem eclecticamente transplantados para outros contextos e compatibilizados com
a empresa científica corrente maçadoramente afirmativa (1).
Contudo, não
se pode simplesmente prosseguir a crítica do valor inicial e tomar o
“valor” pelo conjunto da totalidade; esta tem os seus próprios
pressupostos. Justamente ao registar o conceito de totalidade, é preciso fazer
notar que não é só o valor e o que habitualmente é entendido por ele, a
economia, que são constitutivos da totalidade, mas que a “totalidade” é
mais abrangente; o que, provavelmente, já há muito se terá tornado evidente
quando este artigo sair, com a revelação da chamada crise financeira como
crise económica mundial profunda, com todos os efeitos subsequentes.
Profundamente impressionados e afectados pelo “colapso”, poderíamos desde
logo, nomeadamente, voltar a esquecer (de novo) que a sociedade é mais que o
conjunto de um contexto económico e que este sempre foi o entendimento adoptado
no conceito de fetiche. Esquecimento este que se manifesta, por exemplo, na
suposição que todos “nós” somos atingidos pela crise imediatamente e sem
distinção. Perante a bomba (atómica) do colapso, todos “nós” ficamos
iguais (2). Só um pensamento sumptuoso, à maneira do olhar do mestre de poker,
é que pretenderia ver aí qualquer diferença. Contudo, e ao contrário desta
atitude, é precisamente num contexto de crise que se deve relacionar a forma
social fundamental com a totalidade social concreta, ligando-a ainda a uma análise
social e crítica da ideologia, sem cair num vulgar academismo de esquerda (3).
Consequentemente,
gostaria agora de mostrar que, na história da teoria crítica, a referência à
“totalidade concreta” em geral e as correspondentes análises nunca foram,
no fundo, alheias à abordagem da crítica do valor, pelo contrário, foi
precisamente a esta que se ligaram em determinado aspecto. Este contacto só se
perdeu onde uma crítica do valor truncada contrapôs a determinação da forma
abstracta à empiria, ou jogou uma contra a outra, e/ou onde o conceito de
totalidade foi distorcido com adopções sem mediação do quotidiano vulgar e
fenomenológicas (assim, por ex., Lohoff 2006, 2007 e sobretudo a revista
“Streifzüge” nos últimos anos). Sobre este tema vou visitar alguns
“antepassados” ou clássicos da crítica do valor e analisar o que eles têm
a dizer sobre a questão e, no final, concentrar-me-ei na necessidade de um modo
de proceder dialéctico, no sentido de um realismo dialéctico, que hoje me
parece urgente, direi mesmo inadiável. Esta exigência não poderá,
naturalmente, ser confundida como o método positivista, pelo contrário, ela
tem de estar sempre ligada à terra, no concreto histórico dos conteúdos, sem
contudo se deixar ficar por aí. Esta última situação acontece tanto nas posições
marxistas tradicionais como particularmente nos modos de pensar do pragmatismo
oficial, como é o caso de Peer Steinbrück, que concebem o Estado mais ou menos
como ultima ratio, precisamente na crise qualitativamente nova. Estão
irreversivelmente passados os tempos de uma pretensa solução das contradições
sociais pelo comando estatista (como era o caso no socialismo real e, também,
no entendimento da intervenção estatal keynesiana).
Neste
contexto recordo também a ausência da dialéctica na teoria social marxista
durante décadas, dialéctica esta cuja reanimação como modo de proceder será
crucial, para se poder entender adequadamente as mudanças sociais (mundiais)
qualitativamente novas.
De mais a
mais, o meu campo de referência não é, naturalmente, apenas a crítica do
valor, como entendimento da totalidade fechada “na lógica da dedução”,
mas sim a crítica da dissociação e do valor, como entendimento da totalidade
fragmentária, partindo da dimensão de género (um contexto que eu aqui
considero já conhecido). Este entendimento implica que têm de ser incorporados
quer as construções ideológicas, como o racismo, o anti-semitismo e o
anticiganismo, quer também o sexismo e as disparidades económico-sociais, mas
não só. Mais propriamente, trata-se no fundamental de que em geral os planos
mais concretos e as suas referências de conteúdo no desenvolvimento da
totalidade capitalista, incluindo aquilo que nesta não fica absorvido, em caso
nenhum podem ser descurados e menosprezados como não essenciais, tal como,
inversamente, tão-pouco a referência à determinação da forma social do
valor pode ser denunciada como “exoterismo” abstracto e vazio. Pelo contrário,
a análise concreta que nesta não fica absorvida é sempre referida àquele
contexto (cf., por ex., Scholz 2000, 2005).
Totalidade concreta em Georg Lukács
Lukács
foi o primeiro a colocar em posição central, ainda que no horizonte do
“ponto de vista de classe do proletariado”, a forma social fundamental
sobrejacente e o fetichismo da modernidade, no seu “ensaio sobre a reificação”
(Lukács 1923/1967). E porque, a meu ver, ele formulou pontos essenciais da crítica
do valor dum modo clássico e inultrapassável, articulados de forma tão lúcida
e brilhante como jamais vi, vou deixá-lo falar essencialmente através de citações.
Pondo de parte a referência ao “marxismo das classes”, a conceptualidade
por ele desenvolvida não fica lá absorvida. Os autodesmentidos do Lukács
tardio, que não posso aqui abordar, são questionáveis. Esta obra é hoje
frequentemente considerada ultrapassada sem razão, situação que bem exprime o
declínio da dialéctica.
Antes de
mais gostaria no entanto de recordar, de forma muito breve, o entendimento
marxiano do fetiche invocado por Lukács (naturalmente sem abranger aqui toda a
sua complexidade). Marx escreve em lugar de destaque: “O mistério da forma da
mercadoria consiste simplesmente no facto de ela reflectir para os homens os
caracteres sociais do seu próprio trabalho como caracteres objectivos dos próprios
produtos do trabalho, como qualidades sociais naturais dessas coisas, e por isso
reflectir também a relação social dos produtores com o trabalho total como
uma relação entre objectos, que existe separada dos produtores” (MEW
23,1962, p. 86).
De acordo
com isto, o decisivo para Lukács é que “o problema da mercadoria não surge
apenas como um fenómeno particular, nem tão-pouco como problema central da
economia tomada como ciência particular, mas como problema central, estrutural
da sociedade capitalista em todas as suas manifestações vitais” (Lukács,
1967, p. 94). Para ele trata-se, portanto, “do carácter fetichista da
mercadoria como forma de objectividade, por um lado, e do comportamento do
sujeito com aquele relacionado, por outro” (loc. cit., p. 95).
Lukács
parte do princípio de que, através da “racionalização, o tempo de trabalho
socialmente necessário, que é o fundamento do cálculo racional, é produzido
primeiro como tempo de trabalho médio encontrado de maneira simplesmente empírica,
e depois, através de uma cada vez mais forte mecanização e racionalização
do processo de trabalho, como carga de trabalho objectivamente mensurável, com
a qual o trabalhador se vê confrontado numa objectividade acabada e
completa”, assim (se verificando) “uma cada vez mais forte separação das
qualidades humanas individuais próprias do trabalhador” (loc. cit., p. 99). O
momento calculatório, ou seja, no fundo, a lógica da economia empresarial, que
determina os trabalhadores e as trabalhadoras até na sua vida quotidiana, é
essencial para as considerações de Lukács. Ele tem, pois, de ser lido perante
o pano de fundo do desenvolvimento taylorista e proto-keynesiano do seu tempo. O
funcionalismo público e os colarinhos brancos, ainda com possibilidades de
estabelecimento no capitalismo, segundo Lukács não têm qualquer hipótese de
romper a totalidade social. Ele realça, sobretudo, que o capitalismo produziu
uma forma social completamente nova, qualitativamente diferente, em oposição
com as relações pré-modernas, pois só no capitalismo se generalizou a forma
de mercadoria.
Como já
mencionado, a ideia de totalidade de Lukács não se limita à esfera da
economia; ela estende-se também às formas de pensamento. Neste contexto ele
entra nas “antinomias do pensamento burguês”: “O mundo reificado surge
agora (…) definitivamente como o único possível, o único mundo
conceptualmente compreensível, concebível (…) Aconteça isto numa forma
transfiguradora, resignada ou desesperada, ou mesmo que se procure eventualmente
um caminho para a ‘vida’ através da experiência mística irracional, nada
se pode modificar na essência desta situação de facto” (loc. cit., p. 122).
Aqui Kant e a racionalidade das ciências da natureza constituem o ponto de
demarcação central. A quintessência expressa-se no trecho a seguir citado.
Trata-se aí de “o modo de conhecimento formalista-racional ser a única forma
possível de compreensão da realidade… por oposição aos dados para ‘nós’
estranhos da ‘factualidade’. A grandiosa concepção de que o pensamento só
pode conceber aquilo que é gerado por ele próprio (…), no esforço para
dominar a totalidade do mundo como autoprodução, foi esbarrar no insuperável
limite dos dados, da ‘coisa em si’” (loc. cit., p. 134). Ora, esta problemática
da ‘coisa em si’ e com ela os limites da faculdade de conhecimento apontam,
segundo Lukács, para dois problemas fundamentais: “(Primeiro), para o
problema do material (em sentido lógico-metódico), para a questão do CONTEÚDO
daquelas formas com as quais nós podemos conhecer o mundo, pois fomos nós que
as criámos; segundo, para o problema da totalidade e para o problema da substância
última do conhecimento, para a questão dos objectos ‘últimos’ do
conhecimento, cuja compreensão apenas remata os diversos sistemas parciais numa
totalidade, no sistema do mundo completamente compreendido” (loc. cit., p.
127). Kant “[com a separação radical entre fenómenos e noumenos…] rejeita
qualquer pretensão da ‘nossa’ razão ao conhecimento do segundo grupo de
objectos. Eles são percebidos como coisas em si, em oposição aos fenómenos
conhecíveis” (ibidem).
A solução
de Lukács para este problema apresenta-se da seguinte maneira: “Para resolver
a irracionalidade na questão da coisa em si, não basta que seja empreendida a
tentativa de ultrapassar a atitude contemplativa, mas verifica-se, pondo a questão
mais concretamente, que a essência da prática consiste na supressão da
INDIFERENÇA DA FORMA RELATIVAMENTE AO CONTEÚDO, indiferença na qual se
reflecte metodologicamente a questão da coisa em si. Portanto a prática, como
princípio da filosofia, só é realmente encontrada quando simultaneamente se
aponta um princípio da forma que – como fundamento e pressuposto metódico da
sua validade – já não traz em si esta limpeza de qualquer determinação de
conteúdo, esta pura racionalidade. O princípio da prática, como princípio de
transformação da realidade, tem portanto de ser talhado no substrato material
e concreto da acção, para assim poder operar sobre este quando entra em
vigor” (loc. cit., p. 139, destaques no original). “Forma” refere-se
obviamente à forma da mercadoria e do capital, em Lukács ainda associada às
clássicas considerações em que o proletariado deve ser o sujeito-objecto da
história, apesar de a forma-fetiche abranger tanto o proletariado como os
capitalistas, “atingindo-os” por assim dizer a ambos. Neste contexto, Lukács
censura a Hegel um entendimento idealista da dialéctica e da história, em que
o desenvolvimento concreto da história se torna verdadeiramente secundário e
é o espírito do mundo que se realiza na natureza e na história.
Lukács
preconiza assim, demarcando-se de outras abordagens filosóficas, o recurso “à
totalidade concreta, material” (loc. cit., p. 121), a apreensão dos objectos
“como parte de uma totalidade concreta” (loc. cit., p. 140) e um modo de
proceder que, com Marx, baseia “a elaboração teórica no conteúdo, no
qualitativamente singular e novo dos fenómenos” (loc. cit., p. 160), mas
precisamente sem se “deixar ficar na sua mera unicidade concreta”, pelo
contrário, destinando “a esta, como lugar metódico da conceptualidade, a
totalidade concreta do mundo histórico” (ibidem). O conceito de totalidade
concreta é assim decisivo para poder conceber em geral na prática a mudança
social e a modificação histórica. Para isso “o pensamento tem de ir além
da rígida separação dos seus objectos, tem de colocar no mesmo plano de
realidade as suas relações recíprocas e a interacção destas ‘relações’
e das ‘coisas’. Quanto maior é este afastamento da mera imediatidade, mais
longe se estende a rede destas relações (…), mais a mudança parece
despir-se da impossibilidade de ser pensada (…)” (loc. cit., p. 170)
Para Lukács
trata-se, pois, de ir além da imediatidade, no entanto pressupondo que “este
ir além da imediatidade avança na direcção da elevada concreção dos
objectos, se o sistema conceptual de mediações assim alcançado (…)
constitui a totalidade da empiria” (loc. cit., p. 170). Ele vai mais longe:
“Não se pode esquecer (…) que imediatidade e mediação são elas próprias
momentos dum processo dialéctico, que cada grau do Ser (e da atitude de
compreensão a seu respeito) tem a sua imediatidade no sentido da fenomenologia
(de Hegel, R.S.), onde nós, face ao objecto imediatamente dado, temos ‘de nos
comportar de modo igualmente imediato ou receptivo, ou seja, não modificando
nada nele, na forma como ele se apresenta’. O ir além da imediatidade só
pode ser a génese, a ‘criação’ do objecto. Porém, isto já pressupõe
que todas as formas de mediação, nas quais e através das quais se vai além
da imediatidade da existência dos objectos dados, SE REVELAM COMO PRINCÍPIOS
ESTRUTURAIS DA CONSTRUÇÃO E TENDÊNCIAS REAIS DO MOVIMENTO DOS PRÓPRIOS
OBJECTOS, portanto que a génese do pensamento e a génese histórica (ao contrário
do que acontece em Hegel, R. S.) coincidem de acordo com o princípio” (loc.
cit., p. 171, destaques no original).
Se Lukács
agora se prevalece de que no capítulo do fetiche de O Capital já se encontra concluído o auto-reconhecimento do
proletariado no seu desenvolvimento histórico, isto não exclui de modo nenhum
todo o desenvolvimento dos conteúdos, bem pelo contrário: É acentuada por ele
“a facticidade estrutural de que o momento particular não constitui uma parte
de um todo mecânico, que pudesse ser composto a partir das suas partes (…),
mas que cada momento particular inclui a possibilidade de, a partir dele,
(poder) ser desenvolvida toda a riqueza da totalidade” (loc. cit., p. 187).
Portanto, Lukács trata o seu conceito de totalidade e o seu entendimento da
dialéctica de duas maneiras distintas: Por um lado, o suplantar da contemplação
não se refere à “práxis” simplesmente, mas à crítica de um entendimento
da práxis em que a forma permanece indiferente ao conteúdo; por outro lado,
esta forma tem de se revelar como totalidade concreta da empiria e como processo
nas “tendências do movimento dos próprios objectos”.
O
desenvolvimento, desde o artesanato medieval, passando pela manufactura e até
à fábrica, significa para os capitalistas trazer “a permanente retransformação
do grau qualitativo acabado de atingir até um nível quantificado da ulterior
possibilidade de cálculo racional” (loc. cit., p. 188). O proletariado, pelo
contrário, “não teria de permanecer num grau relativamente mais elevado da
imediatidade reencontrada” (…), mas encontra-se “num movimento
ininterrupto sobre essa totalidade, ou seja, no processo dialéctico da
imediatidade que permanentemente se supera a si mesma” (loc. cit., p. 190). A
superação não pode, portanto, ser qualquer puro movimento do pensamento, mas
tão-pouco pode ocorrer sem conhecimento: “O grande passo em frente consumado
pelo marxismo, como ponto de vista científico do proletariado (…) para além
de Hegel, consiste em conceber as condições de reflexão não como um patamar
‘eterno’ de compreensão da realidade em geral, mas como forma necessária
de existência e de pensamento da sociedade burguesa, como forma da reificação
do Ser e do pensamento, descobrindo assim a dialéctica na própria história.
Portanto, aqui a dialéctica não é introduzida na história, nem explicada à
luz da história (como muito frequentemente em Hegel), pelo contrário, ela é
lida e tornada consciente a partir da própria história, como forma da sua
necessária manifestação A PARTIR deste nível determinado de desenvolvimento
alcançado” (loc. cit., p. 194, destaque no original). No entanto, Lukács faz
notar que: “À simples contradição, ao produto das leis automáticas da
evolução capitalista, deve portanto juntar-se qualquer coisa de NOVO: a consciência
do proletariado a transformar-se em acção” (loc. cit., p. 195, destaque no
original)
Repetidamente
foi censurado a Lukács o ter recorrido a um “resto não reificável” (4) no
caso do proletariado, o que habilitaria este para a revolução; dada a sua posição
no sistema produtor de mercadorias, o seu sofrimento seria de longe maior do que
o sofrimento da classe dos capitalistas. Há de facto provas disso no seu
ensaio, por exemplo, entre outras, quando ele fala duma essência espiritual
humana; por outro lado, também há outros momentos que contradizem esta
interpretação demasiado primária. Por exemplo, quando ele constata que o que
se aplica à dialéctica marxista é que ela não se resolve simplesmente em
factos, mas que com ela “AS COISAS SE PODEM REVELAR COMO MOMENTOS FLUIDOS EM
PROCESSO” (loc. cit., p. 196, destaques no original), ou quando ele escreve,
reclamando mediações: “Se se tenta atribuir a consciência de classe a uma
forma de existência imediata, cai-se inevitavelmente na mitologia: surge então
como demiurgo do movimento uma enigmática consciência de classe (…), cuja
relação com a consciência dos indivíduos e cujo efeito nesta são
completamente incompreensíveis, e mais incompreensíveis se tornam ainda através
duma psicologia naturalista e mecanicista” (loc. cit., p. 190, destaques no
original).
A propósito,
ao mesmo tempo ele também critica fundamentalmente um humanismo que coloca o
“ser humano” em abstracto, como era o caso também na social-democracia de
então. “Se, porém, uma tal concepção fundamental visa conscientemente a
transformação da sociedade, ela é obrigada (…) a deturpar a realidade
social para conseguir apresentar numa das suas formas de manifestação o
aspecto positivo, o ser humano existente, que ela foi incapaz de descobrir como
momento dialéctico, na sua negatividade imediata” (loc. cit., p. 213).
Se Lukács
reclama o modo de proceder dialéctico e com isso critica Kant, Hegel e o
positivismo, aqui se inclui, como decorre dos seus trabalhos, um postulado de
concreção, que não se refere simplesmente ao capital de modo abstractamente
dedutivo, mas também por igual ao desenvolvimento das relações sociais, mesmo
na dimensão cultural e na dinâmica do processo histórico desta sociedade.
Para se encontrar a solução da aporia da problemática da coisa em si, tem de
ser analisada a totalidade capitalista em concreto, no seu desenvolvimento, o
qual nunca fica absorvido na dedução. É precisamente neste sentido que as
conceptualidades de “substrato material concreto do agir”, de “totalidade
da empiria” e de “novo nível qualitativo alcançado” em cada caso podem
ser entendidas como “processo da imediatidade que a si mesma se supera
continuamente”, situação em que “cada nível do Ser tem a sua
imediatidade”. Isto é agora entendido já não no sentido da metafísica da
história de Hegel, mas no sentido do desenvolvimento da relação de fetiche
moderna, que de modo nenhum ocorre como “eterno retorno”.
Totalidade concreta em Theodor W. Adorno
Ao contrário
de Hegel, para Adorno trata-se de tomar a sério o particular, o não-idêntico
como tal, e não voltar, afinal, a subsumi-lo ao geral, como na dialéctica
positiva: “Uma outra versão da dialéctica contentar-se-ia com o seu tíbio
renascimento: com a sua dedução na história do espírito, a partir das
aporias de Kant e do que foi programado mas não realizado nos sistemas dos seus
seguidores. O que só pode ser efectuado negativamente. A dialéctica desdobra a
diferença entre o particular e o geral que é imposta pelo geral. Apesar dessa
diferença – ou seja, a ruptura entre sujeito e objecto intrínseca à consciência
– ser inevitável para o sujeito, e apesar de ela penetrar tudo o que ele
pensa, mesmo o que é objectivo, ela sempre acabaria na reconciliação. Essa
reconciliação tornaria o não-idêntico livre, libertá-lo-ia ainda da coacção
intelectualizada, abriria pela primeira vez a multiplicidade do diferente, sobre
o qual a dialéctica não teria mais qualquer poder. A reconciliação seria
lembrança do múltiplo que deixou de ser hostil, o que é um anátema para a
razão subjectiva. A dialéctica serve a reconciliação. Ela desmonta o carácter
coercivo lógico que persegue (…) Como idealista, ela estava articulada com a
hegemonia do sujeito absoluto como a força que realiza negativamente cada
movimento individual do conceito e todo o seu percurso” (Adorno 1966, p. 18).
Também
Lukács aprecia em Kant o facto de ele sustentar a tensão entre o sujeito
transcendental e a “coisa em si” e de não a ter dissolvido mentalmente,
como muitos dos seus seguidores. Lukács só consegue a solução das
correspondentes aporias através do salto para a práxis, com a proclamação do
proletariado como sujeito-objecto da história. Contudo ele não entende este
salto na falsa imediatidade do Ser à medida das classes, mas sim mediado com a
crítica da forma e simultaneamente insistindo na totalidade concreta, no
entanto sempre como processo histórico e como conjunto da totalidade que
antecede este Ser imediato. Em Lukács, o concreto, o conteúdo já se move
sempre neste contexto.
A propósito,
tem de se apontar aqui para o significado oposto assumido pelo social em Adorno
e em Lukács. Em Lukács a “coisa em si” de Kant, que não se pode conhecer,
não é senão tanto a totalidade que no social fica na obscuridade, como também
o conteúdo da forma do nosso conhecimento; a saber, o “valor”. Para Adorno,
pelo contrário, a negatividade da sociedade moderna está incluída no próprio
sujeito transcendental de Kant: “Para além do círculo mágico lógico da
filosofia da identidade, pode-se decifrar o sujeito transcendental como a
sociedade inconsciente de si mesma (…) O que desde a Crítica
da razão pura constitui a essência do sujeito transcendental, a
funcionalidade, a pura actividade que se realiza nos esforços dos sujeitos
individuais e simultaneamente os ultrapassa, projecta o trabalho pairando sobre
o sujeito puro considerado como origem. Se Kant conteve a funcionalidade do
sujeito, ao afirmar que ela seria nula e vazia se não se aplicasse a um
material, ele assinalou inequivocamente que o trabalho social é um trabalho
sobre algo; a maior consequência dos idealistas posteriores eliminou isso sem
hesitação. A universalidade do sujeito transcendental, no entanto, é a do
contexto funcional da sociedade, de um todo que se conjuga a partir das
espontaneidades e qualidades dos indivíduos, limitando novamente estas por meio
do princípio nivelador da troca, e eliminando-as virtualmente como impotentes
perante o todo” (Adorno 1966, p. 179 sg.).
Adorno vê
assim o “princípio da troca” como princípio fundamental da sociedade. Porém,
como foi frequentemente constatado, ele usa-o mais em sentido metafórico do que
no estrito sentido de uma exegese de Marx. Neste contexto, a meu ver com razão,
tem sido também frequentemente criticado o facto de Adorno hipostasiar a troca,
atribuindo pelo contrário pouco significado à produção. E de facto o
discurso do trabalho e da produção funciona nele como algo exterior, quase
como um extra sem importância. Em Lukács, pelo contrário, a produção, o
trabalho, o tempo de trabalho etc. têm uma grande importância, na suposição
de que o entretecer da sociedade e da esfera das ideias é tido em conta através
da forma da mercadoria – no entanto, num sentido em última instância ainda
fetichista das classes, como já mencionado.
É de
notar aqui que Adorno, nas suas reflexões sobre o sujeito transcendental na Dialéctica
Negativa, embora faça referência à separação entre trabalho intelectual
e trabalho corporal, recorrendo a Sohn-Rethel, não faz qualquer referência à
dissociação do feminino, a qual corresponde a dualismos como espírito e
corpo, forma e conteúdo, entre outros. (cf. Adorno 1966, p. 178). Na Dialéctica do Iluminismo ele ainda abordou esta temática, pelo
menos num sentido descritivo. Em Lukács, tais considerações são totalmente
omitidas, sendo as correspondentes antinomias totalmente localizadas num
capitalismo sexualmente neutro. Ele vê a sua solução no “proletariado”,
no contexto do processo histórico.
Adorno
acentua agora que, acima da hipostasiação de um sujeito transcendental
violador do conteúdo e de uma dialéctica hegeliana que em última instância
deixa absorver o particular no geral, se trata de uma “primazia do objecto”:
“Primazia do objecto significa a progressiva diferenciação qualitativa do em
si mediado, um momento na dialéctica, não para além dela, mas que se articula
nela (…) Saltava-lhe à vista (ou seja, a Kant, R.S.) que o Ser em si não é
nada contraditório com o conceito de objecto; que a sua mediação subjectiva
precisa de ser atribuída menos à ideia do objecto do que à insuficiência do
sujeito. Apesar de, nele, o sujeito não ir além de si mesmo, ele não
sacrifica a ideia de alteridade. Sem ela o conhecimento degeneraria em
tautologia; o conhecido seria o próprio conhecimento (…); a construção da
subjectividade transcendental foi o enorme paradoxo e falível esforço de
tornar-se senhor do objecto como seu contrário (…) Qualquer afirmação de
que a subjectividade de um modo ou de outro ‘é’ já inclui uma
objectividade que o sujeito só pretende fundamentar em virtude do seu Ser
absoluto. O sujeito só consegue apreender a objectividade em geral por ser também
ele mediado, não sendo, portanto, apenas o elemento radicalmente outro do
objecto só por ele legitimado.” (loc. cit., p. 185 sg.). Nessa medida Adorno
mantém a contradição entre essência e aparência e, para ele, também o
objecto não é algo em última instância dado. Contudo, Adorno está
igualmente contra a hipostasiação da mediação como último autêntico; pelo
contrário, para ele trata-se sempre da “coisa em si”. Por conseguinte, para
ele também nenhum indivíduo é último, porque é mediado, sendo ainda assim
indivíduo (cf. Adorno loc. cit., p. 163 sgs).
Como saída
ele vê agora o pensamento em forma de constelações: “O pensamento teórico
gira como uma constelação em volta do conceito que gostaria de abrir, na
esperança de que ele assim se abra, não com uma única chave ou com um número
apenas, mas através duma combinação numérica, como os fechos dos cofres
seguros” (loc. cit., p. 166). Adorno imagina tais constelações próximas de
determinados trabalhos de Benjamin, os quais apreendem a própria verdade como
constelação, à semelhança da composição que se pode encontrar em Max
Weber, sobretudo nos trabalhos científicos, ainda que o entendimento filosófico
subjacente neste fosse diferente do de Adorno. Adorno cita aqui os tipos ideais
de Max Weber. Na sua circunspecção, ele penetra algo da natureza da própria
coisa e vai além do interesse prático do pensamento (Adorno, loc. cit., p.
166). Mesmo em obras como Economia e
Sociedade, Adorno vê o pensamento em constelações em acção: “É assim
que o conceito sob todos os pontos de vista decisivo de capitalismo, de resto à
semelhança do que acontece em Marx, é enfaticamente distinguido das categorias
isoladas e subjectivas, como o impulso da apropriação ou a aspiração ao
ganho”; ainda que lhe falte, segundo Adorno, o recurso ao “princípio da
troca”: “Precisamente perante a tendência de integração crescente do
sistema capitalista, cujos momentos se imbricam num contexto funcional cada vez
mais completo, a velha questão da causa primordial torna-se cada vez mais precária
face à constelação; não é apenas a crítica do conhecimento, o curso real
da história também obriga à busca de constelações. Se estas ocupam em Weber
o lugar de uma sistemática, cuja ausência se gostava de lhe reprovar, o seu
pensamento afirma-se assim como uma terceira via, para lá da alternativa entre
positivismo e idealismo” (loc. cit., p. 168). Aqui ele também já sabe da
limitação de Kant: “A reflexão filosófica assegura-se do não-conceptual
no conceito. Caso contrário este seria vazio, nas palavras de Kant, no fim não
seria qualquer conceito de algo, logo não seria nada. A filosofia que reconhece
isto, que extingue a autarquia dos conceitos, tira a venda dos olhos” (loc.
cit., p. 23).
Como já
foi dito, Adorno mantém aqui a diferença entre essência e aparência, uma vez
que recorre ao não-idêntico e com isso ao historicamente dinâmico. E aqui
entra essencialmente a dimensão histórica do pensamento de Adorno. O seu
pensamento é uma reacção ao nacional-socialismo e à revolução
“verdadeira” perdida, com as consequentes práticas bárbaras de eliminação,
particularmente no Holocausto, tal como à falsa revolução no “socialismo
realmente existente”, o qual, na sua opinião, estava igualmente prisioneiro
do pensamento da identidade: “A transição vista por Marx (nas Teses sobre
Feuerbach, R. S.) por assim dizer ao virar da esquina e mesmo iminente no período
de 1848 não aconteceu (…) e o proletariado não se constituiu como
sujeito-objecto da história” (Adorno 2003, p. 68). Aqui há uma referência
óbvia a Lukács (cf. Adorno 2003, p. 31). Porque Adorno se prevalece deste modo
do não-idêntico, é para ele importantíssimo conceber “teoria e práxis”
como não idênticas. Por isso ele acredita também que a filosofia, e
precisamente no sentido da Dialéctica
Negativa, está tudo menos ultrapassada. Em conformidade com a dialéctica
negativa, Adorno, de resto, fez sempre esforços para relacionar entre si, na
sua tensão, a essência social e a factualidade empírica, sendo que a separação
destas tem simultaneamente algo de certo e algo de errado (cf. Jay 1982).
Como Lukács,
ainda que de modo diferentemente posicionado, Adorno prevalece-se de um conceito
de totalidade concreta que não fica absorvido em determinações abstractas e
dedutivas. A reflexão deste contexto, porém, não pode ser entendida como
fechada, como pretendem alguns, incluindo os chamados “anti-alemães”, que aí
vêem o estado mais elevado das possibilidades de crítica do capitalismo, sem
porém resgatarem o postulado de uma análise da totalidade histórica concreta.
Assim, bem no sentido de Adorno (e, por maioria de razão, de Lukács), seria não
de homenageá-lo “ortodoxamente”, mas de historicizar a sua própria
abordagem, como nós pretendemos fazer. A sua filosofia dialéctica negativa foi
delineada na fase fordista, na passagem para o pós-fordismo. Nessa medida também
não admira o recurso enfático a Weber. O “mundo administrado”, tendo como
pano de fundo a cientificização da produção, seguia o seu curso keynesiano
de intervenção do Estado e, com ela, de alargamento das classes médias, situação
esta também já observada por Lukács.
Sem
aceitar o pano de fundo histórico concreto, como aceitavam ainda os clássicos
das primeiras abordagens da crítica do valor, o problema é designado pelo lado
“anti-alemão” como de teoria abstracta da revolução: “Não só Lukács,
mas também Korsch se depararam (já em meados da década de 1920, R.S.) com a
questão fundamental de saber porque a necessidade (…) da revolução, sempre
afirmada em teoria, não se tornara já realidade há muito tempo. O regresso à
crítica marxiana do fetiche era, por isso, fácil de compreender” (Grigat
2007, p. 130). Este regresso, porém, foi inteiramente mediado com a dinâmica
concreta e não apenas dedutivamente determinável do desenvolvimento
capitalista, dinâmica essa que hoje se apresenta novamente modificada.
Neste
contexto histórico concreto e na passagem a ele associada do paradigma da produção
para o paradigma do consumo, já esteve em voga na segunda metade do século XX
uma hipostasiação da diferença, que encontrou expressão nas ideias pós-modernas
e pós-estruturalistas, sem contudo se assegurar de uma essência social, como
era ainda o caso em Lukács e Adorno; de facto, uma tal essência foi
globalmente abolida, em primeiro lugar na censura geral do essencialismo (na
qual se escamoteia também o outro lado da totalidade concreta, assim regridindo
ao positivismo criticado por Lukács e Adorno). Adorno estava ainda bem longe do
horizonte de uma crise fundamental da economia mundial, como a que hoje vivemos,
em que é preciso incrementar uma nova crítica da forma mais desenvolvida; de
agora em diante com uma “totalidade da empiria” que se apresenta diferente
nas suas mediações relativamente aos tempos de Lukács, para lá de um
pensamento de luta de classes marxista tradicional, sem contudo abandonar a clássica
afirmação dum conceito dialéctico de totalidade concreta. Aqui é preciso ter
em conta as disparidades sociais modificadas neste processo de crise, em vez de
denunciar tal ponto de vista como mero “sociologismo”. Por outras palavras:
ao contrário da situação em que se encontravam Lukács nos anos vinte e
Adorno na fase fordista, na actual perspectiva de colapso do sistema mundial é
necessária uma crítica do fetiche mais desenvolvida nas suas mediações, à
altura dos tempos, precisamente porque, entretanto, se tornou inevitável uma
mudança radical das relações sociais, de um modo de facto completamente novo.
Lukács e posteriormente Adorno, como clássicos, forneceram-nos importantes
pressupostos intelectuais para isso.
Totalidade concreta em Moishe Postone
Moishe
Postone, em seu livro Tempo, Trabalho e
Dominação Social (2003), tenta uma nova interpretação da teoria de Marx,
recorrendo e demarcando-se simultaneamente de Lukács, bem como com determinados
alinhamentos com a teoria crítica. Se Lukács e os representantes da teoria crítica
partiram tacitamente de uma definição já realizada por Marx do valor, ou da
“troca” no caso de Adorno, dando-se por satisfeitos quanto a isso com
escassas caracterizações, para Postone trata-se mesmo de redefinir a essência
do capitalismo. Ao contrário do marxismo tradicional, segundo ele é preciso
fazer uma crítica abrangente do modo de produção capitalista e não apenas do
modo de distribuição. Ele visa particularmente a categoria mediadora
“trabalho”, como geradora do capitalismo, e insiste em que o “trabalho”
não pode ser concebido como categoria supra-histórica, sendo, pelo contrário,
próprio do capitalismo, como seu momento constitutivo. Para além do
“trabalho” ontologizado, ele põe em causa também o entendimento subjectivo
da exploração e da dominação de classe sociologicamente reduzida, como referência
única do marxismo tradicional, ao mesmo tempo que, indo mais fundo,
simplesmente problematiza a mercadoria, o valor e o trabalho abstracto, que
correspondem à dominação abstracta. Neste contexto, como o título já
indica, a dialéctica de tempo e trabalho assume um lugar central. E é esta dinâmica
que acaba por levar ao acumular de valor, por um lado, e de riqueza material,
por outro.
Postone
distingue duas formas de tempo, a saber, um “UM MODO DE TEMPO (CONCRETO) (…)
QUE EXPRIME O MOVIMENTO DO TEMPO (ABSTRACTO) (Postone 2003, p. 441, destaque no
original). Robert Kurz esclarece esta tensão num plano algo mais concreto que o
próprio Postone. Na “tensão entre a indiferença quanto aos conteúdos e a
abstracção do ‘trabalho’ e do valor, por um lado, e o
‘desenvolvimento’ de conteúdos materiais promovido pelo próprio processo
de valorização, por outro, é que se funda a dialéctica das duas formas de
tempo. O espaço-tempo abstracto da economia empresarial não conhece qualquer
‘desenvolvimento’. Aqui uma hora é sempre uma hora de tempo independente,
sem conteúdo, sem qualidade, homogéneo. Este tempo corresponde à dimensão de
valor da reprodução, ao tempo abstracto e, com ele, à objectividade de valor
da matéria, portanto ao valor de uso como fetiche social de produção e
realização de mais-valia. O conteúdo materialmente indiferente com ele
transportado, porém, transforma-se, é determinado sempre de novo, e na
realidade não em simples mudança aleatória, mas com crescentes cientificização
e produtividade, num processo histórico concreto. Nesta referência ao conteúdo,
indiferente ao fim em si da valorização do valor, mas que se valida na prática,
uma hora não é sempre a mesma hora, mas é sim progressivamente preenchida de
novo, transformando-se em tempo de algo diferente, em tempo de
‘desenvolvimento’" (Kurz 2004, p. 124).
É de
destacar que Postone pretende aqui assinalar “o contexto interno da forma da
mercadoria e do capital” e não permanece no plano da análise da forma do
valor, como gostariam alguns representantes duma crítica do valor truncada e até
ele próprio sugere em algumas exposições truncadas. Neste contexto,
desempenha um papel a mais-valia, como momento dinâmico e propulsor, como já
se torna claro nesta curta citação: “O que distingue a teoria crítica, que
concebe o trabalho como actividade de mediação social, das teorias que
concentram a atenção no mercado ou no dinheiro é a análise da forma do
capital – é a capacidade de apreender a dinâmica direccionada e a trajectória
da produção da sociedade moderna” (Postone 2003, p. 284 sg.). Neste contexto
também entram em jogo, não em último lugar, as relações de produção e o
desenvolvimento das forças produtivas. O trabalho como mediação social, no
sentido da totalidade abstracta, torna-se assim trabalho produtivo, no sentido
de uma “totalidade substancial”: “Para Marx o capital, como forma
desenvolvida da mercadoria, é a categoria central, totalizadora da vida
social” (Postone, loc. cit., p. 527).
Perante
este pano de fundo, Postone também avalia o ensaio sobre a reificação de Lukács,
de que ele faz notar as reduções à ontologia do trabalho e ao fetiche das
classes, mas reconhecendo também de certa maneira a forma híbrida de crítica
do valor do pensamento de Lukács, sendo que este, por um lado, assumindo as
reflexões de Weber, dá ênfase à forma abstracta da mercadoria, por outro
lado, porém, atribui ao proletariado o papel de “salvador do mundo”
(Postone, loc. cit., p. 126).
Ao contrário
de Lukács, Postone vê precisamente no capital, no valor, como “sujeito automático”,
o sujeito-objecto (negativo) da história (loc. cit., p. 128 sg). Ele recorda
que quer o capital como sujeito automático, quer as relações sociais são
constituídos por “formas estruturais de práxis”, no sentido de actividade
humana, ainda que “assumam uma existência quase autónoma e submetam os seres
humanos a determinadas coacções quase objectivas” (loc. cit., p. 134).
O que quer
dizer, portanto, que Postone não vê como Lukács a dimensão do valor
escondida na coisa em si kantiana; não obstante, para ele a solução pode ser
procurada na práxis social, mais uma vez em demarcação da dialéctica
hegeliana. A “determinação feita por Marx da magnitude do valor supõe uma
teoria socio-histórica da formação do tempo matemático absoluto, como
realidade social e como conceito (...). Por outras palavras, o plano do pré-conhecimento
estruturado, que para Kant é uma condição a
priori do conhecimento, é aqui tratado como socialmente constituído. A
teoria de Marx da constituição social procura suplantar o que Hegel percebera
como o círculo fechado da epistemologia transcendental kantiana – a pré-condição
do conhecimento é poder conhecer (a faculdade de conhecimento) – sem contudo
recorrer à ideia hegeliana de conhecimento absoluto. A teoria de Marx analisa a
condição para o autoconhecimento implicitamente como social (ou seja, para
conhecer explicitamente é preciso já se ter conhecido) (…) A crítica de
Marx, portanto, não implica qualquer epistemologia em sentido próprio, mas sim
uma teoria da constituição de formas sociais historicamente específicas, que
são formas simultaneamente de objectividade e de subjectividade social” (loc.
cit., p. 332 sg.).
Assim,
Postone simultaneamente rejeita a correspondência adorniana da “coisa em
si” com o sujeito transcendental e recusa também as ideias de tentar
conseguir essa correspondência com o não-idêntico, enquanto não considerado
pela troca ou pelo valor e suas formas de pensamento. Em vez disso, para
Postone, a questão anda à volta da “crítica imanente”, que resulta das
contradições da sociedade e não vem de fora (loc. cit., p. 286). No entanto
Postone não se debate teoricamente com a Dialéctica
Negativa de Adorno. Fá-lo, sim, relativamente a Pollock e Horkheimer, situação
em que chega a falar da Dialéctica do
Iluminismo. Postone constata que a Escola de Frankfurt assume uma crítica
da forma da mercadoria semelhante à crítica de Lukács, na qual em certo
sentido ele se baseia, já não compartilhando, porém, a sua ênfase
relativamente ao “proletariado”. Sendo que para a Escola de Frankfurt também
é decisiva a análise de Max Weber de uma racionalização capitalista cada vez
mais avançada. Alguns membros da Escola de Frankfurt, no entanto, viam na
crescente actividade estatal e na burocratização da sociedade um silenciamento
da dialéctica, uma vez que o capitalismo liberal fora substituído pelo
capitalismo de Estado. No entanto, segundo Postone, aí passa despercebida a
forma basilar do valor, ou do capital, e a sua dinâmica; continua a prevalecer
sempre uma ontologia do trabalho implícita. Quanto a isso os membros da Escola
de Frankfurt assumiriam um ponto de vista fora da sociedade.
Na
verdade, também a teoria de Postone tem de ser vista no seu contexto histórico
concreto (nos traços fundamentais ela surge já no fim dos anos setenta, início
dos anos oitenta). A meu ver e retrospectivamente ela inclui implicitamente um
centrar nas novas classes médias e, neste contexto, uma legitimação dos conteúdos
dos novos movimentos sociais surgidos na senda da progressiva cientificização
da produção, da construção do sector estatal, ou (no plano sociológico) na
passagem duma sociedade industrial para uma sociedade de serviços. Em Postone
estes movimentos ocupam, no fundo, o lugar da classe operária, ou do velho
movimento operário, agora tornados marginais.
Ora, é de
facto correcto insistir em que também se pode tomar como ponto de partida da crítica
a mais-valia, concebida como a forma do valor reacoplada a si mesma (nessa
medida, como mera “riqueza abstracta”), e não simplesmente uma oposição
“ontológica” de classes antagónicas; contudo, a meu ver, as categorias básicas
do capitalismo, constitutivas da relação de fetiche, deveriam ser
simultaneamente postas em relação com as novas disparidades sociais surgidas
(ou também com as “antigas”, que não se baseiam apenas na oposição
imediata de trabalho assalariado e capital). Disparidades estas que provêm não
apenas da determinação geral do sujeito automático, mas da sua dinâmica histórica
concreta, no desenvolvimento das forças produtivas alegado pelo próprio
Postone. Além disso também não se pode simplesmente concluir que a crítica
dos membros da Escola de Frankfurt, no seu insistir na não-identidade, não
passa de uma resignação; pelo contrário, com isso eles também reagiram a uma
situação social modificada, na senda da cientificização da produção, da
completa racionalização da sociedade que veio de par com ela, do crescente
intervencionismo do Estado etc.
A partir
da perspectiva actual, seria de historicizar também, por sua vez, a própria
abordagem de Postone, precisamente se pensarmos hoje também na queda das novas
classes médias. A situação social mais uma vez modificada e o actual cenário
de crash da economia mundial devem ser
pensados incondicionalmente juntos. Para isso, e não em último lugar também
por isso, as teses de Postone são insuficientes porque, diferentemente, por
exemplo, de Kurz, lhe faltam completamente as reflexões relativas ao limite
interno histórico da valorização do capital e à teoria da crise em geral.
Postone vê nos movimentos feministas e nos movimentos das minorias a
oportunidade de conseguir uma nova universalidade, que não volte a submeter o
particular (por ele considerado ligado à dimensão do valor de uso) e que não
tenha nada a ver com a falsa igualdade da forma da mercadoria. Ele compara aqui
uma universalidade homogénea com uma universalidade que não é homogénea e já
deve existir no capitalismo, ainda que numa forma alienada.
É
estranho que Postone quase não chegue a falar nos aspectos eventualmente
negativos destes movimentos (falsa imediatidade, fetichismo da concreção etc.)
nem nos perigos ideológicos que lhes estão associados. E assim as exposições
de Postone sobre “totalidade substancial” (loc. cit., p. 523) permanecem
relativamente insuficientes. No entanto, ele próprio chama frequentemente a
atenção para o facto de que agora deveriam seguir-se investigações mais
concretas, que ele no entanto não consegue concretizar no lugar próprio;
naturalmente que a crítica do valor e do trabalho também continua sem a dimensão
da crítica da dissociação. Importante e a ser assumida para um entendimento
da totalidade concreta é a diferenciação feita por Postone das duas dimensões
de tempo no capitalismo, o tempo linear abstracto da economia empresarial e o
tempo histórico concreto do desenvolvimento dinâmico, diferenciação que, no
entanto, deveria incluir também o problema da crise.
Hoje, em
minha opinião, torna-se necessário reflectir e determinar de novo a relação
entre forma social e totalidade concreta. Para isso, dever-se-á recorrer também
à dialéctica negativa de Adorno. No entanto, já não se trata apenas desta
relação com referência ao valor, ou à dinâmica da mais-valia, mas da
dissociação-valor, como princípio da forma social modificado, ou seja,
trata-se de um modo de proceder que, bem no sentido de Adorno, também tem a
capacidade “de pensar contra si mesmo”, como reflexão da totalidade
concreta que não fica absorvida no conceito. De seguida vou tentar juntar as
abordagens de Lukács, Adorno e Postone, pelo menos em alguns dos seus aspectos,
com a crítica da dissociação e do valor, situação em que as referidas
abordagens têm de ser revistas e relativizadas. Por outro lado, escusado será
voltar a acentuar que a teoria da dissociação e do valor, por sua vez, assenta
nesta tradição teórica.
Totalidade concreta e crítica da dissociação
e do valor
A teoria
da dissociação e do valor parte do princípio, com Lukács, Adorno e Postone,
de que o trabalho abstracto e o valor constituem o princípio base da sociedade
capitalista; no entanto, numa forma modificada pela relação de dissociação
sexual. Com Postone, ela põe em causa o “trabalho” e o proletariado, como
referência ontológica positiva, questionando também a polarização da crítica
no modo de distribuição. No entanto, aqui o decisivo não é apenas que o
capitalismo seja socialmente mediado em última instância pelo “trabalho”,
no qual uma referência temporal concreta exprime o movimento do tempo
abstracto, mas sim que o tempo vazio do valor, como momento de certo modo estático,
e o tempo processual do desenvolvimento histórico concreto da totalidade social
sejam simultaneamente mediados pela lógica de “esbanjar tempo” (Frigga
Haug) no domínio feminino da reprodução. Somente a dialéctica da forma vazia
da economia empresarial, por um lado, e da lógica de “esbanjar tempo” no
domínio da reprodução, por outro, constituem a dissociação-valor (e não
simplesmente o valor), como princípio base da sociedade capitalista. Por
conseguinte, é a dissociação-valor, no sentido de uma lógica sobrejacente,
que constitui também o duplo carácter do trabalho, como trabalho abstracto e
trabalho concreto, e, por inerência, o tempo concreto, que exprime o modo do
tempo abstracto, bem como constitui a dinâmica daí resultante (5).
Nesta dinâmica
é determinante a produção de mais-valia e com ela a categoria do capital como
forma desenvolvida de dissociação-valor, à semelhança do que Postone em
algumas formulações exprimiu apenas para o “valor”, se bem que ele reconheça
simultaneamente o capital como forma desenvolvida do valor e como sujeito automático.
Postone não vê neste contexto “as relações de género como relações de
produção”, como Frigga Haug (1996) as assume, ainda que supondo hipóteses
do marxismo tradicional e da ontologia do trabalho. No entanto esta determinação
pode ser interpretada diferentemente, no sentido de uma crítica do “trabalho
abstracto, como fim em si tautológico” (Robert Kurz). Postone também não vê
que a dissociação do feminino foi uma força produtiva bem central
precisamente na constituição das ciências da natureza, como já vários
estudos feministas comprovaram (cf., por ex., Scheich 1993, Gramsee 1999). Esta
dissociação (proteger, cuidar, “amor”) constitui o reverso da dimensão do
valor instrumentalmente orientada. Esta última, precisamente por causa da sua
abstracção, remete para a dissociação. Assim percebida, a dissociação do
feminino é apreendida como condição fundamental das próprias relações
abstractas (de valor) e tudo menos oposta a estas em sentido ontológico.
Por isso,
a meu ver, não há qualquer contradição se Postone descreve o valor/o
capital/o trabalho abstracto como sujeito automático e Adorno vê aqui o
sujeito transcendental de Kant (desde que não se apresente este ligado às
classes). Pelo contrário, pode partir-se do princípio de que a forma de
sujeito corresponde decididamente à forma de valor, sendo esta subjectividade
sempre inconsciente relativamente à sua constituição, ainda que a socialização,
para usar as palavras de Postone, seja construída por “formas estruturais de
práxis no sentido de actividade humana”.
A teoria
da dissociação e do valor afirma aqui, em conformidade com Postone, bem como
com Adorno e Lukács, que a teoria do conhecimento já é sempre teoria da
sociedade (ver também Ortlieb, 1999). No entanto, têm de ser tidas em conta as
diferentes dimensões da dissociação do feminino na economia e na política,
na repartição de funções das actividades, bem como nos planos dos símbolos
sócio-culturais e psicanalítico. Pode-se assim identificar, por um lado, a
relação dialéctica fundamental de dissociação-valor, por outro lado, porém,
também a sua complexidade no desenvolvimento da totalidade concreta, como gradação
não-hierárquica dos planos da abstracção e da concreção; o que poderia
sugerir tudo menos uma arrogante afirmação do valor como única forma
fundamental.
É
precisamente aqui que se aplica a dialéctica negativa de Adorno, que Postone
recusa, mas que poderia ser reformulada do ponto de vista da crítica da
dissociação e do valor, tomando por base a própria teoria de Postone, para
fazer jus à situação social actual. É preciso satisfazer o particular, o não-idêntico
para que não se volte a subsumir tudo ao valor, ou ao capital, como determinação
da forma abstracta. Nessa medida, também a própria dissociação-valor, como
forma fundamental, não pode voltar a ser colocada como absoluto. Pelo contrário,
a crítica da dissociação e do valor, com a capacidade de pensar contra si
mesma, tem de tematizar também outros momentos do não-idêntico, e assim
formas de discriminação como o racismo, o anti-semitismo e o anticiganismo do
mesmo modo que o sexismo, e também ainda admitir o Outro tecido “de outra
maneira” que mesmo aí não fica absorvido. Para não me alargar demasiado não
entro aqui em mais pormenores e remeto, pelo menos “metodicamente”, para o
meu “livro das diferenças” (Scholz, 2005). Em suma, fundamentalmente, isso
significa que tem de se tentar a aproximação à coisa de que se trata através
dum pensamento em constelação, que não omite a dimensão do valor, mas também
não a hipostasia na lógica da dedução.
A teoria
da dissociação e do valor não pode estar de acordo no que respeita ao culto
de Kant quanto à problemática da “coisa em si”, que continua em grande força
apesar de todas as críticas; nem com Adorno nem tão pouco com Lukács. Tal
culto pode ser considerado compreensível perante o fortalecer das tendências
positivistas nos tempos de Lukács, nos anos vinte do século passado, ainda
mais agravadas no debate do positivismo, nos anos sessenta. No entanto, é de
registar que estas correntes de pensamento representam essencialmente um
desenvolvimento de Kant; o pensamento deste constitui a pré-condição
daquelas, mas a “coisa em si” de Kant, ainda que faça alusão ao problema
do não-idêntico, sendo um conceito fundamental, é ainda assim um tema
lateral. O seu pensamento é ele próprio uma variante das dicotomias clássicas,
como as que se expressam no problema de forma-conteúdo, espírito-matéria,
mulher-homem, e que poderia ser decifrado e criticado como correspondendo à
forma fundamental na teoria da dissociação e do valor, que já se limita
sempre a si mesma. A dissociação do feminino não é simplesmente o não-idêntico
(mais uma vez ontologizado), mas sim a maneira como momentos do feminino são
tornados utilizáveis precisamente através da exclusão. Isto quer dizer que o
não-idêntico, por seu lado, deve ser concebido como o Excluído da totalidade
concreta, de certo modo material, e por isso mesmo já sempre também como o
Incluído, porque co-constitutivo. Por isso trata-se também de pôr em questão
os conceitos marxistas anteriores.
Por outras
palavras: de facto, a crítica do valor – como escreve Postone – não pode
continuar a ser concebida como uma espécie de epistemologia kantiana abstracta
social e historicamente relativizada (Postone, 2003, p. 332), pelo contrário,
ela tem de ter presente a constituição da objectividade social e da
subjectividade social, na sua intermediação – a meu ver no sentido de crítica
da dissociação e do valor. E, neste contexto, nem o abstracto, nem o
particular, nem sequer a mediação podem ser hipostasiados como princípio
originário. No entanto, aqui já não basta o pensamento em constelação de
Adorno, por muito necessário que ele seja, mas é preciso recorrer ao princípio
fundamental constitutivo da dissociação-valor, enquanto Adorno recorre apenas
ao “princípio da troca”. Ao contrário da crítica de Adorno ao “princípio
da troca”, do qual deve decorrer de certo modo unidimensionalmente a lógica
da identidade, a teoria da dissociação e do valor, contudo, já tem sempre
conhecimento da sua fragmentação intrínseca imanente, que conduz à sua
auto-limitação, e assim tem de apontar inevitavelmente para além de si mesma,
se a relação social deve ser suplantada. Isto significa que a crítica da
dissociação e do valor, precisamente como tematização da forma fundamental
(conceptualmente alargada), tem de ser relativizada e ficar absorvida na
totalidade concreta, o que também implica que não pode haver qualquer
escalonamento hierárquico entre os planos da abstracção e da concreção.
O “não-idêntico”
em Adorno não é pura e simplesmente “o que está fora” sem mais. Pelo
contrário, ele, por sua vez, corresponde muito mais ao nível das forças
produtivas, ou seja, a uma determinada configuração da “totalidade
substancial” na época fordista. Palavras-chave aqui são as já referidas:
expansão da actividade do Estado, maior aplicação da ciência à produção,
processos de racionalização e burocratização, integração da classe
trabalhadora no sentido de direitos de participação, constituição das novas
classes médias, não em último lugar tendo como pano de fundo o deslocamento
do paradigma da produção para o paradigma do consumo, a que se ligava uma
diferenciação dos estilos de vida e dos universos de vida nos planos sócio-culturais
e sócio-históricos da totalidade. Postone concebe este contexto principalmente
no plano das categorias económicas, ainda que, à semelhança de Lukács,
pretenda entendê-las num sentido abrangente (por exemplo, elas são
simultaneamente formas de pensar).
Perante o
pano de fundo destes desenvolvimentos não apenas económicos também não é de
admirar a explosão de teorias pós-modernas e pós-estruturalistas da diferença
nos últimos anos. O pensamento da diferença, do ambivalente, do contraditório,
de certo modo do não-idêntico tornou-se de facto programa, contudo sem
recorrer de modo nenhum à forma constitutiva fundamental nem à totalidade
social concreta. A constelação das diferenças era agora um objecto
esfarrapado, com o fundamento teórico geral da cultura, da sociedade, da
linguagem e do discurso quase como substituto da totalidade.
No fundo,
a insistência de Adorno no “não-idêntico” e a insistência de Postone no
valor como princípio base têm pois de ser pensadas em conjunto, isto é, como
teorias diferentemente orientadas por Marx, que têm atrás de si o fordismo ou
o pós-fordismo – ou seja, convulsões sociais concretas, para além da
tradicional oposição de classes numa determinada época histórica. Este
pensar em conjunto deveria ser concebido no sentido da teoria da dissociação e
do valor; mais ainda: esta mesma teoria tem a sua origem nesses
desenvolvimentos. Os pontos de vista das concepções de Adorno e de Postone (e
já antes de Lukács) são de facto incontornáveis, contudo, hoje, numa situação
histórica modificada, tem de se ir além delas, com base nos seus próprios
fundamentos. Há muito tempo se tornou notório que a abordagem teórica de
Postone deve ser compreendida perante o pano de fundo da chegada de novos
movimentos sociais, no contexto de uma socialização de classe média após a
segunda guerra mundial, situação em que ele aceita a dimensão qualitativa, de
certo modo sócio-ecológica, no entanto apenas em segunda linha entra na questão
das diferenças (culturais) e na questão da relação entre universalismo e
particularismo. Também as diferenças sociais quantitativas são aqui secundárias
e apenas surgem no âmbito geral, no discurso sobre a riqueza e a carência
sociais.
Ultimamente
estes novos movimentos sociais em grande parte fizeram as pazes com a situação
existente e foram mesmo recebidos de braços abertos (basta pensar na actual
excitação com a ecologia); até ao ponto de neles se poderem concretizar
pontos de viragem reaccionários, precisamente quando grande parte das classes médias
está ameaçada de queda. Está novamente em pauta a dimensão material, no
sentido das disparidades sociais. Com isto não pretendo, obviamente, voltar à
velha perspectiva de repartição, abstraindo das questões qualitativas e do
problema das diferenças, ou seja, da relação entre universalismo e
particularismo. Todavia pugno por ligar as dimensões qualitativa e quantitativa
da totalidade concreta de uma forma nova. Isto significa, por um lado, pensar
conjuntamente os eixos “raça” e sexo, mas analisando, por outro lado, a
erosão das classes médias acompanhada da rápida expansão do racismo, do
anti-semitismo e do anticiganismo. Para usar as palavras de Postone: a estrutura
profunda e a estrutura superficial (como as construções ideológicas) poderiam
ser postas novamente em relação, como intermediadas, ainda que também com a
reflexão conceptualmente modificada do princípio base, em oposição ao
marxismo do movimento operário; e, portanto, sem quaisquer escalonamentos hierárquicos
entre os diferentes planos de mediação e graus de abstracção.
Será de
considerar aqui seriamente, no sentido de Lukács (que obviamente se encontra na
tradição de Hegel e de Marx, tal como Adorno e Postone), o postulado de que a
forma também é sempre o conteúdo contraposto, razão por que é necessário
ter em conta os desenvolvimentos da realidade social e a empiria modificada. Na
circunstância, também a crítica do valor anterior tem de ter a coragem de se
examinar a si própria, na sua limitação histórica. E aqui é preciso voltar
outra vez às definições de Lukács, no seu ensaio sobre a reificação, em
que “a imediatidade e a própria mediação são momentos dum processo dialéctico”,
“cada nível do Ser (e do comportamento conceptualizador dele) tem a sua
imediatidade” que como tal deve “ser assumida” e para além da qual se
pode ir apenas com referência à sua “génese”, uma vez que as suas formas
de mediação “são mostradas como princípios estruturais da construção e
tendências reais do movimento dos próprios objectos” (ver acima a passagem
de Lukács). Isto, porém, também significa que os “princípios estruturais
da construção” e as “tendências reais do movimento” não podem ser
isolados uns dos outros nem jogados uns contra os outros, constituindo ambos,
pelo contrário, uma unidade da totalidade concreta. Por outras palavras,
simplificando: tem de se lutar sempre pela adequação das categorias gerais e
abstractas e das relações sociais empíricas e concretas. Este conhecimento clássico
de Lukács, hoje completamente esquecido, tem de ser em primeiro lugar trazido
mais uma vez à memória, de modo que os reducionismos “críticos do valor”
possam ser hoje reflectidos e suplantados tal como, por maioria de razão, as
posições pós-modernas falsamente diferentes.
Com isto
é preciso opôr-se tanto ao fervor contra o geral como ao fervor contra a
empiria, e são as mediações que devem ser procuradas, precisamente na
perspectiva do processo histórico. Pode-se encontrar avanços nesta questão
sobretudo em trabalhos extra-académicos de crítica do valor: não apenas no
que diz respeito à actual crise fundamental histórica concreta da economia
mundial, que Kurz tem vindo a considerar há duas décadas no contexto de reflexões
sobre a lógica do valor e do capital (ver sobretudo Kurz, 1987, 1991, 1995),
tal como sobre outros cenários de crise a ela associados, por exemplo a Guerra
de Ordenamento Mundial (Kurz, 2003), mas também no que diz respeito às
disparidades sociais modificadas, incluindo uma precarização das classes médias,
com referência a “raça”, classe e sexo, bem como a padrões de digestão
ideológica da crise, incluindo anti-semitismo e anticiganismo (ver, por ex.,
Dornis 2006, Rentschler 2005, 2006, Scholz, 2006, 2007).
Contudo,
é problemático quando se cai, sem mediação, do plano da forma fundamental de
certo modo para a empiria social, enfeitada com metafísica do quotidiano e
frases de filosofia da vida (como se tem visto recentemente, por exemplo, no
contexto da “Krisis” residual e na “Streifzüge” de Viena). Assim não
se suplantam as insuficiências da definição abstracta da forma e da lógica
da dedução, insuficiências que apenas são colmatadas com os erros simétricos.
Em vez disso, seria preciso mobilizar os planos estruturais de mediação, como
fizeram Lukács e Adorno no seu tempo, por exemplo recorrendo criticamente a
Weber. Isto é necessário para se poder determinar com mais precisão, nos múltiplos
contextos de mediação social, política, ideológica, cultural etc., toda a
extensão da crise capitalista hoje, na sua qualidade completamente nova, como
se pode ver no crash financeiro à
superfície da sociedade e nas suas consequências sociais reais. Um rebaixar não
mediado da crítica do valor abstracta ao existencialismo do quotidiano e a
concreções aparentes (por exemplo, no aspecto ecológico), pelo contrário,
deixa o lugar da mediação vazio e torna-se ideológico no pior sentido.
Para poder
fazer estas mediações é preciso recorrer a “teorias de fora”, porque a
teoria de Marx não dispõe de qualquer instrumental para determinados planos e
domínios. Estou a pensar, por exemplo, em Boltanski/Chiapello (2006), os quais,
em ligação com Weber, afirmam, na sequência do movimento de 1968, que nasceu
um “novo espírito do capitalismo”, nomeadamente um “meio artístico”
que se explora a si mesmo (por exemplo, nas áreas da informática e do design) e assim satisfaz as novas exigências do capitalismo. É
questionável, em todo o caso, se hoje tais atitudes de boémia não se
desvalorizarão e sancionarão a si mesmas, na senda da erosão das novas
classes médias (cf., por ex., Scholz, 2007). De certa maneira, também as
teorias da governamentalidade parecem ser apropriadas quando, recorrendo a
Foucault, analisam o “eu empresarial” (Bröckling, 2007), que recoloca as
tarefas “de cima” com uma seriedade de matar. No entanto, em tais esquemas não
são tematizados nem o problema da forma fundamental nem a dimensão das
disparidades sociais e muito menos ainda O
Colapso da Modernização, que há
muito se vem tornando bastante sensível, mesmo empiricamente (cf. Eickelpasch
i.a. 2008). Estas pesquisas também não podem, sem mais, ser acrescentadas
superficialmente à crítica da dissociação e do valor, pelo contrário, só
podem ser assumidas através duma cabal elaboração crítica.
A
“multiplicidade de planos” é assim programa, no entanto apenas na medida em
que os planos são determinados reciprocamente a partir de uma perspectiva da
totalidade histórica, o que não tem nada em comum com o ecletismo da
arbitrariedade que hoje se pode encontrar frequentemente em pretensas
“aberturas” teóricas. Neste contexto penso que a dialéctica negativa e o
seu propósito tem de facto força no que diz respeito a uma determinada fase
histórica das últimas décadas, mas ainda não representa de modo nenhum a
passagem para a suplantação do capitalismo nas actuais condições. O recurso
ao efémero, ao múltiplo, ao individual, ao particular, ao contraditório, ao
ambivalente etc. a meu ver não pode ser agora ele próprio ontologizado outra
vez. Não se pode antecipar que formas de pensamento caracterizarão uma
sociedade libertada, nem sequer com a “filosofia da vida” e em falsa
imediatidade. Parece-me, no entanto, que tem de se ir para além das anteriores
formas de racionalidade e da tensão eternamente levantada entre o sujeito
transcendental e a “coisa em si”, o que não pode consistir numa mera
“reconciliação” entre sujeito e objecto, mas exige a suplantação dos
pressupostos constitutivos desta dicotomia. Pelo menos na esfera do pensamento
pode-se fazer ideia disso.
Contudo,
por muito atingido que se esteja, também já não se pode simplesmente partir
da justeza de uma crítica imanente imediata, no sentido de Postone. Pelo contrário,
esta, no seu devir auto-reflexivo, em grande parte amplamente adorniano, tem de
colocar-se desde logo à distância e, sem ter a ilusão de um ponto de vista
para lá do mundo capitalista real, mesmo assim procurar por assim dizer
permanecer “fora dos muros da cidade”, para em todo o caso promover uma crítica
imanente, que aponte para além da situação existente, tendo, apesar disso, de
provir desta mesma.
Crítica do fetiche e da reificação como falsa
imediatidade em John Holloway
John
Holloway, em seu livro Mudar mundo sem
tomar o poder (Holloway, 2002), empreende a tentativa de tornar a crítica
do fetiche de certa maneira adequada à empiria e susceptível de prática.
Apesar de se considerar na tradição de Lukács e de Adorno, ele perde aqui
aquela distância reflexiva tão própria precisamente de Adorno. O que é
inevitável, quando se procura conciliar a teoria crítica com elementos do
operaismo ou do pós-operaismo. Holloway consegue despojar o fetiche, a forma da
mercadoria, o valor do seu carácter próprio de estarem de facto contrapostos
exteriormente aos seres humanos, apesar de feitos por estes, consegue despir
tais formas da sua estruturação objectiva e, em última instância, dissolvê-las
completamente na prática da teoria da acção.
Holloway
realiza isto por meio de um constructo: ele contrapõe ao chamado “fetichismo
rígido” um “fetichismo em processo”: “Com o primeiro conceito, o
fetichismo é compreendido como factualidade fixa, como traço estável ou
confirmado da sociedade capitalista. A segunda expressão concebe a fetichização
como uma luta permanente, como uma relação permanente de luta. (…) Aqueles
que usaram o conceito de fetichismo escolheram habitualmente a abordagem do
‘fetichismo rígido’. Este fetichismo constitui uma factualidade fechada. Na
sociedade capitalista existem relações sociais como relações entre coisas.
Relações entre sujeitos existem efectivamente como relações entre objectos.
Embora os seres humanos, na sua caracterização como espécie, sejam de
natureza criativa e prática, eles existem no capitalismo como objectos, num
estado desumanizado, despojados da sua subjectividade” (Holloway, 2002, p.
97). A abordagem do fetichismo rígido pressuporia aqui uma “fetichização do
fetichismo”: “A ideia de que a fetichização das relações sociais teria
acontecido no início do capitalismo, a ideia de que valor, capital etc. seriam
formas de relações sociais construídas numa base estável há algumas
centenas de anos baseia-se forçosamente numa separação entre constituição e
existência (…) Se o fetichismo é entendido como um facto consumado isso
implica uma identificação com as formas fetichizadas. É como se aqueles que
criticam a homogeneização do tempo se tornassem eles próprios vítimas dessa
homogeneização, supondo que o fetichismo é um facto consumado” (Holloway,
2002, p. 99).
Num
sentido de orientação para a acção imediata, Holloway também aprecia Lukács
de certo modo como personagem híbrida, que alcança a tensão entre estruturas
objectivas e subjectivas: “Falar de reificação já significa implicitamente
colocar a questão da co-existência da reificação e da sua antítese
(desreificação ou anti-reificação), bem como da essência do antagonismo e
da tensão entre uma e outra” (Holloway, 2002, p. 104). No entanto, Holloway
reprova a Lukács que “o partido” deva fazer de mediador entre estrutura e
“base”, ou, neste contexto, entre saber da estrutura e da “base” (não
sendo esse o caso no ensaio sobre a reificação por mim abordado mais acima).
Ao partido corresponde assim simultaneamente o papel de vencedor prático do
capitalismo na tomada do poder (estatal).
Neste
aspecto, a crítica é de facto correcta, mas o próprio Holloway falha o
problema no fundamental. Se Lukács, Adorno/Horkheimer e também Postone com
outro posicionamento procuram aguentar a espargata entre estrutura e acção,
entre teoria e práxis, esta relação de tensão em Holloway é aplanada e
empurrada adialecticamente para a dimensão da acção, que acaba por culminar
num tosco “populismo existencial”. Holloway não vê, ou melhor, não quer
ver que, quando dissolve a teoria na práxis, a estrutura na acção, a
constituição na existência, ele próprio “age” e procede completamente na
lógica da identidade e sem mediação, sem entender nada da dialéctica
negativa de Adorno; de facto inverte Adorno no sentido do habitual/comum, de
modo francamente adequado ao falso quotidiano, algo que para Adorno com razão já
era sempre um horror. A “não-identidade” em Holloway deve nidificar a
priori não em último lugar num “fazer” ontológico contraposto ao
trabalho abstracto; num torcer de Adorno via teoria da acção novamente para os
momentos problemáticos em Lukács, no entanto despidos da referência ao velho
movimento operário e ao marxismo de partido.
Por outras
palavras: Holloway tenta traduzir o pensamento de Adorno precisamente no Jargão
da Autenticidade por este justamente detestado, completamente no sentido do
Zero ou Um da lógica da identidade, os quais já correspondem sempre a esta lógica
no sentido de oposição aparente. Também Lukács, apesar de ter tido em vista
de algum modo o “resto não reificável”, acaba em última instância por
ser reduzido unilateralmente ao sabichão intelectual orientado pelo partido.
Obviamente por maioria de razão Adorno é vítima do ressentimento
anti-intelectual de Holloway. Em Holloway, exactamente ao contrário de Postone,
a resistência (virada contra Adorno) não vem das contradições imanentes de
estruturas objectivas e da sua dinâmica, mas (por maioria da razão contra
Adorno) de uma dimensão ontologizada do “fazer”, do quotidiano e da práxis,
dimensão que no fundo não deve ter nada a ver com o capitalismo.
Embora
Holloway, como discípulo de Adorno, recorra a um sujeito já sempre
deteriorado, precisamente o mesmo sujeito mostra-se nele de certo modo a salvo
da deterioração, pois é a priori
transcendente e resistente, no fundo inocente. Na verdade, somos todos crianças
de três anos, que não prescindimos do chupa-chupa e ai se não o recebemos!
Começamos logo a gritar! E gritamos sem parar, como se fôssemos membros dum
grupo Bahgwan do princípio dos anos oitenta; tais momentos e ideologias há
muito que entraram no coaching da gestão
e do futebol profissional, para conseguir o máximo de rendimento. Holloway
afirma, pelo contrário: “O grito contra é antes de mais negativo. Ele é
recusa, a negação da subordinação. É o grito de revolta (…) A revolta é
uma componente central da experiência do quotidiano, desde a não obediência
das crianças, passando pelo amaldiçoar do despertador (…) por todas as
formas de baixa por doença, de sabotagem, de simulação do trabalho, até ao
levantamento aberto (…) Mesmo nas sociedades aparentemente disciplinadas, em
que a subordinação parece completamente imposta, a revolta nunca está
ausente: ela está sempre presente como cultura de resistência” (Holloway,
2002, p. 173). Aqui se torna claro que o seu conceito de fetiche virado para a
teoria da acção é pensado acima de tudo para si mesmo e é igual a si mesmo.
É verdade
que Holloway ocasionalmente chama a atenção: Que fazemos nós com as mulheres,
com os homosexuais, com os negros etc.? (Holloway, 2002, p. 161 sgs.) Contudo,
estes aparecem tão pouco no seu discurso rebaixado à teoria da acção como na
tematização do fetichismo em termos de teoria da estrutura abstracta. Eles
permanecem um corpo estranho, que é de facto bom, porque de algum modo se
defende. No entanto continua completamente por esclarecer como é que tudo isso
se relaciona com o fetichismo. Holloway regride, assim, para trás do
conhecimento de Lukács, de que na reflexão crítica corresponde uma verdade
mais elevada aos “princípios estruturais da construção e tendências de
desenvolvimento da sociedade” do que aos factos separados da sua génese e à
imediatidade (e isto ainda antes de ter atribuído dignidade ao “partido”).
Uma vez
que Holloway, fixado na imediatidade, constrói uma falsa ontologia da resistência
“gritante”, a relação de tensão entre objectividade negativa e indivíduos
agentes é escamoteada e, ao contrário de Adorno, o conceito dissolve-se numa
empiria da arbitrariedade, em vez de se chegar à tensão entre conceito e
empiria. Deste modo, ele aterra em última instância num positivismo do
ser-assim [So-Sein] que já não conhece qualquer totalidade social em geral.
Pelo contrário, a crítica da dissociação e do valor tem de assumir para si a
pretensão de, exactamente por isso, dar espaço ao não-idêntico e às
diversas diferenças empíricas, sem renunciar a si mesma, precisamente porque não
está restringida ao positivismo da empiria.
Para
Holloway, na verdade, trata-se pouco de Mudar
o Mundo sem Tomar o Poder, pelo contrário, ele recorre na imanência a uma
metafísica do quotidiano e a uma “ideologia da práxis”, no sentido de uma
ideia de sujeito da filosofia existencialista, para lá do sujeito (“clássico”).
No fundo Holloway abandona completamente a crítica do fetiche na sua
reinterpretação e desloca-se (teórica e praticamente) para um trilho
completamente diferente: o da filosofia da existência fenomenológica. O que não
se realiza de forma expressa, mas sim sugestivamente, numa linguagem
emocionalmente apelativa (fazer, feito, grito, resistência quotidiana etc.)
relativamente ao sujeito no fundo pensado inocente (mesmo ideologicamente) e que
proíbe qualquer exigência de fundamentação racional. Isto não tem nada a
ver com uma viragem para a totalidade concreta, como nós a exigimos, a qual não
se pode simplesmente abstrair a partir da relação de fetiche autonomizada, mas
nolens volens está ligada a esta. Em
Holloway, pelo contrário, o ser humano imediatamente “existente” é
abstractamente hipostasiado, numa perspectiva falsamente humanista, que já Lukács
rejeitara no seu ensaio sobre a reificação.
Em tal
conceito podem sentir-se interessadas sobretudo as classes médias ameaçadas de
queda e amedrontadas, na imediatidade da sua actual situação/existência, a
qual constitui o ponto de partida tácito do pensamento de Holloway. O carácter
desta vida de medo ideologizada, que no fundo quer ficar como está,
precisamente na concreção simulada do “mudar o mundo”, manifestou-se
ultimamente, por exemplo, na Obama-mania. Holloway dá de si uma imagem de
quebrador de tabus; no entanto, é óbvio que nele são desfocados situações e
interesses imanentes específicos, numa névoa de afectação ontologizada. Também
na sua idealização dos zapatistas as projecções das classes médias
ocidentais mais uma vez desempenham um papel fundamental, como já aconteceu nas
décadas passadas com diversos movimentos de libertação do “Terceiro
Mundo”. Aqui também não restam dúvidas de que a perversão perfeitamente kitsch
da crítica do fetichismo na teoria da acção tem uma função mais
complementar e flanqueadora, se comparada com a ideia diferentemente posicionada
mas igualmente ontológica de multitude
em Hardt/Negri (Hardt/Negri, 2002), como também veremos. Um tal pensamento pode
ter consequências fatais, precisamente agora, em tempos de uma crise mundial do
capitalismo nova, que leva a uma situação existencial precária e como tal
também sofrida.
Imediatidade antidialéctica em Hardt/Negri e em
Badiou
Holloway
parte do princípio de que o capital está unilateralmente dependente do
“trabalho”, situação em que, no entanto e ao contrário do velho
operaismo, não pretende positivar a “classe operária” como sujeito (o
lugar do paradigma da luta de classes é então ocupado por um “grito originário”,
igualmente ontológico, do não-idêntico em geral). Hardt/Negri no seu livo Empire
chegam a resultados semelhantes. Para eles uma multitude
pensada amorfa e as suas revoltas igualmente espontâneas é que assumem o papel
principal. A este conceito-capa são difusamente subsumidos as mulheres e os
“negros”, e em geral todos os movimentos “diferentes”, até à “revolução
islâmica” do Ayatollah Khomeini. Aqui o Empire
(os E.U.A. como polícia mundial) substituiu o imperialismo, o qual já não
representa toscos interesses imperialistas, mas está entretecido com a
sociedade mundial. O Empire, porém, não
constitui qualquer poder de abrangência universal, pelo contrário, a “multidão”
é que é “a verdadeira força produtiva do mundo social, enquanto o Empire
é um aparelho de exploração que vive da força vital da multidão – ou
seja, para dizê-lo à maneira de Marx, é um regime de trabalho morto acumulado
que apenas consegue sobreviver sugando vampirescamente o sangue dos vivos”
(Hardt/Negri cit. em Holloway 2002, p. 194).
Holloway
(como de resto também a Escola da Regulação) acusa agora tais abordagens de
conceberem o capitalismo ainda e sempre como sistema, separando portanto
funcionalistamente “constituição e existência”, e de serem no fundo muito
pouco vitalistas e muito pouco subjectivamente orientados. Objectando ele
fundamentalmente que aqui são deixadas cair a crítica do fetichismo e a dialéctica.
No entanto, como vimos, o próprio Holloway tem um entendimento do fetichismo e
da dialéctica que apaga amplamente as estruturas objectivas e localiza
imediatamente uma concretude simulada no sujeito pensado de facto contraditório,
mas em termos de filosofia da vida e positivamente inocente, sujeito que, de
acordo com o seu próprio conceito, não é reconhecido como momento da própria
constituição fetichista. Holloway rejeita também a abordagem “biopolítica”
de Hardt/Negri, a qual prevê uma espécie de cruzamento cibernético de
animais, homens e máquinas. Mas a sua crítica limita-se ao facto de que
Hardt/Negri não teriam propagado uma resistência-em-si ao capitalismo desde o
início, e só veriam essa possibilidade agora, quando o “trabalho
imaterial”, como trabalho de comunicação e relacionamento, dissolve o
“velho” trabalho produtivo. Perante este pano de fundo, Holloway também
critica o “militante”, uma figura em que Hardt/Negri insistem, sendo que
Holloway, no entanto, a meu ver, na sua negação abstracta desta figura, por
assim dizer invoca ainda “mais militantemente” uma espécie de sujeito
“supermilitante” do quotidiano e da “existência”, que já nem sequer
pretende/deve ambicionar o poder. Se assim não fosse como poderia o fetichismo
ser concebido como o verdadeiro santuário da resistência no quotidiano? (cf.
Holloway, 2002, p. 194 sgs.).
A crítica
truncada de Holloway a Hardt/Negri encobre que em ambos os casos ocorre uma
dissolução perfeitamente idêntica da totalidade concreta, numa invocação
vitalística da “existência” imediata. Se Karin Priester verifica uma
“sorelização” (6) em Hardt e Negri, o mesmo se aplica no fundo a Holloway.
Com “sorelização” ela refere-se ao processo que vai, pé ante pé, dum
ponto de vista de esquerda para um ponto de vista fascista de filosofia da vida,
como se pode verificar por exemplo em Mussolini. “Já antes do advento do
fascismo, a filosofia da vida era a ponte de passagem dum ponto de vista
racionalista para um ponto de vista irracional. Também hoje tal processo de
sorelização está novamente em marcha em partes da esquerda. Ele segue o
trilho da filosofia da vida pós-moderna. Em vez de conceitos claros e análises
racionais, ganha terreno um discurso obscuro, um modo de escrever metafórico. O
conhecimento objectivo é denunciado como instrumento de dominação e
simultaneamente cresce o interesse por toda a espécie subjectivismos, pelas
expressões de sentimentos, pelas manifestações de vontade, pelas afectações”
(Priester, 2008, p. 49).
É verdade
que Priester argumenta aqui unilateralmente do ponto de vista da tradicional
perspectiva das classes, no modo de ver reducionista do racionalismo, em vez de
ver racionalismo e romantização dialecticamente mediados, e a partir daí então
explicar e criticar hoje o renascimento da filosofia da vida também na
esquerda. Não obstante, deve ser tomada a sério a sua crítica ao vitalismo (pós-operaista),
até ao “grito” de Holloway, quando ela aponta para a síndrome da falsa
imediatidade e para a falta de um desenvolvimento analítico do conceito de relação
de fetiche até à totalidade concreta. O aviso de Priester sobre a
possibilidade de uma viragem para o fascismo destes modos de pensar em expansão
é mais que justo e de maneira nenhuma deve ser posto de lado, como exagero
desproporcionado ou denúncia grosseira. Ainda que os fascismos tradicionais
estejam hoje excluídos, perante o pano de fundo de uma sociedade capitalista
mundial modificada, apesar disso é mais que provável de futuro uma nova
fabricação autoritária da ordem e uma crescente exclusão social-darwinista
no contexto das construções da diferença, à medida que o capitalismo se
desconjunta. A falsa imediatidade fundada na filosofia da vida, com a sua falta
de perspectiva da totalidade, pode tornar-se o veículo para isso.
À adição
desconexa e superficial de “diferenças” e à celebração vitalista do
“Ser-assim” [“Sosein”] existencial corresponde, de certa maneira como
imagem invertida, a abordagem de Alain Badiou (2002) que, pelo contrário,
propaga um novo universalismo, cujo arquétipo deverá encontrar-se em S. Paulo.
Consequentemente este é promovido a novas honras, a fim de aproximar o problema
universalismo-particularismo de uma solução, em última instância a favor do
universalismo (do sujeito clássico), por exemplo na forma de um novo
“leninismo” e, deste modo, constituir novamente a ordem soberana, ainda que
seja claro que Badiou julga negativamente as “ditaduras comunistas”.
Mesmo
assim, em cada análise histórica da condicionalidade desse “comunismo” e
da sua integração no mercado mundial, ele gostaria de reconhecer, contra o
universalismo capitalista dominante, princípios de um
“contra-universalismo”, os quais também deveriam ser reformulados, face ao
pensamento pós-moderno da diferença: “Que realidade
unificadora é esta que subjaz à valorização das virtudes culturais dos
subconjuntos reprimidos, a este louvor retórico dos particularismos
comunitários (os quais apontam, afinal, além da língua, sempre para a raça,
a nação, a religião ou o sexo)? Esta realidade é, ao que tudo indica, a
abstracção monetária, cuja falsa universalidade combina muito bem com a
variedade comunitária. É preciso reconhecer à longa experiência das
ditaduras comunistas o mérito de ter mostrado que a globalização financeira,
a ilimitada dominação da universalidade vazia do capital, tinha apenas um
inimigo verdadeiro, a saber, um princípio universal diferente, ainda que tenha falhado e tenha sido sangrento, e que àqueles
que estavam dispostos a elogiar ilimitadamente os méritos liberais do
equivalente geral ou as virtudes democráticas da comunicação comercial, só
Lenine ou Mao realmente metiam medo (…) Não se detém seguramente a devastação
renunciando ao universal concreto das verdades e proclamando em vez destas o
direito das ‘minorias’ raciais, religiosas, nacionais ou sexuais. Não,
nunca nos conformaremos a que os direitos do pensamento obrigado à verdade
deixem de poder conhecer outra instância que não o monetarismo do comércio
livre e o seu medíocre pendant político
do parlamentarismo capitalista, que cada vez menos consegue tapar a miséria com
a bela palavra ‘democracia’. Essa é a razão porque Paulo, ele próprio
contemporâneo de uma monumental destruição de toda a política, (…) é para
nós do mais alto interesse” (Badiou, 2002, p. 14 sgs.).
A crítica
de Badiou ao universalismo capitalista é obviamente truncada; em crassa regressão
para trás da corrente de reflexão de, por exemplo, Lukács, Adorno e Postone,
no seu texto o problema da forma dissolve-se num conglomerado de
conceptualidades superficiais de “abstracção monetária”, “universalismo
vazio do capital”, “comunicação comercial”, “monetarismo do comércio
livre” e “parlamentarismo capitalista”, que no seu conjunto são compatíveis
com o murmúrio reaccionário da “dança em volta do bezerro de ouro”. A sua
ideia difusa de “outro universalismo” obnubila correspondentemente de novo o
não-idêntico, o diferente, o particular etc., situação em que, por maioria
de razão, a perspectiva da totalidade concreta se perde e se nivela de novo de
forma abstracta e evidentemente dum universalismo androcêntrico.
Paulo –
o proto-revolucionário! A lei patriarcal no sentido do semitismo (!) será
aquela contra a qual é válido opor-se fundamentalmente, perante o irresistível
Novo de um “universalismo diferente” – uma perspectiva extraordinariamente
tentadora, face às relações geradoras de pânico à saída do capitalismo,
principalmente também para as classes médias precárias e para os “homens
transformados em donas de casa” (Claudia v. Werlhof): “A questão é que
Paulo pretende descobrir que lei pode estruturar um sujeito desprovido de
qualquer identidade, sujeito que depende de um evento singular,
cuja única ‘prova’ consiste precisamente no compromisso dum sujeito com
esse evento” (Badiou, 2002, p. 13).
É neste
pensamento, tal como na posição na aparência formalmente contrária de
Holloway e Hardt/Negri, que se apoia a viragem para o fabrico da ordem sem mediação.
Esta também é uma maneira como o pensamento de esquerda e o de direita se
podem transformar um no outro; não por acaso Badiou até já foi acusado de uma
Carl-Schmittização do pensamento de esquerda.
O momento
da filosofia da vida e da existência surge aqui apenas meramente invertido, em
roupagem universalística, mas igualmente abstracto, sem reflectir a forma
fundamental nem a totalidade concreta. Por isso também Badiou rejeita em geral
uma referência reflexiva e discursiva ao processo histórico. Ele anula a tensão
entre estrutura e acção, bem como entre teoria e práxis, e chega, ainda que
doutra maneira, à falsa imediatidade. Decisiva para ele é uma espécie de fé
secularizada, como se lhe apresenta a ressurreição de Cristo para Paulo,
enquanto “evento”. Nessa medida, no centro das suas exposições está a
profissão de fé, que deve ser depositada incondicionalmente e sem fundamentação,
como fez Paulo desde a sua cavalgada para Damasco! Para ele o “outro”
universalismo está assim completamente fundamentado na teologia.
É uma
ironia da história que tenha sido precisamente o presidente da diversidade,
Obama, a chegar ao leme para governar universalisticamente para todos, quer
dizer, sobretudo para as classes médias (brancas) que lhe proporcionaram o
poder. No entanto, o governo de Obama poderá ser apenas um estádio transitório
para uma pós-moderna busca da autoridade, caso não consiga a quadratura do círculo
exigida na actual queda acelerada do capitalismo, o que é altamente provável.
É nas rejeições do próprio universalismo abstracto e androcêntrico que o
pensamento de Badiou se move. A sua metáfora não mediada de Paulo/Lenine, no
lugar da análise crítica multifacetada da totalidade concreta, encontra-se
implicitamente, além de em Obama, na prática também em Chavez, Lula e Cª, ou
mesmo no Linkspartei, ou seja, em toda a parte em que o universalismo se
apresenta em ideologias estatistas. Em contrapartida, a correspondência ao
estilo do movimento das ideologias existencialistas-vitalistas de Holloway e
Hardt/Negri pode ser vista nos conceitos de uma “economia solidária” ou nos
esforços de uma “autonomia” modelarmente particularista, bem como na
ideologia dos Zapatistas, altamente considerada em diversos círculos de
esquerda, que vai trapaceando à margem do contexto de mediação social total.
As duas posições poderão vir a encontrar-se novamente unidas na celebração
de uma “experiência imediata” e de uma direcção (estatal-nacional) a
partir de cima.
Assim,
Badiou também não transforma o entendimento da dialéctica da antiga esquerda,
pelo contrário, nega consequentemente qualquer pensamento dialéctico. Este
simplesmente perturbaria o puro “evento”. Por conseguinte, em vão se
procura nele uma discussão com Kant ou com Hegel da problemática
sujeito-objecto e da filosofia da história. O problema da mediação é
completamente dissolvido na “profissão de fé” sem fundamento do sujeito no
“kairos” do “evento” mistificatório. O mesmo se passa também com
Hardt/Negri. A persistente erupção ontológica duma multitude
multiforme a partir de baixo igualmente concorda mal com o conceito de mediação,
no sentido de procedimento dialéctico.
Ainda hoje
está por elaborar um modo de proceder dialéctico que não subsuma novamente o
particular ao geral nem escamoteie a objectividade negativa da forma
fundamental. Isto aplica-se tanto mais quanto o falhanço de Obama como messias
negro, inclusive das próprias classes médias brancas, já está pré-programado
e o apelo a chefes (brancos) pode voltar a fazer-se ouvir tanto mais alto quanto
menos a actual situação de decadência consiga reconstruir a (velha) ordem e,
precisamente com este anseio, fortaleça tanto mais situações anómicas,
quanto o colapso da modernização
desaba sobre nós de modo tudo menos “à maneira do kairos” e
subjectivamente querido ou induzido. O facto de a esquerda se ter ela própria
desabituado em grande parte da dialéctica ainda poderá sair amargamente caro.
O falso retorno da dialéctica após o seu
suposto fim
A última
vez que a dialéctica deu que falar em grande estilo (abstraindo do seu
entendimento no marxismo do bloco de Leste) foi no chamado debate sobre o
positivismo nos anos sessenta. Nas últimas décadas, no entanto, reinou o silêncio
sobre ela. É verdade que, na sequência do movimento de 1968 e de um certo
revivalismo do marxismo, também ligado a um pensamento da luta de classes
desacoplado do seu campo de referência histórico, houve de certo modo referências
à dialéctica (os livros sobre o tema podem ser adquiridos em alfarrabistas nas
feiras do livro de esquerda). No entanto, a dialéctica orientada para a dimensão
profunda da forma da mercadoria, por exemplo por Lukács, foi sendo
progressivamente perdida, devido à referência meramente abstracta à luta de
classes. Neste espaço de tempo ocorreram também os começos de uma entretanto
designada “nova leitura de Marx” proveniente da crítica do valor (Backhaus,
Reichelt etc.) que, pelo contrário, invocava Adorno e se esforçava por
conseguir filologicamente o “método dialéctico” da exposição de Marx,
enquanto, por outro lado e contrariamente a Lukács e Adorno, há muito lhe
faltava a referência ao desenvolvimento histórico real e à totalidade
concreta. O mais tardar desde o fim dos anos setenta, no entanto, o mainstream
abandonou completamente a dialéctica; esta era considerada
irremediavelmente antiquada, ainda que se pudessem encontrar indícios
elementares dela em muitos conceitos da teoria social, mesmo burguesa (cf.
Kuchler, 2005). (7)
Só mais
recentemente se pôde constituir uma nova conjuntura de “dialéctica”. (8)
Pelo que
me é dado ver, estas novas publicações e orientações continuam, no entanto,
sem se referirem ao problema da mediação social do conteúdo, ou seja, por um
lado, à totalidade concreta e a uma “teoria da empiria” numa dimensão
processualmente histórica, a qual, por outro lado, se constrói sobre reflexões
analíticas da forma. É o que se vê, por exemplo, em considerações recentes
de Wolfgang Fritz Haug. No seu texto Por
uma Dialéctica Prática (2008) nota-se uma clara regressão. Ele cita sem
cerimónias Lenine, Mao etc. num contexto de “filosofia da práxis”, em que
a dialéctica é entendida sobretudo como instrumento de estratégia política,
razão porque também a obra de Clausewitz Da
Guerra desempenha um papel relevante (Haug, 2008). Teorias da dialéctica críticas
do fetichismo, como as do jovem Lukács e de Adorno, parecem a Haug simplesmente
estranhas e suspeitas. Uma dialéctica assim “política”, mais uma vez
orientada para a acção imediata (se bem que num sentido marxista tradicional),
falha por seu turno o problema da mediação da totalidade concreta na sua
dimensão histórica. Já Lukács criticava a social-democracia do seu tempo
orientada para os factos e que, esquecida no fundo da totalidade e da história,
virava-se para o ponto de vista positivista burguês, permanecia na imediatidade
e descobria no Estado interventor um advogado da humanidade, surgindo economia e
Estado como contrapostos e parecendo o Estado desligado do desenvolvimento da
economia capitalista.
A crítica
reiterada de Haug ao “economismo” regride para trás de Lukács, para quem
também a crítica igualmente unilateral ao “politicismo” era idêntica àquela:
“Já a separação mecânica de economia e política tem de tornar impossível
a acção realmente operante que precisa de se dirigir à totalidade da
sociedade, a qual assenta numa incessante interacção recíproca de ambos os
momentos. Assim, o fatalismo económico impede qualquer acção enérgica no domínio
económico, enquanto o utopismo estatista se orienta no sentido da esperança
num milagre ou de uma política aventureira de ilusões. O desenvolvimento da
social-democracia mostra cada vez mais esta decomposição da unidade prática
dialéctica numa justaposição inorgânica de empirismo e utopismo, de colagem
aos ‘factos’ (na sua imediatidade insuperada) e de vão ilusionismo alheio
ao presente e à história” (Lukács, 1923/1967, p. 214).
Contra
isso, na dialéctica “politico-estrategicamente” truncada de Haug, que
representa uma versão própria da falsa imediatidade, a “crítica do
economismo” serve apenas para remover desde logo “no interesse da prática”
a problemática fundamental da forma. Pelo contrário, para Lukács (conforme
citado acima) “só se encontra a prática como princípio da filosofia quando
simultaneamente se mostra um conceito de forma” que reflecte criticamente os
“princípios estruturais de construção” basilares na sua dinâmica histórica
concreta imanente, e se recorta o “modificar da realidade” no “substrato
concreto e material do agir”, neste sentido e não em qualquer outro. A
“dialéctica prática” de Haug, inversamente, permanece sob a égide da
forma política burguesa. Esta dialéctica truncada de “relações de força
políticas” degenera então furtivamente em concepções estatistas,
concretamente ao abrigo do Linkspartei, que no fundo se limitou a tomar o
partido da social-democracia clássica e cuja orientação keynesiana pode hoje
ser de facto designada, com Lukács e com uma certa ironia, como “utopismo
estatista” e “política aventureira de ilusões”. Não deixa de ser
desconcertante que este juízo tenha sido formulado já na década de 1920. Isto
vale não apenas para o Linkspartei, mas aplica-se também a grande parte da
esquerda do movimento, que desde o grande crash
financeiro vem piscando o olho às esperanças keynesiano-estatistas, apesar
de se impor o prognóstico da bancarrota do próprio Estado.
Lukács
antecipou aqui logicamente algo que apenas muitas décadas depois se realizou;
para ele, ainda se situava no futuro a era do Estado de bem-estar keynesiano que
agora não passa de nostalgia. Enquanto, no entendimento dialéctico da práxis
de Lukács, a crítica do princípio da forma já está sempre pressuposta e, não
permanecendo abstracta, tem, desde logo, de se predispor a se tornar
“impureza”, através do conteúdo histórico concreto, em Haug, bem como em
toda a espécie de administradores da crise e de cucos neoliberais, a práxis
existe por assim dizer “pura” – como práxis abstracta que já não tem de
ser decifrada e é formulada aquém da problemática da forma fetichista.
No
entanto, só no contexto da tematização desta problemática da forma se pode
conceptualizar também o colapso do “socialismo realmente existente”,
incluindo o seu percurso histórico concreto (cf. Kurz, 1991). Haug e outras
esquerdas, precisamente a este respeito, exercitam pelo contrário a prática do
esquecimento da história; não apenas do que era o socialismo real, como formação
social, mas também do que diz respeito à ruína do “marxismo soviético”,
de cujas deficiências já Adorno e outros teóricos da Escola de Frankfurt
estavam cientes. Este colapso volta a ser fundamentado de modo plenamente
superficial apenas “politicamente” (“falta de democratização”) e sem
conceptualização teórica (“dogmatismo monolítico”); numa embaraçante
regressão keynesiana, no que à crítica da economia política diz respeito. As
verdadeiras causas na constituição da forma histórica são assim amplamente
ignoradas e continuam por elaborar. Não se procuram as razões mais profundas;
procede-se como se este fracasso fosse irrelevante para novas ideias de uma
sociedade emancipada e como se pudéssemos sem mais reportar-nos à
correspondente tradição de outra maneira. Haug representa de certo modo uma
variante da lenda estatista-universalista de Paulo, por exemplo contra a
abordagem de Holloway; mas, diferentemente de Badiou, nas vestes do dialéctico
da relação de forças da velha esquerda, que procura fazer o coaching
dos que gritam “de baixo”, com pretensa estratégia política.
Por outro
lado, importa também resguardarmo-nos do entendimento da dialéctica “da nova
crítica do valor”, que acusa Lukács de analogamente ter passado a uma crítica
quantificadora da forma da mercadoria, por ter recorrido à análise racional
formal de Max Weber, em vez de recorrer à análise que verdadeiramente está
por fazer da passagem da subsunção formal à subsunção real do trabalho, na
sequência da reconstrução filológica da “dialéctica da forma do valor”
em O Capital de Marx (assim em Elbe,
2007, p. 26). No entanto, não se percebe aqui que a subsunção real já desde
o período entre guerras desenvolvera uma qualidade completamente nova,
diferente do entendimento que até no próprio Marx se refere apenas ao processo
de produção. De facto, no pós-fordismo surgiram novas funções de subsunção
real, por exemplo na constituição de novas classes médias no domínio dos
serviços, com as quais Marx ainda nem sequer contava. Nesta medida, a concepção
de Weber não assinala apenas uma teoria burguesa abstracta, mas surge nela, se
bem que com outros conceitos, aquela nova qualidade social assinalada desde a
primeira metade do século XX, que Lukács e Adorno reconheceram. Nessa mesma
medida, esta referência tem o seu direito relativo, tanto contra a ortodoxia do
marxismo das classes, como também contra os fundamentalismos da dedução filológica
da crítica do valor (ou até uma amálgama de ambos, que também ocorre). Lukács
é aqui, mais uma vez, uma personagem híbrida na elaboração teórica, na
medida em que ele, por um lado, atribui um papel central à tradicional oposição
das classes, por outro lado, no entanto, em vez de argumentar com uma subsunção
real simples ao capital (limitada ao domínio da produção), permite,
referindo-se entre outros a Weber, o desenvolvimento da totalidade histórica
concreta, ou seja, do princípio fundamental do valor na sua objectividade
aparente e simultaneamente real. Por isso, hoje, trata-se de historicizar também
Weber e averiguar a dramatização real das suas reflexões, numa administração
computorizada abrangente, que exige uma transformação renovada num nível mais
elevado (particularmente “sensível”, por exemplo, para os utilizadores do
Hartz-IV), precisamente onde (novas) desigualdades sociais estão a ser
(novamente) construídas. (9)
Conclusão: alegações finais por um realismo
dialéctico, hoje, para lá dos esquematismos tradicionais
O
desaparecimento da dialéctica do discurso das ciências sociais desde os anos
oitenta também tem de ser visto no contexto da “pacificação do conflito das
classes” (Habermas) e ainda, numa formalização dialéctica, da integração
da classe trabalhadora e da garantia dos direitos de participação, o que teve
como consequência uma socialização de classe média generalizada. Perante
este pano de fundo também se pode compreender o discurso dos membros da Escola
de Frankfurt sobre o “mundo administrado” e a sua hipótese de paralisação
da dialéctica no sentido antigo. Contudo, este entendimento tem de ser
modificado e corrigido, quando o Colapso
da Modernização entra no campo de visão.
Na pós-modernidade,
o Conceito foi generalizadamente desacoplado da materialidade, em conexão com a
“culturalização do social”, o que tinha a sua força propulsora no chamado
“efeito elevador” (Ulrich Beck) do fordismo (melhoria e relativo nivelamento
da situação material, apesar de se manterem as diferenças sociais), porque
estavam em primeiro plano a multiplicidade, a diferença e a pluralidade de
estilos de vida. Esta tendência real foi filosoficamente antecipada já na Dialéctica
Negativa de Adorno, na acentuação dos diferentes múltiplos, individuais e
particulares; no entanto, não afirmativa e positivistamente, nem renunciando à
reflexão crítica do princípio da forma social, como nas teorias pós-estruturalistas
e pós-modernas. Como reacção de curto alcance a estas últimas, pode hoje
observar-se, sob o impacto da crise, o regresso a um entendimento
“conservador” da dialéctica, à maneira do antigo marxismo, que não alcança
o nível de reflexão da linha Lukács-Adorno-Postone.
Em vez
disso, era bom que se tratasse da renovação e desenvolvimento do entendimento
da dialéctica entre forma abstracta e desenvolvimento histórico concreto,
quando a socialização de classe média falha e aumenta cada vez mais o fosso
entre ricos e pobres, situação com a qual se pode lidar tão pouco com o
marxismo tradicional da luta de classes como com projectos de reforma de vida
pseudo-alternativos.
Assim,
trata-se de uma nova determinação das relações sociais mundiais, no sentido
da totalidade concreta desenvolvida, que não pode ter medo dos “baixos níveis
da empiria” (Kant) e, nessa medida, também de acordo com Adorno, tem de dar
prioridade ao objecto real. A teoria tem de se modificar quando a realidade
social se modifica, situação em que, no entanto, também não se pode abdicar
da crítica do princípio da forma, nem portanto da diferenciação entre essência
e aparência. A empiria e os planos da análise concreta não devem ser
subordinados à definição da forma social fundamental, como aconteceu durante
muito tempo, e ainda acontece, nos contextos da crítica do valor.
No
entanto, inversamente, também a empiria e as análises sociais concretas, ou críticas
da ideologia, não podem, por sua vez, ser colocadas em primeiro lugar, contra a
determinação geral da forma social das relações fetichistas. Sem embargo, o
próprio entendimento da forma fundamental tem de ser aprofundado, até à
definição basilar de valor, de trabalho abstracto e de sujeito automático,
incluindo simultaneamente a dimensão da dissociação sexual. Aqui se enquadram
também a diferenciação e a interacção dos diferentes planos do tempo (tempo
concreto do desenvolvimento, tempo abstracto do valor, lógica de “esbanjar
tempo” no domínio da reprodução). É neste contexto que se pode determinar
a dinâmica da forma do capital, ou da mais-valia, como desenvolvimento de uma
“totalidade substancial”.
Também é
preciso ligar a crítica da forma, como crítica radical do trabalho e da
dissociação, com a análise e questionamento das novas disparidades sociais;
como já se viu, problemas qualitativos e quantitativos não podem ser jogados
uns contra os outros (como acontece em Postone sob diversos aspectos). Perante o
pano de fundo do processo histórico mais desenvolvido, será preciso analisar,
por exemplo, como uma determinada ideologia do “novo centro” (ecologia,
alterações climáticas etc.) está ligada à reconstrução radical da
sociedade de crise e a novas estratificações sociais (degradação do nível
de bem-estar, juntamente com as novas orientações afirmativas
correspondentes); uma tendência em que Postone, por exemplo, nem sequer pensou.
Assim se esboça uma “síntese”, tão precária como temporária, tornada
possível num determinado estádio de decadência da sociedade e do Estado de
bem-estar social. É assim que, precisamente na crise, tornam a ser aligeiradas
com indiferença medidas ecológicas, propagando-se simultaneamente, porém, os
automóveis ecológicos como “automóveis do futuro”; a síntese imanente
deste paradoxo é constituída talvez pelos absurdos “prémios de abate”.
Por muito pertinente que seja constatar um limite ecológico e um adiantado
esgotamento dos combustíveis fósseis, tão pouco o conhecimento desta situação
está por isso imune a ser instrumentalizado por uma ideologia de conservação
dos recursos, com orientação de classe média inconscientemente encoberta;
situação em que o tradicional mestre talhante apenas tem de fazer algo na
verdade simplesmente condicionado que, por outro lado, para a correspondente
mentalidade de classe média pós-modernamente sensível à ecologia, no
entanto, também não faz uma diferença de princípio assim tão grande.
Neste
contexto é previsível que, na senda da precarização das classes médias e da
nova crise económica mundial, a demarcação dos “outros” seja ainda mais
acentuada. Neste caso é preciso ter em conta também o facto de que, após uma
apreciação das diferenças e do sentido crítico da identidade, como ainda se
via nos anos noventa, hoje está em marcha, de certa maneira, uma acentuada antítese
de “identidade” e “normalização”. É o caso do flagrante aumento do
racismo, do anti-semitismo e do anticiganismo nos últimos anos, não por acaso
aqui frisado diversas vezes, situação em que as “identidades híbridas” no
futuro poderão ser particularmente afectadas, porque infringem o “mandamento
de pureza” e porque, precisamente na crise, são vivenciadas como capazes de
uma concorrência ameaçadora. Contra a viragem iminente para os novos fautores
da ordem de diversas proveniências, terá de se viabilizar um novo fundamento
do diferente, do não-idêntico, do particular etc., na perspectiva da
totalidade concreta. Isto vale tanto mais se o diferente já não vem de par com
uma orientação de estilo de vida variegado e uma pluralização dos universos
de vida que permita um alinhamento relativamente conveniente pelo “múltiplo”
na sociedade de classe média pluralizada, como ainda se podia encontrar pelos
anos noventa dentro, perante o pano de fundo de uma situação de bem-estar
assegurado, sendo agora esta conveniente pluralidade, pelo contrário,
veementemente revogada na concorrência de crise.
Esta tendência
só aparentemente é contrariada pela conquista parcial de posições de poder
pelas mulheres e por “outros Outros”, pois também aí se pode
simultaneamente reconhecer uma dialéctica própria: é que elas chegam ao poder
quando o sujeito masculino e branco ocidental (MBO), na senda do Colapso
da Modernização, se revelou como aprendiz de feiticeiro. Agora são
pessoas dos grupos da população até aqui marginalizados e discriminados que
devem pôr as coisas em ordem e salvar o que já não tem salvação. É uma falácia
pretender que deste modo cheguem ao fim dimensões de desigualdade, tais como
“raça” e género; pelo contrário, tais tendências de “empossamento”,
na fase de decadência do capitalismo, têm como pressuposto estrutural o
sexismo e o racismo, profundamente assentes em toda a história do patriarcado
produtor de mercadorias. Não são só as mulheres que têm de funcionar na
crise como “produto de limpeza e desinfecção” (Thürmer-Rohr, 1987), mas
também os “outros Outros”, situação em que a perpetuação do princípio
base permanece, como pressuposto tácito.
Se eu hoje
pugno por uma redescoberta da dialéctica, não se trata para mim de, sob estas
condições de crise, activar “fantasias dialécticas”, no sentido de que o
“possível” nos domínios marginais e nos restos do “não-idêntico”
ocupe o foco da atenção, como era naturalmente o caso com diversos
representantes da teoria crítica sob outras condições, pelo menos em
determinadas fases (ver, Jay, 1976, particularmente p. 103 sgs.). Pelo contrário,
a dialéctica entre a determinação da forma abstracta e a totalidade concreta
só pode ser reactivada no sentido de que assim, perante as falhas sociais e os
processos de dissolução, tanto dos limites ecológicos externos como dos
limites económicos internos e da “situação” global que com isso fica à
vista, seja posta na ordem do dia a necessidade, mesmo a urgência absoluta de
um revolucionamento radical de toda a sociedade – ainda que tal, de momento,
pareça ser completamente impossível. No entanto é de afirmar esta
perspectiva, pois tanto a política oficial como também o Linkspartei e a
iniciativa-Obama dos democratas americanos são apenas tentativas desesperadas
de conseguir e ter permissão para continuar na imanência; sendo que é
francamente isso que eles andam a mendigar.
Por outras
palavras: hoje, sob as condições de uma totalidade capitalista ainda
aparentemente fechada em si, parece-me mais na ordem do dia um REALISMO DIALÉCTICO
do que “fantasias dialécticas”; um luxo a que hoje não podemos nos dar,
quando aquela totalidade se desfaz. Um tal realismo dialéctico, na perspectiva
da totalidade concreta em crise, não tem nada a ver com a ideologia da resistência
de Holloway, nem tão-pouco com a “dialéctica prática” por exemplo de Haug
que, alheia à realidade, se agarra a um antiquado exercício de pensamento
estatista-politicista. Um realismo dialéctico tem de recusar qualquer
populismo, culto da afectação kitsch
do quotidiano ou falsas ligações à terra da filosofia da vida, que em última
instância podem representar a porta para a barbárie; seja na versão ideológica
de “baixo” ou na de “cima”. Nada mais estúpido do que a palavra de
ordem: “Nós não pagamos pela vossa crise”. Um realismo dialéctico tem de
olhar de frente as relações sociais (mundiais), sem pieguices, sem venalidades
e sem romantismos, para afirmar o objectivo de que sobre essas ruínas tem de
nascer algo completamente novo.
Após esta
passagem em revista, deve ter ficado verdadeiramente claro que um tal
entendimento da dialéctica que, não em último lugar, radica na polémica com
Kant e com Hegel, como se pôde ver, em caso nenhum se pode expor na forma de
frases normativas vazias, como as que se podem encontrar em diversos manuais:
distintivos da dialéctica seriam, segundo elas, por exemplo o “pensamento em
contradições”, completamente abstracto e não mediado com os fundamentos
sociais nem com o seu desenvolvimento, em que um pólo, por exemplo na oposição
entre sujeito e objecto, já está contido no outro; um conceito de totalidade
assim fundado, igualmente geral e abstracto; bem como uma hipótese de teoria
processual tal que qualidade e quantidade se pudessem simplesmente transformar
uma na outra e vice-versa; relativamente á teoria de Marx, aqui se rumina
repetidamente o esforçado dito de que ele “teria virado Hegel de pernas para
o ar de modo materialista” etc. Noutra formulação: Seria necessária,
portanto, a redescoberta de uma dialéctica que não possa ser formalizada nem
esquematizada, e que, portanto, não fique exterior ao seu objecto; como num
procedimento que foi repetidamente tentado (ver, por ex., em Ritsert, 1996,
Knoll/Ritsert, 2006) (10) e que não abdica dos velhos paradigmas (precisamente
também a luta de classes politicista, como é o caso de Haug) relativamente ao
objecto colocado exteriormente. Trata-se, pois, de uma dialéctica que não se
pode estabelecer “metodológica” e abstractamente a
priori (o que reproduz as aporias de Kant relativamente ao objecto), mas
apenas com base na relação entre determinação crítica da forma social e análise
crítica das relações sociais (mundiais) qualitativamente novas, situação em
que a oposição entre dimensão da estrutura e dimensão da acção só pode
ser compreendida como o paradoxo real da constituição de fetiche e não pode
ser resolvida unilateralmente na imanência. Este paradoxo real só pode ser
resolvido com a abolição da sociedade do valor e da dissociação subjacente,
não sobre os próprios fundamentos desta.
O
entendimento da dialéctica que aqui deve ser levado em conta (e isto é
verdadeiramente um lugar comum, cuja possibilidade as esforçadas discussões à
volta da exposição “lógica” da dialéctica simplesmente não admitem) só
se revela na consumação da análise, e apenas em ligação com e tendo por
base o conteúdo. Para isso aponta, ainda mais fortemente do que outros
movimentos marxistas de pensamento, a Dialéctica
Negativa de Adorno, a qual hoje, sob condições modificadas, tem de ser
novamente relativizada e revista nas suas próprias bases. Nesta medida
aplica-se precisamente hoje o que Horkheimer já escreveu, a saber, que uma práxis
adequada tem de incluir sempre o momento da verdade, “mas quem o identifica
imediatamente com o sucesso passa por cima da história e torna-se um apologista
da realidade dominante” (Horkheimer, cit. por Jay, 1976). Nesta situação, a
teoria crítica via-se, segundo Jay, “não apenas como expressão da consciência
de uma única classe (…), mas estava pronta a unir-se com todas as ‘forças
progressistas’ que tivessem vontade ‘de dizer a verdade’” (Jay, 1976, p.
110). Isto, porém, aplica-se não só ao tradicional “ponto de vista da
classe operária”, mas também, por maioria de razão, a outros pontos de
vista e situações sociais imanentes que há muito deixaram de ser claramente
identificados. Precisamente quando hoje, diferentemente de fases anteriores do
desenvolvimento capitalista, as próprias classes médias dominantes se afundam
ao centro, tem de ser posto a descoberto o pano de fundo ideológico. Pois é de
recear que neste contexto até mesmo o novo interesse pela dialéctica e pela própria
crítica material paralise. Contra isso, a redescoberta da dialéctica e de um
realismo dialéctico neste sentido terá de ser virada contra o interesse
imanente afirmativo e concorrencial secretamente orientado para a classe média,
a fim de poder desenvolver ideias completamente novas de mudança social.
Sobretudo,
porém, as minhas considerações constituíram em primeira linha uma entrada
por assim dizer na teoria do conhecimento, com a correspondente fundamentação
para a sua consumação crítica – sempre pensada perante o pano de fundo de
que a crítica do conhecimento tem de ser simultaneamente crítica da sociedade,
a qual depois tem de se revelar também em análises concretas, relativamente ao
respectivo objecto na sua peculiaridade, análises que, para um entendimento
metodológico-abstracto e na lógica da dedução, surgem apenas como degradação
e contaminação do conceito. Contudo, apesar da urgência de um
revolucionamento social, não podemos inversamente deixar-nos impressionar
“pelo colapso”, de tal maneira que a reflexão caia na metafísica do
quotidiano sem mediação e na filosofia da vida pós-moderna, ou que procure
nostalgicamente uma reanimação simulada da dialéctica no contexto do velho
marxismo das classes ou dos interesses de classe média pós-moderna, ou até
que se adapte a quaisquer esforços para salvar o capitalismo. A dialéctica
real do capitalismo de crise tem de ser decifrada teoricamente na perspectiva da
totalidade concreta; o que não se consegue com atitudes neo-positivistas, como
as que se invocam também no contexto da “nova leitura de Marx” (para o
efeito, como assinalado, “cientificamente” iminente: ver Elbe, 2008), pelo
contrário, seria bom que o realismo dialéctico se revelasse precisamente em
ataques de crítica da ideologia.
Esforcei-me
por mostrar que uma forma renovada de pensamento dialéctico não pode
simplesmente fazer a condenação barata os movimentos sociais actuais, mas tem
de compreendê-los dialéctica e historicamente na sua própria
condicionalidade, sem se tornar simples expressão deles. O mesmo se aplica aos
pensamentos estimulantes surgidos neste contexto, dos quais determinados
momentos, depois de examinados, podem ser assumidos numa crítica da dissociação
e do valor tornada auto-reflexiva; mais uma vez sem daí se partir do princípio
de que estes momentos podem ser incorporados eclecticamente pelas premissas da
crítica do conhecimento e da sociedade, e ajustar-se, de certa maneira sem
ruptura, numa espécie de caixa de construções teóricas. Uma teoria dialéctica
da dissociação e do valor, que já inclui sempre em si o seu próprio
desmentido, no sentido da co-reflexão do não-idêntico, é completamente
alheia tanto a ideias herméticas como a ideias eclécticas. Naturalmente que o
positivismo, tanto académico como da ideologia do movimento, parece indestrutível;
mesmo depois do seu fim vergonhoso, ele vai provavelmente ainda viver uma
sobrevida, tentando incorporar precisamente a crítica da dissociação e do
valor, como última admissão ao serviço no “tratamento da contradição”
(Kurz, 2007) da administração de emergência do capitalismo em decadência.
(11) Pois, no fundo, tudo continua na mesma – ou não?
NOTAS
(1) Isto não quer dizer,
naturalmente, que se deva denunciar qualquer trabalho académico de crítica do
valor com propósitos sérios; é de valorizar positivamente o facto de esta
elaboração teórica entrar em teses de licenciatura e doutoramento. Em todo o
caso, devem ser aí reflectidas criticamente as condições restritivas da
empresa académica, as suas coerções e “mandamentos de reputação”, se a
abordagem por natureza fundada na crítica da ciência, tanto epistemicamente
como quanto aos conteúdos, deve ser realizada subversiva e não diluidamente.
(2)
Para já não falar da mãe natureza, de novo redescoberta em grande também no
contexto académico (de esquerda). Questão a que, no entanto, apenas vou poder
referir-me de passagem na exposição que segue.
(3) Que, de resto, se pode ver
há muito numa espécie de ortodoxia filológica da crítica do valor (ao que
isto chegou!), uma vez que é posicionada abstractamente uma construção de
Marx fixada na dedução, contra as tendências “sociologistas”, ao mesmo
tempo obviamente expurgada da reflexão sobre a dinâmica capitalista e seus
limites internos, do ponto de vista da teoria da crise (assim em Elbe, 2008).
(4) Aliás, a expressão
“resto não reificável” radica inicialmente em George Simmel e não em Lukács,
como se vem afirmando repetidamente. Simmel, a este propósito, não só é
citado, mas também é criticado por Lukács, quando aquele constata que “todo
o conteúdo objectivo da vida se torna cada vez mais objectivo e impessoal, de
tal modo que o resto não reificável dele se torna tanto mais pessoal, uma
propriedade tanto mais incontestável do Eu” (Simmel, cit. por Lukács, loc.
cit., p. 172). Lukács comenta a propósito: “Com isto, o que através da
mediação devia ser deduzido e explicado, torna-se o princípio aceite e mesmo
explicação declarada de todos os fenómenos: a inexplicada e inexplicável
facticidade da existência e do ser-assim da sociedade burguesa toma o carácter
de uma lei eterna da natureza ou de um valor cultural de validade intemporal
(…) Desde a guerra mundial e a revolução mundial que a perfeita incapacidade
de todos os pensadores e historiadores burgueses para pensarem como história
mundial os acontecimentos históricos mundiais do presente tem de permanecer
como horrível recordação para qualquer ser humano em seu perfeito juízo”
(loc. cit., p. 172).
(5) É de notar aqui que se
trata de uma determinação fundamental das dimensões do tempo. Concreta e
empiricamente, estas formas de tempo podem misturar-se na actual situação de
crise. Assim, por exemplo, se a dimensão “cuidar” entra como fim
instrumental nas estratégias da gestão, em contrapartida faz-se sentir
profundamente uma gestão de qualidade até na educação das crianças
(comportamento compulsivo dos pais em conformidade com a literatura de
aconselhamento educacional, com o objectivo de “tirar o máximo” da criança).
(6) Referência implícita a
Georges Sorel (1847-1922) que na sua crítica da democracia liberal atribui à
violência um valor em si positivo e invoca moralisadoramente a luta de classes
como “mito social”, enquanto rejeita a crítica da economia política de
Marx, bem como a dialéctica e o pensamento reflexivo em geral como
“decadente”. Afirma-se a actividade em si sem conteúdo. Em consequência
dessa indeterminação de conteúdo, ele pôde ser invocado na festa do
“activismo militante”, tanto por representantes de bolchevistas e
sindicalistas, como também por correntes fascistas.
(7) Nas ciências sociais,
Ulrich Beck e Zygmunt Baumann podem de certo modo ser considerados excepções.
Este último, nos seus livros Modernidade
e Ambivalência (1992 a) e A
Modernidade e o Holocausto (1992 b), mesmo permanecendo no plano sociológico,
liga-se frutuosamente a reflexões da Dialéctica
do Iluminismo, no entanto, em todo o caso, sem qualquer espécie de referência
à problemática da forma abstracta da dimensão do valor. Em Ulrich Beck, na
sua teoria da “Modernidade reflexiva”, pode reconhecer-se um pensamento de
teoria do processo, na sequência de Marx e Hegel, sendo que também ele passa
sem qualquer recurso ao princípio da forma (cf., por ex., Beck, 1986),
mantendo-se por isso amplamente afirmativo nas suas conclusões. O entendimento
da dialéctica e da totalidade de Lukács ou de Adorno é aqui como que dividido
ao meio, uma vez que o desenvolvimento histórico concreto permanece não
mediado com a essência do capital. Ambas as abordagens, no entanto, tiveram o mérito
de registar e assumir sem preconceitos os novos desenvolvimentos sociais,
enquanto o marxismo tradicional permanecia em interpretações abstractas do
marxismo das classes.
(8) Assim, surgiram nos últimos
anos livros com títulos como: Pequeno
Manual da Dialéctica (Ritsert, 1997), O
Princípio da Dialéctica (Knoll/Ritsert, 2006), O que Restou Realmente da Dialéctica na Sociologia? (Kuchler 2005),
Criação do Mundo e Revolução – Ensaio sobre a Fundação da Dialéctica (Holz,
2006); finalmente, saiu um novo número da revista Argument
com o tema Redescobrir a Dialéctica (2008).
Até Peer Steinbrück redescobriu a dialéctica “pragmaticamente”, no
sentido em que após a desregulação agora teria de se seguir urgentemente de
novo o retorno a uma fase de regulação, na sequência do crash
financeiro.
(9) Frank Rentschler chamou-me
a atenção para isso numa discussão oral.
(10) Deve aqui ter ficado claro
do conjunto da minha argumentação que ela se demarca de posições
positivistas, como as que se podem encontrar também em Ingo Elbe, o qual
pretende igualmente que um procedimento dialéctico tem de se fundamentar na lógica
formal, e neste contexto com Michael Heinrich representa a opinião de que as análises
e determinações históricas teriam apenas uma função de ilustração e de
justificação para a estrutura (Elbe, 2008, p. 122). Entende-se com isto a
referência porventura não apenas a relações pré-capitalistas, mas também
à história dinâmica interna do próprio capitalismo. Deste modo, contudo,
afirma-se que estrutura e história são extrínsecas uma à outra. A teoria
marxiana do capital é percebida sobretudo como problema de exposição, em
sentido metodológico; perde-se a dimensão do conteúdo. Com isto tanto a
empiria em geral como também a dinâmica histórica, incluindo hoje as tendências
reais de colapso, ficam sob a égide de um continuum
“estrutural” do capitalismo existente até ao fim do mundo. Relativamente à
“metodologia”, há que dar razão a Adorno, no ponto em que Elbe o
parafraseia pejorativamente: “No interior de um ‘sistema de pensamento de ciência
lógica’ os ‘antagonismos reais’ não seriam concebíveis” (Elbe, 2008,
p. 123). Elbe escreve no contexto da Nova Leitura de Marx: “Todas estas
abordagens (a teoria analítica da ciência, bem como posições orientadas pelo
marxismo estruturalista, ainda que as posições marxistas-hegelianas devam ser
dominantes, R.S.) se esforçam por clarificar o carácter DIALÉCTICO da exposição
postulado por Marx e por responder à questão de saber em que sentido os
modelos de explicação correntes da teoria da ciência são compatíveis com
ele” (Elbe, 2008, p. 124). Elbe anda dia a noite à volta deste problema da
“compatibilidade”. Inversamente, contudo, contra este “positivismo
estrutural” também podem ser tomadas como ponto de partida não
abstractamente análises históricas concretas. Elas só mostram o seu sentido
no encaixe estrutural, analítico da forma, e apenas perante este pano de fundo
podem elas ser reconhecidas em certos casos como determinações com sentido próprio,
que caiem fora da estrutura, e que como tais “não-idênticas” têm um peso
próprio, e não podem ser alcançadas apenas através da determinação
abstracta da forma e da estrutura. Elas, por sua vez, não constituem qualquer
individualidade abstracta, mas sim mediada com a estrutura, contudo como uma
individualidade que não fica absorvida na estrutura. Naturalmente que um tal
entendimento dialéctico nunca se pode encontrar com a teoria analítica da ciência
nem com o marxismo estruturalista.
(11) O mesmo diz também Bruhn
(2007), no entanto sem a perspectiva da decadência.
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Crise e Crítica da Sociedade da Mercadoria, nº 6 (2009)], ISBN 3-89502-289-0,
256 p., 13 Euro, Editora: Horlemann Verlag, Grüner Weg 11, 53572 Unkel,
Deutschland, Tel +49 (0) 22 24 55 89, Fax +49 (0) 22 24 54 29,
http://www.horlemann-verlag.de/
Tradução
de Boaventura Antunes e Virgínia Saavedra, 05/2010